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sábado, 9 de janeiro de 2021

Occasionally



- What are you doing out here, so early?

- Thinking…

- About what?

- Things… in general… life… us… the future…

The sun had just slit the horizon with its razor of light, slowly colouring the sky with the first rays in shades of yellow and vermillion.  I felt like my soul was in a peaceful mood.

He sat down by my side on the soft white sand. The sound of the waves, my favourite soundtrack, helped me think, making my mind wander freely…

His arm touched mine, occasionally. His leg touched mine, occasionally. He did not say another word, for some time. He knew me. He just waited, patiently, respecting my time and my timing. I was not in hurry. Why would I be? I was in love and I was being loved by the sweetest man alive… and he was sitting right there, so close to me, at my side.

I was often emotional. He felt it, automatically and pressed my arm, without saying a word. He knew me so well, indeed.

That tender gesture triggered my reactions harder and deeper. I felt warm tears running down my face. He pulled me closer to him and embraced me, bringing my head to rest on his chest.

- I love you so very much…

I held his hand in mine and kissed it gently. 

He smelled my hair and closed his eyes, as if trying to hold that moment in his memory.

- Your scent is so remarkable…

I hummed an almost inaudible:

- You’re too sweet, my love

- I’ve been thinking…

- So have I.

He took a deep breath and held me tighter.

- Oh, my love…

I knew exactly what he intended to say. He did not need to speak it all out loud…

It was the same I wanted...

***



sábado, 24 de outubro de 2020

Deuses do Mar

 


Uma brisa suave entrava pela grande porta de correr, que ligava a varanda à sala de estar. Todas as janelas haviam sido abertas desde cedo, naquele dia quente e ensolarado. Não havia uma única nuvem a manchar o intenso azul do céu.

Depois de um leve e breve café da manhã, decidimos que íamos passar a maior parte do dia à beira-mar. Seria apenas uma curta viagem de carro até a praia mais próxima, onde poderíamos nos refrescar e relaxar juntos. Afinal, para que servem as férias de verão?

- Eu nasci na ilha, sabes disso. O oceano faz parte da minha existência desde que eu me conheço por gente.

- Tu és filho de um daqueles deuses do mar! Tenho certeza.

Ele disse aquilo e abriu seu largo, enigmático e adorável sorriso, que sempre fazia a tristeza desaparecer dos meus olhos, por um momento, como se nunca dantes tivesse ali estado.

- Meu ‘pai’, então, está muito sereno hoje. Até as ondas estão pouco agitadas, quase uma calmaria, ​​no momento. Ele provavelmente me sente por perto...

- Eu pensei que o oceano fosse, de alguma forma, bem diferente disso. Eu conheço o Mar Mediterrâneo. Já estive lá algumas vezes, mas não é, definitivamente, assim. O oceano parece muito mais poderoso e a água é tão mais fria!

- É melhor ficarmos pouco tempo aqui no sol direto, pois não estamos acostumados e nossas peles são muito pálidas, para ficarem expostas assim a estes raios escaldantes.

- Eu, às vezes, duvido que tu tenhas, realmente, nascido na ilha...

- Quando eu era jovem, tive uma grave queimadura de sol e tenho muito medo de repetir uma experiência daquelas.

- Ah! Eu sei muito bem o que tu queres dizer. Cometi o mesmo erro quando estava no colégio. Podes-me ajudar com o protetor solar, então, por favor?

- Claro! Vira-te, um pouco.

 ***

O vento soprava forte, anunciando uma tempestade. As ondas batiam, ruidosamente, na costa e nas rochas. Nenhum barco havia saído para o mar. O céu, muito nublado, estava mais escuro que o normal, para aquela hora do dia. Algumas bravas aves marinhas esperavam na praia, como se estivessem contando os minutos para pescar, mas o vento não as deixava chegar muito perto das águas.

Eu estava sentado, sozinho e em silêncio e sem nenhum pensamento sólido em mente. Gostava de estar ali, acompanhando o vai-e-vem das ondas, quase em transe, como se a esvaziar minha alma de todos os problemas. Estava tranquilo, por haver enterrado aqueles sentimentos pungentes do meu passado. Era incrível como eu havia mudado nos últimos meses.

