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sábado, 24 de outubro de 2020

Deuses do Mar

 


Uma brisa suave entrava pela grande porta de correr, que ligava a varanda à sala de estar. Todas as janelas haviam sido abertas desde cedo, naquele dia quente e ensolarado. Não havia uma única nuvem a manchar o intenso azul do céu.

Depois de um leve e breve café da manhã, decidimos que íamos passar a maior parte do dia à beira-mar. Seria apenas uma curta viagem de carro até a praia mais próxima, onde poderíamos nos refrescar e relaxar juntos. Afinal, para que servem as férias de verão?

- Eu nasci na ilha, sabes disso. O oceano faz parte da minha existência desde que eu me conheço por gente.

- Tu és filho de um daqueles deuses do mar! Tenho certeza.

Ele disse aquilo e abriu seu largo, enigmático e adorável sorriso, que sempre fazia a tristeza desaparecer dos meus olhos, por um momento, como se nunca dantes tivesse ali estado.

- Meu ‘pai’, então, está muito sereno hoje. Até as ondas estão pouco agitadas, quase uma calmaria, ​​no momento. Ele provavelmente me sente por perto...

- Eu pensei que o oceano fosse, de alguma forma, bem diferente disso. Eu conheço o Mar Mediterrâneo. Já estive lá algumas vezes, mas não é, definitivamente, assim. O oceano parece muito mais poderoso e a água é tão mais fria!

- É melhor ficarmos pouco tempo aqui no sol direto, pois não estamos acostumados e nossas peles são muito pálidas, para ficarem expostas assim a estes raios escaldantes.

- Eu, às vezes, duvido que tu tenhas, realmente, nascido na ilha...

- Quando eu era jovem, tive uma grave queimadura de sol e tenho muito medo de repetir uma experiência daquelas.

- Ah! Eu sei muito bem o que tu queres dizer. Cometi o mesmo erro quando estava no colégio. Podes-me ajudar com o protetor solar, então, por favor?

- Claro! Vira-te, um pouco.

 ***

O vento soprava forte, anunciando uma tempestade. As ondas batiam, ruidosamente, na costa e nas rochas. Nenhum barco havia saído para o mar. O céu, muito nublado, estava mais escuro que o normal, para aquela hora do dia. Algumas bravas aves marinhas esperavam na praia, como se estivessem contando os minutos para pescar, mas o vento não as deixava chegar muito perto das águas.

Eu estava sentado, sozinho e em silêncio e sem nenhum pensamento sólido em mente. Gostava de estar ali, acompanhando o vai-e-vem das ondas, quase em transe, como se a esvaziar minha alma de todos os problemas. Estava tranquilo, por haver enterrado aqueles sentimentos pungentes do meu passado. Era incrível como eu havia mudado nos últimos meses.

Ouvi o trovão, ao longe, e levantei-me, pronto para sair da praia, antes que a chuva me alcançasse e caísse fria e pesada sobre mim.

Algo em minha mente, porém, me disse para esperar. Foi uma sensação estranha, como se alguém me estivesse chamando. Eu olhei em volta. O vento soprava cada vez mais forte e o oceano parecia mais selvagem.

Um cão corria ao longo da linha do mar, seguido por um menino de cerca de cinco anos, atento ao animal, mas totalmente alheio a qualquer perigo. O cão correu atrás de algumas das gaivotas que descansavam na areia, junto às rochas. O menino vinha, sorrindo e brincando, atrás de seu animal de estimação.

A chuva, como já devia ser esperado, caiu sobre todos nós. Os dois não pareciam se importar com nada, além de sua brincadeira.

O animal escalou o rochedo e acabou afugentando os pássaros, que lá estavam. Uma onda bateu, ruidosamente, contra as grandes pedras. Eu pressenti o perigo e corri, mas não fui rápido o suficiente.

