- Sabe,
às vezes eu sinto que não pertenço a este lugar e a este tempo. E é mais do que
apenas algumas vezes.
- E tu
és, agora, um viajante do tempo?
Ele fez a pergunta, sorrindo.
- Tu
também não te sentes, às vezes, fora do tempo e do lugar?
Ele sorriu de novo, de uma maneira engraçada, como se
soubesse mais do que estava dizendo ao amigo.
- Sinto,
sim.
- Então me
entendes, quando eu digo isso... É tão...
Dessa vez, ele ficou pensativo, como se algo mais sério
lhe ocorresse.
- Tu não
tens ideia do quanto eu te entendo...
***
- Nós
não deveríamos estar aqui. Se alguém nos vê...
- Calado!
Ninguém vai-nos ver. Nós estamos seguros. Já passa muito da meia-noite.
- E se a
polícia aparecer?
-
Seremos rápidos. Eu só quero ter certeza de que está realmente aqui.
- E como
nós vamos saber?
- Eu vou
saber, acredite em mim...
- Está
bem.
-
Deveria estar por aqui em algum lugar, mas é tão trivial que ninguém jamais
notaria. Ou, se o fizerem, nunca teriam uma ideia do que realmente é. Cá está.
Eu sabia!
- Pronto.
Já achamos, agora vamos embora daqui! É apenas um ‘geocache’!
- É
assim que pode parecer, mas é mais do que isso. Não é uma caixa. Vês? Tenho
certeza que é um portal.
- O que
nós vamos fazer?
- Nada. Não
vamos fazer nada. É mais seguro que fique aqui, do jeito que está.
- Achas
que há mais?
- Portais?
-
Viajantes?
Ele olhou para o jovem de óculos, em silêncio. Seu rosto
estava protegido pela sombra, mas houve uma súbita mudança na sua forma de respirar.
- Vamos
sair daqui, agora. Não tarda a amanhecer.
- Espera.
Alguém se aproxima. Ouves?
-
Rápido! Faz alguns alongamentos. Finge que estamos exercitando.
O som dos passos ficou mais alto. Alguém vinha correndo a
caminho do cais e se aproximava de onde eles estavam.
O rapaz de óculos virou-se e descansou a perna no
parapeito inferior, esticando-se devagar com as mãos, tentado alcançar os pés,
como se estivesse fazendo alongamentos. Seu companheiro segurava um pé com uma
das mãos, suportado por uma perna, apenas.
Eles não conseguiam ver se o rosto do corredor recém-chegado,
no interior do capuz do casaco de treino escuro, era jovem ou velho, mas pela
maneira como ele se movia, podia-se dizer que era um homem atlético. Ele passou
pela pista e deu a volta ao redor do farol, voltou ao cais e saiu pelo mesmo caminho
que veio, entrando no calçadão. Logo ganhou a rua e desapareceu na escuridão
novamente. O som de seus passos foi desaparecendo ao longe.
Os dois homens se entreolharam, aliviados.
- Essa
foi por pouco!
- Que
nada! Pare de ter tanto medo de tudo. Vamos voltar. Já tivemos mais que o
suficiente esta madrugada.
Eles saíram rapidamente para onde o jipe estava estacionado e
entraram, não sem antes olharem a volta.
Não viram o homem vestindo um casaco de treino, escuro e com
capuz, parado do outro lado da área do estacionamento, protegido da vista, pela
penumbra.
Assim que o carro saiu, ele atravessou o parque e voltou
a se aproximar do farol, correndo...
***
Os dois chegaram em casa em alguns minutos, já que não
havia tráfego àquela hora da manhã. Ainda tinham algumas coisas para discutir.
- Que
porra era aquela? Era mesmo um portal? A sério? Eu pensei que havíamos ido
procurar um ‘geocache’…
- Tu
sabes muito bem que era um portal e não um ‘cache’. Tu viste os detalhes…
O homem de óculos estava totalmente confuso, pois sabia
que aquelas coisas eram difíceis de entender e acreditar.
Seu amigo parecia mais à vontade com a existência de um
portal, embora desde que eles haviam deixado o farol, parecia bastante
distraído, como se estivesse em outro mundo… ou época.
- Tu
achas que nós deveríamos...?
- Eu
acho.
-
Quando?
- Quanto
mais cedo melhor. Vamos arrumar algumas coisas nas mochilas. Talvez não
voltemos hoje.
***
O sol mal acabava de nascer e eles já estavam na estrada
para o norte. A A28 estava silenciosa, mas logo estaria movimentada, devido ao
tráfego para as zonas industriais e às pessoas que iam para as praias.
- Um
portal? Não é possível! Mas aquele último foi totalmente destruído!
- Eu sei.
Mas tudo aponta para um novo e nós o localizamos. Está lá, tão à vista quanto
um ‘geocache’ normal… mas com detalhes muito característicos.
- Como
isso pode ser possível? A menos que... Espera!... Não, não, não... Isso é
improvável...
- O quê?
Espera aí! Tu estás sugerindo que eles voltaram para cá?
- Do que
vocês dois estão falando? Isto não faz nenhum sentido.
- Mas
por que aqui e por que agora? O que há aqui, nesta era, que poderia ser de
algum interesse para eles?
- Eu não
faço ideia. Se tivéssemos alguma indicação do que aconteceu, quando...
Eles olharam para o homem de óculos.
- ‘Oblívio’, o ‘Esquecimento’...
- OK! Vamos
parar aqui e agora. Quero saber tudo sobre este incidente com ‘Oblívio’... Passou-se
bastante tempo. Já está mais que na hora de falarmos sobre isso. E não me tentem
enganar mais, por favor!
Os dois homens olharam para aquele que usava óculos. Ele
estava lívido.
- OK. É
melhor sentar. Vou-te trazer um pouco de água. Relaxe um pouco, sim?
- Eu não
quero e nem vou relaxar. Tudo isso parece estar relacionado. Digam-me já o que
aconteceu... Quero saber agora!
- Ok,
mas agora, sente-se, por favor. Beba a água. Eu vou explicar... Ou, pelo menos,
vou tentar esclarecer-te esta história, de uma vez por todas.
***