Ouvi o trovão, ao longe, e levantei-me, pronto para sair da praia, antes que a chuva me alcançasse e caísse fria e pesada sobre mim.

Algo em minha mente, porém, me disse para esperar. Foi uma sensação estranha, como se alguém me estivesse chamando. Eu olhei em volta. O vento soprava cada vez mais forte e o oceano parecia mais selvagem.

Um cão corria ao longo da linha do mar, seguido por um menino de cerca de cinco anos, atento ao animal, mas totalmente alheio a qualquer perigo. O cão correu atrás de algumas das gaivotas que descansavam na areia, junto às rochas. O menino vinha, sorrindo e brincando, atrás de seu animal de estimação.

A chuva, como já devia ser esperado, caiu sobre todos nós. Os dois não pareciam se importar com nada, além de sua brincadeira.

O animal escalou o rochedo e acabou afugentando os pássaros, que lá estavam. Uma onda bateu, ruidosamente, contra as grandes pedras. Eu pressenti o perigo e corri, mas não fui rápido o suficiente.

O menino pisou na superfície molhada e escorregou. Ele tentou, mas não conseguiu agarrar-se a nada e foi abraçado pela onda que se seguiu. O pobre cão ficou totalmente perdido, tentando fazer alguma coisa, correndo e ganindo em desespero.

Antes que eu os alcançasse, o animal pulou no oceano, atrás do rapaz, que já não estava à vista.

Eu gritei, mas era tarde demais. Eles desapareceram em segundos, engolidos pelas águas frias e agressivas.

Eu não pensei muito. Apenas agi por instinto.

***

- O que foi que tu fizeste?

Eu virei a cabeça.

- O que tu achas que eu fiz?

- Como foi que aquilo aconteceu?

Evitei a pergunta.

- Ele está vivo, não está? Ambos estão. É isto que importa, na verdade...

- Sim. Mas…

Eu olhei pra ele. Ele segurou meus braços, com firmeza e tentou falar devagar e com calma.

- Havia uma tempestade e o mar estava muito agitado. Como tu poderias retirá-los das águas, assim? Como aquela tempestade poderia, simplesmente, parar e o mar ficar tão plácido?

Evitei seus olhos.

- Eu não sei. Como eu iria saber?

 - O que tu estás escondendo?

Fechei meus olhos e as memórias vieram rápidas na minha mente. Quando os abri de volta, seus olhos estavam fixos nos meus. Decidi que não poderia evitar os fatos, nem a verdade, então falei.

***

- Meu pai... me ajude!

Saltei das rochas, para dentro do mar. Senti como se o tempo tivesse parado. As águas, de repente, se acalmaram e as ondas quase desapareceram.

Eu vi o menino e seu cão bem perto. O animal arrastava o dono pela camisa e vinha na minha direção, como se soubesse que eu estava ali para tirá-los do perigo que corriam. Ambos haviam engolido bastante água e o menino estava quase inconsciente.

Ele tentava respirar. Eu o puxei de volta para a praia e massageei seu peito, mantendo seu rosto virado para o lado. Ainda quase inconsciente, ele expeliu um pouco de água, tossiu e aquilo deixou seu rosto mais corado.

O cão saltava ao nosso redor, ganindo e inspecionando o amigo com o focinho.

Eu ouvi alguém gritando. Dois homens vinham de direções diferentes. Um deles eu conhecia muito bem.

O homem se aproximou do menino e segurou-o contra seu peito. Aparentemente, havia-me visto salvando seu filho...

O rosto amigável do outro homem estava voltado para mim, com seus curiosos olhos azul-esverdeados, muito abertos.

Olhei para o mar, que voltou ao seu estado normal, quase que imediatamente. A tempestade se fora. Ao longe, a espuma branca das novas ondas desenhava figuras engraçadas na água. Uma onda específica parecia ser mais alta que todas as outras. De repente dissolveu-se e deixou a superfície da água quase intacta...