O menino pisou na superfície molhada e escorregou. Ele tentou, mas não conseguiu agarrar-se a nada e foi abraçado pela onda que se seguiu. O pobre cão ficou totalmente perdido, tentando fazer alguma coisa, correndo e ganindo em desespero.

Antes que eu os alcançasse, o animal pulou no oceano, atrás do rapaz, que já não estava à vista.

Eu gritei, mas era tarde demais. Eles desapareceram em segundos, engolidos pelas águas frias e agressivas.

Eu não pensei muito. Apenas agi por instinto.

***

- O que foi que tu fizeste?

Eu virei a cabeça.

- O que tu achas que eu fiz?

- Como foi que aquilo aconteceu?

Evitei a pergunta.

- Ele está vivo, não está? Ambos estão. É isto que importa, na verdade...

- Sim. Mas…

Eu olhei pra ele. Ele segurou meus braços, com firmeza e tentou falar devagar e com calma.

- Havia uma tempestade e o mar estava muito agitado. Como tu poderias retirá-los das águas, assim? Como aquela tempestade poderia, simplesmente, parar e o mar ficar tão plácido?

Evitei seus olhos.

- Eu não sei. Como eu iria saber?

 - O que tu estás escondendo?

Fechei meus olhos e as memórias vieram rápidas na minha mente. Quando os abri de volta, seus olhos estavam fixos nos meus. Decidi que não poderia evitar os fatos, nem a verdade, então falei.

***

- Meu pai... me ajude!

Saltei das rochas, para dentro do mar. Senti como se o tempo tivesse parado. As águas, de repente, se acalmaram e as ondas quase desapareceram.

Eu vi o menino e seu cão bem perto. O animal arrastava o dono pela camisa e vinha na minha direção, como se soubesse que eu estava ali para tirá-los do perigo que corriam. Ambos haviam engolido bastante água e o menino estava quase inconsciente.

Ele tentava respirar. Eu o puxei de volta para a praia e massageei seu peito, mantendo seu rosto virado para o lado. Ainda quase inconsciente, ele expeliu um pouco de água, tossiu e aquilo deixou seu rosto mais corado.

O cão saltava ao nosso redor, ganindo e inspecionando o amigo com o focinho.

Eu ouvi alguém gritando. Dois homens vinham de direções diferentes. Um deles eu conhecia muito bem.

O homem se aproximou do menino e segurou-o contra seu peito. Aparentemente, havia-me visto salvando seu filho...

O rosto amigável do outro homem estava voltado para mim, com seus curiosos olhos azul-esverdeados, muito abertos.

Olhei para o mar, que voltou ao seu estado normal, quase que imediatamente. A tempestade se fora. Ao longe, a espuma branca das novas ondas desenhava figuras engraçadas na água. Uma onda específica parecia ser mais alta que todas as outras. De repente dissolveu-se e deixou a superfície da água quase intacta...

Sorri para mim mesmo e encarei meu melhor amigo, que estava parado ao meu lado.

Ele olhava para mim, seriamente, com seus olhos brilhantes muito arregalados.

***


sábado, 22 de agosto de 2020

Viajante do Tempo. Epílogo. Os Caches. O Portal


- Pelo amor de Deus, homem, quantos de vocês andam por aí, afinal? Vocês são todos assim, tão parecidos em aparência?

 

- Somos um grupo de clones criados a partir do mesmo ADN original. É por isso que nos parecemos tanto. Éramos treze... A princípio...

 

- Oh, meu Senhor amado!

 

Os três amigos se entreolharam. Era a história a replicar-se... no futuro? Ou era apenas um jogo que se repetia, continuamente?

 

- O que são esses falsos 'geocaches', afinal? Certamente são partes que encaixam, umas nas outras, pelo que pudemos deduzir.

 

A mudança repentina de assunto foi mais do que bem-vinda.

 

- Sim, são. Duas partes de um único portal foram instaladas separadamente, de propósito. Não deveriam ser usados por ninguém, além do mensageiro... Eu, neste caso... Foram deixadas aqui com uma finalidade específica: a missão, para a qual eu fui enviado, como vocês já devem ter percebido.

