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domingo, 9 de agosto de 2020

Viajante do Tempo. Parte 3. O Moinho. Os Geocaches. Encontros.

  


O policial segurava, firmemente, o braço do jovem de óculos. O homem que eles presumiram ser da empresa de segurança estava ao seu lado.

 

- O que você faz aqui?

 

- O mesmo que todas essas pessoas. Estou curioso sobre o que aconteceu por aqui.

 

- Eu conheço você. Tenho certeza de que já o vi antes.

 

O homem de óculos fingiu ser apenas um turista e rejeitou a afirmação do segurança.

 

- Não é possível. Eu não sou daqui. Estou apenas passando o dia na praia. O moinho foi roubado?

 

- Acha que é engraçado?

 

- Nem um pouco, senhor. Todavia, numa aldeia pequena como esta, até um roubo é um grande acontecimento, sabe?

 

- Achei que havia dito que não era da região.

 

- E não sou. Mas é fácil chegar à esta conclusão, não?

 

- Deixe que eu cuido dele.

 

O segurança agarrou o braço do jovem, com um aperto tão forte, que parecia uma poderosa garra.

 

- Ei, me solta. Eu não fiz nada!

 

Ele falou em voz alta e isso fez com que as pessoas que estavam por perto virassem a cabeça na direção de onde vinha o conflito. Olhando em volta, ele viu seus dois amigos se aproximando, prontos para ajudar. Ele balançou a cabeça, desencorajando-os. Eles logo perceberam a mensagem e se afastaram, observando de uma distância segura, junto com os demais moradores, que começaram a formar um círculo ao redor deles.

 

O segurança, evidentemente maior e mais forte, tentou puxar o jovem para longe, sob óbvio e ruidoso protesto, atraindo, mais atenção para eles do que antes. A pequena multidão logo cercou completamente os três personagens, que estavam naquela discussão, cada vez mais acalorada.

 

O moinho, cuja porta havia sido arrombada, fora esquecido por um ou dois minutos.

 

Era uma oportunidade a ser aproveitada, antes que alguém voltasse a lembrar do acontecimento. O homem de pele muito pálida entrou no prédio e subiu os degraus, até o andar superior. Poucos minutos depois, descia as escadas, quase despercebido e saía pela porta aberta e completamente esquecida.

 

***

 

- Foi uma jogada insana, mas muito corajosa.

 

- Eu tenho de concordar contigo. Eu não poderia deixar aquela oportunidade ser desperdiçada. Não seria justo, depois de todo o trabalho que tivemos.

 

- Verdade!

 

- Vamos. Precisamos ajudar nosso amigo, agora.

 

- Conseguiste alguma coisa lá de cima, afinal?

 

O homem de pele pálida sorriu recatadamente.

 

- Falaremos sobre isso mais tarde. Vamos ajudar nosso amigo. Tenho um argumento bom e convincente. Se eles quiserem levar um, terão de levar todos nós. Vamos fazer a multidão entrar nisso connosco e trazê-los para o nosso lado.

 

- Tu és absolutamente louco, meu amigo, mas essa é uma ótima ideia!

 

Em meio à toda aquela turbulência, a estratégia funcionou e a pequena multidão não permitiu que a polícia e o segurança levassem o jovem de óculos com eles e ele foi logo liberado. Mas os dois homens não ficaram nem um pouco felizes.

 

Temendo pela própria segurança, os três amigos saíram o mais prontamente possível. Ainda havia muita coisa a ser resolvida e eles precisavam agir imediatamente.

 

***

 

O jipe contornou a rotunda e rumou para a saída à direita. Estavam de volta à A28, em direção ao sul.

 

- Eles não estariam lá sem motivo algum. A ação foi muito imediata…

 

- Foi o que eu pensei.

 

- Esse incidente apenas confirmou minhas suspeitas.

 

- Ainda falta uma peça nesta história ...

 

- Sim. O homem de fato de treino escuro, com capuz...

 

- O que ele quer, nós meio que já sabemos... O que precisamos perceber é quem ele é e o que sabe...

 

- E se ele é amigo ou inimigo...

 

- Uma coisa é verdade: estamos um passo à frente dele, ainda... Mas precisamos visitar aquele farol, novamente, na cidade... E tem de ser imediatamente!