Sorri para mim mesmo e encarei meu melhor amigo, que estava parado ao meu lado.

Ele olhava para mim, seriamente, com seus olhos brilhantes muito arregalados.

***


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Nenhum Dia Como Hoje (Um Pacto. Impacto)



- Não devias sair com este tempo!

Ele riu. Esperava uma acolhida menos racional, mas alguém tinha que manter os dois pés firmes ao chão.

- Achei que…

- Está mesmo horrível! Não para de chover!

- Lá fora. Aqui dentro, não. Ou talvez… Mas eu gosto da chuva…

Daquela vez não sorriu.

- Aconteceu alguma coisa?

- Ainda não!

- Como assim?

***

Abriu os olhos, devagar. O quarto ainda estava escuro. Os estores estavam baixados, até o nível do chão. Levantou-se e foi até o interruptor. O som do motor a mover as finas lâminas, que subiam lentamente e permitiam alguma luz entrar pelo aposento, pareceu-lhe mais alto que de costume. A luz do sol feriu-lhe os olhos.

Teria bebido vinho demais? A cabeça ainda parecia às voltas. Nem tudo que lembrava estava tão claro.

Código secreto de batidas na porta. O coração batendo rápido sob a promessa de um amor secreto. Amantes secretos, a compartilhar o ato de fazer amor, como se fossem os últimos amantes vivos do planeta e a criar inevitáveis novas memórias, que nunca seriam partilhadas com mais ninguém.

Quão injusto e inexorável. Quão triste e, ao mesmo tempo, quão indescritivelmente agradável e satisfatório.

Olhou para o quarto e notou que a cama estava toda desalinhada. Não gostou nada do que viu. Pequenas manchas rubras ainda maculavam o tecido branco. Havia de arrumar aquela bagunça toda, imediatamente.

Sacudiu a cabeça e pôs mãos à obra, sem pensar muito mais. Arrancou os lençóis e apressou-se a colocá-los no cesto de roupas a lavar.

Havia de deixar a cama impecável, com os lençóis limpos; aqueles brancos, de linho, com papoulas vermelhas, pintadas à mão.

***

Gaivotas. Invejava aqueles pássaros. Ele gostava daquelas de corpo branco, de asas cinzentas, enormes, com as pontas negras. Eram assustadoras, às vezes, quando davam aqueles rasantes, por sobre a sua cabeça, já tão atormentada por uma série de ideias estranhas.

Talvez chegasse a ser como elas, quando… Tentou desviar o pensamento…

O céu, cheio de nuvens pesadamente cinzentas, anunciava tempestade. Mais uma. Nenhuma tão grande quanto a que se desencadeava dentro de si, entretanto. Desejou, mesmo sem esperanças, que daquela vez fosse mais fácil.  

O odor iodado do mar preencheu-lhe as narinas. Ele sentiu o vento soprar mais forte, contra seu corpo. Faltava pouco… e, no entanto, tanto…

***

- Prometes que entendes?

- Não. Jamais vou entender.

- Naquele dia, da tempestade… sabes?

- O que tem?

- Lembras?

- Do quê?

- De tudo. Do pacto.

- Estávamos bêbados. Maldito vinho! Aquilo foi loucura.

- Não foi... ou, talvez, tenha sido, mas… foi um pacto… de sangue…

- Tu não vais levar isto adiante, vais?

Ele olhou para aquela face tão amada, agora demonstrando grande preocupação e considerou se devia contar mais que a verdade conhecida. Não conseguiu manter, firme, sua mirada. Baixou os olhos, como se voltasse para dentro de si, mais uma vez, depois de tantas outras, naqueles últimos dias.

- Vou… eventualmente…

***

As gaivotas. Tão brancas e tão soltas, a planar, com suas enormes asas, sustentadas pelo vento, que soprava contra seu corpo e o penhasco, celebravam, à sua maneira, a liberdade de voar.

Abriu os braços. Sentiu-se leve, como nunca antes. O mar, lá em baixo, rugia, como um dragão… paciente, mas impiedoso.

Um trovão ecoou à distância. Tempestade à vista… mas já não tinha importância.

