Mostrar mensagens com a etiqueta Apolo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Apolo. Mostrar todas as mensagens

sábado, 19 de outubro de 2019

De Jacinto (Parte final)



“Down on my knees, down on my knees once again... 
  I'm down on my knees, down on my knees once again... 
  Breaking in tears, breaking in tears once again...
  It's hard for me, but I'm trying”… (Adam Evald; “That Day”)

(De joelhos, de joelhos mais uma vez...
  Estou de joelhos, de joelhos mais uma vez...
 Desabando em lágrimas, desabando em lágrimas mais uma vez...
  É difícil para mim, mas estou tentando) … 


***

- O que é que tu fizeste?

- Se ele não for meu, também não será de ninguém...

- Estás louco? E o que fazemos agora?

Ele revelou aquele sorriso maléfico novamente, enquanto falava muito lenta e claramente.

- Eu… não vou fazer nada... Acabei de fazer o que queria... Tu é que precisas fazer alguma coisa, agora.

- Meu Deus! O que eu faço, então?

- Toma o teu remédio e eu desapareço... e tu terás que enfrentar um crime... sozinho... Ou podes chamar de acidente. Talvez eles acreditem, ou então...

- Porra! Que merda!

***

- Tu estás delirando! Não há nada lá.

- Juro que havia um corpo. Um homem morto! E estava ali!
   
- Quando foi a última vez que tomaste o comprimido?

- Não tenho certeza. Perdi a noção do tempo.

- Olhe para mim. Foco. Agora! Quanto tempo?

- Eu não sei. Algumas semanas, talvez.

- Semanas? Estás louco? Tu sabes que deves tomá-lo todos os dias!!! Como tu sabes que não estás alucinando?

- Eu não estou. Quero dizer, acho que não...

- Achas que não? Achas que não?!?!? O que significa isto? Não vês que podes ser condenado como cúmplice de um crime? Se houve realmente um crime!

- Eu não sou um cúmplice! Não incentivei e nem participei daquilo...

- Vais ter que provar a tua inocência, se encontrarmos o corpo.

Ele ajoelhou-se no chão, segurando a cabeça com as duas mãos e chorou, como uma criança, quando ouviram o som da sirene se aproximando.
***
Havia silêncio na escuridão. Havia escuridão naquele silêncio.

O homem olhou em volta. Parecia estar sozinho e não tinha certeza de onde estava. Ouviu um clique seco e, de repente, uma porta foi aberta. A luz pareceu perfurar seus olhos. Ele tentou cobrir o rosto com as duas mãos, mas não conseguiu movê-las. Já não estava mais sozinho.

- Como está se sentindo?

- O que é isso? Onde estou?

- Não se preocupe. Está seguro agora. Nós cuidaremos de você...

Os homens vestidos de branco se aproximaram mais. Ele teve a impressão de conhecer um deles. Viu seu amigo no canto da sala, mas aquilo poderia ser apenas uma impressão... ou sua mente brincando com ele.

Uma picada repentina no braço esquerdo o fez arregalar os olhos, mas logo sentiu que não poderia mantê-los abertos, por muito tempo. Ainda podia ouvir o barulho das pessoas conversando, mas as palavras foram desaparecendo, naquela mistura confusa de vozes diferentes.

Então, tudo ficou escuro... e silencioso...Novamente…
***
- Como ele está?

- Ele tem seus altos e baixos. Está saindo de outra crise. Seu caso tornou-se cada vez mais complexo, com o passar do tempo e com o fato de ele não ter tomado o medicamento por meses.

- Entendo…

O médico estava sendo o mais honesto e prático possível.

- Ele precisa ficar em terapia intensiva por um tempo ainda, antes que possamos liberá-lo.

- E vai ficar curado? Quero dizer, mesmo com um processo de prescrição vitalícia?

- Nunca teremos certeza... A vida é cheia de surpresas...
***
- Tu me vais ajudar a sair daqui?

- É isso que estou fazendo…

- Não. Assim não...

- É o único jeito, agora.

- Por favor…

- Uma vez tu me perguntaste se eu sabia o que sentias por mim e eu te disse que não era bom em expressar o que se passava em meu coração. Bem, eu pensei muito sobre isso, e concluí que a única forma de sair, é ficando cá. E digo isto, porque eu realmente me importo contigo. Mais do que qualquer outra coisa... eu estarei aqui para ti, o tempo todo.

Seus olhos estavam fixos no parceiro amado. Havia uma mistura de pena, preocupação e verdadeiro carinho. Ele tocou o rosto do amigo, muito levemente.

