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sábado, 9 de janeiro de 2021

Occasionally



- What are you doing out here, so early?

- Thinking…

- About what?

- Things… in general… life… us… the future…

The sun had just slit the horizon with its razor of light, slowly colouring the sky with the first rays in shades of yellow and vermillion.  I felt like my soul was in a peaceful mood.

He sat down by my side on the soft white sand. The sound of the waves, my favourite soundtrack, helped me think, making my mind wander freely…

His arm touched mine, occasionally. His leg touched mine, occasionally. He did not say another word, for some time. He knew me. He just waited, patiently, respecting my time and my timing. I was not in hurry. Why would I be? I was in love and I was being loved by the sweetest man alive… and he was sitting right there, so close to me, at my side.

I was often emotional. He felt it, automatically and pressed my arm, without saying a word. He knew me so well, indeed.

That tender gesture triggered my reactions harder and deeper. I felt warm tears running down my face. He pulled me closer to him and embraced me, bringing my head to rest on his chest.

- I love you so very much…

I held his hand in mine and kissed it gently. 

He smelled my hair and closed his eyes, as if trying to hold that moment in his memory.

- Your scent is so remarkable…

I hummed an almost inaudible:

- You’re too sweet, my love

- I’ve been thinking…

- So have I.

He took a deep breath and held me tighter.

- Oh, my love…

I knew exactly what he intended to say. He did not need to speak it all out loud…

It was the same I wanted...

***



sábado, 22 de agosto de 2020

Viajante do Tempo. Epílogo. Os Caches. O Portal


- Pelo amor de Deus, homem, quantos de vocês andam por aí, afinal? Vocês são todos assim, tão parecidos em aparência?

 

- Somos um grupo de clones criados a partir do mesmo ADN original. É por isso que nos parecemos tanto. Éramos treze... A princípio...

 

- Oh, meu Senhor amado!

 

Os três amigos se entreolharam. Era a história a replicar-se... no futuro? Ou era apenas um jogo que se repetia, continuamente?

 

- O que são esses falsos 'geocaches', afinal? Certamente são partes que encaixam, umas nas outras, pelo que pudemos deduzir.

 

A mudança repentina de assunto foi mais do que bem-vinda.

 

- Sim, são. Duas partes de um único portal foram instaladas separadamente, de propósito. Não deveriam ser usados por ninguém, além do mensageiro... Eu, neste caso... Foram deixadas aqui com uma finalidade específica: a missão, para a qual eu fui enviado, como vocês já devem ter percebido.

 

Os três amigos não ficaram nada surpresos. Aquela conversa desenvolvia-se como uma série interessante de mistérios não resolvidos, que estavam prestes a ser explicados.

 

***

 

- O passado, assim como o futuro, pertencem ao tempo em que eles acontecem, originalmente. Não devem ser tocados, nem alterados, de forma alguma. Essa é uma lei sagrada e deve ser respeitada, acima de tudo e de todas as outras regras existentes, caso contrário, um caos descontrolado é o resultado. Quando existe o risco de quebra deste norma, a única forma de interferir é usando um subterfúgio.

 

- Oblívio...

 

- Correto. E, então, o portal aberto para aquela oportunidade é fechado, e nunca mais aparecerá ou se abrirá novamente.

 

- Como assim?

 

- É completamente destruído, de uma vez por todas.

 

- Mas pode haver outros...

 

- Os portais de tempo não são abertos, aleatoriamente, a menos que haja uma razão muito específica... E só o Conselho e o Supremo podem autorizar a criação e abertura de um novo. Se não houver um motivo muito bom e convincente para viajar, não há autorização. Um ponto importante é que o viajante deve voltar sempre pelo mesmo meio, seguindo uma programação específica.

 

- E há uma razão, agora, suponho, para um portal ter sido aberto.

 

- Sim. Há uma razão... Uma boa razão...

 

A antecipação estava estampada nos rostos dos três homens. O viajante olhou diretamente para o homem de pele pálida.

 

- Há uma razão muito boa, de facto!

 

***

 

- Eu fui mandado aqui, pelos cientistas, para te procurar e te levar de volta ao futuro, que é onde deverias estar. Não foi tão fácil te encontrar, como pensei que seria, quando cheguei... Deixei algumas pistas, mas que nunca foram usadas. Parece, porém, que alguém mais pode tê-las encontrado e começado a procurar as peças, que foram, prudentemente, separadas umas das outras.

