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sábado, 23 de setembro de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 4)


Leona olhou para o pai e David, o décimo-terceiro clone, que corriam junto dela, pelo meio do bosque, sem pensar em outra coisa, além de salvar suas peles. Ela era mais rápida e conhecia o caminho, por isso assumiu a responsabilidade sobre a segurança deles. Por sorte, os homens armados ainda não os haviam detetado, mas poderia ser, somente, uma questão de tempo.

Ouviram mais tiros. Leona não parava de pensar no irmão. Enquanto ela os ouvisse, por mais perigoso que pudesse ser, entretanto, sabia que ele estaria, provavelmente, vivo. O silêncio é que poderia ser mau sinal. Ela tinha medo de pensar no pior. Sua preocupação era, agora, correr, sem parar.

- Temos que chegar à entrada dos túneis. Lá será mais fácil desaparecermos. Tomem cuidado, mas não parem.

Ela sabia que exigia demais daqueles dois seres, mas tinha que ser forte pelos dois, que estavam praticamente chegando aos limites de suas forças. Um pensamento passou por sua cabeça e ela tentou arrancá-lo da mente, mas não era fácil…

“O que será que este surto de adrenalina vai causar ao corpo do clone? Ele já está em estranha mutação. E se isso acelerar algum processo?”

Mais um tiro. Desta vez pareceu estar mais perto deles. Ouviu passos apressados. Estavam quase na entrada dos túneis. Leona não olhou para trás. Mantinha o pai e David, sob sua total atenção. Tinha que se concentrar em deixá-los a salvo, de qualquer maneira. O futuro e o passado corriam junto dela.

Ao passar pela entrada dos túneis, Leona não hesitou. Aquele emaranhado de entradas, nas diversas galerias, era como um labirinto, mas tanto ela quanto o irmão, conheciam muito bem aquele lugar. Eles costumavam fazer uma brincadeira com seu esconderijo favorito.

“Se não é direito ir à direita, então é direito ir à esquerda”.

Assim que se sentiu segura, deixou os dois homens, finalmente, tomarem fôlego. Os três ficaram, quietos, tentando perceber se já estavam seguros. O som de passos apressados indicou-lhes que vinha alguém na mesma direção. Só podia ser o irmão, mas ela pediu aos dois para ficarem escondidos e em silêncio, até terem certeza, enquanto ela se certificava.  

- Leona, consegui salvar o diário. Nem pergunte a que custo. É melhor que o leves contigo. Eu vou continuar a desviar a atenção dos homens, para que nunca cheguem perto do terminal, até vocês estarem seguros.

- Não. Nós temos muito pouco tempo. Vamos ter que sair daqui juntos.

- É nossa única hipótese. Confia em mim. Eu chego a tempo, podes ficar tranquila.

Confiar nele? Ela teve dúvidas… Por mais que parecesse certo do que fazia, ainda assim, era extremamente arriscado.

A mulher não percebeu que o irmão tentava esconder sua dificuldade em respirar normalmente. Ele fingiu estar, somente, cansado e preocupado em fazer com que saíssem dali a salvo.

- Vamo-nos encontrar no terminal em quinze minutos. Não esperem mais que cinco minutos por mim. Agora vão.

Leona articulou, rapidamente, um plano de emergência em sua mente, mas precisava de tempo para executá-lo, antes que o irmão voltasse a juntar-se ao grupo.

Ela chamou o pai e o Décimo-Terceiro. Os dois seguiram-na, sem dizer nada. O personagem mais jovem não conseguia esconder o quão assustado e receoso estava. O homem mais velho, acostumado com fugas repentinas e uma vida bem pouco segura, desde há muito, apenas seguiu a filha, sem reclamar e em apreensivo silêncio.

A mulher era ágil e sabia o caminho como ninguém. Os dois faziam um esforço extra para poderem acompanhá-la, mas seguiam-na cega e confiantemente, em absoluto silêncio.

Todos os outros sons, além de seus passos, haviam ficado completamente para trás, deixando-os mais tranquilos, mas não desatentos. 

- É ali. Chegamos.
***

Leona reprogramou o terminal de transporte, como havia decidido mentalmente, para a volta de quatro viajantes, ao invés dos três que aportaram naquele ponto do passado. Apesar do risco que corriam com aquela atitude e, mesmo sabendo que contrariava todos os procedimentos de segurança e as ordens do Supremo, ela não teve dúvidas quanto à certeza de que tomara a decisão mais acertada.