- Tu és tão bom para mim…

- E tu estás tão chapado...

Ele fechou os olhos e adormeceu com um sorriso no rosto.
***
O tempo, paciência, medicação e vigilância rigorosa provaram ser o tratamento mais eficaz para aquela sua esquizofrenia.

Os médicos o dispensaram do centro de tratamento, depois de decidir que estava pronto para voltar à sua vida quase normal, e para as coisas e pessoas a que estava acostumado, já que os sintomas pareciam haver desaparecido completamente.

Ele ficou aliviado e seu melhor amigo e mentor também. Eles precisavam de uma comemoração. Decidiram ir à casa de praia, pois ele queria passar um tempo à beira-mar, longe de médicos e enfermeiras.

Pegaram o carro e dirigiram-se para o litoral, para passar mais do que apenas naquele fim-de-semana fora.
***
- Não vás embora. Não quero mais que tu vás embora.

- Eu estou bem aqui. Não te preocupes. Eu não vou a lugar nenhum.

- Fico triste quando penso que ele morreu daquele jeito. Eu ainda me sinto culpado por toda esta confusão...

- Ele não está morto, bobo!

- Como assim?

- Como ele podia estar morto? Ele nunca foi real.

- Tu também não deverias estar aqui. Não mais... pelo menos... mas...

Ele sorriu. Aquele sorriso estranho de novo.

- Tua mente é mais poderosa do que tu consegues admitir! Já tomaste o medicamento hoje?

- Sim, claro.
- Então?

- Tu ainda estás aqui.

- Vês? Se depois de todo esse tempo tu ainda me vês... Bem, tu sabes somar dois e dois. Fico feliz que tenhas mantido nosso segredo, de que eu, nunca, realmente, desapareci. Agora, olhe em volta. Vês onde ele está? Naquele lado da praia, perto das pedras?

Ele deu alguns passos tímidos naquela direção.

Sua perceção de tudo ao seu redor parecia mais precisa e clara do que nunca: a brisa... o mar revolto... um som que ele conhecia muito bem...

O disco caiu perto de seus pés. Quando ele se inclinou para pegá-lo, ouviu uma risadinha e ergueu a cabeça. Os cabelos ruivos do homem brilhavam ao sol. 
- Oh! Deus! 
Ele deu-se conta do quanto amava aquele rosto bonito e masculino e aquele sorriso brilhante, quase mais radiante que o sol.

Ele olhou para o recém-chegado, sorrindo e sentindo-se aliviado. Os dois se abraçaram em silêncio e começaram a chorar, sentindo uma felicidade estranha e autêntica.

O céu acima deles estava muito límpido e azul. O vento rodopiou em volta deles e pareceu-lhes que recebiam um abraço e um beijo. Ouviu-se uma risada divertida.

Ele sabia o que acontecia. Zéfiro ria deles, naquele momento de intimidade, sem interferir mais que o necessário, para deixar-lhes saber que estava por perto.
***
Era um dia ensolarado e quente, e a brisa era realmente agradável. A mão de seu amigo pousou sobre seu ombro e ele se sentiu protegido, amado e, se aquilo fosse mesmo possível, tão livre quanto uma gaivota.

- Tu és a criatura mais gentil e mais amada do Universo! Eu nunca poderei agradecer o suficiente pela paciência, cuidado, atenção e...

- Oh! Pare com isso! Eu, realmente, me importo muito contigo…. e não tenho mais medo de dizer isso.

Tirou a t-shirt e livrou-se dos tênis e bermudas, depois caminhou direto para o mar, seguido de seu melhor amigo, que também estava nu e se sentindo tão livre quanto ele.

Duas figuras os observavam, sentados nas rochas, a uma distância segura.

Ele fingiu não vê-los, mas sentiu que ambos sorriam, divertindo-se com aquela cena.
***

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

De Jacinto (Parte 2)



- De todas as lendas mitológicas, a minha favorita sempre foi a de Apolo.

- Ah! A minha sempre foi a de Narciso!

- Faz sentido! E, mesmo te conhecendo do jeito que eu te conheço,  jamais teria adivinhado...

Eles se entreolharam, muito sérios, por um tempo e depois caíram na gargalhada.

***

As férias de verão estavam quase no fim e ele se preparava para voltar à sua vida normal. Havia decidido arrumar as coisas e colocá-las no porta-malas do carro, enquanto ainda era de manhã cedo, mas mudou de ideia, assim que abriu a porta.