 

- Eu li um ‘post’ que, supostamente, havia um ‘geocache’ falso no farol…

 

- E eu li aquele sobre o moinho.

 

- Alguém deve ter lido sobre eles, também, e quis verificar do que se tratavam.

 

- Não acho que tenha sido uma busca inocente. Essa gente sabe o que procura.

 

- Então? O que é que eles procuram?

 

- Vamos sair daqui. Vou explicar tudo no caminho.

 

***

- Quando tu foste mandado de volta ao passado, havia... quer dizer, haverá... Uff! Já nem sei como falar… Tanto faz... Houve um boato sobre a tua presença lá. Alguns dizem que salvaste o futuro da humanidade, outros dizem que levantaste uma suspeita séria sobre as intenções, que nosso Chefe Supremo tinha, sobre o próprio planeta.

 

- Talvez as duas coisas...

 

O homem de pele clara falou com um tom de voz muito grave.

 

- E o que dizem sobre a vacina?

 

- A vacina funciona bem. Está tudo sob controlo.

 

- Bem, parece que a viagem valeu a pena, afinal.

 

- Parece que sim.

 

O jovem de óculos olhou para os outros três homens, quando percebeu que estes trocaram um rápido e estranho olhar, entre eles. Não pareciam estar muito confortáveis ​​com o assunto.

 

- O que é que foi isso?

 

- Como assim? O que foi o quê?

 

- Vocês três estão escondendo alguma coisa de mim, não é? O que aconteceu?

 

O estranho olhou para os amigos, como se esperasse uma pista sobre o que dizer.

 

- Ele sabe do uso do ‘Oblívio’ e que, obviamente, foi um ingrediente adicionado na cápsula, antes de ser mandado de volta ao vosso passado, ou seja, ao nosso presente.

 

- Então, vejo que  é mais do que hora de falarmos a verdade.

 

***

 

- Mas por quê?

 

- Eles sentiram que tu irias quebrar a regra universal mais sagrada.

 

- Eu fiz algo errado?

 

- Na verdade, não. Mas acabou dizendo à Leona que o Supremo explodiria o planeta.

 

- Oh. E isso faz algum sentido? Ele faria algo assim?

 

- Não é provável, eu acho. Ele não pode fazer isso, sem a aprovação de todo o Conselho.

 

O homem de pele clara e o outro jovem falaram, ao mesmo tempo:

 

- Mas ele vai!

 

- O quê?

 

- Ele vai, definitivamente, destruir o planeta.

 

- Quando? Por quê? Como ele faria isso e como vocês podem ter tanta certeza?

 

- Foi assim que vim parar aqui, neste tempo e espaço, numa cápsula que foi enviada de volta ao passado, no momento em que o planeta explodiu. Ele me mandou para cá... E eu não viajei sozinho...

 

***

 

- O que essa gente quer?

 

- Eles não são, definitivamente, boa gente. Além de terem muito dinheiro, são donos de uma das mais influentes Indústrias Farmacêuticas, que tem poder para controlar o presente e, provavelmente, o futuro da humanidade. Eles assassinaram o outro passageiro, sem nenhum escrúpulo. Se conseguirem acesso ao portal, eles terão ainda mais poder e podem mudar muitos acontecimentos no futuro e… no passado... ou a qualquer momento... Eles transformariam este mundo em um caos completo, já que se colocam acima de toda e qualquer lei.

 

- Precisamos agir imediatamente. Vamos. Acho que estaremos protegidos no meio da mata...

 

- Então, qual é o plano?

 

- Precisamos chegar às instalações antes que o Supremo consiga o que quer. Caso contrário, estaremos perdidos no meio do nada, assim como o planeta, que será completamente reduzido a cinzas e poeira cósmica.

 

- E se chegarmos tarde demais?

 

- Eles estão esperando por nós. Não será tarde demais... Talvez tarde, mas não tarde demais... Precisamos falar com Leona, ou com o pai dela... Ou com os dois...

 

- Primeiro, falamos com os cientistas… Leona usou o ‘Oblivion’ contra ele, lembram?