Ela, o pai e o Décimo-Terceiro clone aguardavam ansiosamente pelo quarto viajante, mas o tempo esgotou-se muito rapidamente e o terminal deu o sinal de transferência. Os três colocaram-se no centro da cápsula e esperaram uma pequena fração de segundo, para que a mesma começasse o processo. 

A mulher sentia-se cansada e triste, mas tinha que seguir o procedimento, em nome da segurança do pai e do clone. Quando chegassem ao futuro, ela trataria de contornar a situação, provavelmente enviando um outro sinal, para que o irmão recebesse e pudesse voltar. Ele saberia o que fazer.

O som de uma rajada de disparos não foi percebido por nenhum dos três, enquanto estavam sendo transferidos de volta para o futuro, por causa do zumbido que a máquina emitiu e da rapidez do processo. O Décimo-Terceiro sentiu um empurrão no pé, mas não percebeu o que acontecia, realmente.

Ouviram uma sirene a tocar, intermitentemente, poucos segundos depois.

A transferência havia sido concluída, efetivamente. Agora, encontravam-se dentro do terminal de transporte do edifício principal, no ano de 4697.

Leona olhou para baixo, aos pés do Décimo-Terceiro e, então, percebeu que o clone tinha as pernas e os pés manchados de sangue.

- O que é isso?

- É sangue. Estás ferido?

- Não… sei…

O clone também sangrava pelo nariz. Ele revirou os olhos e caiu aos pés da mulher, aparentemente desacordado. Ela apressou-se para acudi-lo, quando viu que, atrás dele, jazia o corpo ferido e inconsciente do irmão. Ele também tinha as mãos cobertas de sangue.

Os dois cientistas chegaram, naquele momento, juntamente com o Supremo, que aproximou-se e falou, antes que ela tivesse tempo de explicar-se.

- Eu espero que tenhas uma razão muito boa para isto. Eu te avisei que vocês não deviam intervir com qualquer coisa no passado. A tua missão era justamente impedir que tal acontecesse.

- Eu sei. Mas estávamos sendo perseguidos por homens armados e não podia deixar ninguém para trás. Era a única alternativa.

- A única? A única alternativa era ter evitado esta confusão toda…

- Eu sei, mas temos um problema mais grave, neste momento…

O Supremo olhou por cima dos ombros de Leona e percebeu, logo, ao que ela se referia. Embora fosse um homem extremamente severo, ele não deixava de ser coerente e justo.

***

- Mas nós conseguimos salvar o diário, afinal. Mesmo com tudo que aconteceu… e…

- Sim. É certo. Mas a um preço muito alto.

- Isso já não tem nenhuma relevância. O que importa é que conseguimos garantir o nosso futuro e desta gente...

- Mas mexemos com o passado. Não deveria ter acontecido. Foi um risco muito grande... e, invariavelmente, toda intervenção tem suas consequências.

- Mas tu já não ias ficar muito tempo vivo, lá, de todo jeito… O ataque pode ter sido antecipado pela nossa chegada àquela hora ao laboratório, mas para todos os efeitos, segundo consta, serias morto naquela mesma noite e foi isso que aconteceu. Ninguém, nunca, vai saber a verdade… Que diferença poderia fazer, agora?

- Nunca subestime os efeitos das coisas pequenas ou das que pareçam ter pouca importância… Como sabes que nada ficou intocado, neste futuro? Mesmo que ainda não tenhas percebido… houve uma mudança!

- Houve?

- Houve, sim…

Leona olhou o pai, com preocupação. A morte do irmão fora um sacrifício, em nome do futuro e da ciência, que não fora previsto, nem pode ser impedido ou revertido. O tempo não perdoava… Aquela nova constatação, porém, era preocupante.

O pai apontou para o laboratório. De lá, David, o Décimo-Terceiro clone, olhava para ela e para o velho cientista.

Leona franziu o cenho. Ele parecia tranquilo, mas a anomalia estava cada vez mais evidente. A mulher puxou o pai pelo braço e entraram os dois na sala imaculadamente branca.

O chefe dos cientistas parecia desesperado.