Um lindo e ensolarado dia acabava de nascer e, embora inicialmente pretendesse deixar o local na hora do almoço, ele achou que seria melhor adiar a viagem para o final da tarde, para que pudesse relaxar e aproveitar seu último dia de paz, na praia.

O sol subia lentamente no céu. Logo estaria quente o suficiente.

Uma corrida rápida na praia seria boa para sentir-se livre e leve, antes de preparar sua mente e corpo para a semana seguinte e para as rotinas a que estava acostumado, incluindo as sessões de terapia. Ele tinha muitas coisas a conversar.

Mas não era o momento certo para pensar nos assuntos da semana. O que precisava, mesmo, era manter a cabeça tranquila até o fim daquele último dia, pelo menos.

Correu por alguns minutos pela praia e, quando voltou, olhou para o mar, que parecia convidá-lo, despiu-se e foi nadar. A água estava fria, mas o dia já estava razoavelmente quente. Ele pensou que era um homem de sorte, afinal.

Sorriu, quando pensou no amigo.

(- Nome engraçado!)

Eles se conheciam há algum tempo e ainda mantinham a mesma simpatia que tinham desde o início. Melhor dizendo: aquele sentimento ficara mais forte com o tempo e com a intimidade que eles compartilhavam. Além disso, havia um autêntico respeito que nutriam um pelo outro e isso fazia toda a diferença.

- Quanto tempo vais ficar na água ainda?

- Ahn? O quê?

- Vais congelar aí. Esta água está tão fria!

Ele não respondeu, mas percebeu que havia esquecido como a água estava fria, tão distraído que estava com seus próprios pensamentos. Sentiu seus músculos enrijarem. Era hora de sair do mar e voltar para casa.

***

- Tu sabes o que sinto a este respeito, não?

- Sim. E tu sabes que eu não sou bom em expressar meus sentimentos...

- O que tu vais fazer?

- Não posso fazer nada além do que já estou fazendo. Estou profundamente envolvido nisto, mas é o melhor que posso fazer... pelo menos por enquanto.

- Compreendo.

- Eu te desapontei, não foi?

- Na verdade, não. Eu tento manter meus dois pés, firmes, no chão.

- Nunca fiz promessas, porque sabia que não seria capaz de cumpri-las.

- Eu sei o que queres dizer. Foi só...

Ele parou no meio da frase. Ele quase disse e sabia que ter-se-ia arrependido logo depois, se o fizesse.

O outro homem simplesmente olhou para ele, com uma tristeza repentina nos olhos. Ele sabia exatamente como aquela frase poderia terminar. Infelizmente.

Ficaram em silêncio por um longo tempo. Foi um momento em que as palavras não significariam nada, porque ambos sabiam o idioma que seus corações falavam. Um silêncio caiu pesadamente entre eles.

Os dois evitaram olhar nos rostos e olhos um do outro. Suas lágrimas não lhes permitiam ver claramente, de qualquer maneira, mesmo que eles quisessem.

***

“I'll never forget what happened that day,
 The fear in your eyes, the cutting away
 You left to my world fine memories,
 But I've turned them into sworn enemies
 That day”... (Adam Evald; “That Day”)

(Nunca esquecerei o que aconteceu naquele dia,
 O medo em seus olhos, a separação
 Você deixou no meu mundo boas lembranças,
 Mas eu as transformei em inimigos jurados
 Naquele dia)...

- Essa música de novo? Tu nunca te cansas de ouvir?

Ele ignorou a ironia.

- Por que tu vens aqui sempre que me vês sozinho?

- Eu sinto que tu precisas de mim.

- Como podes?

Ele sorriu. Isso significava que não responderia. O homem já estava tão acostumado com aquilo, que nem tentou discutir.

- Vou ver um terapeuta hoje.

- Isso é uma estupidez e um grande desperdício. Tu não precisas de um.

- É isso que tu achas? Tu és o motivo pelo qual eu preciso ver um.

- Besteira! Não precisas de ninguém, além de mim.

- Arrogância? Agora? Deves estar de brincadeira comigo.

Ele sorriu de novo.

- Vá, se quiseres. Acho que estás errado, de qualquer maneira. Eu sei que não me vais dar razão, até que percebas que, realmente, não precisas da ajuda de um estranho.

- Eu sei e tu sabes que eu sei.

- Brincando com as palavras agora? Isso é tão típico em ti.

O homem simplesmente sorriu de volta. Como sua contraparte, ele não queria... nem precisava... responder à aquela provocação.

