domingo, 9 de fevereiro de 2014

Confissão


A estreita porta de madeira com duas fileiras de vidros foscos coloridos, na parte de cima, foi empurrada para dentro com pouco esforço. Era uma daquelas portas de vai-e-vem, que abre para dentro e fora e ficava numa das laterais da entrada principal. O homem entrou e fez o sinal da cruz, em sinal de respeito ao que via no final do corredor central.

Uma imagem de São José com o menino no colo, em madeira esculpida e colorida, em tamanho natural, estava colocada no alto da parede por trás da mesa disposta no centro do altar. O santo olhava com bondade para os fiéis que instalavam-se abaixo de sua presença. Era esta a impressão que ele tinha, desde que entrara na igreja, há muito tempo atrás. Voltar ali, era como reviver o passado… mas não era por isso que ele estava ali. 

O cheiro característico da madeira encerada misturava-se com as lembranças e com o som dos ecos de seus passos, enquanto caminhava pelos corredores da grande nave. Ele queria e devia estar sozinho. Precisava daquilo. Expirou, como se a absorver algo do ar à sua volta.

Havia alguma coisa de sagrada naquele ambiente, antes visitado mais frequentemente. Engraçado como as igrejas não cheiram a detergente, nem à poeira, nem mesmo à fumaça dos incensos, apesar do uso constante deles: cheiram à santidade... Era este o cheiro que ele associava às igrejas.

O piso de granito decorado e gasto dava-lhe a sensação de solidez – uma impressão de segurança que ele sentia quando lá estava.

Quando era mais jovem, o homem gostava de sentar-se em silêncio, sozinho, nos bancos longos de madeira escura, sentindo uma pseudo-paz, uma tranquilidade protegida do mundo lá fora. Ele parou a meio caminho e sentou-se num deles.

***

Lembrou-se do dia em que ouviu o silêncio, na pequena capela do seminário onde fazia retiro espiritual. Ele fechou os olhos e viu-se sentado, sozinho, na minúscula capela, ao entardecer.

Não havia luzes acesas; apenas a iluminação natural, que vinha pelos vitrais. Havia saído da confissão e queria estar só. Ele esvaziou a mente e ficou quieto. Fechou os olhos. Quase sentia um nada a abraçá-lo, envolvendo seu corpo e mente.

Foi então que ouviu, muito baixinho, quase imperceptivelmente, a música que vinha de algum lugar, tomando conta de tudo à sua volta. A nona sinfonia. O hino da alegria. Somente pode ouvir porque estava totalmente quieto, quase sem respirar. E ele se tornou o silêncio e a música, como se não tivesse corpo físico.

Sentiu uma espécie de êxtase… uma leveza na alma… até ser interrompido…

***

Olhou para a construção à sua esquerda. Um impulso fê-lo levantar-se e dirigir-se até o pequeno confessionário, protegido apenas por uma cortina de tecido de um tom muito escuro de roxo, onde entrou e ajoelhou-se.

- Padre, dai-me a vossa bênção porque pequei…

- Filho, esta fórmula já não se usa há muito tempo.

- Oh…

- Há quanto tempo não te confessas?

Realmente. Ele já nem lembrava bem de quanto tempo fazia… Havia sido às vésperas do casamento, há bem mais de vinte anos atrás? Provavelmente sim…

- Mais de vinte anos, padre… a última vez foi quando eu acreditei numa grande mentira: que estaria unido até que a morte nos separasse…. Bom, foi uma verdade, até certo ponto: a morte do que nos unia, pelo menos… Masturbação ainda é pecado?

O padre riu. Uma mudança no assunto que trouxera o outro ali não era estratégia que ele apreciava. Ele olhou  para o lado. Pela grade, semiencoberto pela tela de protecção, o rosto do homem era apenas uma silhueta de perfil indefinido. Um pecador. Um crente ou um desesperado?

- Eu nem sei por onde começar… já custou-me muito chegar até este ponto e ajoelhar-me no confessionário, depois de tanto tempo…

***

O rapaz, sentado numa cadeira simples de madeira envernizada, avaliava suas faltas, em uma conversa de frente a um dos padres, que havia sido designado a ouvir as confissões dos jovens participantes do retiro espiritual de três dias, sem contacto com a civilização fora do prédio de pedra, no cimo do barranco, de frente para o mar aberto. A ingenuidade dava-lhe um certo ar de santidade e sua sensação de culpa por faltas tão menores, uma infantilidade adorável. Os cabelos castanhos muito claros, quase aloirados, caiam-lhe em cachos até quase a altura dos ombros, emoldurando a pálida face, que não escondia um olhar entre o perdido e o triste. O padre pensou que havia ali uma história duramente vivida, apesar da tenra idade.

