Mostrar mensagens com a etiqueta ruivo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ruivo. Mostrar todas as mensagens
sábado, 18 de setembro de 2021
Watercolour Study: Sad Old Red (or maybe not)
quinta-feira, 9 de setembro de 2021
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Voltar Para Casa (Parte Final)
Eu gritei. Estava em choque e com
medo. A chuva forte caiu pesada e ruidosamente sobre a superfície do carro, assim que chegamos à rua.
- Está tudo bem, agora. Ele foi muito
rápido em saltar para o lado.
- De onde ele veio, pelo amor de
Deus? Ele nos perseguia? Há quanto tempo?
- Não sei…
- Porra! Estou com muito medo
agora.
- Acalme-se. Em breve estaremos em
casa.
- Nós deveríamos ter chamado a
polícia... há muito tempo! Desde que ele…
- Nós não achamos que era
necessário no momento. Talvez devêssemos agora.
- Definitivamente, sim. Nós temos de
chamar a polícia, para o nosso bem!
***
- O que estás fazendo? Me deixa ir
embora!
- Diz que vai tomar um café
comigo.
- Estás me assustando. Me larga,
por favor…
Ele me segurou mais forte. Seus
olhos eram como os de um louco. Eu tentei afastá-lo, mas ele era muito mais
forte que eu. Então ele me puxou para mais perto e me apontou uma faca. Eu
podia sentir o quão forte ele era, pelo jeito firme que me segurava, mas eu não
teria coragem de mover um centímetro que fosse, de qualquer maneira, sob aquela
ameaça.
E foi então que tudo aconteceu,
muito rapidamente...
***
- E se não tivesse acontecido?
- Tu terias morrido, ou talvez,
também eu...
- Eu sei... eu te devo...
- Não me deves nada. Ainda bem que
eu estava lá.
- Eu nunca serei capaz de te
agradecer o suficiente. Aquilo foi muito rápido e agiste como um verdadeiro
herói.
- Eu apenas agi por instinto. E
estou tão feliz por estar lá, naquela hora em que o vi a forçar a barra
contigo. Quando percebi que era uma faca, que ele tinha na mão, não pude deixar
de interferir. Tu estavas em perigo. Mas foi meio à louca, sem pensar, embora
só tenha considerado o risco, bem mais tarde. Ele poderia ter-nos matado... aos
dois. Mas era um grande covarde, afinal, de qualquer maneira. Ele fugiu, assim
que se viu desarmado.
- E então tu jogaste a faca tão
longe, para dentro do mar. Foi como jogar a situação e o perigo para longe de
nós. E agora ele volta para nossas vidas. Por quê?
- Eu não tenho ideia. Mas é sabido
que ele tem estado a te seguir desde o dia em que quase esbarraste nele, na porta do
prédio. Ele, provavelmente, não superou o dia em que eu lhe chutei o traseiro,
também. A vingança é, talvez, o que ele queira agora. Deixemos a polícia lidar
com ele a partir daqui. É o dever deles.
***
A polícia não pode fazer nada em
termos de segurança, pois não havia provas de que tínhamos sido ameaçados por
aquele homem. Fomos nós que tentamos atropelá-lo, afinal. Ele poderia nos ter
processado pela tentativa de assassinato, se quisesse. A justiça não nos
protegeria em nenhum caso.
Decidimos que teríamos de cuidar
da nossa segurança, por conta própria, o que poderia levar à medidas extremas.
Mas para nossa sorte, deixamos de
ser ameaçados ou perseguidos… por ele, ou por qualquer outra pessoa. Ele
simplesmente desapareceu das nossas vidas. Nós ainda continuávamos a ser
cuidadosos, mas já não estávamos tão paranóicos, quase relaxando e voltando à
nossa rotina normal, desejando, apenas, sermos abençoados por uma vida mais
tranquila.
***
- Estás fazendo fotossíntese?
Ele riu. Com o rosto voltado para
o sol da manhã, ele parecia sentir um prazer inigualável naquilo. Estava sem a camisa,
mostrando seu torso bem esculpido, pelas horas bem aproveitadas no ginásio. Seu
cabelo brilhava, assim como a sua pele pálida. Seus olhos eram tão azuis quanto
o céu acima de nós. Eu agradeci ao Universo por ser, aquele, um dia tão agradável
e iluminado de verão e por aquela visão adorável. Pensei logo em um deus
grego... Apolo, talvez, por causa de seus cabelos e barba cor de fogo, e…
Ele notou meu sorriso quase
discreto e presumi que estivesse lendo minha mente.
- Eu acho que estou, sim. Isso é muito
bom mesmo. E é tão bom estar cá em casa, assim...
- Eu concordo plenamente. Tome isto…
Ele sabia que eu estava brincando
com as palavras, então aceitou, sorrindo, a xícara de café fresco que eu lhe
ofereci. Sentamos do lado de fora, ouvindo os sons dos pássaros a gorjear e da
água corrente do riacho, correndo, não muito longe da parte de trás da casa.
Era uma relaxante manhã de domingo e estávamos desfrutando da companhia um do
outro, como deveria ser, sempre.
Depois do pequeno-almoço que nós
tivemos nos fundos da propriedade, decidimos dar um passeio na floresta, antes
de voltar para preparar uma refeição mais consistente. Estava uma manhã
agradável e queríamos aproveitar o melhor que podíamos. Passear pela floresta
seria mais fresco e não estaríamos expostos ao sol direto. Sabíamos que nossas
peles se queimariam facilmente, mesmo com o uso de uma boa camada de protetor
solar.
Levamos cerca de duas horas para
voltar. Quando nos aproximamos do portão, notei que seu rosto mudou.
- Nós deixamos o portão aberto,
daquele jeito?
- Acho que não…
- Que droga! Tenha cuidado. Fique
aqui. Vou conferir isto.
Eu tentei protestar, mas foi
inútil. Ele estava muito sério e eu sabia o porquê.
- Fique aqui, com o telefone a
postos, para chamar emergência ou a polícia. Podemos ter de pedir ajuda.
- Mas quem…?
Ele cruzou o portão e entrou,
correndo, tentando não fazer muito ruído. Eu esperei do lado de fora, como ele
me disse, mas minha mente estava tão apreensiva, que eu não conseguia pensar.
Eu o ouvi gritar uma… duas vezes…
depois veio um silêncio e, em seguida, uns sons estranhos.
"Isso é o som de uma luta? Mas
que diabos?'
Meu coração afundou quando percebi
o que estava acontecendo.
- Oh, não! Isso não!
Eu ouvi um baque, como de algo
pesado a cair no chão e, depois, um tiro.
- Oh, não! Não, não, não!
Eu atravessei o portão sem pensar
claramente. Sentia como se meu coração fosse sair, desesperado, pela minha
boca. Então eu presenciei a pior cena que poderia, naquele momento.
O sangue ainda escorria fresco e
pegajoso nos ladrilhos acastanhados da varanda.
Os dois corpos ainda estavam estirados
no chão. Eu conhecia o homem que estava por cima dele... Os dois corpos estavam,
ambos, imóveis.
Eu gritei. O corpo que estava em
cima rolou para o lado, sem sinal de vida.
- Ele saiu da casa com a minha
arma na mão... e nós brigamos... e...
- O que? Como? Tu estás…?
Estava coberto de sangue, mas não
era dele e, sim, do homem com o qual esteve lutando e que jazia ao seu lado,
morto.
- Chame a polícia! Eu acabo de
matar o sujeito!
- Ai, meu Deus. Isto é horrível!
Estamos ferrados! O que fazemos agora? O que devemos fazer agora? A polícia não
vai acreditar em nós…
- Não entre em pânico! Chame a
polícia!
- E se…
- Pelo amor de Deus! Chame a
polícia! Agora!!!
***
quinta-feira, 25 de julho de 2019
Voltar para Casa (Parte 1)
Quando eu saí pela
porta da frente, com a cabeça tão distraída com um milhão e meio de pequenos
problemas, quase esbarrei no homem que vinha passando pela calçada. Ele me olhou
por menos de um segundo, como se me estivesse amaldiçoando ou me quisesse matar,
mas não disse nada. Eu também não disse nada além de murmurar um envergonhado “desculpe” e continuei o meu caminho.
Havia algo de familiar
naquele homem. Seu rosto pálido e a barba loira quase ruiva chamaram minha atenção,
por algum motivo. Ele era um jovem alto, talvez por volta dos trinta e poucos
anos, o cabelo loiro ficando ralo no alto da cabeça, um corpo bonito, sem ser
atlético, mas muito longe de estar acima do peso.
Estava muito ocupado
com seu telefone, por isso não me deu mais atenção que eu merecia: não mais que
uns poucos milissegundos.
Havia uma parada de
ônibus bem em frente ao prédio e foi ali que ele ficou.
Se eu não estivesse
quase na hora de um compromisso importante, arranjaria uma desculpa qualquer
para voltar e olhar para ele, apenas uma vez mais e um pouco mais longamente que
eu consegui naquele curto espaço de tempo. Mas havia o compromisso e eu não costumava
atrasar-me...
***
- Tenho vontade de chorar.
- Por quê?
- Não tenho certeza…
- Então quem poderia ter?
Ele me olhou, como se
eu estivesse dizendo o maior absurdo de todos. Tentei segurar minhas lágrimas,
mas não consegui. Meu coração estava, por algum motivo, tão pesado, que eu
perdia o controlo das minhas emoções. Ele não disse mais nada. Ele me conhecia
muito bem.
- Levas-me para casa? Por favor?
- Para casa? "Lar é onde teu coração está"…
- Tu sempre dizes isso.
- Eu sei... Digo, porque sei que tu gostas.
- E gosto. Mas hoje eu só preciso de um abrigo… e de um abraço apertado.
E ele me abraçou. Eu deixei
cair todas as minha defesas e chorei desatinadamente.
***
- Vais-me dizer o que está acontecendo?
- Não sei se consigo.
Ele ficou de frente
para mim e olhou-me nos olhos. Como eu poderia explicar que o que eu estava
sentindo era, realmente, inexplicável? Será que ele alguma vez entenderia que às
vezes meu próprio passado me assombrava sobremaneira?
- Queres ficar só? Por algum tempo?
- Não, não mesmo.
- Então vem comigo.
- Para onde?
- Para a praia. Eu sei como o mar te faz sentir bem. Acho que é disto
que precisas agora.
Sorri e segui o homem,
que nem esperou pela minha resposta. Ele tinha tanta certeza que eu o seguiria,
que apenas assumiu que era a coisa mais certa a fazer... E então nós fomos até
a praia, quase completamente longe da maioria das pessoas, para recarregar
nossas baterias... ou melhor dizendo: para tentar recarregar as minhas
baterias.
Caminhamos a certa
distância ao longo da praia, com os pés nas águas frias. O ar estava fresco e,
à medida que o tempo passava, a temperatura baixava lentamente. Era final de
tarde.
Nós nos debruçamos
sobre o parapeito do píer por um tempo, em silêncio, apenas observando o sol se
pôr, apreciando a paisagem e absorvidos por nossos pensamentos mais íntimos.
Minha mente vagou no tempo.
Lá estava eu, há muitos
anos atrás, a observar, por um longo tempo, aquele movimento das ondas que iam
e vinham, continuamente, acabar na areia branca da praia, em uma explosão de
som e espuma. Minha mente estava em outro lugar, tão distante dali.
***
O tempo passou tão
rápido. Eu via algumas pessoas a caminhar pela praia, distraidamente, enquanto
os pescadores lançavam suas linhas ao mar, todos ocupados com suas próprias vidas
e agindo como se eu fosse apenas parte de todo o cenário, como a areia, as
rochas e o mar. Na verdade, para eles, eu era apenas aquilo: parte da paisagem.
Olhei em volta e decidi que deveria ir para casa antes que escurecesse.
Algumas gaivotas ainda
tentavam pegar alguns peixes, diretamente do mar ou de alguns pescadores mais descuidados.
Um daqueles grandes pássaros, de repente, mergulhou no ar, quase me atingindo na cabeça, enquanto eu passava, brincando com meus pés nas águas frescas. Eu
me abaixei o mais rápido que pude, mas perdi o equilíbrio. Fechei os olhos
enquanto caía, na certeza de que ia terminar meu dia com as roupas todas
encharcadas.
Por alguma razão
inesperada, não aconteceu nem uma coisa, nem outra: nem eu caí, nem me molhei. Meu
corpo ficou a meio caminho entre o ar e o mar.
- O que aconteceu?
- Eu vi que ias cair e vim em teu auxílio.
- Hã?
O homem, um loiro alto
e bonito, segurava-me com as duas mãos. Senti suas pernas fortes entre as
minhas e seus braços musculosos ao redor do meu corpo. Eu recuperei meu
equilíbrio e ele aliviou o abraço.
- Eu sinto muito.
- Oh, não se preocupe. Eu já estava-me vendo indo para casa num estado
lastimável. Agradeço mesmo… de coração!
Ele sorriu. Eu olhei
para aqueles olhos. E eram tão azuis.
- Oh meu Deus!
- O que foi?
- Nada. Eu sinto muito.
- Está tudo bem?
- Eu estou bem. Não se preocupe. Desculpe se eu perturbei a tua
pescaria.
- Sem problemas. Eu estava apenas passando alguns momentos sozinho,
depois de um dia longo no escritório.
- Tens horas?
- Eu tenho… algumas… talvez… para que?
Eu ri.
- Eu quis dizer: que horas são agora?
- Quase oito da noite.
- Oh. Tão tarde. Não havia percebido que era tão tarde. Tenho que ir.
Ele segurou minha mão.
Eu fiquei sem palavras. Por alguma razão, senti um calafrio na espinha.
- Não vá… ainda… Vamos tomar um café? Um dia? Hoje? Agora?
- Erm... eu... não... sei...
- Bem, então apenas diga que sim!
***
Eu senti seus braços
em volta da minha cintura. Ele me puxou para perto dele e beijou meu rosto, de
uma maneira muito espontânea. Por alguma razão, pensei que ele estivesse se
lembrando da mesma ocasião que eu. Nossas mentes podem ser engraçadas, às
vezes. Eu sorri e beijei aquele rosto amigo.
***
Decidimos jantar
juntos em um restaurante chique, no centro da cidade. Ficava quase no alto da
rua, em uma casa antiga, restaurada e modernizada para atender às necessidades
de uma clientela ansiosa pela nova moda de alimentação vegan e vegetariana.
As paredes eram
cobertas por decorações em gesso, onde folhas e frutos de videiras brancas em
fundo azul, subiam do chão até o teto da sala dos fundos. O chão de madeira
parecia ainda ser o original. As portas de duas folhas davam vista para um
pátio iluminado por postes de luz, cuidadosamente escolhidos, em estilo do
início do século passado. Uma grande buganvília fúcsia, um tom forte de
cor-de-rosa quase púrpura, coloria o lado direito do jardim, perto de uma linha
de móveis de ferro fundido, pintados de branco e provavelmente usados em dias ensolarados, ou no começo das noites de verão.
O risoto de cogumelos havia
sido primorosamente preparado e cuidadosamente decorado, sendo servido com exuberância
exagerada. Eu detetei um toque de balsâmico no sabor daquele prato extravagante.
Não havia saboreado nada parecido antes. Um vinho branco frutado, bem fresco,
foi escolhido para acompanhar o prato e nós compartilhamos uma sobremesa
delicada, chamada “Decadência de Chocolate”, seguida de café preto.
Pagamos a conta e
descemos os degraus da escadaria na entrada, que dava para a larga rua. O vento
soprava mais fresco e achamos que a noite estava agradável para um passeio a dois.
Nós apreciávamos caminhar lado a lado, sem falar muito. A vida pode ser tão
simples e boa ao mesmo tempo.
Pensei em gatos
vivendo suas vidas simples, com prazeres simples e desejando não muito mais que
aquilo. Mas nós somos apenas humanos, vivendo como humanos, da melhor maneira
que conseguimos. Para que desejar mais que um bom prato, uma cama quente e um
abraço?
O ribombar de um
trovão, muito perto, fez-me estremecer um pouco.
- Tens medo?
- Não, não mesmo.
- Boa. Então precisamos ir mais rápido. Parece que vai chover muito em
breve.
Antes mesmo de alcançarmos
o estacionamento, a chuva caía pesada e fria sobre nossos corpos quentes.
Quando chegamos ao carro, estávamos muito encharcados e quase congelando.
Liguei o aquecedor e me livrei da camisa e dos sapatos molhados, antes que
começasse a espirrar.
Foi então que nós o
vimos, de pé, em frente ao portão, tendo a chuva pesada servindo de pano de
fundo à sua silhueta...
***
Etiquetas:
acidente,
buganvília,
chuva,
estacionamento,
fúcsia,
gaivota,
homem barbudo,
indient,
loiro,
mar,
oceano,
pesacadores,
pier,
praia,
restaurante,
ruivo,
trovão
segunda-feira, 18 de junho de 2018
sexta-feira, 28 de julho de 2017
Contradições (Parte 2 de 2)
- Tu o quê?