 

Os dois amigos olharam para o homem de pele pálida, que segurava, nas próprias mãos, o falso "geocache", que havia retirado do moinho.

 

***

 

- Essa não! O que pode ter acontecido aqui? Eu não consigo mais encontrar. Onde é que foi parar?

 

- O que? Como assim, não consegue mais encontrar?

 

- Acho que sei o que pode ter acontecido. Eu me pergunto se...

 

- Achas que ele chegou aqui antes de nós?

 

- Sim, eu acho.

 

- E o que vamos fazer agora?

 

- Não sei, mas se ele ainda não percebeu, logo descobrirá que nós temos a outra peça desse ‘puzzle’ e talvez chegue à sensata conclusão de que precisaremos trabalhar juntos, caso contrário outra pessoa pode...

 

- Tu não podes estar a falar sério. Ele não é um amigo, pelo que pudemos perceber.

 

- Não sabemos ainda ...

 

- Então o que ele é? Quem ele é?

 

- Pense comigo: se ele fugiu da polícia e do segurança, daquele jeito, ele não é nosso inimigo, de jeito nenhum...

 

- Bem, ele invadiu o moinho, não foi? Isso não é um procedimento nada inocente. Ele sabia exatamente o que estava fazendo.

 

- Temos de encontrar aquele homem e obter algumas respostas, para todas essas perguntas.

 

- Mas como? Como podemos encontrá-lo, no meio desta cidade? Não temos ideia de onde ele está e nem como entrar em contato com ele...

 

- Precisamos achar uma maneira. Eu me pergunto se há um jeito de nos comunicarmos... Ele pode não estar longe de nós... daqui... disso tudo...

 

- Vocês estão certos!

 

Os três homens se viraram, ao mesmo tempo. Um homem, vestindo um fato de treino escuro e com capuz estava parado à porta do farol. Seu rosto estava na sombra.

 

- Esse 'cache' não está mais aí, como vocês já devem ter percebido, com certeza. Eu estava esperando por vocês!

 

- O quê?

 

- Não vai ser eficaz lutarmos um contra o outro. Não faz sentido. Temos de trabalhar juntos e rápido. Essas pessoas são perigosas e querem o mesmo que nós, mas com uma intenção diferente. E eles estão cada vez mais perto...

 

- E quem és tu, oh, caral... quer dizer, quem diabos é você?

 

O homem baixou o capuz e descobriu, totalmente, a cabeça. Os três amigos ficaram pasmos.

 

- Como isso pode ser possível?

 

***


sábado, 25 de julho de 2020

Viajante do Tempo. Parte 2. Oblívio.


Os três ficaram em silêncio por um momento. Não havia muito mais a dizer. O rapaz de óculos apoiava a cabeça nas duas mãos, balançando-a levemente e tentando processar o que acabara de ouvir.

- Como isso é possível? Por que diabos eles fizeram uma coisa dessas? Gostaria de saber se uma viagem tão complicada, para o futuro, e com um propósito tão específico, ajudou alguém, afinal, em algum lugar, em algum tempo...

- Acho que nunca saberemos.

- Bem, então como saberemos se eu realmente cheguei lá e atingi o objetivo?

- Tu nunca terias voltado para cá, se não tivesses. A falta de memória não te parece ser prova suficiente?

- Então…?

- Pelo que eu sei, o “Oblívio” era raramente usado em quem fizesse viagens no tempo. Era somente eficiente quando eles queriam enviar os viajantes de volta para quando e de onde eles vieram, mantendo segredo sobre algum ponto, normalmente sua localização, ou para evitar serem revisitados. Tu viajaste para ajudá-los e toda a humanidade no futuro. Essas não devem ser as razões pelas quais o usaram. Eu me pergunto qual teria sido a verdadeira intenção...

Aquela, porém, não era a única preocupação na mente do homem de pele pálida. Havia algo mais que parecia estar fora de lugar. Ele tinha a forte impressão que algumas partes naquela história toda não se encaixavam bem, de alguma forma, mas não quis expressar suas apreensões em voz alta, ainda. Ainda havia algumas dúvidas, mas uma ideia estava se formando em sua mente angustiada. Ele decidiu que precisava pensar um pouco mais sobre aquilo.

Aquele jovem já havia tido problemas suficientes e talvez precisasse de tempo para processar algumas coisas, antes que qualquer outra ação pudesse ser planeada ou feita.

Ele tentou evitar os olhares de seus amigos, quando se afastou por um tempo e ficou na varanda, olhando para um ponto perdido à distância.

Sua mente não estava mais ali, mas em outro lugar e em outra época... Seus pensamentos transbordavam rapidamente, pedindo uma urgente atuação. Ele precisava fazer algo.

O homem de pele pálida sentou-se ao computador e digitou algumas palavras. O resultado da pesquisa fez com que fosse desviado rapidamente para uma série de páginas, que sucediam-se umas às outras, até que ele achou o que procurava.

Fechou o laptop, aprumou-se e murmurou para si mesmo:

- Acho que está na hora de ir ver tudo isso por mim mesmo...

Ele voltou para a sala de estar.

- Rapazes! Precisamos fazer uma coisa... Mas primeiro temos que dar uma passada na praia, a caminho da cidade.

- Na praia?

Ele concordou com um leve sorriso.

- Sim. Na praia…

***

O Jeep seguia pela estrada da praia, na direção dos moinhos. Os três iam em silêncio, cada qual ocupado com suas próprias questões.

Estacionaram não muito longe do destino e seguiram a pé, pela passadeira de madeira, que àquela hora estava cheia de pessoas, a caminhar tranquilamente e a apreciar a vista e a brisa fresca do mar.

Tinham que manter as aparências e passar por apenas um punhado de frequentadores da praia, caminhando erraticamente à beira-mar, tirando fotos de tudo ao redor, como qualquer turista moderno.

- Cá estão eles. E o que fazemos agora?

- Há muitas pessoas por perto. Precisamos ter cuidado.

- Para todos os efeitos, estamos apenas procurando ‘geocaches’...

- Essa é a versão oficial?

- Sim. Essa é a versão oficial, mas acho que ninguém está interessado no que estamos fazendo aqui.

Eles tentaram fotografar as muitas características daqueles prédios peculiares, feitos de pedra e xisto. Havia cinco deles ao longo do caminho de madeira, de frente para o mar. Cada detalhe foi devidamente registado pelas câmaras dos telemóveis, para ser examinado posteriormente. Se o homem da pele pálida estivesse certo em suas suspeitas, eles precisariam voltar à praia, à noite, para uma verificação mais próxima.

A noite, como acontece quando se está ansioso, caiu muito lentamente. Sentados numa esplanada, de frente para o mar, os três bebiam suas cervejas geladas, quase em completo silêncio. O lugar já não estava tão movimentado. Eles analisaram, com cuidado, as fotos tiradas, verificando detalhes do que achavam que lhes seria útil mais tarde.

O homem de pele pálida estava certo em suas dúvidas. Havia algo lá, que merecia uma melhor investigação... definitivamente...

***

A noite estava mais fresca e tranquila. Três silhuetas se moviam silenciosamente pelo passadiço de madeira. Eles sabiam o que procuravam, mas precisavam ter cuidado. Os moinhos não eram propriedade pública e, portanto, seus donos poderiam ter câmaras instaladas em torno da área, o que lhes seria um incômodo.

Antes de saltarem sobre o cercado de corda, para examinar o primeiro edifício, olharam à volta, com cuidado, para certificar-se de que estavam sozinhos.

O homem de óculos de repente ficou rígido.

- Essa não! Vocês ouviram isso?

- O quê?

- Shhh! Ouçam!

Alguém vinha correndo no caminho de madeira.

- Rápido, vamos nos esconder!

Esperando não serem vistos pelo corredor, que se aproximava de onde estavam, os três esconderam-se à sombra do pequeno prédio de formato cilíndrico. Seus corações batiam forte. Eles podiam ouvir os passos chegando cada vez mais perto.

Um corredor, usando um casaco de treino escuro, com capuz, diminuiu a velocidade e parou em frente ao moinho. Olhando em volta, como se a certificar-se que não havia mais ninguém por perto, a figura entrou na propriedade privada e desapareceu-lhes da vista.

Eles ouviram um barulho. Parecia que a entrada estava sendo forçada.

O homem de óculos sussurrou.

- Quem diabos é este? O que ele está fazendo aqui?

- Quieto!

As dobradiças, sem graxa, rangeram com um som distinto. A porta fora, de alguma forma, aberta.

- Ele entrou! O que ele está procurando?

- Vamos sair daqui antes que alguém apareça. Isso está ficando muito perigoso!

- Espera!

O som alto de um alarme, disparado, vinha de dentro da casa. Eles ouviram alguém correndo pelas escadas abaixo e, de repente, a figura encapuzada passou correndo por eles, saltou sobre o cercado de corda e desapareceu na escuridão, longe deles e da iluminação pública.

Pouco depois, um carro da polícia, piscando as luzes vermelhas e azuis, subia em alta velocidade pela velha rua de paralelos, seguido por uma carrinha branca, com grandes letras vermelhas pintadas na lateral. Os dois carros pararam em frente ao moinho.

Eles ouviram o barulho de pessoas gritando e correndo para perto de onde estavam...

- Que porra é esta? Viste aquilo? Eu não acredito!

- O que esses sujeitos estão fazendo aqui? O que eles querem aqui, afinal?

- Vamos sair daqui antes que seja tarde demais. Isto não vai acabar bem!

- Não. Espere! Aquele homem não teve tempo suficiente para procurar o que quer que seja, enquanto esteve lá dentro. Eu me pergunto o que ele estava procurando lá em cima. Talvez esta seja a nossa única hipótese de entrar no moinho, sem forçar a entrada…

- O que tu queres dizer com isto? Estás louco? Não podemos entrar lá. Esta gente é perigosa e pode nos reconhecer!

- Acabo de ter uma ideia. Vamos dar a volta no moinho e fingir que somos apenas mais alguns intrometidos, tentando descobrir o que está acontecendo. É melhor nos separarmos!

- Isso é loucura!

- Mas pode dar certo!

- Não pense muito. Apenas vá. Agora!

Pessoas vinham, correndo, de direções diferentes. Aquilo não era algo que a pacata vila estava acostumada, por isso parecia ser um grande evento.

Eles se separaram um do outro, tentando evitar serem vistos juntos.

Quando o homem de óculos se aproximou da porta, sentiu um puxão no braço.

- Ei!

Ele virou-se e constatou que um dos policiais lhe segurava o braço. Sua surpresa foi maior ao perceber que outro homem, que ele tinha certeza já haver visto antes, estava de pé ao lado do oficial.

***


sábado, 6 de janeiro de 2018

Pelo litoral (Parte 2)


Uma faixa de luz do sol infiltrava-se entre as folhas da árvore e pareciam acender e apagar contra o rosto do rapaz de óculos. Ele abriu os olhos, devagar, ainda meio tonto e com uma terrível dor de cabeça, como se estivesse de ressaca. As imagens foram entrando em foco, como num filme de arte contemporânea.
Deitado num banco da praça, sujo e desalinhado, ele passava por um mendigo ou um drogado, que adormecera ao relento, por falta de lugar melhor. Os poucos transeuntes, que passavam por perto, esquivavam-se da sua figura, como se fosse perigoso ou inconveniente. Ele sentou-se e olhou à volta. Não sabia onde estava. Pela posição do sol, parecia ser já a meio do dia, mas ele não tinha a mínima ideia de como viera parar naquele lugar. Ele sentia o cheiro de comida, recém-feita, bem temperada, no ar. Sentiu fome. Procurou a carteira, mas sem muita esperança de encontrá-la. Sentia-se roubado e aquilo deixava-o nervoso. Não sabia onde estava e não sabia como conseguir ajuda. Olhou à volta, mais uma vez. Precisava lavar-se, trocar de roupa e comer algo.
- Que belas férias!
O rapaz levantou-se e começou a caminhar. Sua cabeça girava. Ele parou e esperou um pouco, tentando recuperar as forças. Respirou fundo e caminhou, decidido a não deixar-se abater, nem perder o equilíbrio.
- Que droga! Eu sou um soldado treinado. Não vou cair aqui, agora. Preciso chegar ao mar, ou ao rio.
Olhou para cima, para tentar seguir o curso do sol. Um sino bateu uma vez. Ele procurou localizar de onde vinha o som. Se há um sino, há uma igreja e deve haver um relógio. Cruzou a praceta e viu que estava bem à frente de uma pequena capela, cuja fachada era toda decorada com azulejos pintados. O relógio marcava 1:15.
Ele caminhou na direcção da igreja, que estava na parte mais alta do lugar. Atrás dela, viu o rio, que corria para a sua esquerda. Aquela era, certamente, a direcção do mar. Passou a mão pela roupa bastante amarrotada e começou a descer a rua.
***
O homem, de aparência estranha, mas vestido com um alinhado terno escuro, feito à medida, caminhou, devagar, até a janela. Tinha o cenho franzido e uma expressão carregada, no rosto. Estava bastante preocupado.
O sol brilhava do lado de fora, num dia típico de verão. A sala refrigerada, para a temperatura constante de 18ºC, tinha poucos móveis. Além de uma mesa com uma dúzia de cadeiras, havia apenas um pequeno móvel, onde uma moderna máquina de café estava instalada, discretamente, num nicho, no canto do aposento. Estava no segundo andar do prédio, na sala mais distante da entrada, onde decisões importantes eram tomadas e, muitas vezes, estas tinham consequências bastante grandes na indústria alimentícia. A N. & M. Enterprises também tinha influência em negócios não tão inocentes quanto a produção de alimentos, mas pouca gente sabia, com certeza, em quais negócios seriam.
O homem observava o movimento que acontecia, naquele momento, ao rés-do-chão, sem mover qualquer músculo da face pouco expressiva. Ele levantou os olhos e concentrou-se num ponto além do jardim bem cuidado, junto a um pequeno bosque, mais adiante, praticamente escondido de quem vinha pelo lado da frente do edifício.
Escolhido com cuidado, o escritório ficava na parte traseira, mais silenciosa e mais discreta. Na rua, uma carrinha branca estacionada, tinha grandes letras vermelhas pintadas nas duas laterais. Ele passou a mão muito pálida pelo topo da cabeça calva e pelo rosto sem nenhum vestígio de barba.
A porta abriu-se às suas costas e ele ouviu a voz do secretário, baixa, mas muito firme:
- Eles estão aqui.
O homem respirou fundo e virou-se, devagar.
- Já era hora. Tragam-nos para dentro.
O secretário saiu e voltou logo em seguida com dois homens vestidos de preto e um outro rapaz mais jovem que eles. Um pouco mais atrás, um outro homem, também vestido como segurança, arrastava, pelos braços, um outro rapaz, de óculos, que tinha as roupas muito sujas e amarrotadas. Este último estava, ainda, meio desacordado.
***
- Não. Eles não sabem de nada. Aquilo deve ter sido um infeliz acidente. Uma coincidência…
- Mas eles agora vão desconfiar de que existe algo grande por trás desta história toda. Aliás, eles não são tolos. Já devem ter suspeitado…
- Temos que nos livrar deles. Não podemos deixar pontas soltas.
- Já deixamos. Agora temos que consertar esta burrada.
- Com cuidado e um bom plano, para não deixar nenhuma sombra de dúvidas a respeito de nossa integridade…
- Com certeza. A N.M.E. não pode ser associada a nenhum tipo de falcatruas. Temos que manter-nos insuspeitos. O sucesso dessa empresa depende de nossa discrição e de certos segredos.
- Teremos o máximo cuidado. Pode deixar.