 

Os três amigos não ficaram nada surpresos. Aquela conversa desenvolvia-se como uma série interessante de mistérios não resolvidos, que estavam prestes a ser explicados.

 

***

 

- O passado, assim como o futuro, pertencem ao tempo em que eles acontecem, originalmente. Não devem ser tocados, nem alterados, de forma alguma. Essa é uma lei sagrada e deve ser respeitada, acima de tudo e de todas as outras regras existentes, caso contrário, um caos descontrolado é o resultado. Quando existe o risco de quebra deste norma, a única forma de interferir é usando um subterfúgio.

 

- Oblívio...

 

- Correto. E, então, o portal aberto para aquela oportunidade é fechado, e nunca mais aparecerá ou se abrirá novamente.

 

- Como assim?

 

- É completamente destruído, de uma vez por todas.

 

- Mas pode haver outros...

 

- Os portais de tempo não são abertos, aleatoriamente, a menos que haja uma razão muito específica... E só o Conselho e o Supremo podem autorizar a criação e abertura de um novo. Se não houver um motivo muito bom e convincente para viajar, não há autorização. Um ponto importante é que o viajante deve voltar sempre pelo mesmo meio, seguindo uma programação específica.

 

- E há uma razão, agora, suponho, para um portal ter sido aberto.

 

- Sim. Há uma razão... Uma boa razão...

 

A antecipação estava estampada nos rostos dos três homens. O viajante olhou diretamente para o homem de pele pálida.

 

- Há uma razão muito boa, de facto!

 

***

 

- Eu fui mandado aqui, pelos cientistas, para te procurar e te levar de volta ao futuro, que é onde deverias estar. Não foi tão fácil te encontrar, como pensei que seria, quando cheguei... Deixei algumas pistas, mas que nunca foram usadas. Parece, porém, que alguém mais pode tê-las encontrado e começado a procurar as peças, que foram, prudentemente, separadas umas das outras.

 

- Eu li um ‘post’ que, supostamente, havia um ‘geocache’ falso no farol…

 

- E eu li aquele sobre o moinho.

 

- Alguém deve ter lido sobre eles, também, e quis verificar do que se tratavam.

 

- Não acho que tenha sido uma busca inocente. Essa gente sabe o que procura.

 

- Então? O que é que eles procuram?

 

- Vamos sair daqui. Vou explicar tudo no caminho.

 

***

- Quando tu foste mandado de volta ao passado, havia... quer dizer, haverá... Uff! Já nem sei como falar… Tanto faz... Houve um boato sobre a tua presença lá. Alguns dizem que salvaste o futuro da humanidade, outros dizem que levantaste uma suspeita séria sobre as intenções, que nosso Chefe Supremo tinha, sobre o próprio planeta.

 

- Talvez as duas coisas...

 

O homem de pele clara falou com um tom de voz muito grave.

 

- E o que dizem sobre a vacina?

 

- A vacina funciona bem. Está tudo sob controlo.

 

- Bem, parece que a viagem valeu a pena, afinal.

 

- Parece que sim.

 

O jovem de óculos olhou para os outros três homens, quando percebeu que estes trocaram um rápido e estranho olhar, entre eles. Não pareciam estar muito confortáveis ​​com o assunto.

 

- O que é que foi isso?

 

- Como assim? O que foi o quê?

 

- Vocês três estão escondendo alguma coisa de mim, não é? O que aconteceu?

 

O estranho olhou para os amigos, como se esperasse uma pista sobre o que dizer.

 

- Ele sabe do uso do ‘Oblívio’ e que, obviamente, foi um ingrediente adicionado na cápsula, antes de ser mandado de volta ao vosso passado, ou seja, ao nosso presente.

 

- Então, vejo que  é mais do que hora de falarmos a verdade.

 

***

 

- Mas por quê?

 

- Eles sentiram que tu irias quebrar a regra universal mais sagrada.