- Eu deixei que ele me beijasse... e eu o beijei de volta.
- Estás louca? Por quê? Tu disseste que o odiavas...
- E é verdade. Eu ainda o odeio e a mim, mais ainda, por deixá-lo fazer isso comigo. Foi um momento de fraqueza... e foi só um beijo…
- Fraqueza? Só um beijo? E quanto a nós?
Olhei aquele seu rosto atraente, exibindo a expressão de uma triste incredulidade e me senti, mesmo, muito mal e culpada. Ele não merecia aquilo, especialmente de mim.
Que idiota eu fui! Eu não havia sido apenas fraca, também estivera completamente fora de mim, sem pensar na extensão do que tinha feito. E, agora, era muito tarde para voltar atrás. Eu conhecia aquele homem e também sabia que sua confiança em mim seria muito difícil de manter, depois de um comportamento inconsistente daqueles.
- Eu sinto muito. De verdade.
Eu podia ver o desencanto cobrir, rapidamente, seu rosto, como uma nuvem pesada e escura e não pude deixar de me sentir severamente responsável por aquilo. Eu também estava devastada, confusa e totalmente desapontada comigo mesma.
Ele não disse mais nada, apenas virou as costas e saiu.
Eu me perguntei se, algum dia, poderia consertar aquela situação e, mesmo se pudesse, sabia que ele nunca mais confiaria em mim, tão cegamente.
Ah! Se eu pudesse fazer o tempo voltar atrás...
***
Um pequeno vaso de Miosótis foi entregue, pelo florista, na minha porta. Eu não precisava de nenhum cartão para descobrir quem teria sido o remetente, mas procurei, no meio das delicadas pétalas azuis, de qualquer maneira. Uma mensagem simples, não assinada, estava escrita em um pequeno cartão. Senti uma fisgada no estômago.
"Não consigo te esquecer... Não me esqueças..."
Eu conhecia o nome popular daquelas flores. A mensagem era clara, em ambos os sentidos. Eu me perguntava por que ele estava fazendo aquilo e o que ainda queria de mim.
Após aquele incidente, já havia passado algumas semanas sozinha e eu tentava não colocar mais stress na minha mente. Já havia assumido meus erros e sabia que alguns actos são imperdoáveis, especialmente em termos de relacionamentos. Dei, ao meu amante, o tempo necessário para pensar em nós e à mim mesma, para me acostumar a viver por minha própria conta, novamente. Por outro lado, estava evitando o homem que me enviava mensagens directas, tentando, de alguma forma, voltar para minha vida e para o meu coração.
Quão complicada pode ser a vida, com todas aquelas coisas a acontecerem, como se fossem tempestades, umas após as outras? Era justo ou era apenas uma maneira que a vida encontrava de me tornar mais forte e rígida, sem perder a leveza do meu coração?
Peguei o vaso de flores e coloquei do lado de fora, na varanda, para não ter que olhar para elas. Aquelas flores não eram responsáveis por nada e, como seres vivos, mereciam sobreviver. Resolvi que iria, apenas, regá-las uma vez por dia, antes de decidir o que fazer, a seguir.
Quando voltei para dentro, o telefone tocava.
- Recebeste as flores? Eles significam muito, sabias? Espero que não te tenhas esquecido...
- Esquecido do quê?
- Estás tentando enganar-me. Eu te conheço muito bem. Tu nunca esquecerias coisas como essas...
- Mesmo?
Ele riu. Ele me conhecia muito bem. Claro que eu ainda me lembrava. Ninguém jamais poderia acreditar como minhas memórias ainda estavam tão vívidas e, no entanto, eu desejava, tanto, que elas já não estivessem.
***
"Estou quase aí. Cerca de três minutos, aproximadamente. Qual o número do quarto, mesmo?"
Enviei uma mensagem de texto com as informações e esperei. Cinco minutos depois eu abria a porta do quarto 308 e deixava entrar o belo homem ruivo.