***

Observava, à janela, de um ponto específico da cidade, um raio a riscar o céu, seguido de um inevitável trovão.

Contemplou a pequena cicatriz, deixada, no pulso, pela curta e afiada lâmina do canivete, que apareceu-lhe, quase de brincadeira, na mão trêmula, numa noite de chuva pesada, como seria aquela que se aproximava.

Estremeceu, ao lembrar-se, com tristeza, do pacto… Que estupidez! Nunca devia ter concordado com aquilo. Aquele desconforto tinha razão de ser.

Era uma crueldade não saber o dia exato, não conseguir ajudar, não poder interferir. Mas um pacto é, sempre, um pacto. Sentiu, então, que o facto estava prestes a ser consumado. O coração sentia, antes de a mente processar.

Mais um raio. Aquele caiu perto, pelo som do trovejar, que se seguiu, quase que imediatamente.

***

Coragem, agora. Não pode ser tão difícil…

Deu um passo à frente… e outro… até o chão dissolver-se em éter e seu corpo mergulhar no vazio.

Ele saboreou a vitória. A guerra estava no fim. Vencia ele, antes que aquela maldita doença o fizesse, ou o tornasse inválido, de vez. 

Ele odiaria tornar-se um peso, para quem quer que fosse.

Já não haveria outro dia como aquele.

***


sábado, 19 de outubro de 2019

De Jacinto (Parte final)



“Down on my knees, down on my knees once again... 
  I'm down on my knees, down on my knees once again... 
  Breaking in tears, breaking in tears once again...
  It's hard for me, but I'm trying”… (Adam Evald; “That Day”)

(De joelhos, de joelhos mais uma vez...
  Estou de joelhos, de joelhos mais uma vez...
 Desabando em lágrimas, desabando em lágrimas mais uma vez...
  É difícil para mim, mas estou tentando) … 


***

- O que é que tu fizeste?

- Se ele não for meu, também não será de ninguém...

- Estás louco? E o que fazemos agora?

Ele revelou aquele sorriso maléfico novamente, enquanto falava muito lenta e claramente.

- Eu… não vou fazer nada... Acabei de fazer o que queria... Tu é que precisas fazer alguma coisa, agora.

- Meu Deus! O que eu faço, então?

- Toma o teu remédio e eu desapareço... e tu terás que enfrentar um crime... sozinho... Ou podes chamar de acidente. Talvez eles acreditem, ou então...

- Porra! Que merda!

***

- Tu estás delirando! Não há nada lá.

- Juro que havia um corpo. Um homem morto! E estava ali!
   
- Quando foi a última vez que tomaste o comprimido?

- Não tenho certeza. Perdi a noção do tempo.

- Olhe para mim. Foco. Agora! Quanto tempo?

- Eu não sei. Algumas semanas, talvez.

- Semanas? Estás louco? Tu sabes que deves tomá-lo todos os dias!!! Como tu sabes que não estás alucinando?

- Eu não estou. Quero dizer, acho que não...

- Achas que não? Achas que não?!?!? O que significa isto? Não vês que podes ser condenado como cúmplice de um crime? Se houve realmente um crime!

- Eu não sou um cúmplice! Não incentivei e nem participei daquilo...

- Vais ter que provar a tua inocência, se encontrarmos o corpo.

Ele ajoelhou-se no chão, segurando a cabeça com as duas mãos e chorou, como uma criança, quando ouviram o som da sirene se aproximando.
***
Havia silêncio na escuridão. Havia escuridão naquele silêncio.

O homem olhou em volta. Parecia estar sozinho e não tinha certeza de onde estava. Ouviu um clique seco e, de repente, uma porta foi aberta. A luz pareceu perfurar seus olhos. Ele tentou cobrir o rosto com as duas mãos, mas não conseguiu movê-las. Já não estava mais sozinho.

- Como está se sentindo?

- O que é isso? Onde estou?

- Não se preocupe. Está seguro agora. Nós cuidaremos de você...