***

O homem sentou-se na poltrona de couro castanho, no lado esquerdo da sala, e esperou. O terapeuta havia-lhe perguntado se aceitava uma chávena de café.

O zumbido da máquina serviu de música de fundo para os seus pensamentos. Ele tentava encontrar uma maneira de iniciar a conversa. Sabia como a terapia funcionava e precisava ir direto ao ponto, por vários motivos. Quanto mais rápido o fizesse, melhor seria para os resultados. Além disso, havia razões pecuniárias a serem levadas em consideração, também.

- Eu preciso de ajuda. Urgentemente! Não é fácil dizer isso, mas é o único jeito.

- Bem, isto já é um bom começo. De que tipo de ajuda estás a falar?

- Não quero vir com um diagnóstico pronto e dizer o que preciso fazer, mas haverás de concordar comigo que vou precisar tomar medicamentos, o mais rápido possível.

- E o que te leva a pensar em algo assim?

- Confesso que já passei por isso antes e não levei a sério. Agora vejo que realmente preciso, ou, então, vou entrar em uma viagem de ida até o fim, completamente fora de controlo. E eu não gosto e nem quero uma coisa destas. Pensei que conseguiria lidar com o problema sozinho e sair ileso, mas não posso. Eu, simplesmente, não consigo.

- Do que estás falando? Vá direto ao ponto, por favor.

- Eu ouço vozes na minha cabeça o tempo todo e vejo pessoas que não existem, na realidade.

- E como tu sabes que elas não existem?

- Porque eu já fui diagnosticado como esquizofrênico!

***


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Voltar Para Casa (Parte Final)



Eu gritei. Estava em choque e com medo. A chuva forte caiu pesada e ruidosamente sobre a superfície do carro, assim que chegamos à rua.

- Está tudo bem, agora. Ele foi muito rápido em saltar para o lado.

- De onde ele veio, pelo amor de Deus? Ele nos perseguia? Há quanto tempo?

- Não sei…

- Porra! Estou com muito medo agora.

- Acalme-se. Em breve estaremos em casa.

- Nós deveríamos ter chamado a polícia... há muito tempo! Desde que ele…

- Nós não achamos que era necessário no momento. Talvez devêssemos agora.

- Definitivamente, sim. Nós temos de chamar a polícia, para o nosso bem!

***

- O que estás fazendo? Me deixa ir embora!

- Diz que vai tomar um café comigo.

- Estás me assustando. Me larga, por favor…

Ele me segurou mais forte. Seus olhos eram como os de um louco. Eu tentei afastá-lo, mas ele era muito mais forte que eu. Então ele me puxou para mais perto e me apontou uma faca. Eu podia sentir o quão forte ele era, pelo jeito firme que me segurava, mas eu não teria coragem de mover um centímetro que fosse, de qualquer maneira, sob aquela ameaça.

E foi então que tudo aconteceu, muito rapidamente...

***

- E se não tivesse acontecido?

- Tu terias morrido, ou talvez, também eu...

- Eu sei... eu te devo...

- Não me deves nada. Ainda bem que eu estava lá.

- Eu nunca serei capaz de te agradecer o suficiente. Aquilo foi muito rápido e agiste como um verdadeiro herói.

- Eu apenas agi por instinto. E estou tão feliz por estar lá, naquela hora em que o vi a forçar a barra contigo. Quando percebi que era uma faca, que ele tinha na mão, não pude deixar de interferir. Tu estavas em perigo. Mas foi meio à louca, sem pensar, embora só tenha considerado o risco, bem mais tarde. Ele poderia ter-nos matado... aos dois. Mas era um grande covarde, afinal, de qualquer maneira. Ele fugiu, assim que se viu desarmado.

- E então tu jogaste a faca tão longe, para dentro do mar. Foi como jogar a situação e o perigo para longe de nós. E agora ele volta para nossas vidas. Por quê?

- Eu não tenho ideia. Mas é sabido que ele tem estado a te seguir desde o dia em que quase esbarraste nele, na porta do prédio. Ele, provavelmente, não superou o dia em que eu lhe chutei o traseiro, também. A vingança é, talvez, o que ele queira agora. Deixemos a polícia lidar com ele a partir daqui. É o dever deles.


***

A polícia não pode fazer nada em termos de segurança, pois não havia provas de que tínhamos sido ameaçados por aquele homem. Fomos nós que tentamos atropelá-lo, afinal. Ele poderia nos ter processado pela tentativa de assassinato, se quisesse. A justiça não nos protegeria em nenhum caso.