 

Ele apontou para o homem de óculos.

 

- Ela é muito fiel ao Supremo... Vai precisar ser convencida, primeiro, e temos pouco tempo para isso.

 

- E se vocês falharem?

 

- Então nosso destino está selado. Mas devemos tentar. É nossa única hipótese.

 

Os quatro homens entraram no bosque e encontraram uma pequena clareira, onde juntaram as duas partes do portal e, com uma chave trazida pelo viajante, uma porta curiosa se abriu, como por mágica. A grande diferença era que a magia era ciência pura, ainda não disponível na atualidade. Aquela tecnologia, em mãos erradas, seria um desastre para o mundo.

 

Os dois clones, semelhantes em aparência e propósito, se voltaram para os dois jovens e se prepararam para partir.

 

- Temos pouco tempo. É melhor irmos. Vocês vão ficar bem!

 

O som de um carro parando e de passos rápidos a se aproximar, colocaram todos em estado de alerta.

 

- Rápido. Vão!

 

Eles correram portal adentro, sem terem tempo de se despedirem adequadamente. O portal fechou, imediatamente, quando eles o cruzaram. Os dois jovens fugiram para a direção oposta, escondidos pelas árvores e pela mata, enquanto dois homens, vestidos de preto, chegavam à clareira, uma fração de segundo tarde demais.

 

- Essa não! Nós perdemos tempo! Estamos com um problema enorme, agora! O diretor nos vai matar.

 

- Vamos voltar! Temos que relatar o que aconteceu, imediatamente!

 

***

 

- Achas que eles chegaram a tempo de impedir o desastre?

 

- Acho é que nunca saberemos…

 

- Pois. Provavelmente não. Eu gostaria de pensar que eles conseguiram consertar as coisas, como previsto.

 

- Não era uma tarefa fácil... Mas valia a pena tentar...

 

- O que fazemos agora?

 

- Vamos voltar para casa... Não há mais nada que possamos fazer, a respeito daquilo... Eu li sobre um ‘geocache’ escondido no outro farol... Temos que parar lá e verificar.

 

O rapaz de óculos arregalou os olhos.

 

- Tu deves estar brincando comigo! Quero ficar longe dos ‘caches’... por um bom tempo... Vamos voltar para casa!

 

Os dois jovens entraram no jipe. A noite caía lentamente. A luz vermelha, no farol, piscou, cúmplice, quando eles passaram de carro, como se a convidá-los a voltar...

 

***


sábado, 25 de julho de 2020

Viajante do Tempo. Parte 2. Oblívio.


Os três ficaram em silêncio por um momento. Não havia muito mais a dizer. O rapaz de óculos apoiava a cabeça nas duas mãos, balançando-a levemente e tentando processar o que acabara de ouvir.

- Como isso é possível? Por que diabos eles fizeram uma coisa dessas? Gostaria de saber se uma viagem tão complicada, para o futuro, e com um propósito tão específico, ajudou alguém, afinal, em algum lugar, em algum tempo...

- Acho que nunca saberemos.

- Bem, então como saberemos se eu realmente cheguei lá e atingi o objetivo?

- Tu nunca terias voltado para cá, se não tivesses. A falta de memória não te parece ser prova suficiente?

- Então…?

- Pelo que eu sei, o “Oblívio” era raramente usado em quem fizesse viagens no tempo. Era somente eficiente quando eles queriam enviar os viajantes de volta para quando e de onde eles vieram, mantendo segredo sobre algum ponto, normalmente sua localização, ou para evitar serem revisitados. Tu viajaste para ajudá-los e toda a humanidade no futuro. Essas não devem ser as razões pelas quais o usaram. Eu me pergunto qual teria sido a verdadeira intenção...

Aquela, porém, não era a única preocupação na mente do homem de pele pálida. Havia algo mais que parecia estar fora de lugar. Ele tinha a forte impressão que algumas partes naquela história toda não se encaixavam bem, de alguma forma, mas não quis expressar suas apreensões em voz alta, ainda. Ainda havia algumas dúvidas, mas uma ideia estava se formando em sua mente angustiada. Ele decidiu que precisava pensar um pouco mais sobre aquilo.