 

- Eu fiz algo errado?

 

- Na verdade, não. Mas acabou dizendo à Leona que o Supremo explodiria o planeta.

 

- Oh. E isso faz algum sentido? Ele faria algo assim?

 

- Não é provável, eu acho. Ele não pode fazer isso, sem a aprovação de todo o Conselho.

 

O homem de pele clara e o outro jovem falaram, ao mesmo tempo:

 

- Mas ele vai!

 

- O quê?

 

- Ele vai, definitivamente, destruir o planeta.

 

- Quando? Por quê? Como ele faria isso e como vocês podem ter tanta certeza?

 

- Foi assim que vim parar aqui, neste tempo e espaço, numa cápsula que foi enviada de volta ao passado, no momento em que o planeta explodiu. Ele me mandou para cá... E eu não viajei sozinho...

 

***

 

- O que essa gente quer?

 

- Eles não são, definitivamente, boa gente. Além de terem muito dinheiro, são donos de uma das mais influentes Indústrias Farmacêuticas, que tem poder para controlar o presente e, provavelmente, o futuro da humanidade. Eles assassinaram o outro passageiro, sem nenhum escrúpulo. Se conseguirem acesso ao portal, eles terão ainda mais poder e podem mudar muitos acontecimentos no futuro e… no passado... ou a qualquer momento... Eles transformariam este mundo em um caos completo, já que se colocam acima de toda e qualquer lei.

 

- Precisamos agir imediatamente. Vamos. Acho que estaremos protegidos no meio da mata...

 

- Então, qual é o plano?

 

- Precisamos chegar às instalações antes que o Supremo consiga o que quer. Caso contrário, estaremos perdidos no meio do nada, assim como o planeta, que será completamente reduzido a cinzas e poeira cósmica.

 

- E se chegarmos tarde demais?

 

- Eles estão esperando por nós. Não será tarde demais... Talvez tarde, mas não tarde demais... Precisamos falar com Leona, ou com o pai dela... Ou com os dois...

 

- Primeiro, falamos com os cientistas… Leona usou o ‘Oblivion’ contra ele, lembram?

 

Ele apontou para o homem de óculos.

 

- Ela é muito fiel ao Supremo... Vai precisar ser convencida, primeiro, e temos pouco tempo para isso.

 

- E se vocês falharem?

 

- Então nosso destino está selado. Mas devemos tentar. É nossa única hipótese.

 

Os quatro homens entraram no bosque e encontraram uma pequena clareira, onde juntaram as duas partes do portal e, com uma chave trazida pelo viajante, uma porta curiosa se abriu, como por mágica. A grande diferença era que a magia era ciência pura, ainda não disponível na atualidade. Aquela tecnologia, em mãos erradas, seria um desastre para o mundo.

 

Os dois clones, semelhantes em aparência e propósito, se voltaram para os dois jovens e se prepararam para partir.

 

- Temos pouco tempo. É melhor irmos. Vocês vão ficar bem!

 

O som de um carro parando e de passos rápidos a se aproximar, colocaram todos em estado de alerta.

 

- Rápido. Vão!

 

Eles correram portal adentro, sem terem tempo de se despedirem adequadamente. O portal fechou, imediatamente, quando eles o cruzaram. Os dois jovens fugiram para a direção oposta, escondidos pelas árvores e pela mata, enquanto dois homens, vestidos de preto, chegavam à clareira, uma fração de segundo tarde demais.

 

- Essa não! Nós perdemos tempo! Estamos com um problema enorme, agora! O diretor nos vai matar.

 

- Vamos voltar! Temos que relatar o que aconteceu, imediatamente!

 

***

 

- Achas que eles chegaram a tempo de impedir o desastre?

 

- Acho é que nunca saberemos…

 

- Pois. Provavelmente não. Eu gostaria de pensar que eles conseguiram consertar as coisas, como previsto.

 

- Não era uma tarefa fácil... Mas valia a pena tentar...