Decidimos que teríamos de cuidar da nossa segurança, por conta própria, o que poderia levar à medidas extremas.

Mas para nossa sorte, deixamos de ser ameaçados ou perseguidos… por ele, ou por qualquer outra pessoa. Ele simplesmente desapareceu das nossas vidas. Nós ainda continuávamos a ser cuidadosos, mas já não estávamos tão paranóicos, quase relaxando e voltando à nossa rotina normal, desejando, apenas, sermos abençoados por uma vida mais tranquila.

***

- Estás fazendo fotossíntese?

Ele riu. Com o rosto voltado para o sol da manhã, ele parecia sentir um prazer inigualável naquilo. Estava sem a camisa, mostrando seu torso bem esculpido, pelas horas bem aproveitadas no ginásio. Seu cabelo brilhava, assim como a sua pele pálida. Seus olhos eram tão azuis quanto o céu acima de nós. Eu agradeci ao Universo por ser, aquele, um dia tão agradável e iluminado de verão e por aquela visão adorável. Pensei logo em um deus grego... Apolo, talvez, por causa de seus cabelos e barba cor de fogo, e…

Ele notou meu sorriso quase discreto e presumi que estivesse lendo minha mente.

- Eu acho que estou, sim. Isso é muito bom mesmo. E é tão bom estar cá em casa, assim...

- Eu concordo plenamente. Tome isto…

Ele sabia que eu estava brincando com as palavras, então aceitou, sorrindo, a xícara de café fresco que eu lhe ofereci. Sentamos do lado de fora, ouvindo os sons dos pássaros a gorjear e da água corrente do riacho, correndo, não muito longe da parte de trás da casa. Era uma relaxante manhã de domingo e estávamos desfrutando da companhia um do outro, como deveria ser, sempre.

Depois do pequeno-almoço que nós tivemos nos fundos da propriedade, decidimos dar um passeio na floresta, antes de voltar para preparar uma refeição mais consistente. Estava uma manhã agradável e queríamos aproveitar o melhor que podíamos. Passear pela floresta seria mais fresco e não estaríamos expostos ao sol direto. Sabíamos que nossas peles se queimariam facilmente, mesmo com o uso de uma boa camada de protetor solar.

Levamos cerca de duas horas para voltar. Quando nos aproximamos do portão, notei que seu rosto mudou.

- Nós deixamos o portão aberto, daquele jeito?

- Acho que não…

- Que droga! Tenha cuidado. Fique aqui. Vou conferir isto.

Eu tentei protestar, mas foi inútil. Ele estava muito sério e eu sabia o porquê.

- Fique aqui, com o telefone a postos, para chamar emergência ou a polícia. Podemos ter de pedir ajuda.

- Mas quem…?

Ele cruzou o portão e entrou, correndo, tentando não fazer muito ruído. Eu esperei do lado de fora, como ele me disse, mas minha mente estava tão apreensiva, que eu não conseguia pensar.

Eu o ouvi gritar uma… duas vezes… depois veio um silêncio e, em seguida, uns sons estranhos.

"Isso é o som de uma luta? Mas que diabos?'

Meu coração afundou quando percebi o que estava acontecendo.

- Oh, não! Isso não!

Eu ouvi um baque, como de algo pesado a cair no chão e, depois, um tiro.

- Oh, não! Não, não, não!

Eu atravessei o portão sem pensar claramente. Sentia como se meu coração fosse sair, desesperado, pela minha boca. Então eu presenciei a pior cena que poderia, naquele momento.

O sangue ainda escorria fresco e pegajoso nos ladrilhos acastanhados da varanda.

Os dois corpos ainda estavam estirados no chão. Eu conhecia o homem que estava por cima dele... Os dois corpos estavam, ambos, imóveis.

Eu gritei. O corpo que estava em cima rolou para o lado, sem sinal de vida.

- Ele saiu da casa com a minha arma na mão... e nós brigamos... e...

- O que? Como? Tu estás…?

Estava coberto de sangue, mas não era dele e, sim, do homem com o qual esteve lutando e que jazia ao seu lado, morto.

- Chame a polícia! Eu acabo de matar o sujeito!

- Ai, meu Deus. Isto é horrível! Estamos ferrados! O que fazemos agora? O que devemos fazer agora? A polícia não vai acreditar em nós…

- Não entre em pânico! Chame a polícia!

- E se…

- Pelo amor de Deus! Chame a polícia! Agora!!!

***