Leona olhou para o pai e David, o
décimo-terceiro clone, que corriam junto dela, pelo meio do bosque, sem pensar
em outra coisa, além de salvar suas peles. Ela era mais rápida e conhecia o
caminho, por isso assumiu a responsabilidade sobre a segurança deles. Por
sorte, os homens armados ainda não os haviam detetado, mas poderia ser, somente,
uma questão de tempo.
Ouviram mais tiros. Leona não
parava de pensar no irmão. Enquanto ela os ouvisse, por mais perigoso que
pudesse ser, entretanto, sabia que ele estaria, provavelmente, vivo. O silêncio
é que poderia ser mau sinal. Ela tinha medo de pensar no pior. Sua preocupação
era, agora, correr, sem parar.
- Temos que chegar à entrada dos túneis. Lá será mais fácil desaparecermos.
Tomem cuidado, mas não parem.
Ela sabia que exigia demais
daqueles dois seres, mas tinha que ser forte pelos dois, que estavam
praticamente chegando aos limites de suas forças. Um pensamento passou por sua
cabeça e ela tentou arrancá-lo da mente, mas não era fácil…
“O que será que este surto de adrenalina vai causar ao corpo do clone?
Ele já está em estranha mutação. E se isso acelerar algum processo?”
Mais um tiro. Desta vez pareceu
estar mais perto deles. Ouviu passos apressados. Estavam quase na entrada dos
túneis. Leona não olhou para trás. Mantinha o pai e David, sob sua total atenção.
Tinha que se concentrar em deixá-los a salvo, de qualquer maneira. O futuro e o
passado corriam junto dela.
Ao passar pela entrada dos
túneis, Leona não hesitou. Aquele emaranhado de entradas, nas diversas
galerias, era como um labirinto, mas tanto ela quanto o irmão, conheciam muito
bem aquele lugar. Eles costumavam fazer uma brincadeira com seu esconderijo
favorito.
“Se não é direito ir à direita, então é direito ir à esquerda”.
Assim que se sentiu segura,
deixou os dois homens, finalmente, tomarem fôlego. Os três ficaram, quietos,
tentando perceber se já estavam seguros. O som de passos apressados indicou-lhes
que vinha alguém na mesma direção. Só podia ser o irmão, mas ela pediu aos dois
para ficarem escondidos e em silêncio, até terem certeza, enquanto ela se
certificava.
- Leona, consegui salvar o diário. Nem pergunte a que custo. É melhor
que o leves contigo. Eu vou continuar a desviar a atenção dos homens, para que
nunca cheguem perto do terminal, até vocês estarem seguros.
- Não. Nós temos muito pouco tempo. Vamos ter que sair daqui juntos.
- É nossa única hipótese. Confia em mim. Eu chego a tempo, podes ficar
tranquila.
Confiar nele? Ela teve dúvidas…
Por mais que parecesse certo do que fazia, ainda assim, era extremamente arriscado.
A mulher não percebeu que o irmão
tentava esconder sua dificuldade em respirar normalmente. Ele fingiu estar,
somente, cansado e preocupado em fazer com que saíssem dali a salvo.
- Vamo-nos encontrar no terminal em quinze minutos. Não esperem mais
que cinco minutos por mim. Agora vão.
Leona articulou, rapidamente, um
plano de emergência em sua mente, mas precisava de tempo para executá-lo, antes
que o irmão voltasse a juntar-se ao grupo.
Ela chamou o pai e o Décimo-Terceiro.
Os dois seguiram-na, sem dizer nada. O personagem mais jovem não conseguia
esconder o quão assustado e receoso estava. O homem mais velho, acostumado com
fugas repentinas e uma vida bem pouco segura, desde há muito, apenas seguiu a
filha, sem reclamar e em apreensivo silêncio.
A mulher era ágil e sabia o
caminho como ninguém. Os dois faziam um esforço extra para poderem acompanhá-la,
mas seguiam-na cega e confiantemente, em absoluto silêncio.
Todos os outros sons, além de
seus passos, haviam ficado completamente para trás, deixando-os mais
tranquilos, mas não desatentos.
- É ali. Chegamos.
***
Leona reprogramou o terminal de
transporte, como havia decidido mentalmente, para a volta de quatro viajantes,
ao invés dos três que aportaram naquele ponto do passado. Apesar do risco que
corriam com aquela atitude e, mesmo sabendo que contrariava todos os
procedimentos de segurança e as ordens do Supremo, ela não teve dúvidas quanto
à certeza de que tomara a decisão mais acertada.