Aquele jovem já havia tido problemas suficientes e talvez precisasse de tempo para processar algumas coisas, antes que qualquer outra ação pudesse ser planeada ou feita.

Ele tentou evitar os olhares de seus amigos, quando se afastou por um tempo e ficou na varanda, olhando para um ponto perdido à distância.

Sua mente não estava mais ali, mas em outro lugar e em outra época... Seus pensamentos transbordavam rapidamente, pedindo uma urgente atuação. Ele precisava fazer algo.

O homem de pele pálida sentou-se ao computador e digitou algumas palavras. O resultado da pesquisa fez com que fosse desviado rapidamente para uma série de páginas, que sucediam-se umas às outras, até que ele achou o que procurava.

Fechou o laptop, aprumou-se e murmurou para si mesmo:

- Acho que está na hora de ir ver tudo isso por mim mesmo...

Ele voltou para a sala de estar.

- Rapazes! Precisamos fazer uma coisa... Mas primeiro temos que dar uma passada na praia, a caminho da cidade.

- Na praia?

Ele concordou com um leve sorriso.

- Sim. Na praia…

***

O Jeep seguia pela estrada da praia, na direção dos moinhos. Os três iam em silêncio, cada qual ocupado com suas próprias questões.

Estacionaram não muito longe do destino e seguiram a pé, pela passadeira de madeira, que àquela hora estava cheia de pessoas, a caminhar tranquilamente e a apreciar a vista e a brisa fresca do mar.

Tinham que manter as aparências e passar por apenas um punhado de frequentadores da praia, caminhando erraticamente à beira-mar, tirando fotos de tudo ao redor, como qualquer turista moderno.

- Cá estão eles. E o que fazemos agora?

- Há muitas pessoas por perto. Precisamos ter cuidado.

- Para todos os efeitos, estamos apenas procurando ‘geocaches’...

- Essa é a versão oficial?

- Sim. Essa é a versão oficial, mas acho que ninguém está interessado no que estamos fazendo aqui.

Eles tentaram fotografar as muitas características daqueles prédios peculiares, feitos de pedra e xisto. Havia cinco deles ao longo do caminho de madeira, de frente para o mar. Cada detalhe foi devidamente registado pelas câmaras dos telemóveis, para ser examinado posteriormente. Se o homem da pele pálida estivesse certo em suas suspeitas, eles precisariam voltar à praia, à noite, para uma verificação mais próxima.

A noite, como acontece quando se está ansioso, caiu muito lentamente. Sentados numa esplanada, de frente para o mar, os três bebiam suas cervejas geladas, quase em completo silêncio. O lugar já não estava tão movimentado. Eles analisaram, com cuidado, as fotos tiradas, verificando detalhes do que achavam que lhes seria útil mais tarde.

O homem de pele pálida estava certo em suas dúvidas. Havia algo lá, que merecia uma melhor investigação... definitivamente...

***

A noite estava mais fresca e tranquila. Três silhuetas se moviam silenciosamente pelo passadiço de madeira. Eles sabiam o que procuravam, mas precisavam ter cuidado. Os moinhos não eram propriedade pública e, portanto, seus donos poderiam ter câmaras instaladas em torno da área, o que lhes seria um incômodo.

Antes de saltarem sobre o cercado de corda, para examinar o primeiro edifício, olharam à volta, com cuidado, para certificar-se de que estavam sozinhos.

O homem de óculos de repente ficou rígido.

- Essa não! Vocês ouviram isso?

- O quê?

- Shhh! Ouçam!

Alguém vinha correndo no caminho de madeira.

- Rápido, vamos nos esconder!

Esperando não serem vistos pelo corredor, que se aproximava de onde estavam, os três esconderam-se à sombra do pequeno prédio de formato cilíndrico. Seus corações batiam forte. Eles podiam ouvir os passos chegando cada vez mais perto.

Um corredor, usando um casaco de treino escuro, com capuz, diminuiu a velocidade e parou em frente ao moinho. Olhando em volta, como se a certificar-se que não havia mais ninguém por perto, a figura entrou na propriedade privada e desapareceu-lhes da vista.

Eles ouviram um barulho. Parecia que a entrada estava sendo forçada.

O homem de óculos sussurrou.