O homem olhou sério para o chefe da Segurança e não pareceu muito convencido, mas fez um leve aceno com a cabeça, assentindo, para que o homem saísse logo e ele pudesse ficar sozinho na sala. Precisava pensar.
***
O rio parecia calmo, tranquilamente correndo na direção do mar. O rapaz aproximou-se e entrou com os pés na água fresca. A sensação era bem boa. Ele abaixou-se, lavou o rosto e a cabeça com aquela água e até sentiu vontade de nadar um pouco. Por um momento, esqueceu-se que não sabia, exatamente, onde estava e que não tinha ideia de como fora parar naquele lugar.
Continuou a seguir na direcção do mar. Minutos depois, quando já estava na praia, avistou os velhos moinhos. Ele não reconheceu o lugar, mas seguiu adiante. Precisava encontrar algumas respostas. Teve receio que fosse mal compreendido, com as roupas naquele estado, por isso evitou contacto directo com as pessoas que passavam por ele, enquanto caminhava pela orla.
Mais à frente, avistou uma estação de serviço, foi até lá e entrou. No balcão, viu um homem sentado, de costas, vestido com um terno escuro, tomando café. Com aquele calor, não pareceu-lhe a melhor indumentária, mas quem era ele para estranhar qualquer coisa. Antes que falasse com o empregado, a porta atrás de si abriu-se e ele viu outro homem, um grandalhão, também vestido de terno escuro, entrar. Não percebeu que uma carrinha branca estava estacionada ao lado das bombas de combustível. Só sentiu uma pancada e teve a impressão que começava a cair num poço escuro.
***
- Estás bem?
- Olha para mim. Pareço bem? Estou todo sujo, fui batido, drogado, arrastado e não sei o que está acontecendo. Como posso estar bem?
- É verdade. Foi uma pergunta estúpida…
- Onde estiveste? Quem são esses?
- Só posso dizer o que sei… o que não é muita coisa.
- Tu saíste, com eles, da pensão. A moça da recepção me contou.
- Sim. Estava sob a mira de uma arma. Tive que parecer natural, para não levantar mais confusão, ou ser morto ali mesmo. Estes homens são perigosos.
- Quem são eles?
- Eles trabalham para a N.M.E., uma empresa ligada ao meio alimentício, mas isso é só uma fachada. Há muito mais coisas por trás disso tudo.
- E como tu sabes disso?
- Eu fingi que estava desacordado e ouvi a conversa. Aqui há muito mais que as aparências querem mostrar.
- E por que nós estamos envolvidos nisso?
- Estávamos no lugar errado, na hora errada… ainda estamos…
- Como assim?
- Eles não sabem quem somos, mas pretendem livrar-se de nós. Temos que dar um jeito de sair daqui.
- Como? Se eles vão-nos matar… Que saída temos?
- Eles querem que pareça um acidente. Ouvi quando eles falavam com o chefe. Talvez tenhamos uma hipótese, mas vai depender de quantos daqueles gorilas teremos que enfrentar.
- Enfrentar homens armados, com aquele tamanho? Péssima ideia. Péssima ideia!
- Tens uma melhor?
***
“Estava tudo tão bem planeado, com tanta precisão, antes de enviar... “
O homem tentava encontrar uma falha no procedimento, mas não conseguia.
“Por qual razão estes intrometidos tinham que aparecer, logo naquela hora? Como não foi possível prever? Que detalhe passou, assim, tão despercebido?”
Ele não tinha dúvidas que ia ganhar muito dinheiro e mudar o curso da humanidade, quando aquele pequeno detalhe fosse resolvido. Ia ser um homem muito rico e poderoso. Sua ambição não tinha limites e passava por cima de muitos princípios, incluindo aqueles relativos aos escrúpulos.
Mas aquela interferência, naquele momento, não era bem-vinda e tinha que ser resolvida logo, de maneira eficaz e eficiente… E logo!
- Que droga!
Ele pegou o fone e discou um número conhecido. Em menos de dois minutos o chefe da Segurança entrava, apressado, na ampla sala. O homem estava de costas para a porta. Sem virar-se para cumprimentar o recém-chegado, ele falou, baixo, firme e tentando controlar a emoção ao extremo.
- Dêem um jeito naqueles dois. E tratem de não deixar nenhum vestígio. Agora!
- Sim, senhor.
O chefe da Segurança saiu, fechando a porta, com cuidado, atrás de si. Conhecia bem seu chefe. Aquele controlo todo era apenas uma capa protectora. Ele devia estar a ponto de explodir.
O homem continuou a olhar para o lado de fora, através do grande e bem cuidado jardim. No fundo podia ver o pequeno bosque de pinheiros, cujo limite era coberto com serralhas e outros tipos de asclépias, formando um bonito efeito, mas que tinham, na verdade, sido plantadas com um objectivo muito específico. Ele viu as borboletas a voar à volta das florzinhas coloridas e sorriu.
Enquanto estava a observar, distraidamente, aquela bela criação, uma porta abriu-se no lado esquerdo do jardim e um grupo de homens atravessou o pátio. Dois deles, vestidos com trajes escuros, carregavam, visível e ostensivamente, poderosas armas automáticas.