domingo, 24 de janeiro de 2016

Café da Manhã e Brincadeiras


Hey.

Brinca comigo… Eu sei que fiz bagunça no quarto de trás, quando derrubei o ferro de passar roupa, mas eu não fiz por mal. Eu só queria saber o que estava por trás da caixa. Foi um acidente. Eu também levei um susto. Aquilo faz muito barulho quando cai…

Hoje, quando já passava das sete da manhã, pelo menos uns trinta segundos e a luz do dia já entrava pela janela, fiquei preocupado. Por que ainda estavas deitado? Pensei que era dia de trabalho e havia algo errado. Também estava na minha hora e eu tinha fome. Até resolvi dar-te uma cutucada, para ver se reagias. O relógio havia despertado havia bastante tempo e parecia que tinhas, simplesmente, ignorado. Pensei que podias estar doente. Mas, não. Foi só quando sorriste, depois que cheirei teu rosto, que eu fiquei mais aliviado. Eu ia voltar a insistir, mas tu resmungaste um pouco e levantaste em seguida. Eu até pensei:

E vamos nós! Hora do café! Iupi! Já não aguentava mais…

Às vezes eu penso que te esqueces… ou distrais-te… das coisas importantes. Se não sou eu, aqui, nesta casa, a lembrar os horários da comida, a hora de deitar, de brincar, de limpar a caixa de areia, até parece que tu deixas as coisas passarem. Isso não pode ser! É muita responsabilidade para mim…

Ouvi-te dizer que hoje é feriado, seja lá o que isso signifique. Pelo jeito vamos, os dois, ficar em casa e eu vou aproveitar da presença e dos mimos. Tomara que seja um dia de sol, para poder deitar-me lá fora, um pouco. Os invernos são chatos, quando não faz um pouquinho de sol, para estirar-me preguiçosamente e aquecer-me na varanda, ou na janela, pelo lado de dentro. Um calorzinho sempre é bom.

Se não tiver sol, em compensação, vou deitar-me em baixo do edredão, como faço à noite, encostadinho na tua barriga, ou na almofada da cadeira, atrás de ti… É tão agradável e tão quentinho… principalmente se colocares aquela música suave para ouvirmos. A música ajuda-me a relaxar.

Mas antes disso, vou brincar até cansar. Afinal, estou sentindo muito vigor e preciso gastar um pouco disto. Acumulei muita energia nas dezasseis horas que dormi ontem.

Eu sou um gato de casa, agora, por sorte e estou bem protegido e salvo dos perigos que já passei lá fora, antes de ser resgatado, medicado e adotado, mas preciso de atenção e brincadeiras…. Algum exercício físico também é bom…

Eu trouxe a bolinha, para jogarmos… só não vou prometer que vou ser discreto ao correr pelo assoalho. O meu peso não pode ser disfarçado facilmente, quando corro pelo piso de madeira…

Ah, eu não gosto quando dizes que eu pareço um cavalinho a correr pela casa. Não é nada bonito rir de mim, só porque estou um pouco gordito! Não é culpa minha… somente…

Opa! Acho que vou adiar a brincadeira. Ouvi um som muito agradável na cozinha. Meu pratinho fez o som característico, quando foi colocado na pia. É um ótimo sinal.

Adoro meu iogurte, de manhã. À noite, prefiro o peixinho, obviamente. Afinal é a janta…. E janta é sempre uma refeição importante…

É… a brincadeira fica para depois… Agora vamos tratar de manter este meu corpinho bem alimentado…

Mas não esqueci que hoje é dia para brincar bastante... e eu vou cobrar!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O Poema


Quando o telefone tocou, eu distraía-me com a leitura de um dos novos livros adquiridos, como só é possível fazer, tranquilamente, no período das férias. Não pensei muito ao estender a mão para alcançar o aparelho. Quando vi o nome a piscar no visor, meu coração deu um salto involuntário.
Era a primeira vez que eu viajava para longe e ficávamos sem conversar ao telefone, diariamente, como havia-se tornado, naturalmente, hábito nosso. Até então, tudo parecia muito normal, porque mesmo uma simples rotina pode ser viciante e estranhamente agradável. Sabíamos que íamos estar longe por quase um mês e que nossa “resistência” ia ser posta à prova. 
Já havíamos trocado algumas mensagens de texto, desejando as boas festas, no modo mais tradicional da época e eu não esperava mais que aquilo, pelo menos até a minha volta. Um telefonema, assim inesperado, era-me uma clara e agradável surpresa.
Eu, entretanto, não contava que minha emoção fosse sobrepor minha razão. Quando ouvi a voz conhecida, dei graças por estar só, no quarto. Minha própria voz simplesmente não saiu. Queria falar, mas não conseguia. Do outro lado, ouvia chamar-me uma… duas… três vezes... Fiz um esforço enorme para controlar-me. O som que saiu de minha garganta não era nada parecido com a minha voz. Foi mais um grunhido, que soou muito estranho, para minha vergonha. Em meio a meia dúzia de palavras trocadas, quase todas truncadas, eu perdia o controlo novamente e a voz falhava ou, quando saía, vinha carregada daquela emoção, que eu não conseguia conter.
E eu chorei… de saudades e, também, de um pouco de carência.
Estava rodeado por muitas pessoas conhecidas, naqueles dias, mas sentia-me surpreendentemente só. Sentia falta da atenção que vinha tendo, havia pouco menos de um ano. Aquele telefonema, assim simples, curto e espontâneo, fez-me ver, à distância e sob outros prismas, as coisas que vinham acontecendo em minha vida, especialmente naquele ano.
Olhei para fora e deixei a mente viajar completamente livre de quaisquer amarras.
Os pardais a fazerem algazarra no jardim, a leve brisa de verão a entrar pelas janelas abertas e aquela distância imensa em espaço e em tempo, fizeram-me sentir vontade de voltar, imediatamente. Tentei ocupar-me com outras coisas, mas meus pensamentos voltavam sempre ao mesmo ponto... ou ao mesmo lugar… de onde havia partido…
Resolvi, então, escrever algumas palavras, pois precisava externar, de alguma forma, aquela emoção. Os versos de um pequeno poema* vieram quase fáceis, como de costume, mas não o considerei terminado. Mantive-o comigo até dar-me por satisfeito com a harmonia e o sentido que queria dar às palavras; até convencer-me que dizia tudo que se passava comigo, naqueles momentos; até saber que meu peito estava em paz.
Esperei até o último instante… Até estar de volta à minha vida e à aquela quase rotina… e estarmos mais perto, fisicamente. Só então enviei o ‘link’ para o poema, sem saber, ao certo, o efeito que ia causar.
...E enquanto, assim,
Tão distante de ti,
E suspenso
Entre o delírio,
A saudade
E o desejo
De te rever,
Sinto,
Por vezes,
Que já nem pertenço
- Mais -
A mim somente…

Um par de horas depois, no que pareceu uma infinita espera, recebi uma resposta à minha breve mensagem. Num ímpeto de ansiedade, eu abri, li e sorri. Depois, não resisti e, perdendo o controlo novamente, chorei.
Então, o telefone tocou...  

- Estou a caminho!