- Quem diabos é este? O que ele está fazendo aqui?

- Quieto!

As dobradiças, sem graxa, rangeram com um som distinto. A porta fora, de alguma forma, aberta.

- Ele entrou! O que ele está procurando?

- Vamos sair daqui antes que alguém apareça. Isso está ficando muito perigoso!

- Espera!

O som alto de um alarme, disparado, vinha de dentro da casa. Eles ouviram alguém correndo pelas escadas abaixo e, de repente, a figura encapuzada passou correndo por eles, saltou sobre o cercado de corda e desapareceu na escuridão, longe deles e da iluminação pública.

Pouco depois, um carro da polícia, piscando as luzes vermelhas e azuis, subia em alta velocidade pela velha rua de paralelos, seguido por uma carrinha branca, com grandes letras vermelhas pintadas na lateral. Os dois carros pararam em frente ao moinho.

Eles ouviram o barulho de pessoas gritando e correndo para perto de onde estavam...

- Que porra é esta? Viste aquilo? Eu não acredito!

- O que esses sujeitos estão fazendo aqui? O que eles querem aqui, afinal?

- Vamos sair daqui antes que seja tarde demais. Isto não vai acabar bem!

- Não. Espere! Aquele homem não teve tempo suficiente para procurar o que quer que seja, enquanto esteve lá dentro. Eu me pergunto o que ele estava procurando lá em cima. Talvez esta seja a nossa única hipótese de entrar no moinho, sem forçar a entrada…

- O que tu queres dizer com isto? Estás louco? Não podemos entrar lá. Esta gente é perigosa e pode nos reconhecer!

- Acabo de ter uma ideia. Vamos dar a volta no moinho e fingir que somos apenas mais alguns intrometidos, tentando descobrir o que está acontecendo. É melhor nos separarmos!

- Isso é loucura!

- Mas pode dar certo!

- Não pense muito. Apenas vá. Agora!

Pessoas vinham, correndo, de direções diferentes. Aquilo não era algo que a pacata vila estava acostumada, por isso parecia ser um grande evento.

Eles se separaram um do outro, tentando evitar serem vistos juntos.

Quando o homem de óculos se aproximou da porta, sentiu um puxão no braço.

- Ei!

Ele virou-se e constatou que um dos policiais lhe segurava o braço. Sua surpresa foi maior ao perceber que outro homem, que ele tinha certeza já haver visto antes, estava de pé ao lado do oficial.

***


domingo, 28 de junho de 2020

O Menino no Sótão


Embora ainda fosse dia, havia apenas uma fraca luz vindo de um ponto no sótão, como percebi, de pé, junto à base da escada. Eu nunca havia tido autorização para subir aqueles degraus e ir lá em cima… nem acompanhado, muito menos por conta própria...

Agora, já não precisava mais da permissão de ninguém. Eu tinha que encarar aquela situação e queria fazê-lo… o quanto antes…

A escada, de dois lances, era de madeira escura e sem qualquer polimento. Os velhos degraus, tão pouco utilizados nos últimos tempos, rangeram, como se a reclamar, quando pisei neles. Murmurei, para mim mesmo:

- Não olhe para trás...

O sótão não estava tão desorganizado quanto eu pensei que estaria. Estava empoeirado, mas não sujo. Eu mal notei que havia uma pequena janela quadrada, voltada para o sul. A luz do final da tarde filtrava-se através do vidro empoeirado. Algumas caixas e um velho triciclo de metal, quebrado, com um assento de madeira gasto e manchado, estavam no meio do caminho. Vi uma cadeira de balanço junto à parede oposta à janela. Alguns móveis velhos estavam empilhados num canto mal iluminado. Em cima deles havia uma caixa de madeira marrom-escura com enfeites de pinos de metal, de cabeças arredondadas, dispostos ao longo da periferia da tampa.

Quando eu olhei, ele estava sentado no chão, no outro extremo, brincando com alguns minúsculos carros de brinquedo, quase no escuro. A maioria daqueles carrinhos já não tinha mais rodas. Ele estava com os pés descalços, vestindo um velho pijama de algodão estampado. Não olhou diretamente para mim, no início, como se não tivesse notado minha presença. Seu cabelo encaracolado era castanho claro, quase loiro, cortado bem curto. A boca, bem proporcionada, de um tom carmesim, mostrava dois pequenos pontos vermelhos, mais escuros, claramente evidentes, no centro do lábio inferior. Aqueles olhos castanho-esverdeados, muito curiosos e um tanto tristes, me notaram, finalmente.

