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domingo, 12 de julho de 2020

Viajante do Tempo. Parte 1. O Farol.



- Sabe, às vezes eu sinto que não pertenço a este lugar e a este tempo. E é mais do que apenas algumas vezes.

- E tu és, agora, um viajante do tempo?

Ele fez a pergunta, sorrindo.

- Tu também não te sentes, às vezes, fora do tempo e do lugar?

Ele sorriu de novo, de uma maneira engraçada, como se soubesse mais do que estava dizendo ao amigo.

- Sinto, sim.

- Então me entendes, quando eu digo isso... É tão...

Dessa vez, ele ficou pensativo, como se algo mais sério lhe ocorresse.

- Tu não tens ideia do quanto eu te entendo...

***

- Nós não deveríamos estar aqui. Se alguém nos vê...

- Calado! Ninguém vai-nos ver. Nós estamos seguros. Já passa muito da meia-noite.

- E se a polícia aparecer?

- Seremos rápidos. Eu só quero ter certeza de que está realmente aqui.

- E como nós vamos saber?

- Eu vou saber, acredite em mim...

- Está bem.

- Deveria estar por aqui em algum lugar, mas é tão trivial que ninguém jamais notaria. Ou, se o fizerem, nunca teriam uma ideia do que realmente é. Cá está. Eu sabia!

- Pronto. Já achamos, agora vamos embora daqui! É apenas um ‘geocache’!

- É assim que pode parecer, mas é mais do que isso. Não é uma caixa. Vês? Tenho certeza que é um portal.

- O que nós vamos fazer?

- Nada. Não vamos fazer nada. É mais seguro que fique aqui, do jeito que está.

- Achas que há mais?

- Portais?

- Viajantes?

Ele olhou para o jovem de óculos, em silêncio. Seu rosto estava protegido pela sombra, mas houve uma súbita mudança na sua forma de respirar.

- Vamos sair daqui, agora. Não tarda a amanhecer.

- Espera. Alguém se aproxima. Ouves?

- Rápido! Faz alguns alongamentos. Finge que estamos exercitando.

O som dos passos ficou mais alto. Alguém vinha correndo a caminho do cais e se aproximava de onde eles estavam.

O rapaz de óculos virou-se e descansou a perna no parapeito inferior, esticando-se devagar com as mãos, tentado alcançar os pés, como se estivesse fazendo alongamentos. Seu companheiro segurava um pé com uma das mãos, suportado por uma perna, apenas.

Eles não conseguiam ver se o rosto do corredor recém-chegado, no interior do capuz do casaco de treino escuro, era jovem ou velho, mas pela maneira como ele se movia, podia-se dizer que era um homem atlético. Ele passou pela pista e deu a volta ao redor do farol, voltou ao cais e saiu pelo mesmo caminho que veio, entrando no calçadão. Logo ganhou a rua e desapareceu na escuridão novamente. O som de seus passos foi desaparecendo ao longe.

Os dois homens se entreolharam, aliviados.

- Essa foi por pouco!

- Que nada! Pare de ter tanto medo de tudo. Vamos voltar. Já tivemos mais que o suficiente esta madrugada.

Eles saíram rapidamente para onde o jipe ​​estava estacionado e entraram, não sem antes olharem a volta.

Não viram o homem vestindo um casaco de treino, escuro e com capuz, parado do outro lado da área do estacionamento, protegido da vista, pela penumbra.

Assim que o carro saiu, ele atravessou o parque e voltou a se aproximar do farol, correndo...

***

Os dois chegaram em casa em alguns minutos, já que não havia tráfego àquela hora da manhã. Ainda tinham algumas coisas para discutir.

- Que porra era aquela? Era mesmo um portal? A sério? Eu pensei que havíamos ido procurar um ‘geocache’…

- Tu sabes muito bem que era um portal e não um ‘cache’. Tu viste os detalhes…

O homem de óculos estava totalmente confuso, pois sabia que aquelas coisas eram difíceis de entender e acreditar.

Seu amigo parecia mais à vontade com a existência de um portal, embora desde que eles haviam deixado o farol, parecia bastante distraído, como se estivesse em outro mundo… ou época.

- Tu achas que nós deveríamos...?

- Eu acho.

- Quando?

- Quanto mais cedo melhor. Vamos arrumar algumas coisas nas mochilas. Talvez não voltemos hoje.

***

O sol mal acabava de nascer e eles já estavam na estrada para o norte. A A28 estava silenciosa, mas logo estaria movimentada, devido ao tráfego para as zonas industriais e às pessoas que iam para as praias.