Ela, o pai e o Décimo-Terceiro clone
aguardavam ansiosamente pelo quarto viajante, mas o tempo esgotou-se muito rapidamente
e o terminal deu o sinal de transferência. Os três colocaram-se no centro da
cápsula e esperaram uma pequena fração de segundo, para que a mesma começasse o
processo.
A mulher sentia-se cansada e
triste, mas tinha que seguir o procedimento, em nome da segurança do pai e do
clone. Quando chegassem ao futuro, ela trataria de contornar a situação, provavelmente
enviando um outro sinal, para que o irmão recebesse e pudesse voltar. Ele
saberia o que fazer.
O som de uma rajada de disparos
não foi percebido por nenhum dos três, enquanto estavam sendo transferidos de
volta para o futuro, por causa do zumbido que a máquina emitiu e da rapidez do
processo. O Décimo-Terceiro sentiu um empurrão no pé, mas não percebeu o que
acontecia, realmente.
Ouviram uma sirene a tocar, intermitentemente,
poucos segundos depois.
A transferência havia sido concluída,
efetivamente. Agora, encontravam-se dentro do terminal de transporte do
edifício principal, no ano de 4697.
Leona olhou para baixo, aos pés
do Décimo-Terceiro e, então, percebeu que o clone tinha as pernas e os pés manchados
de sangue.
- O que é isso?
- É sangue. Estás ferido?
- Não… sei…
O clone também sangrava pelo
nariz. Ele revirou os olhos e caiu aos pés da mulher, aparentemente desacordado.
Ela apressou-se para acudi-lo, quando viu que, atrás dele, jazia o corpo ferido
e inconsciente do irmão. Ele também tinha as mãos cobertas de sangue.
Os dois cientistas chegaram,
naquele momento, juntamente com o Supremo, que aproximou-se e falou, antes que
ela tivesse tempo de explicar-se.
- Eu espero que tenhas uma razão muito boa para isto. Eu te avisei que vocês
não deviam intervir com qualquer coisa no passado. A tua missão era justamente
impedir que tal acontecesse.
- Eu sei. Mas estávamos sendo perseguidos por homens armados e não
podia deixar ninguém para trás. Era a única alternativa.
- A única? A única alternativa era ter evitado esta confusão toda…
- Eu sei, mas temos um problema mais grave, neste momento…
O Supremo olhou por cima dos
ombros de Leona e percebeu, logo, ao que ela se referia. Embora fosse um homem
extremamente severo, ele não deixava de ser coerente e justo.
***
- Mas nós conseguimos salvar o diário, afinal. Mesmo com tudo que
aconteceu… e…
- Sim. É certo. Mas a um preço muito alto.
- Isso já não tem nenhuma relevância. O que importa é que conseguimos garantir
o nosso futuro e desta gente...
- Mas mexemos com o passado. Não deveria ter acontecido. Foi um risco
muito grande... e, invariavelmente, toda intervenção tem suas consequências.
- Mas tu já não ias ficar muito tempo vivo, lá, de todo jeito… O ataque
pode ter sido antecipado pela nossa chegada àquela hora ao laboratório, mas
para todos os efeitos, segundo consta, serias morto naquela mesma noite e foi
isso que aconteceu. Ninguém, nunca, vai saber a verdade… Que diferença poderia
fazer, agora?
- Nunca subestime os efeitos das coisas pequenas ou das que pareçam ter
pouca importância… Como sabes que nada ficou intocado, neste futuro? Mesmo que
ainda não tenhas percebido… houve uma mudança!
- Houve?
- Houve, sim…
Leona olhou o pai, com
preocupação. A morte do irmão fora um sacrifício, em nome do futuro e da
ciência, que não fora previsto, nem pode ser impedido ou revertido. O tempo não
perdoava… Aquela nova constatação, porém, era preocupante.
O pai apontou para o laboratório.
De lá, David, o Décimo-Terceiro clone, olhava para ela e para o velho
cientista.
Leona franziu o cenho. Ele
parecia tranquilo, mas a anomalia estava cada vez mais evidente. A mulher puxou
o pai pelo braço e entraram os dois na sala imaculadamente branca.
O chefe dos cientistas parecia
desesperado.