 -…E é essa a história. Apenas nos encontramos, conversamos, ficamos juntos…

- Então ela só precisava de um pouco do carinho, que já perdeu ao longo de anos de convivência e rotina no casamento… Não é certo, mas não me surpreende. Aconselho-te a tomar bastante cuidado.

- Eu sei.

Mas, na verdade, não sabia…

***

- E o que te traz aqui, hoje, depois de vinte anos, meu filho?

Os padres têm a tendência de chamar-nos de filhos, não importa a idade que tenhamos. Será que isto faz parte do aprendizado no seminário? Ele pensou no motivo. Não havia realmente um motivo, havia? Ele nem ao mesmo sabia porque procurara abrigo num lugar que não frequentava há tanto tempo. Alento? Provavelmente também não. Devia ter procurado a psicóloga, antes...

O silêncio foi interpretado pelo padre como um sinal de culpa.

- O que o aflige?

- Sinto um vazio, padre. Um imenso vazio…

- Há quanto tempo não buscas a Deus?

- Desde que perdi a fé.

- Se a tivesses mesmo perdido, não estarias aqui… agora…

Ele ouviu e ficou em silêncio por uns segundos. Ia argumentar, mas o padre foi mais rápido que ele.

- Tu não precisas acreditar em todas as coisas. O próprio papa resolveu revelar alguns segredos e olha que está a ser muito criticado, tanto pelos fanáticos quanto pelo próprio clero. A fé, na verdade, não tem religião. Tu tens idade e percepção suficiente para entender o que digo.         

- Sim, padre. Eu compreendo bem. E um pouco do meu afastamento se deve aos meus questionamentos à acção da igreja, especialmente à nossa. A história e a ciência descobrem muitas coisas que estavam escondidas, por trás de muita hipocrisia e manipulação do clero, desde antes da idade média…

- Os tempos estão em mudança. Os fanáticos vão-se escandalizar. Eu mesmo estou ansioso para que estas mudanças venham logo, mas considero que é bastante delicado e até perigoso. O papa tem que ser muito forte, porque ele vai enfrentar muitas correntes contrárias à todas estas revelações.

O padre respirou fundo. Talvez pensasse que estava a falar demais. Não era sempre que encontrava alguém com discernimento suficiente para desafiar suas faculdades e discutir abertamente o assunto. O homem retomou o fio da conversa.

- A própria concepção de pecado mudou, não mudou?

- O mal existe. O pecado existe. A intolerância, a falta de respeito, a inveja e o rancor, a falta de consideração e de humildade… todos estes são, por assim dizer, pecados, que nos rondam todos os dias. Não falemos de matar ou prejudicar a vida dos outros, intencionalmente, nem de vinganças a ferro e fogo, porque estas são faltas bem mais graves e até mesmo pelo ponto de vista do estatuto dos homens, são puníveis pela lei. Os tempos modernos revelam crimes hediondos que nunca poderiam sequer ser imaginados há algum tempo atrás. A crueldade e a manipulação tomaram proporções que tornaram-se quase incontroláveis…. Ou não… O grande erro é que nos acostumamos a ver o mal à nossa volta e não fazemos nada. Com o tempo, aquilo torna-se normal…. Algumas vezes até aceitamos o que não admitíamos antes.

- Padre, nenhum destes motivos me trouxe aqui. Minha consciência está tranquila em relação a isto… O que eu faço com a frustração e a decepção?

- Só as sentes quando tiveste expectativas demais, meu filho. A culpa não é exatamente de quem te decepcionou. Não foste tu que esperaste demais?

- Talvez… E a raiva? E a inveja? E a desconfiança?

O padre nem precisou pensar para responder. Estava bastante acostumado com as pessoas e suas perguntas, nos muitos anos de profissão. Aquela era uma das mais recorrentes.

- São males que matam devagar… mas somente a quem os sente. É como se tu ingerisses um forte veneno e esperasses que outra pessoa morresse. Não faz muito sentido… quem morrerá, aos poucos, serás tu… Sentes solidão?

Ele lembrou-se da estranha conversa que teve, uma vez, com Akis.

***

- Eu preciso tirar umas férias, para ficar sozinho um pouco. Já sinto falta disso…

- Para ficar sozinho? