Uma
dança lenta, com o Valete de Espadas, não estava, definitivamente, no cardápio.
Eu decidi observá-lo de uma distância segura, para não ser queimado pelo fogo
dele... ou por aquele que começou a arder, lentamente, no meu peito, quando o
vi pela primeira vez.
Lá
estava ele, de pé, por trás do pequeno grupo de convidados, olhando casualmente
para mim. Eu cumprimentei a todos e caminhei até ele, com um sorriso no rosto e
a mão estendida para um aperto firme. Olhei em seus olhos azul-esverdeados, por
um breve momento, e me apresentei. Ele fez o mesmo.
Eu
quase podia ouvir meus próprios pensamentos gritando, na minha cabeça e, até,
tive medo de que ele notasse as evidências, tão claras nos meus olhos, ou conseguisse
ler minha mente, de alguma forma.
Eu
me perguntei se ele, algum dia, teria ciência do efeito que teve sobre mim,
naquele exato momento. Pouco sabia eu do que passava em sua mente, quando ele me
sorriu daquele jeito.
"Por
favor, goste de mim".
Aquela
primeira impressão fora bastante surpreendente, a meu ver.
***
-
É bom estar aqui, assim. Me sinto tão em casa.
Ele
me abraçou mais forte. Tinha minha cabeça recostada em seu peito e seus braços envolviam-me
a parte superior do corpo. Suas pernas musculosas estavam enroscadas nas
minhas, como se ele estivesse me segurando para que eu não caísse do estreito sofá.
Estávamos ouvindo algumas das minhas músicas favoritas. A maioria delas ele
estava, apenas, começando a conhecer...
“You say
you had your heart broken
What a stupid little thing to do…
What a stupid little thing to do…
Make no mistake
I'll do whatever it takes
To get over these walls
High up in the atmosphere
If I could catapult my heart
…To where you are” …*
(*Catapult, by Jack Savoretti)
I'll do whatever it takes
To get over these walls
High up in the atmosphere
If I could catapult my heart
…To where you are” …*
(*Catapult, by Jack Savoretti)
Quando
a música terminou, ele se levantou e eu também. Tocou meu rosto, tão levemente,
com as duas mãos, que senti como se fossem plumas caindo suavemente na minha
pele nua.
Sorri,
meio sem jeito. Ele me beijou e me abraçou, firmemente. Em seus braços, sentia uma
proteção infinita e aquele foi um dos melhores sentimentos que tive na vida.
Eu
dançava, lentamente, com o Valete de Espadas e gostava daquilo, com todo o meu
corpo e alma. Tive a sensação de que ele sabia, exatamente, o que estava
fazendo e isso me deixava extremamente feliz.
A
sala estava quieta, as luzes baixas, mas continuamos dançando as músicas, que
continuavam a tocar, silenciosamente, em nossas cabeças, por uma banda
invisível... por um bom tempo... Senti o calor suave de nossas peles nuas, uma
contra a outra… nossos corações a bater no mesmo ritmo.
Ele,
então, pegou minha mão na sua e me conduziu...
***
Minha
atenção estava totalmente voltada para como suas mãos pálidas tocavam minha
pele, viajando pelo meu corpo, de maneira muito leve e calorosa.
-
Adoro tuas mãos e o jeito que tu me tocas. És tão carinhoso.
-
Adoro tocar em ti. Tua pele é tão macia.
-
E nunca pensei que amaria alguém desse jeito...
-
Então teu coração tem sido negligenciado, meu amor...
Houve
uma dor repentina no meu peito. Eu me virei. Não conseguia me controlar. Fechei
os olhos e deixei minhas lágrimas correrem, silenciosamente, quentes e livres.
E elas queimavam, como lava. Meu corpo estremeceu um pouco.
Ele
colocou os braços à minha volta e me puxou para perto dele. Seu queixo repousava
no meu pescoço. Eu senti que ele cheirava meus cabelos. Senti seu corpo
aquecendo o meu, enquanto soluçava, incontrolavelmente, em seu abraço forte.
***
Era
uma tarde ensolarada de sábado. Fui dar um passeio na praia e sentei-me em
silêncio, olhando o mar. Uma brisa fresca soprou contra meu rosto e cabelo. O
céu estava tão azul que me fez lembrar dele e de seus olhos.
Perdi-me
a olhar um ponto inexistente, ao longe. Minha mente vagueou no passado. Eu
estremeci.
-
Quanto tempo faz?
Eu
me virei. Além de algumas gaivotas barulhentas, voando acima, não havia ninguém
à vista. Eu pensei que minha imaginação estivesse brincando comigo.
-
Há quanto tempo? Tu lembras?
Eu
decidi responder em voz alta.
-
Sabes muito bem há quanto tempo.
Lembrei-me
do dia em que nos conhecemos, há longos anos no passado, desde o momento em que
as portas deslizantes se abriram e vi seu sorriso acolhedor e o coração nas mãos, até o flagrante
beijo de despedida que ele me deu, antes que eu entrasse na área restrita do
aeroporto, a caminho de casa.
-
Estou tão feliz que tua dor se tenha ido embora.
Não
respondi, apenas me levantei e saí silenciosamente.
Lágrimas
quentes insistiram em desfocar minha visão, enquanto o vento soprava mais frio,
desta vez por todo o meu corpo...
***