Segundos depois que ele entrou, estávamos abraçados e eu pude sentir quão entusiasmado ele estava, assim que nos beijamos. Ele era apaixonado, intenso e viril, apesar do toque delicado e suave de seus dedos em minha pele. Suas mãos encontraram seu caminho por toda a extensão do meu corpo e minhas roupas, espalhadas pelo pequeno quarto, passaram a ser, apenas, como insignificantes peças da decoração.
Passamos o dia inteiro e a noite juntos, saboreando cada momento
daquele encontro de fim-de-semana. Depois de deixar o hotel, na manhã seguinte,
a caminho da estação de comboio, ele disse que adorava aquelas florzinhas, que estavam
expostas numa montra de floricultura. As pétalas azuis chamavam sua atenção e o
nome popular era uma mensagem directa para mim. As delicadas Miosótis eram popularmente conhecidas
como 'não-me-esqueças'.
Ele, então, comprou-me um vasinho daquelas frágeis flores, para que eu pudesse mantê-las comigo e lembrar dos nossos breves, mas intensos, momentos. Dei-lhe meu cachecol como lembrança, quando nos despedimos. Combinamos de vermo-nos, pelo menos, uma ou duas vezes ao mês, pois vivíamos em cidades diferentes, separados por cerca de pouco mais de cem milhas.
Tivemos alguns outros apaixonados fins-de-semana juntos. Entrementes,
costumávamos conversar por telefone, praticamente todos os dias.
Por algum motivo estranho, depois de alguns meses, no entanto, aqueles contactos começaram a esfriar e a diminuir e, então, ele ficou em silêncio por uns tempos. Eu pensei que estivesse aborrecido com aquela situação e havia decidido parar de me ver. Coisas como essas acontecem o tempo todo e eu não estava realmente surpresa, embora um pouco desapontada. A distância entre nós tornara-se um impedimento de aprofundar nosso relacionamento. Eu ainda tentei manter as chamas acesas, deixando-lhe mensagens íntimas e apaixonadas, mas ele nem se incomodou em respondê-las.
Imaginei que haveria um bom motivo para a falta de contacto e tentei entender as razões por trás das acções. Talvez ele não me quisesse preocupar. Talvez estivesse cansado e não quisesse ficar-me chateando com explicações. Talvez... talvez... talvez...
Tantas possibilidades a considerar e nenhuma delas parecia ser suficientemente forte, para sustentar e explicar o silêncio e a falta de contacto.
Um sábado de manhã, quando eu estava voltando do supermercado, o telefone tocou. Sua voz parecia estranhamente diferente. Pensei que havia algo errado, mas esperei até ele dizer-me o que se passava.
Ele disse que tentou, mas que não pôde entrar em contacto comigo, por mais que quisesse. Havia outra pessoa em sua vida e, então, havia ligado porque precisava de um favor muito especial, da minha parte. Queria que eu enviasse uma curta mensagem de correio electrónico, afirmando que nunca houvera nada, além de uma branda amizade, entre nós. Ele precisava daquilo para mostrar, à sua mulher, que éramos apenas conhecidos e nada mais, pois ela havia encontrado uma das minhas mensagens no telefone dele e ficara furiosa.
Aquilo me atingiu como se fosse uma punhalada nas costas. Eu me senti traída, abandonada e solitária, de repente.
Ainda tentei parecer cordata e pouco afectada, mas estava tão triste, chateada e ofendida, que decidi que tinha que parar aquela situação para sempre e esquecê-lo, de uma vez, para o bem da minha sanidade. Ele não merecia minhas lágrimas ou minhas preocupações.
Ele receberia sua mensagem, sim, como precisava e, então, eu poderia voltar para minha maçante rotina solitária, enquanto ele voltaria para sua vida apaixonada e apaixonante com sua outra mulher.
Como ele nunca me enviou outra palavra desde então, considerei que
estava tudo acabado entre nós.
Alguns anos se passaram, desde o dia em que tivemos aquele último contacto e eu já estava acostumada com minha vidinha simples e caseira. Ocupava-me com minhas aventuras na cozinha e, depois, longas horas no ginásio, a tentar compensar o exagero da gula. Que mais podia desejar da vida?
Um domingo de manhã, eu havia decidido tomar um brunch num Café, no centro da cidade. Estava distraída a observar os outros clientes, quando vi um homem alto e loiro entrar no recinto. Os cabelos dourados brilhavam sob a luz do ambiente e seus olhos, de um intenso azul, cruzaram os meus, quando ele sentou à mesa em frente à qual eu estava.