 

- O que fazemos agora?

 

- Vamos voltar para casa... Não há mais nada que possamos fazer, a respeito daquilo... Eu li sobre um ‘geocache’ escondido no outro farol... Temos que parar lá e verificar.

 

O rapaz de óculos arregalou os olhos.

 

- Tu deves estar brincando comigo! Quero ficar longe dos ‘caches’... por um bom tempo... Vamos voltar para casa!

 

Os dois jovens entraram no jipe. A noite caía lentamente. A luz vermelha, no farol, piscou, cúmplice, quando eles passaram de carro, como se a convidá-los a voltar...

 

***


domingo, 9 de agosto de 2020

Viajante do Tempo. Parte 3. O Moinho. Os Geocaches. Encontros.

  


O policial segurava, firmemente, o braço do jovem de óculos. O homem que eles presumiram ser da empresa de segurança estava ao seu lado.

 

- O que você faz aqui?

 

- O mesmo que todas essas pessoas. Estou curioso sobre o que aconteceu por aqui.

 

- Eu conheço você. Tenho certeza de que já o vi antes.

 

O homem de óculos fingiu ser apenas um turista e rejeitou a afirmação do segurança.

 

- Não é possível. Eu não sou daqui. Estou apenas passando o dia na praia. O moinho foi roubado?

 

- Acha que é engraçado?

 

- Nem um pouco, senhor. Todavia, numa aldeia pequena como esta, até um roubo é um grande acontecimento, sabe?

 

- Achei que havia dito que não era da região.

 

- E não sou. Mas é fácil chegar à esta conclusão, não?

 

- Deixe que eu cuido dele.

 

O segurança agarrou o braço do jovem, com um aperto tão forte, que parecia uma poderosa garra.

 

- Ei, me solta. Eu não fiz nada!

 

Ele falou em voz alta e isso fez com que as pessoas que estavam por perto virassem a cabeça na direção de onde vinha o conflito. Olhando em volta, ele viu seus dois amigos se aproximando, prontos para ajudar. Ele balançou a cabeça, desencorajando-os. Eles logo perceberam a mensagem e se afastaram, observando de uma distância segura, junto com os demais moradores, que começaram a formar um círculo ao redor deles.

 

O segurança, evidentemente maior e mais forte, tentou puxar o jovem para longe, sob óbvio e ruidoso protesto, atraindo, mais atenção para eles do que antes. A pequena multidão logo cercou completamente os três personagens, que estavam naquela discussão, cada vez mais acalorada.

 

O moinho, cuja porta havia sido arrombada, fora esquecido por um ou dois minutos.

 

Era uma oportunidade a ser aproveitada, antes que alguém voltasse a lembrar do acontecimento. O homem de pele muito pálida entrou no prédio e subiu os degraus, até o andar superior. Poucos minutos depois, descia as escadas, quase despercebido e saía pela porta aberta e completamente esquecida.

 

***

 

- Foi uma jogada insana, mas muito corajosa.

 

- Eu tenho de concordar contigo. Eu não poderia deixar aquela oportunidade ser desperdiçada. Não seria justo, depois de todo o trabalho que tivemos.

 

- Verdade!

 

- Vamos. Precisamos ajudar nosso amigo, agora.

 

- Conseguiste alguma coisa lá de cima, afinal?

 

O homem de pele pálida sorriu recatadamente.

 

- Falaremos sobre isso mais tarde. Vamos ajudar nosso amigo. Tenho um argumento bom e convincente. Se eles quiserem levar um, terão de levar todos nós. Vamos fazer a multidão entrar nisso connosco e trazê-los para o nosso lado.

 

- Tu és absolutamente louco, meu amigo, mas essa é uma ótima ideia!

 

Em meio à toda aquela turbulência, a estratégia funcionou e a pequena multidão não permitiu que a polícia e o segurança levassem o jovem de óculos com eles e ele foi logo liberado. Mas os dois homens não ficaram nem um pouco felizes.

