Eu gritei. Estava em choque e com
medo. A chuva forte caiu pesada e ruidosamente sobre a superfície do carro, assim que chegamos à rua.
- Está tudo bem, agora. Ele foi muito
rápido em saltar para o lado.
- De onde ele veio, pelo amor de
Deus? Ele nos perseguia? Há quanto tempo?
- Não sei…
- Porra! Estou com muito medo
agora.
- Acalme-se. Em breve estaremos em
casa.
- Nós deveríamos ter chamado a
polícia... há muito tempo! Desde que ele…
- Nós não achamos que era
necessário no momento. Talvez devêssemos agora.
- Definitivamente, sim. Nós temos de
chamar a polícia, para o nosso bem!
***
- O que estás fazendo? Me deixa ir
embora!
- Diz que vai tomar um café
comigo.
- Estás me assustando. Me larga,
por favor…
Ele me segurou mais forte. Seus
olhos eram como os de um louco. Eu tentei afastá-lo, mas ele era muito mais
forte que eu. Então ele me puxou para mais perto e me apontou uma faca. Eu
podia sentir o quão forte ele era, pelo jeito firme que me segurava, mas eu não
teria coragem de mover um centímetro que fosse, de qualquer maneira, sob aquela
ameaça.
E foi então que tudo aconteceu,
muito rapidamente...
***
- E se não tivesse acontecido?
- Tu terias morrido, ou talvez,
também eu...
- Eu sei... eu te devo...
- Não me deves nada. Ainda bem que
eu estava lá.
- Eu nunca serei capaz de te
agradecer o suficiente. Aquilo foi muito rápido e agiste como um verdadeiro
herói.
- Eu apenas agi por instinto. E
estou tão feliz por estar lá, naquela hora em que o vi a forçar a barra
contigo. Quando percebi que era uma faca, que ele tinha na mão, não pude deixar
de interferir. Tu estavas em perigo. Mas foi meio à louca, sem pensar, embora
só tenha considerado o risco, bem mais tarde. Ele poderia ter-nos matado... aos
dois. Mas era um grande covarde, afinal, de qualquer maneira. Ele fugiu, assim
que se viu desarmado.
- E então tu jogaste a faca tão
longe, para dentro do mar. Foi como jogar a situação e o perigo para longe de
nós. E agora ele volta para nossas vidas. Por quê?
- Eu não tenho ideia. Mas é sabido
que ele tem estado a te seguir desde o dia em que quase esbarraste nele, na porta do
prédio. Ele, provavelmente, não superou o dia em que eu lhe chutei o traseiro,
também. A vingança é, talvez, o que ele queira agora. Deixemos a polícia lidar
com ele a partir daqui. É o dever deles.
***
A polícia não pode fazer nada em
termos de segurança, pois não havia provas de que tínhamos sido ameaçados por
aquele homem. Fomos nós que tentamos atropelá-lo, afinal. Ele poderia nos ter
processado pela tentativa de assassinato, se quisesse. A justiça não nos
protegeria em nenhum caso.
Decidimos que teríamos de cuidar
da nossa segurança, por conta própria, o que poderia levar à medidas extremas.
Mas para nossa sorte, deixamos de
ser ameaçados ou perseguidos… por ele, ou por qualquer outra pessoa. Ele
simplesmente desapareceu das nossas vidas. Nós ainda continuávamos a ser
cuidadosos, mas já não estávamos tão paranóicos, quase relaxando e voltando à
nossa rotina normal, desejando, apenas, sermos abençoados por uma vida mais
tranquila.
***
- Estás fazendo fotossíntese?
Ele riu. Com o rosto voltado para
o sol da manhã, ele parecia sentir um prazer inigualável naquilo. Estava sem a camisa,
mostrando seu torso bem esculpido, pelas horas bem aproveitadas no ginásio. Seu
cabelo brilhava, assim como a sua pele pálida. Seus olhos eram tão azuis quanto
o céu acima de nós. Eu agradeci ao Universo por ser, aquele, um dia tão agradável
e iluminado de verão e por aquela visão adorável. Pensei logo em um deus
grego... Apolo, talvez, por causa de seus cabelos e barba cor de fogo, e…
Ele notou meu sorriso quase
discreto e presumi que estivesse lendo minha mente.
- Eu acho que estou, sim. Isso é muito
bom mesmo. E é tão bom estar cá em casa, assim...
- Eu concordo plenamente. Tome isto…
Ele sabia que eu estava brincando
com as palavras, então aceitou, sorrindo, a xícara de café fresco que eu lhe
ofereci. Sentamos do lado de fora, ouvindo os sons dos pássaros a gorjear e da
água corrente do riacho, correndo, não muito longe da parte de trás da casa.
Era uma relaxante manhã de domingo e estávamos desfrutando da companhia um do
outro, como deveria ser, sempre.
Depois do pequeno-almoço que nós
tivemos nos fundos da propriedade, decidimos dar um passeio na floresta, antes
de voltar para preparar uma refeição mais consistente. Estava uma manhã
agradável e queríamos aproveitar o melhor que podíamos. Passear pela floresta
seria mais fresco e não estaríamos expostos ao sol direto. Sabíamos que nossas
peles se queimariam facilmente, mesmo com o uso de uma boa camada de protetor
solar.
Levamos cerca de duas horas para
voltar. Quando nos aproximamos do portão, notei que seu rosto mudou.
- Nós deixamos o portão aberto,
daquele jeito?
- Acho que não…
- Que droga! Tenha cuidado. Fique
aqui. Vou conferir isto.
Eu tentei protestar, mas foi
inútil. Ele estava muito sério e eu sabia o porquê.
- Fique aqui, com o telefone a
postos, para chamar emergência ou a polícia. Podemos ter de pedir ajuda.
- Mas quem…?
Ele cruzou o portão e entrou,
correndo, tentando não fazer muito ruído. Eu esperei do lado de fora, como ele
me disse, mas minha mente estava tão apreensiva, que eu não conseguia pensar.
Eu o ouvi gritar uma… duas vezes…
depois veio um silêncio e, em seguida, uns sons estranhos.
"Isso é o som de uma luta? Mas
que diabos?'
Meu coração afundou quando percebi
o que estava acontecendo.
- Oh, não! Isso não!
Eu ouvi um baque, como de algo
pesado a cair no chão e, depois, um tiro.
- Oh, não! Não, não, não!
Eu atravessei o portão sem pensar
claramente. Sentia como se meu coração fosse sair, desesperado, pela minha
boca. Então eu presenciei a pior cena que poderia, naquele momento.
O sangue ainda escorria fresco e
pegajoso nos ladrilhos acastanhados da varanda.
Os dois corpos ainda estavam estirados
no chão. Eu conhecia o homem que estava por cima dele... Os dois corpos estavam,
ambos, imóveis.
Eu gritei. O corpo que estava em
cima rolou para o lado, sem sinal de vida.
- Ele saiu da casa com a minha
arma na mão... e nós brigamos... e...
- O que? Como? Tu estás…?
Estava coberto de sangue, mas não
era dele e, sim, do homem com o qual esteve lutando e que jazia ao seu lado,
morto.
- Chame a polícia! Eu acabo de
matar o sujeito!
- Ai, meu Deus. Isto é horrível!
Estamos ferrados! O que fazemos agora? O que devemos fazer agora? A polícia não
vai acreditar em nós…
- Não entre em pânico! Chame a
polícia!
- E se…
- Pelo amor de Deus! Chame a
polícia! Agora!!!
***