A partir daquela manhã especial de domingo, meu coração restabeleceu-se, lentamente, da ferida anterior e senti que tivera muita sorte em encontrar meu loiro amante, que passou, sempre, a iluminar minha vida com seu bom humor e sua figura tão atraente e masculinamente sexy. Ele mudou-se para a minha casa, umas poucas semanas depois de começarmos a namorar e eu nunca me arrependi daquela decisão. Ele era um homem bom e sempre me tratou com generosidade e respeito, além de ser um amante atencioso e sensato.
Quando a campainha tocou, naquela manhã, enquanto tomávamos o pequeno-almoço, não podia imaginar quem poderia ser. Era difícil acreditar que eu estava, novamente, frente a frente com o homem que me machucara tanto, no passado. Ele estava parado, de pé, na soleira da porta, agindo como se nada tivesse acontecido entre nós...
***
- É outra das minhas contradições tentando fazer sentido... Talvez elas, realmente, não façam nenhum...
- Ao contrário. Elas, realmente, fazem muito sentido para mim. Podes acreditar que sim. Este teu ir e vir, entretanto, não é bom para mim e não acho que seja bom para ti também... Só nos causa mais sofrimento.
- Eu entendo o que dizes, mas podemos tentar mais uma vez. Podemos fazer com que funcione desta vez.
- Tentei-me convencer de que eu deveria ser paciente e compreensiva.
Tentei-me convencer que havíamos sido feitos um para o outro, já que
encaixávamo-nos tão bem. Agora eu sei que estava errada... e, podes acreditar, esta
não é nenhuma das minhas contradições. Eu fui injusta com o homem que sempre
foi amável e fiel comigo e lamento minha estupidez, profundamente. Tu não és
ele e nunca serás... Tu és, de fato, um homem mimado e sem consideração e não
mereces minhas lágrimas, nem meu amor, ou meu carinho.
E aquela foi a última vez que tive contacto com aquele homem ruivo, que embora houvesse sido um amante excepcional, não tinha nenhuma apreciação verdadeira pelos meus sentimentos.
***
Eu tinha que tentar fazer algumas compensações, caso contrário me sentiria culpada pelo resto da minha vida, então entrei em contacto com meu bom amigo e pedi-lhe que me viesse encontrar, para uma conversa, em um determinado Café, no centro da cidade. Pelo tom de sua voz, eu podia sentir que ele ainda estava incerto e chateado, mas eu insisti e ele, finalmente, desistiu e aceitou.
Eu estava sentada no mesmo lugar que nos vimos pela primeira vez. Quando entrou, todo esbelto e bonito, lembrei da mesma sensação que tive na primeira vez. As borboletas bateram asas em meu estômago, mas, desta vez, por uma razão completamente diferente. Eu estava extremamente ansiosa.
Ele caminhou na minha direcção, com passos firmes, e encontrou
seu caminho, assim que me viu sentada, mas não sorriu. Fiquei ainda mais
apreensiva do que antes.
- Como tens estado?
- Estou bem. Meu trabalho absorve mais do meu tempo do que eu preciso, mas posso lidar bem com isso.
- Certo. Queres um café? Eu, definitivamente, preciso de um.
- Sim. Claro. Vou chamar o empregado.
Sem intimidade. Sem sorrisos. Sem esperança. Mas eu ainda tinha que fazer um esforço extra. Não estava conformada em perder, sem tentar, pelo menos, uma vez mais. O rapaz trouxe nossos cafés e nós bebemos, em silêncio. Para duas pessoas que costumavam ser amantes, aquilo era bastante estranho. Eu decidi que tinha que quebrar o silêncio, pelo bem da minha sanidade.
- Vamos ser justos um com o outro. Precisamos resolver isso, ou então...
- Não. Não há mais nada para resolver. O tempo de justiça e paciência já se foi. Agora é muito tarde... É realmente muito tarde para nós.
Daquela vez, quem ficou sem palavras, fui eu. Ele havia contido sua decepção e raiva por um tempo demasiadamente longo e doloroso. Era o momento e a ocasião certa para expressar o que ainda se passava pelo seu coração, antes tão terno e paciente. Eu tinha que dar, ao homem, a hipótese de falar, o mais livremente possível. E ele o fez. Ouvi no silêncio mais difícil que eu, alguma vez, tivera de suportar.