 

Temendo pela própria segurança, os três amigos saíram o mais prontamente possível. Ainda havia muita coisa a ser resolvida e eles precisavam agir imediatamente.

 

***

 

O jipe contornou a rotunda e rumou para a saída à direita. Estavam de volta à A28, em direção ao sul.

 

- Eles não estariam lá sem motivo algum. A ação foi muito imediata…

 

- Foi o que eu pensei.

 

- Esse incidente apenas confirmou minhas suspeitas.

 

- Ainda falta uma peça nesta história ...

 

- Sim. O homem de fato de treino escuro, com capuz...

 

- O que ele quer, nós meio que já sabemos... O que precisamos perceber é quem ele é e o que sabe...

 

- E se ele é amigo ou inimigo...

 

- Uma coisa é verdade: estamos um passo à frente dele, ainda... Mas precisamos visitar aquele farol, novamente, na cidade... E tem de ser imediatamente!

 

Os dois amigos olharam para o homem de pele pálida, que segurava, nas próprias mãos, o falso "geocache", que havia retirado do moinho.

 

***

 

- Essa não! O que pode ter acontecido aqui? Eu não consigo mais encontrar. Onde é que foi parar?

 

- O que? Como assim, não consegue mais encontrar?

 

- Acho que sei o que pode ter acontecido. Eu me pergunto se...

 

- Achas que ele chegou aqui antes de nós?

 

- Sim, eu acho.

 

- E o que vamos fazer agora?

 

- Não sei, mas se ele ainda não percebeu, logo descobrirá que nós temos a outra peça desse ‘puzzle’ e talvez chegue à sensata conclusão de que precisaremos trabalhar juntos, caso contrário outra pessoa pode...

 

- Tu não podes estar a falar sério. Ele não é um amigo, pelo que pudemos perceber.

 

- Não sabemos ainda ...

 

- Então o que ele é? Quem ele é?

 

- Pense comigo: se ele fugiu da polícia e do segurança, daquele jeito, ele não é nosso inimigo, de jeito nenhum...

 

- Bem, ele invadiu o moinho, não foi? Isso não é um procedimento nada inocente. Ele sabia exatamente o que estava fazendo.

 

- Temos de encontrar aquele homem e obter algumas respostas, para todas essas perguntas.

 

- Mas como? Como podemos encontrá-lo, no meio desta cidade? Não temos ideia de onde ele está e nem como entrar em contato com ele...

 

- Precisamos achar uma maneira. Eu me pergunto se há um jeito de nos comunicarmos... Ele pode não estar longe de nós... daqui... disso tudo...

 

- Vocês estão certos!

 

Os três homens se viraram, ao mesmo tempo. Um homem, vestindo um fato de treino escuro e com capuz estava parado à porta do farol. Seu rosto estava na sombra.

 

- Esse 'cache' não está mais aí, como vocês já devem ter percebido, com certeza. Eu estava esperando por vocês!

 

- O quê?

 

- Não vai ser eficaz lutarmos um contra o outro. Não faz sentido. Temos de trabalhar juntos e rápido. Essas pessoas são perigosas e querem o mesmo que nós, mas com uma intenção diferente. E eles estão cada vez mais perto...

 

- E quem és tu, oh, caral... quer dizer, quem diabos é você?

 

O homem baixou o capuz e descobriu, totalmente, a cabeça. Os três amigos ficaram pasmos.

 

- Como isso pode ser possível?

 

***


sábado, 25 de julho de 2020

Viajante do Tempo. Parte 2. Oblívio.


Os três ficaram em silêncio por um momento. Não havia muito mais a dizer. O rapaz de óculos apoiava a cabeça nas duas mãos, balançando-a levemente e tentando processar o que acabara de ouvir.

- Como isso é possível? Por que diabos eles fizeram uma coisa dessas? Gostaria de saber se uma viagem tão complicada, para o futuro, e com um propósito tão específico, ajudou alguém, afinal, em algum lugar, em algum tempo...