- Um portal? Não é possível! Mas aquele último foi totalmente destruído!

- Eu sei. Mas tudo aponta para um novo e nós o localizamos. Está lá, tão à vista quanto um ‘geocache’ normal… mas com detalhes muito característicos.

- Como isso pode ser possível? A menos que... Espera!... Não, não, não... Isso é improvável...

- O quê? Espera aí! Tu estás sugerindo que eles voltaram para cá?

- Do que vocês dois estão falando? Isto não faz nenhum sentido.

- Mas por que aqui e por que agora? O que há aqui, nesta era, que poderia ser de algum interesse para eles?

- Eu não faço ideia. Se tivéssemos alguma indicação do que aconteceu, quando...

Eles olharam para o homem de óculos.

- ‘Oblívio’, o ‘Esquecimento’...

- OK! Vamos parar aqui e agora. Quero saber tudo sobre este incidente com ‘Oblívio’... Passou-se bastante tempo. Já está mais que na hora de falarmos sobre isso. E não me tentem enganar mais, por favor!

Os dois homens olharam para aquele que usava óculos. Ele estava lívido.

- OK. É melhor sentar. Vou-te trazer um pouco de água. Relaxe um pouco, sim?

- Eu não quero e nem vou relaxar. Tudo isso parece estar relacionado. Digam-me já o que aconteceu... Quero saber agora!

- Ok, mas agora, sente-se, por favor. Beba a água. Eu vou explicar... Ou, pelo menos, vou tentar esclarecer-te esta história, de uma vez por todas.

***



sábado, 19 de outubro de 2019

De Jacinto (Parte final)



“Down on my knees, down on my knees once again... 
  I'm down on my knees, down on my knees once again... 
  Breaking in tears, breaking in tears once again...
  It's hard for me, but I'm trying”… (Adam Evald; “That Day”)

(De joelhos, de joelhos mais uma vez...
  Estou de joelhos, de joelhos mais uma vez...
 Desabando em lágrimas, desabando em lágrimas mais uma vez...
  É difícil para mim, mas estou tentando) … 


***

- O que é que tu fizeste?

- Se ele não for meu, também não será de ninguém...

- Estás louco? E o que fazemos agora?

Ele revelou aquele sorriso maléfico novamente, enquanto falava muito lenta e claramente.

- Eu… não vou fazer nada... Acabei de fazer o que queria... Tu é que precisas fazer alguma coisa, agora.

- Meu Deus! O que eu faço, então?

- Toma o teu remédio e eu desapareço... e tu terás que enfrentar um crime... sozinho... Ou podes chamar de acidente. Talvez eles acreditem, ou então...

- Porra! Que merda!

***

- Tu estás delirando! Não há nada lá.

- Juro que havia um corpo. Um homem morto! E estava ali!
   
- Quando foi a última vez que tomaste o comprimido?

- Não tenho certeza. Perdi a noção do tempo.

- Olhe para mim. Foco. Agora! Quanto tempo?

- Eu não sei. Algumas semanas, talvez.

- Semanas? Estás louco? Tu sabes que deves tomá-lo todos os dias!!! Como tu sabes que não estás alucinando?

- Eu não estou. Quero dizer, acho que não...

- Achas que não? Achas que não?!?!? O que significa isto? Não vês que podes ser condenado como cúmplice de um crime? Se houve realmente um crime!

- Eu não sou um cúmplice! Não incentivei e nem participei daquilo...

- Vais ter que provar a tua inocência, se encontrarmos o corpo.

Ele ajoelhou-se no chão, segurando a cabeça com as duas mãos e chorou, como uma criança, quando ouviram o som da sirene se aproximando.
***
Havia silêncio na escuridão. Havia escuridão naquele silêncio.

O homem olhou em volta. Parecia estar sozinho e não tinha certeza de onde estava. Ouviu um clique seco e, de repente, uma porta foi aberta. A luz pareceu perfurar seus olhos. Ele tentou cobrir o rosto com as duas mãos, mas não conseguiu movê-las. Já não estava mais sozinho.

- Como está se sentindo?

- O que é isso? Onde estou?

- Não se preocupe. Está seguro agora. Nós cuidaremos de você...

Os homens vestidos de branco se aproximaram mais. Ele teve a impressão de conhecer um deles. Viu seu amigo no canto da sala, mas aquilo poderia ser apenas uma impressão... ou sua mente brincando com ele.

Uma picada repentina no braço esquerdo o fez arregalar os olhos, mas logo sentiu que não poderia mantê-los abertos, por muito tempo. Ainda podia ouvir o barulho das pessoas conversando, mas as palavras foram desaparecendo, naquela mistura confusa de vozes diferentes.

