Uma brisa suave entrava pela grande porta de correr, que
ligava a varanda à sala de estar. Todas as janelas haviam sido abertas desde cedo,
naquele dia quente e ensolarado. Não havia uma única nuvem a manchar o intenso azul
do céu.
Depois de um leve e breve café da manhã, decidimos que íamos passar a maior parte do dia à beira-mar. Seria apenas uma curta viagem de carro até a praia mais próxima, onde poderíamos nos refrescar e relaxar juntos. Afinal, para que servem as férias de verão?
- Eu nasci na ilha, sabes disso. O oceano faz parte da minha existência desde que eu me conheço por gente.
- Tu és filho de um daqueles deuses do mar! Tenho certeza.
Ele disse aquilo e abriu seu largo, enigmático e adorável sorriso, que sempre fazia a tristeza desaparecer dos meus olhos, por um momento, como se nunca dantes tivesse ali estado.
- Meu ‘pai’, então, está muito sereno hoje. Até as ondas estão pouco agitadas, quase uma calmaria, no momento. Ele provavelmente me sente por perto...
- Eu pensei que o oceano fosse, de alguma forma, bem diferente disso. Eu conheço o Mar Mediterrâneo. Já estive lá algumas vezes, mas não é, definitivamente, assim. O oceano parece muito mais poderoso e a água é tão mais fria!
- É melhor ficarmos pouco tempo aqui no sol direto, pois não estamos acostumados e nossas peles são muito pálidas, para ficarem expostas assim a estes raios escaldantes.
- Eu, às vezes, duvido que tu tenhas, realmente, nascido na ilha...
- Quando eu era jovem, tive uma grave queimadura de sol e tenho muito medo de repetir uma experiência daquelas.
- Ah! Eu sei muito bem o que tu queres dizer. Cometi o mesmo erro quando estava no colégio. Podes-me ajudar com o protetor solar, então, por favor?
- Claro! Vira-te, um pouco.
O vento soprava forte, anunciando uma tempestade. As
ondas batiam, ruidosamente, na costa e nas rochas. Nenhum barco havia saído
para o mar. O céu, muito nublado, estava mais escuro que o normal, para aquela
hora do dia. Algumas bravas aves marinhas esperavam na praia, como se
estivessem contando os minutos para pescar, mas o vento não as deixava chegar muito
perto das águas.
Eu estava sentado, sozinho e em silêncio e sem nenhum pensamento sólido em mente. Gostava de estar ali, acompanhando o vai-e-vem das ondas, quase em transe, como se a esvaziar minha alma de todos os problemas. Estava tranquilo, por haver enterrado aqueles sentimentos pungentes do meu passado. Era incrível como eu havia mudado nos últimos meses.
Ouvi o trovão, ao longe, e levantei-me, pronto para sair da praia, antes que a chuva me alcançasse e caísse fria e pesada sobre mim.
Algo em minha mente, porém, me disse para esperar. Foi uma sensação estranha, como se alguém me estivesse chamando. Eu olhei em volta. O vento soprava cada vez mais forte e o oceano parecia mais selvagem.
Um cão corria ao longo da linha do mar, seguido por um menino de cerca de cinco anos, atento ao animal, mas totalmente alheio a qualquer perigo. O cão correu atrás de algumas das gaivotas que descansavam na areia, junto às rochas. O menino vinha, sorrindo e brincando, atrás de seu animal de estimação.
A chuva, como já devia ser esperado, caiu sobre todos nós. Os dois não pareciam se importar com nada, além de sua brincadeira.
O animal escalou o rochedo e acabou afugentando os pássaros, que lá estavam. Uma onda bateu, ruidosamente, contra as grandes pedras. Eu pressenti o perigo e corri, mas não fui rápido o suficiente.
O menino pisou na superfície molhada e escorregou. Ele tentou, mas não conseguiu agarrar-se a nada e foi abraçado pela onda que se seguiu. O pobre cão ficou totalmente perdido, tentando fazer alguma coisa, correndo e ganindo em desespero.
Antes que eu os alcançasse, o animal pulou no oceano, atrás do rapaz, que já não estava à vista.
Eu gritei, mas era tarde demais. Eles desapareceram em segundos, engolidos pelas águas frias e agressivas.
Eu não pensei muito. Apenas agi por instinto.
***
- O que foi
que tu fizeste?
Eu virei a cabeça.
- O que tu achas que eu fiz?
- Como foi que aquilo aconteceu?
Evitei a pergunta.
- Ele está vivo, não está? Ambos estão. É isto que importa, na verdade...
- Sim. Mas…
Eu olhei pra ele. Ele segurou meus braços, com firmeza e tentou falar devagar e com calma.
- Havia uma tempestade e o mar estava muito agitado. Como tu poderias retirá-los das águas, assim? Como aquela tempestade poderia, simplesmente, parar e o mar ficar tão plácido?
Evitei seus olhos.
- Eu não sei. Como eu iria saber?
Fechei meus olhos e as memórias vieram rápidas na minha mente. Quando os abri de volta, seus olhos estavam fixos nos meus. Decidi que não poderia evitar os fatos, nem a verdade, então falei.
***
- Meu pai...
me ajude!
Saltei das rochas, para dentro do mar. Senti como se o tempo tivesse parado. As águas, de repente, se acalmaram e as ondas quase desapareceram.
Eu vi o menino e seu cão bem perto. O animal arrastava o dono pela camisa e vinha na minha direção, como se soubesse que eu estava ali para tirá-los do perigo que corriam. Ambos haviam engolido bastante água e o menino estava quase inconsciente.
Ele tentava respirar. Eu o puxei de volta para a praia e massageei seu peito, mantendo seu rosto virado para o lado. Ainda quase inconsciente, ele expeliu um pouco de água, tossiu e aquilo deixou seu rosto mais corado.
O cão saltava ao nosso redor, ganindo e inspecionando o amigo com o focinho.
Eu ouvi alguém gritando. Dois homens vinham de direções diferentes. Um deles eu conhecia muito bem.
O homem se aproximou do menino e segurou-o contra seu peito. Aparentemente, havia-me visto salvando seu filho...
O rosto amigável do outro homem estava voltado para mim, com seus curiosos olhos azul-esverdeados, muito abertos.
Olhei para o mar, que voltou ao seu estado normal, quase que imediatamente. A tempestade se fora. Ao longe, a espuma branca das novas ondas desenhava figuras engraçadas na água. Uma onda específica parecia ser mais alta que todas as outras. De repente dissolveu-se e deixou a superfície da água quase intacta...
Sorri para mim mesmo e encarei meu melhor amigo, que estava parado ao meu lado.
Ele olhava para mim, seriamente, com seus olhos brilhantes muito arregalados.
***