- Acho que nunca saberemos.

- Bem, então como saberemos se eu realmente cheguei lá e atingi o objetivo?

- Tu nunca terias voltado para cá, se não tivesses. A falta de memória não te parece ser prova suficiente?

- Então…?

- Pelo que eu sei, o “Oblívio” era raramente usado em quem fizesse viagens no tempo. Era somente eficiente quando eles queriam enviar os viajantes de volta para quando e de onde eles vieram, mantendo segredo sobre algum ponto, normalmente sua localização, ou para evitar serem revisitados. Tu viajaste para ajudá-los e toda a humanidade no futuro. Essas não devem ser as razões pelas quais o usaram. Eu me pergunto qual teria sido a verdadeira intenção...

Aquela, porém, não era a única preocupação na mente do homem de pele pálida. Havia algo mais que parecia estar fora de lugar. Ele tinha a forte impressão que algumas partes naquela história toda não se encaixavam bem, de alguma forma, mas não quis expressar suas apreensões em voz alta, ainda. Ainda havia algumas dúvidas, mas uma ideia estava se formando em sua mente angustiada. Ele decidiu que precisava pensar um pouco mais sobre aquilo.

Aquele jovem já havia tido problemas suficientes e talvez precisasse de tempo para processar algumas coisas, antes que qualquer outra ação pudesse ser planeada ou feita.

Ele tentou evitar os olhares de seus amigos, quando se afastou por um tempo e ficou na varanda, olhando para um ponto perdido à distância.

Sua mente não estava mais ali, mas em outro lugar e em outra época... Seus pensamentos transbordavam rapidamente, pedindo uma urgente atuação. Ele precisava fazer algo.

O homem de pele pálida sentou-se ao computador e digitou algumas palavras. O resultado da pesquisa fez com que fosse desviado rapidamente para uma série de páginas, que sucediam-se umas às outras, até que ele achou o que procurava.

Fechou o laptop, aprumou-se e murmurou para si mesmo:

- Acho que está na hora de ir ver tudo isso por mim mesmo...

Ele voltou para a sala de estar.

- Rapazes! Precisamos fazer uma coisa... Mas primeiro temos que dar uma passada na praia, a caminho da cidade.

- Na praia?

Ele concordou com um leve sorriso.

- Sim. Na praia…

***

O Jeep seguia pela estrada da praia, na direção dos moinhos. Os três iam em silêncio, cada qual ocupado com suas próprias questões.

Estacionaram não muito longe do destino e seguiram a pé, pela passadeira de madeira, que àquela hora estava cheia de pessoas, a caminhar tranquilamente e a apreciar a vista e a brisa fresca do mar.

Tinham que manter as aparências e passar por apenas um punhado de frequentadores da praia, caminhando erraticamente à beira-mar, tirando fotos de tudo ao redor, como qualquer turista moderno.

- Cá estão eles. E o que fazemos agora?

- Há muitas pessoas por perto. Precisamos ter cuidado.

- Para todos os efeitos, estamos apenas procurando ‘geocaches’...

- Essa é a versão oficial?

- Sim. Essa é a versão oficial, mas acho que ninguém está interessado no que estamos fazendo aqui.

Eles tentaram fotografar as muitas características daqueles prédios peculiares, feitos de pedra e xisto. Havia cinco deles ao longo do caminho de madeira, de frente para o mar. Cada detalhe foi devidamente registado pelas câmaras dos telemóveis, para ser examinado posteriormente. Se o homem da pele pálida estivesse certo em suas suspeitas, eles precisariam voltar à praia, à noite, para uma verificação mais próxima.

A noite, como acontece quando se está ansioso, caiu muito lentamente. Sentados numa esplanada, de frente para o mar, os três bebiam suas cervejas geladas, quase em completo silêncio. O lugar já não estava tão movimentado. Eles analisaram, com cuidado, as fotos tiradas, verificando detalhes do que achavam que lhes seria útil mais tarde.