Ele estava no seu direito de dizer o que tinha guardado em sua mente, por tanto tempo e eu tive que beber e digerir suas palavras, como um remédio muito amargo. Eu simplesmente não sabia se aquilo me proporcionaria alguma cura, entretanto.
Meus sentimentos e emoções estavam destroçados e espalhados por todo o lugar. Eu me senti como se fosse sufocar. Um nó na garganta impedia-me de respirar. Precisava de ar, com muita urgência. Pedi a conta, paguei e levantei-me, indo directo para a porta. Ele me seguiu, em silêncio.
Enquanto caminhávamos para a praia, sentia-me tão triste, que não podia ver, nem pensar com clareza. O dia estava pesado, assim como meu coração e minha alma. Sobre nossas cabeças, as nuvens cinzentas e escuras anunciavam o mau tempo, para muito breve.
Ficamos lado a lado, por um longo tempo, observando o mar a ir e vir, naquele movimento monótono e constante. Minha mente estava vazia, ou totalmente confusa... Eu já nem sabia o que pensar. Sentia, somente, uma tristeza imensa, tentando engolir-me, como se fosse um gigantesco buraco negro.
Ele não disse nada o tempo todo, mantendo seu olhar na distância, ou em um ponto além do horizonte.
Eu me virei um pouco, para poder olhar melhor o rosto do homem, que eu ainda amava tanto. Ele parecia ter a mente e o corpo tão vazios e distantes dali. Perguntei-me se ainda poderia trazê-lo de volta daquela terra de decepção, onde se encontrava totalmente imerso.
Achei que precisava fazer alguma coisa, como minha última hipótese e, então, num arrojo desesperado, beijei-lhe num dos ombros, apoiando as minhas mãos em seus braços e tentando mostrar-lhe que ainda havia muito carinho e amor em mim, mas ele, somente, estremeceu um pouco e, então, ficou tenso, imediatamente.
Foi quando eu senti que ia ser difícil engolir meu orgulho e não
chorar. Tentei manter-me plácida, para poder afastar-me dele, sem dizer nada. Já
não havia nada a dizer. Já não havia mais nada nele, que pudesse ser meu, outra
vez.
Ele nunca virou-se para me olhar partir, daquela forma, da vida dele, nunca disse nada, nem tentou impedir-me de ir embora. Aqueles braços e peito, onde antes eu me sentia tão segura e abrigada num abraço, já não estavam mais lá, para me proteger ou segurar.
O homem que eu tanto amei, já não podia confiar em mim e eu sabia que nunca poderia haver qualquer relacionamento saudável, se não houvesse confiança. O nosso tempo havia-se acabado e, infelizmente, tive que aceitar que fora somente por minha culpa. Eu tinha que aprender a viver com aquilo, para o resto da minha vida.
Não me virei, enquanto caminhava de volta para o carro. Era hora de encarar a realidade e afastar-me, enquanto ainda havia um fino vestígio de orgulho em mim. Eu teria que enfrentar a solidão, como meu único companheiro, novamente.
A praia pareceu-me um imenso deserto. Por trás das minhas costas eu ouvi o ribombar dos trovões e os clarões dos relâmpagos, e percebi o que vinha logo a seguir...
Em segundos, a tempestade começou e eu não fui totalmente surpreendida por um repentino banho de água fria, que jorrava, sem piedade, sobre minha cabeça e meu corpo, encharcando minhas roupas e causando-me uma inundação súbita e incontrolável, vindo dos meus olhos. Não senti nenhuma vergonha por chorar, deixando as gotas de chuva misturarem com o meu choro. Quão clichê era chorar na chuva, mas não estava preocupada com o quão comum ou quão idiota podia parecer... Também estava chovendo dentro de mim... torrencialmente...
Eu não tive vontade de correr. Só queria que a chuva lavasse minha dor, por um momento... e foi o que aconteceu... por um segundo, ou dois... Depois, a aflição multiplicou-se exponencialmente e eu solucei, alto, como uma criança abandonada…
No meu coração, eu sabia que nunca mais tornaríamos a nos ver, depois daquele dia
tão triste e tempestuoso... e eu estava certa...
Etiquetas:
chuva,
decepção,
loiro,
Miosótis,
relâmpagos,
ruivo,
tempestades,
trovões
Subscrever:
Mensagens (Atom)