Ele sorriu, timidamente, quando cheguei mais perto.

- Estás bem?

Ele balançou a cabeça, afirmativamente.

- Posso sentar aí, ao teu lado?

- Pode, mas vais sujar as roupas.

- Não tem importância.

- OK, então. É uma pena. Meus carrinhos estão todos quebrados.

Sentei-me ao lado dele e examinei um daqueles brinquedos que estavam no chão. Senti vontade de chorar e ele percebeu, mas me recuperei rápido o suficiente.

- Quantos anos tu tens?

- Cinco.

- O que estás fazendo aqui em cima, sozinho?

- Gosto de brincar sozinho e, além disso, estava esperando por ti. Podes brincar um pouquinho comigo?

- Sim. Pelo tempo que quiseres.

Ele abriu um sorriso largo e satisfeito, mostrando seus pequenos dentes, bem feitinhos. Pareceu-me ser um miúdo ‘duro na queda’.

- Tu gostas da cadeira de balanço?

- Sim, mas toma cuidado. Está quebrada. Vai desmontar-se toda.

Eu verifiquei e notei que as peças não estavam bem encaixadas, nos lugares certos. Devia ter sido abandonada e esquecida ali em cima. Tentei o meu melhor para reparar e, finalmente, sentei-me nela. O encosto e o assento, de palha trançada, fizeram um ruído característico, provavelmente devido à falta de uso. Ainda era uma cadeira bem forte, pelo que percebi.

- Queres sentar aqui comigo?

Ele veio mais para perto e eu o levantei do chão e sentei-o na minha perna esquerda. Ele sorriu e deitou a cabeça no meu peito, ainda entretido com um de seus carrinhos de brinquedo.

O som monótono e suave da velha cadeira, a balançar, e meus braços em torno de seu minúsculo corpo, eram como um convite para adormecer. Ele fechou os olhos. Eu podia sentir que ele relaxava e deixou o brinquedo cair da sua mãozinha, no meu colo. Parecia estar confortável e sentindo-se protegido e amado. Eu o abracei mais firmemente e beijei suavemente o topo de sua cabeça.

Meus olhos encheram-se de lágrimas. Meu coração estava transbordando.

Levantei-me em silêncio e desci, cuidadosamente, com ele nos braços e deitei-o em uma cama de solteiro, de colchão duro de palha, que havia no quarto abaixo da escada. Sentei-me na beirada de madeira escura, tentando não perturbar seu sono tranquilo. Seu rosto estava muito sereno. Acariciei seu cabelo fino e macio. Ele respirou fundo, descontraído, quase sorrindo, como se estivesse tendo um sonho bom.

Levantei-me e saí do quarto, deixando o menino em sua cama. Votei-me e olhei para ele, da porta.

Ele, agora, sorria. Seu sorriso era espontâneo e tranquilo, naquele rostinho inocente, em seu sonho feliz... Ele era, na verdade, um menino bem bonito. Deduzi que seria um belo homem, no futuro.

Respirei fundo e abri os olhos. Aquela minha jornada, ao passado, acabava ali. Senti uma satisfação enorme por haver conseguido fazê-la, daquele jeito.

***

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Dança Lenta



Uma dança lenta, com o Valete de Espadas, não estava, definitivamente, no cardápio. Eu decidi observá-lo de uma distância segura, para não ser queimado pelo fogo dele... ou por aquele que começou a arder, lentamente, no meu peito, quando o vi pela primeira vez.

Lá estava ele, de pé, por trás do pequeno grupo de convidados, olhando casualmente para mim. Eu cumprimentei a todos e caminhei até ele, com um sorriso no rosto e a mão estendida para um aperto firme. Olhei em seus olhos azul-esverdeados, por um breve momento, e me apresentei. Ele fez o mesmo.

Eu quase podia ouvir meus próprios pensamentos gritando, na minha cabeça e, até, tive medo de que ele notasse as evidências, tão claras nos meus olhos, ou conseguisse ler minha mente, de alguma forma.