Os homens vestidos de branco se aproximaram mais. Ele teve a impressão de conhecer um deles. Viu seu amigo no canto da sala, mas aquilo poderia ser apenas uma impressão... ou sua mente brincando com ele.

Uma picada repentina no braço esquerdo o fez arregalar os olhos, mas logo sentiu que não poderia mantê-los abertos, por muito tempo. Ainda podia ouvir o barulho das pessoas conversando, mas as palavras foram desaparecendo, naquela mistura confusa de vozes diferentes.

Então, tudo ficou escuro... e silencioso...Novamente…
***
- Como ele está?

- Ele tem seus altos e baixos. Está saindo de outra crise. Seu caso tornou-se cada vez mais complexo, com o passar do tempo e com o fato de ele não ter tomado o medicamento por meses.

- Entendo…

O médico estava sendo o mais honesto e prático possível.

- Ele precisa ficar em terapia intensiva por um tempo ainda, antes que possamos liberá-lo.

- E vai ficar curado? Quero dizer, mesmo com um processo de prescrição vitalícia?

- Nunca teremos certeza... A vida é cheia de surpresas...
***
- Tu me vais ajudar a sair daqui?

- É isso que estou fazendo…

- Não. Assim não...

- É o único jeito, agora.

- Por favor…

- Uma vez tu me perguntaste se eu sabia o que sentias por mim e eu te disse que não era bom em expressar o que se passava em meu coração. Bem, eu pensei muito sobre isso, e concluí que a única forma de sair, é ficando cá. E digo isto, porque eu realmente me importo contigo. Mais do que qualquer outra coisa... eu estarei aqui para ti, o tempo todo.

Seus olhos estavam fixos no parceiro amado. Havia uma mistura de pena, preocupação e verdadeiro carinho. Ele tocou o rosto do amigo, muito levemente.

- Tu és tão bom para mim…

- E tu estás tão chapado...

Ele fechou os olhos e adormeceu com um sorriso no rosto.
***
O tempo, paciência, medicação e vigilância rigorosa provaram ser o tratamento mais eficaz para aquela sua esquizofrenia.

Os médicos o dispensaram do centro de tratamento, depois de decidir que estava pronto para voltar à sua vida quase normal, e para as coisas e pessoas a que estava acostumado, já que os sintomas pareciam haver desaparecido completamente.

Ele ficou aliviado e seu melhor amigo e mentor também. Eles precisavam de uma comemoração. Decidiram ir à casa de praia, pois ele queria passar um tempo à beira-mar, longe de médicos e enfermeiras.

Pegaram o carro e dirigiram-se para o litoral, para passar mais do que apenas naquele fim-de-semana fora.
***
- Não vás embora. Não quero mais que tu vás embora.

- Eu estou bem aqui. Não te preocupes. Eu não vou a lugar nenhum.

- Fico triste quando penso que ele morreu daquele jeito. Eu ainda me sinto culpado por toda esta confusão...

- Ele não está morto, bobo!

- Como assim?

- Como ele podia estar morto? Ele nunca foi real.

- Tu também não deverias estar aqui. Não mais... pelo menos... mas...

Ele sorriu. Aquele sorriso estranho de novo.

- Tua mente é mais poderosa do que tu consegues admitir! Já tomaste o medicamento hoje?

- Sim, claro.
- Então?

- Tu ainda estás aqui.

- Vês? Se depois de todo esse tempo tu ainda me vês... Bem, tu sabes somar dois e dois. Fico feliz que tenhas mantido nosso segredo, de que eu, nunca, realmente, desapareci. Agora, olhe em volta. Vês onde ele está? Naquele lado da praia, perto das pedras?

Ele deu alguns passos tímidos naquela direção.

Sua perceção de tudo ao seu redor parecia mais precisa e clara do que nunca: a brisa... o mar revolto... um som que ele conhecia muito bem...

O disco caiu perto de seus pés. Quando ele se inclinou para pegá-lo, ouviu uma risadinha e ergueu a cabeça. Os cabelos ruivos do homem brilhavam ao sol. 
- Oh! Deus! 
Ele deu-se conta do quanto amava aquele rosto bonito e masculino e aquele sorriso brilhante, quase mais radiante que o sol.

