Embora ainda fosse dia, havia apenas uma fraca luz vindo
de um ponto no sótão, como percebi, de pé, junto à base da escada. Eu nunca havia
tido autorização para subir aqueles degraus e ir lá em cima… nem acompanhado,
muito menos por conta própria...
Agora, já não precisava mais da permissão de ninguém. Eu
tinha que encarar aquela situação e queria fazê-lo… o quanto antes…
A escada, de dois lances, era de madeira escura e sem qualquer
polimento. Os velhos degraus, tão pouco utilizados nos últimos tempos, rangeram,
como se a reclamar, quando pisei neles. Murmurei, para mim mesmo:
- Não
olhe para trás...
O sótão não estava tão desorganizado quanto eu pensei que
estaria. Estava empoeirado, mas não sujo. Eu mal notei que havia uma pequena
janela quadrada, voltada para o sul. A luz do final da tarde filtrava-se
através do vidro empoeirado. Algumas caixas e um velho triciclo de metal,
quebrado, com um assento de madeira gasto e manchado, estavam no meio do
caminho. Vi uma cadeira de balanço junto à parede oposta à janela. Alguns móveis
velhos estavam empilhados num canto mal iluminado. Em cima deles havia uma
caixa de madeira marrom-escura com enfeites de pinos de metal, de cabeças
arredondadas, dispostos ao longo da periferia da tampa.
Quando eu olhei, ele estava sentado no chão, no outro
extremo, brincando com alguns minúsculos carros de brinquedo, quase no escuro.
A maioria daqueles carrinhos já não tinha mais rodas. Ele estava com os pés
descalços, vestindo um velho pijama de algodão estampado. Não olhou diretamente
para mim, no início, como se não tivesse notado minha presença. Seu cabelo
encaracolado era castanho claro, quase loiro, cortado bem curto. A boca, bem
proporcionada, de um tom carmesim, mostrava dois pequenos pontos vermelhos, mais
escuros, claramente evidentes, no centro do lábio inferior. Aqueles olhos
castanho-esverdeados, muito curiosos e um tanto tristes, me notaram,
finalmente.
Ele sorriu, timidamente, quando cheguei mais perto.
- Estás
bem?
Ele balançou a cabeça, afirmativamente.
- Posso
sentar aí, ao teu lado?
- Pode,
mas vais sujar as roupas.
- Não tem
importância.
- OK,
então. É uma pena. Meus carrinhos estão todos quebrados.
Sentei-me ao lado dele e examinei um daqueles brinquedos que
estavam no chão. Senti vontade de chorar e ele percebeu, mas me recuperei
rápido o suficiente.
-
Quantos anos tu tens?
- Cinco.
- O que
estás fazendo aqui em cima, sozinho?
- Gosto
de brincar sozinho e, além disso, estava esperando por ti. Podes brincar um
pouquinho comigo?
- Sim.
Pelo tempo que quiseres.
Ele abriu um sorriso largo e satisfeito, mostrando seus
pequenos dentes, bem feitinhos. Pareceu-me ser um miúdo ‘duro na queda’.
- Tu
gostas da cadeira de balanço?
- Sim,
mas toma cuidado. Está quebrada. Vai desmontar-se toda.
Eu verifiquei e notei que as peças não estavam bem encaixadas,
nos lugares certos. Devia ter sido abandonada e esquecida ali em cima. Tentei o
meu melhor para reparar e, finalmente, sentei-me nela. O encosto e o assento,
de palha trançada, fizeram um ruído característico, provavelmente devido à
falta de uso. Ainda era uma cadeira bem forte, pelo que percebi.
- Queres
sentar aqui comigo?
Ele veio mais para perto e eu o levantei do chão e sentei-o
na minha perna esquerda. Ele sorriu e deitou a cabeça no meu peito, ainda entretido
com um de seus carrinhos de brinquedo.
O som monótono e suave da velha cadeira, a balançar, e
meus braços em torno de seu minúsculo corpo, eram como um convite para adormecer.
Ele fechou os olhos. Eu podia sentir que ele relaxava e deixou o brinquedo cair
da sua mãozinha, no meu colo. Parecia estar confortável e sentindo-se protegido
e amado. Eu o abracei mais firmemente e beijei suavemente o topo de sua cabeça.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Meu coração estava
transbordando.
Levantei-me em silêncio e desci, cuidadosamente, com ele
nos braços e deitei-o em uma cama de solteiro, de colchão duro de palha, que
havia no quarto abaixo da escada. Sentei-me na beirada de madeira escura,
tentando não perturbar seu sono tranquilo. Seu rosto estava muito sereno.
Acariciei seu cabelo fino e macio. Ele respirou fundo, descontraído, quase
sorrindo, como se estivesse tendo um sonho bom.
Levantei-me e saí do quarto, deixando o menino em sua
cama. Votei-me e olhei para ele, da porta.
Ele, agora, sorria. Seu sorriso era espontâneo e
tranquilo, naquele rostinho inocente, em seu sonho feliz... Ele era, na
verdade, um menino bem bonito. Deduzi que seria um belo homem, no futuro.
Respirei fundo e abri os olhos. Aquela minha jornada, ao
passado, acabava ali. Senti uma satisfação enorme por haver conseguido fazê-la,
daquele jeito.
***