Eu me perguntei se ele, algum dia, teria ciência do efeito que teve sobre mim, naquele exato momento. Pouco sabia eu do que passava em sua mente, quando ele me sorriu daquele jeito.

"Por favor, goste de mim".

Aquela primeira impressão fora bastante surpreendente, a meu ver.

***

- É bom estar aqui, assim. Me sinto tão em casa.

Ele me abraçou mais forte. Tinha minha cabeça recostada em seu peito e seus braços envolviam-me a parte superior do corpo. Suas pernas musculosas estavam enroscadas nas minhas, como se ele estivesse me segurando para que eu não caísse do estreito sofá. Estávamos ouvindo algumas das minhas músicas favoritas. A maioria delas ele estava, apenas, começando a conhecer...

“You say you had your heart broken
 What a stupid little thing to do…
 Make no mistake
 I'll do whatever it takes
 To get over these walls
 High up in the atmosphere
 If I could catapult my heart
…To where you are” …*
(*Catapult, by Jack Savoretti)

Quando a música terminou, ele se levantou e eu também. Tocou meu rosto, tão levemente, com as duas mãos, que senti como se fossem plumas caindo suavemente na minha pele nua.

Sorri, meio sem jeito. Ele me beijou e me abraçou, firmemente. Em seus braços, sentia uma proteção infinita e aquele foi um dos melhores sentimentos que tive na vida.

Eu dançava, lentamente, com o Valete de Espadas e gostava daquilo, com todo o meu corpo e alma. Tive a sensação de que ele sabia, exatamente, o que estava fazendo e isso me deixava extremamente feliz.

A sala estava quieta, as luzes baixas, mas continuamos dançando as músicas, que continuavam a tocar, silenciosamente, em nossas cabeças, por uma banda invisível... por um bom tempo... Senti o calor suave de nossas peles nuas, uma contra a outra… nossos corações a bater no mesmo ritmo.

Ele, então, pegou minha mão na sua e me conduziu...

***

Minha atenção estava totalmente voltada para como suas mãos pálidas tocavam minha pele, viajando pelo meu corpo, de maneira muito leve e calorosa.

- Adoro tuas mãos e o jeito que tu me tocas. És tão carinhoso.

- Adoro tocar em ti. Tua pele é tão macia.

- E nunca pensei que amaria alguém desse jeito...

- Então teu coração tem sido negligenciado, meu amor...

Houve uma dor repentina no meu peito. Eu me virei. Não conseguia me controlar. Fechei os olhos e deixei minhas lágrimas correrem, silenciosamente, quentes e livres. E elas queimavam, como lava. Meu corpo estremeceu um pouco.

Ele colocou os braços à minha volta e me puxou para perto dele. Seu queixo repousava no meu pescoço. Eu senti que ele cheirava meus cabelos. Senti seu corpo aquecendo o meu, enquanto soluçava, incontrolavelmente, em seu abraço forte.

***

Era uma tarde ensolarada de sábado. Fui dar um passeio na praia e sentei-me em silêncio, olhando o mar. Uma brisa fresca soprou contra meu rosto e cabelo. O céu estava tão azul que me fez lembrar dele e de seus olhos.

Perdi-me a olhar um ponto inexistente, ao longe. Minha mente vagueou no passado. Eu estremeci.

- Quanto tempo faz?

Eu me virei. Além de algumas gaivotas barulhentas, voando acima, não havia ninguém à vista. Eu pensei que minha imaginação estivesse brincando comigo.

- Há quanto tempo? Tu lembras?

Eu decidi responder em voz alta.

- Sabes muito bem há quanto tempo.

Lembrei-me do dia em que nos conhecemos, há longos anos no passado, desde o momento em que as portas deslizantes se abriram e vi seu sorriso acolhedor e o coração nas mãos, até o flagrante beijo de despedida que ele me deu, antes que eu entrasse na área restrita do aeroporto, a caminho de casa.

- Estou tão feliz que tua dor se tenha ido embora.

Não respondi, apenas me levantei e saí silenciosamente.

Lágrimas quentes insistiram em desfocar minha visão, enquanto o vento soprava mais frio, desta vez por todo o meu corpo...

***