Ele olhou para o recém-chegado, sorrindo e sentindo-se aliviado. Os dois se abraçaram em silêncio e começaram a chorar, sentindo uma felicidade estranha e autêntica.

O céu acima deles estava muito límpido e azul. O vento rodopiou em volta deles e pareceu-lhes que recebiam um abraço e um beijo. Ouviu-se uma risada divertida.

Ele sabia o que acontecia. Zéfiro ria deles, naquele momento de intimidade, sem interferir mais que o necessário, para deixar-lhes saber que estava por perto.
***
Era um dia ensolarado e quente, e a brisa era realmente agradável. A mão de seu amigo pousou sobre seu ombro e ele se sentiu protegido, amado e, se aquilo fosse mesmo possível, tão livre quanto uma gaivota.

- Tu és a criatura mais gentil e mais amada do Universo! Eu nunca poderei agradecer o suficiente pela paciência, cuidado, atenção e...

- Oh! Pare com isso! Eu, realmente, me importo muito contigo…. e não tenho mais medo de dizer isso.

Tirou a t-shirt e livrou-se dos tênis e bermudas, depois caminhou direto para o mar, seguido de seu melhor amigo, que também estava nu e se sentindo tão livre quanto ele.

Duas figuras os observavam, sentados nas rochas, a uma distância segura.

Ele fingiu não vê-los, mas sentiu que ambos sorriam, divertindo-se com aquela cena.
***

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

De Jacinto (Parte 2)



- De todas as lendas mitológicas, a minha favorita sempre foi a de Apolo.

- Ah! A minha sempre foi a de Narciso!

- Faz sentido! E, mesmo te conhecendo do jeito que eu te conheço,  jamais teria adivinhado...

Eles se entreolharam, muito sérios, por um tempo e depois caíram na gargalhada.

***

As férias de verão estavam quase no fim e ele se preparava para voltar à sua vida normal. Havia decidido arrumar as coisas e colocá-las no porta-malas do carro, enquanto ainda era de manhã cedo, mas mudou de ideia, assim que abriu a porta.

Um lindo e ensolarado dia acabava de nascer e, embora inicialmente pretendesse deixar o local na hora do almoço, ele achou que seria melhor adiar a viagem para o final da tarde, para que pudesse relaxar e aproveitar seu último dia de paz, na praia.

O sol subia lentamente no céu. Logo estaria quente o suficiente.

Uma corrida rápida na praia seria boa para sentir-se livre e leve, antes de preparar sua mente e corpo para a semana seguinte e para as rotinas a que estava acostumado, incluindo as sessões de terapia. Ele tinha muitas coisas a conversar.

Mas não era o momento certo para pensar nos assuntos da semana. O que precisava, mesmo, era manter a cabeça tranquila até o fim daquele último dia, pelo menos.

Correu por alguns minutos pela praia e, quando voltou, olhou para o mar, que parecia convidá-lo, despiu-se e foi nadar. A água estava fria, mas o dia já estava razoavelmente quente. Ele pensou que era um homem de sorte, afinal.

Sorriu, quando pensou no amigo.

(- Nome engraçado!)

Eles se conheciam há algum tempo e ainda mantinham a mesma simpatia que tinham desde o início. Melhor dizendo: aquele sentimento ficara mais forte com o tempo e com a intimidade que eles compartilhavam. Além disso, havia um autêntico respeito que nutriam um pelo outro e isso fazia toda a diferença.

- Quanto tempo vais ficar na água ainda?

- Ahn? O quê?

- Vais congelar aí. Esta água está tão fria!

Ele não respondeu, mas percebeu que havia esquecido como a água estava fria, tão distraído que estava com seus próprios pensamentos. Sentiu seus músculos enrijarem. Era hora de sair do mar e voltar para casa.

***

- Tu sabes o que sinto a este respeito, não?

- Sim. E tu sabes que eu não sou bom em expressar meus sentimentos...

- O que tu vais fazer?

- Não posso fazer nada além do que já estou fazendo. Estou profundamente envolvido nisto, mas é o melhor que posso fazer... pelo menos por enquanto.