O homem de pele pálida estava certo em suas dúvidas. Havia algo lá, que merecia uma melhor investigação... definitivamente...

***

A noite estava mais fresca e tranquila. Três silhuetas se moviam silenciosamente pelo passadiço de madeira. Eles sabiam o que procuravam, mas precisavam ter cuidado. Os moinhos não eram propriedade pública e, portanto, seus donos poderiam ter câmaras instaladas em torno da área, o que lhes seria um incômodo.

Antes de saltarem sobre o cercado de corda, para examinar o primeiro edifício, olharam à volta, com cuidado, para certificar-se de que estavam sozinhos.

O homem de óculos de repente ficou rígido.

- Essa não! Vocês ouviram isso?

- O quê?

- Shhh! Ouçam!

Alguém vinha correndo no caminho de madeira.

- Rápido, vamos nos esconder!

Esperando não serem vistos pelo corredor, que se aproximava de onde estavam, os três esconderam-se à sombra do pequeno prédio de formato cilíndrico. Seus corações batiam forte. Eles podiam ouvir os passos chegando cada vez mais perto.

Um corredor, usando um casaco de treino escuro, com capuz, diminuiu a velocidade e parou em frente ao moinho. Olhando em volta, como se a certificar-se que não havia mais ninguém por perto, a figura entrou na propriedade privada e desapareceu-lhes da vista.

Eles ouviram um barulho. Parecia que a entrada estava sendo forçada.

O homem de óculos sussurrou.

- Quem diabos é este? O que ele está fazendo aqui?

- Quieto!

As dobradiças, sem graxa, rangeram com um som distinto. A porta fora, de alguma forma, aberta.

- Ele entrou! O que ele está procurando?

- Vamos sair daqui antes que alguém apareça. Isso está ficando muito perigoso!

- Espera!

O som alto de um alarme, disparado, vinha de dentro da casa. Eles ouviram alguém correndo pelas escadas abaixo e, de repente, a figura encapuzada passou correndo por eles, saltou sobre o cercado de corda e desapareceu na escuridão, longe deles e da iluminação pública.

Pouco depois, um carro da polícia, piscando as luzes vermelhas e azuis, subia em alta velocidade pela velha rua de paralelos, seguido por uma carrinha branca, com grandes letras vermelhas pintadas na lateral. Os dois carros pararam em frente ao moinho.

Eles ouviram o barulho de pessoas gritando e correndo para perto de onde estavam...

- Que porra é esta? Viste aquilo? Eu não acredito!

- O que esses sujeitos estão fazendo aqui? O que eles querem aqui, afinal?

- Vamos sair daqui antes que seja tarde demais. Isto não vai acabar bem!

- Não. Espere! Aquele homem não teve tempo suficiente para procurar o que quer que seja, enquanto esteve lá dentro. Eu me pergunto o que ele estava procurando lá em cima. Talvez esta seja a nossa única hipótese de entrar no moinho, sem forçar a entrada…

- O que tu queres dizer com isto? Estás louco? Não podemos entrar lá. Esta gente é perigosa e pode nos reconhecer!

- Acabo de ter uma ideia. Vamos dar a volta no moinho e fingir que somos apenas mais alguns intrometidos, tentando descobrir o que está acontecendo. É melhor nos separarmos!

- Isso é loucura!

- Mas pode dar certo!

- Não pense muito. Apenas vá. Agora!

Pessoas vinham, correndo, de direções diferentes. Aquilo não era algo que a pacata vila estava acostumada, por isso parecia ser um grande evento.

Eles se separaram um do outro, tentando evitar serem vistos juntos.

Quando o homem de óculos se aproximou da porta, sentiu um puxão no braço.

- Ei!

Ele virou-se e constatou que um dos policiais lhe segurava o braço. Sua surpresa foi maior ao perceber que outro homem, que ele tinha certeza já haver visto antes, estava de pé ao lado do oficial.

***