Então, tudo ficou escuro... e silencioso...Novamente…
***
- Como ele está?

- Ele tem seus altos e baixos. Está saindo de outra crise. Seu caso tornou-se cada vez mais complexo, com o passar do tempo e com o fato de ele não ter tomado o medicamento por meses.

- Entendo…

O médico estava sendo o mais honesto e prático possível.

- Ele precisa ficar em terapia intensiva por um tempo ainda, antes que possamos liberá-lo.

- E vai ficar curado? Quero dizer, mesmo com um processo de prescrição vitalícia?

- Nunca teremos certeza... A vida é cheia de surpresas...
***
- Tu me vais ajudar a sair daqui?

- É isso que estou fazendo…

- Não. Assim não...

- É o único jeito, agora.

- Por favor…

- Uma vez tu me perguntaste se eu sabia o que sentias por mim e eu te disse que não era bom em expressar o que se passava em meu coração. Bem, eu pensei muito sobre isso, e concluí que a única forma de sair, é ficando cá. E digo isto, porque eu realmente me importo contigo. Mais do que qualquer outra coisa... eu estarei aqui para ti, o tempo todo.

Seus olhos estavam fixos no parceiro amado. Havia uma mistura de pena, preocupação e verdadeiro carinho. Ele tocou o rosto do amigo, muito levemente.

- Tu és tão bom para mim…

- E tu estás tão chapado...

Ele fechou os olhos e adormeceu com um sorriso no rosto.
***
O tempo, paciência, medicação e vigilância rigorosa provaram ser o tratamento mais eficaz para aquela sua esquizofrenia.

Os médicos o dispensaram do centro de tratamento, depois de decidir que estava pronto para voltar à sua vida quase normal, e para as coisas e pessoas a que estava acostumado, já que os sintomas pareciam haver desaparecido completamente.

Ele ficou aliviado e seu melhor amigo e mentor também. Eles precisavam de uma comemoração. Decidiram ir à casa de praia, pois ele queria passar um tempo à beira-mar, longe de médicos e enfermeiras.

Pegaram o carro e dirigiram-se para o litoral, para passar mais do que apenas naquele fim-de-semana fora.
***
- Não vás embora. Não quero mais que tu vás embora.

- Eu estou bem aqui. Não te preocupes. Eu não vou a lugar nenhum.

- Fico triste quando penso que ele morreu daquele jeito. Eu ainda me sinto culpado por toda esta confusão...

- Ele não está morto, bobo!

- Como assim?

- Como ele podia estar morto? Ele nunca foi real.

- Tu também não deverias estar aqui. Não mais... pelo menos... mas...

Ele sorriu. Aquele sorriso estranho de novo.

- Tua mente é mais poderosa do que tu consegues admitir! Já tomaste o medicamento hoje?

- Sim, claro.
- Então?

- Tu ainda estás aqui.

- Vês? Se depois de todo esse tempo tu ainda me vês... Bem, tu sabes somar dois e dois. Fico feliz que tenhas mantido nosso segredo, de que eu, nunca, realmente, desapareci. Agora, olhe em volta. Vês onde ele está? Naquele lado da praia, perto das pedras?

Ele deu alguns passos tímidos naquela direção.

Sua perceção de tudo ao seu redor parecia mais precisa e clara do que nunca: a brisa... o mar revolto... um som que ele conhecia muito bem...

O disco caiu perto de seus pés. Quando ele se inclinou para pegá-lo, ouviu uma risadinha e ergueu a cabeça. Os cabelos ruivos do homem brilhavam ao sol. 
- Oh! Deus! 
Ele deu-se conta do quanto amava aquele rosto bonito e masculino e aquele sorriso brilhante, quase mais radiante que o sol.

Ele olhou para o recém-chegado, sorrindo e sentindo-se aliviado. Os dois se abraçaram em silêncio e começaram a chorar, sentindo uma felicidade estranha e autêntica.

O céu acima deles estava muito límpido e azul. O vento rodopiou em volta deles e pareceu-lhes que recebiam um abraço e um beijo. Ouviu-se uma risada divertida.

Ele sabia o que acontecia. Zéfiro ria deles, naquele momento de intimidade, sem interferir mais que o necessário, para deixar-lhes saber que estava por perto.
***
Era um dia ensolarado e quente, e a brisa era realmente agradável. A mão de seu amigo pousou sobre seu ombro e ele se sentiu protegido, amado e, se aquilo fosse mesmo possível, tão livre quanto uma gaivota.