- Compreendo.

- Eu te desapontei, não foi?

- Na verdade, não. Eu tento manter meus dois pés, firmes, no chão.

- Nunca fiz promessas, porque sabia que não seria capaz de cumpri-las.

- Eu sei o que queres dizer. Foi só...

Ele parou no meio da frase. Ele quase disse e sabia que ter-se-ia arrependido logo depois, se o fizesse.

O outro homem simplesmente olhou para ele, com uma tristeza repentina nos olhos. Ele sabia exatamente como aquela frase poderia terminar. Infelizmente.

Ficaram em silêncio por um longo tempo. Foi um momento em que as palavras não significariam nada, porque ambos sabiam o idioma que seus corações falavam. Um silêncio caiu pesadamente entre eles.

Os dois evitaram olhar nos rostos e olhos um do outro. Suas lágrimas não lhes permitiam ver claramente, de qualquer maneira, mesmo que eles quisessem.

***

“I'll never forget what happened that day,
 The fear in your eyes, the cutting away
 You left to my world fine memories,
 But I've turned them into sworn enemies
 That day”... (Adam Evald; “That Day”)

(Nunca esquecerei o que aconteceu naquele dia,
 O medo em seus olhos, a separação
 Você deixou no meu mundo boas lembranças,
 Mas eu as transformei em inimigos jurados
 Naquele dia)...

- Essa música de novo? Tu nunca te cansas de ouvir?

Ele ignorou a ironia.

- Por que tu vens aqui sempre que me vês sozinho?

- Eu sinto que tu precisas de mim.

- Como podes?

Ele sorriu. Isso significava que não responderia. O homem já estava tão acostumado com aquilo, que nem tentou discutir.

- Vou ver um terapeuta hoje.

- Isso é uma estupidez e um grande desperdício. Tu não precisas de um.

- É isso que tu achas? Tu és o motivo pelo qual eu preciso ver um.

- Besteira! Não precisas de ninguém, além de mim.

- Arrogância? Agora? Deves estar de brincadeira comigo.

Ele sorriu de novo.

- Vá, se quiseres. Acho que estás errado, de qualquer maneira. Eu sei que não me vais dar razão, até que percebas que, realmente, não precisas da ajuda de um estranho.

- Eu sei e tu sabes que eu sei.

- Brincando com as palavras agora? Isso é tão típico em ti.

O homem simplesmente sorriu de volta. Como sua contraparte, ele não queria... nem precisava... responder à aquela provocação.

***

O homem sentou-se na poltrona de couro castanho, no lado esquerdo da sala, e esperou. O terapeuta havia-lhe perguntado se aceitava uma chávena de café.

O zumbido da máquina serviu de música de fundo para os seus pensamentos. Ele tentava encontrar uma maneira de iniciar a conversa. Sabia como a terapia funcionava e precisava ir direto ao ponto, por vários motivos. Quanto mais rápido o fizesse, melhor seria para os resultados. Além disso, havia razões pecuniárias a serem levadas em consideração, também.

- Eu preciso de ajuda. Urgentemente! Não é fácil dizer isso, mas é o único jeito.

- Bem, isto já é um bom começo. De que tipo de ajuda estás a falar?

- Não quero vir com um diagnóstico pronto e dizer o que preciso fazer, mas haverás de concordar comigo que vou precisar tomar medicamentos, o mais rápido possível.

- E o que te leva a pensar em algo assim?

- Confesso que já passei por isso antes e não levei a sério. Agora vejo que realmente preciso, ou, então, vou entrar em uma viagem de ida até o fim, completamente fora de controlo. E eu não gosto e nem quero uma coisa destas. Pensei que conseguiria lidar com o problema sozinho e sair ileso, mas não posso. Eu, simplesmente, não consigo.

- Do que estás falando? Vá direto ao ponto, por favor.

- Eu ouço vozes na minha cabeça o tempo todo e vejo pessoas que não existem, na realidade.

- E como tu sabes que elas não existem?

- Porque eu já fui diagnosticado como esquizofrênico!

***