- Tu és a criatura mais gentil e mais amada do Universo! Eu nunca poderei agradecer o suficiente pela paciência, cuidado, atenção e...

- Oh! Pare com isso! Eu, realmente, me importo muito contigo…. e não tenho mais medo de dizer isso.

Tirou a t-shirt e livrou-se dos tênis e bermudas, depois caminhou direto para o mar, seguido de seu melhor amigo, que também estava nu e se sentindo tão livre quanto ele.

Duas figuras os observavam, sentados nas rochas, a uma distância segura.

Ele fingiu não vê-los, mas sentiu que ambos sorriam, divertindo-se com aquela cena.
***

sábado, 23 de setembro de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 4)


Leona olhou para o pai e David, o décimo-terceiro clone, que corriam junto dela, pelo meio do bosque, sem pensar em outra coisa, além de salvar suas peles. Ela era mais rápida e conhecia o caminho, por isso assumiu a responsabilidade sobre a segurança deles. Por sorte, os homens armados ainda não os haviam detetado, mas poderia ser, somente, uma questão de tempo.

Ouviram mais tiros. Leona não parava de pensar no irmão. Enquanto ela os ouvisse, por mais perigoso que pudesse ser, entretanto, sabia que ele estaria, provavelmente, vivo. O silêncio é que poderia ser mau sinal. Ela tinha medo de pensar no pior. Sua preocupação era, agora, correr, sem parar.

- Temos que chegar à entrada dos túneis. Lá será mais fácil desaparecermos. Tomem cuidado, mas não parem.

Ela sabia que exigia demais daqueles dois seres, mas tinha que ser forte pelos dois, que estavam praticamente chegando aos limites de suas forças. Um pensamento passou por sua cabeça e ela tentou arrancá-lo da mente, mas não era fácil…

“O que será que este surto de adrenalina vai causar ao corpo do clone? Ele já está em estranha mutação. E se isso acelerar algum processo?”

Mais um tiro. Desta vez pareceu estar mais perto deles. Ouviu passos apressados. Estavam quase na entrada dos túneis. Leona não olhou para trás. Mantinha o pai e David, sob sua total atenção. Tinha que se concentrar em deixá-los a salvo, de qualquer maneira. O futuro e o passado corriam junto dela.

Ao passar pela entrada dos túneis, Leona não hesitou. Aquele emaranhado de entradas, nas diversas galerias, era como um labirinto, mas tanto ela quanto o irmão, conheciam muito bem aquele lugar. Eles costumavam fazer uma brincadeira com seu esconderijo favorito.

“Se não é direito ir à direita, então é direito ir à esquerda”.

Assim que se sentiu segura, deixou os dois homens, finalmente, tomarem fôlego. Os três ficaram, quietos, tentando perceber se já estavam seguros. O som de passos apressados indicou-lhes que vinha alguém na mesma direção. Só podia ser o irmão, mas ela pediu aos dois para ficarem escondidos e em silêncio, até terem certeza, enquanto ela se certificava.  

- Leona, consegui salvar o diário. Nem pergunte a que custo. É melhor que o leves contigo. Eu vou continuar a desviar a atenção dos homens, para que nunca cheguem perto do terminal, até vocês estarem seguros.

- Não. Nós temos muito pouco tempo. Vamos ter que sair daqui juntos.

- É nossa única hipótese. Confia em mim. Eu chego a tempo, podes ficar tranquila.

Confiar nele? Ela teve dúvidas… Por mais que parecesse certo do que fazia, ainda assim, era extremamente arriscado.

A mulher não percebeu que o irmão tentava esconder sua dificuldade em respirar normalmente. Ele fingiu estar, somente, cansado e preocupado em fazer com que saíssem dali a salvo.

- Vamo-nos encontrar no terminal em quinze minutos. Não esperem mais que cinco minutos por mim. Agora vão.

Leona articulou, rapidamente, um plano de emergência em sua mente, mas precisava de tempo para executá-lo, antes que o irmão voltasse a juntar-se ao grupo.

Ela chamou o pai e o Décimo-Terceiro. Os dois seguiram-na, sem dizer nada. O personagem mais jovem não conseguia esconder o quão assustado e receoso estava. O homem mais velho, acostumado com fugas repentinas e uma vida bem pouco segura, desde há muito, apenas seguiu a filha, sem reclamar e em apreensivo silêncio.

A mulher era ágil e sabia o caminho como ninguém. Os dois faziam um esforço extra para poderem acompanhá-la, mas seguiam-na cega e confiantemente, em absoluto silêncio.

Todos os outros sons, além de seus passos, haviam ficado completamente para trás, deixando-os mais tranquilos, mas não desatentos. 

- É ali. Chegamos.
***

Leona reprogramou o terminal de transporte, como havia decidido mentalmente, para a volta de quatro viajantes, ao invés dos três que aportaram naquele ponto do passado. Apesar do risco que corriam com aquela atitude e, mesmo sabendo que contrariava todos os procedimentos de segurança e as ordens do Supremo, ela não teve dúvidas quanto à certeza de que tomara a decisão mais acertada.

Ela, o pai e o Décimo-Terceiro clone aguardavam ansiosamente pelo quarto viajante, mas o tempo esgotou-se muito rapidamente e o terminal deu o sinal de transferência. Os três colocaram-se no centro da cápsula e esperaram uma pequena fração de segundo, para que a mesma começasse o processo. 

A mulher sentia-se cansada e triste, mas tinha que seguir o procedimento, em nome da segurança do pai e do clone. Quando chegassem ao futuro, ela trataria de contornar a situação, provavelmente enviando um outro sinal, para que o irmão recebesse e pudesse voltar. Ele saberia o que fazer.

O som de uma rajada de disparos não foi percebido por nenhum dos três, enquanto estavam sendo transferidos de volta para o futuro, por causa do zumbido que a máquina emitiu e da rapidez do processo. O Décimo-Terceiro sentiu um empurrão no pé, mas não percebeu o que acontecia, realmente.

Ouviram uma sirene a tocar, intermitentemente, poucos segundos depois.

A transferência havia sido concluída, efetivamente. Agora, encontravam-se dentro do terminal de transporte do edifício principal, no ano de 4697.

Leona olhou para baixo, aos pés do Décimo-Terceiro e, então, percebeu que o clone tinha as pernas e os pés manchados de sangue.

- O que é isso?

- É sangue. Estás ferido?

- Não… sei…

O clone também sangrava pelo nariz. Ele revirou os olhos e caiu aos pés da mulher, aparentemente desacordado. Ela apressou-se para acudi-lo, quando viu que, atrás dele, jazia o corpo ferido e inconsciente do irmão. Ele também tinha as mãos cobertas de sangue.

Os dois cientistas chegaram, naquele momento, juntamente com o Supremo, que aproximou-se e falou, antes que ela tivesse tempo de explicar-se.

- Eu espero que tenhas uma razão muito boa para isto. Eu te avisei que vocês não deviam intervir com qualquer coisa no passado. A tua missão era justamente impedir que tal acontecesse.

- Eu sei. Mas estávamos sendo perseguidos por homens armados e não podia deixar ninguém para trás. Era a única alternativa.

- A única? A única alternativa era ter evitado esta confusão toda…

- Eu sei, mas temos um problema mais grave, neste momento…

O Supremo olhou por cima dos ombros de Leona e percebeu, logo, ao que ela se referia. Embora fosse um homem extremamente severo, ele não deixava de ser coerente e justo.

***

- Mas nós conseguimos salvar o diário, afinal. Mesmo com tudo que aconteceu… e…

- Sim. É certo. Mas a um preço muito alto.

- Isso já não tem nenhuma relevância. O que importa é que conseguimos garantir o nosso futuro e desta gente...

- Mas mexemos com o passado. Não deveria ter acontecido. Foi um risco muito grande... e, invariavelmente, toda intervenção tem suas consequências.

- Mas tu já não ias ficar muito tempo vivo, lá, de todo jeito… O ataque pode ter sido antecipado pela nossa chegada àquela hora ao laboratório, mas para todos os efeitos, segundo consta, serias morto naquela mesma noite e foi isso que aconteceu. Ninguém, nunca, vai saber a verdade… Que diferença poderia fazer, agora?

- Nunca subestime os efeitos das coisas pequenas ou das que pareçam ter pouca importância… Como sabes que nada ficou intocado, neste futuro? Mesmo que ainda não tenhas percebido… houve uma mudança!

- Houve?

- Houve, sim…

Leona olhou o pai, com preocupação. A morte do irmão fora um sacrifício, em nome do futuro e da ciência, que não fora previsto, nem pode ser impedido ou revertido. O tempo não perdoava… Aquela nova constatação, porém, era preocupante.

O pai apontou para o laboratório. De lá, David, o Décimo-Terceiro clone, olhava para ela e para o velho cientista.

Leona franziu o cenho. Ele parecia tranquilo, mas a anomalia estava cada vez mais evidente. A mulher puxou o pai pelo braço e entraram os dois na sala imaculadamente branca.

O chefe dos cientistas parecia desesperado.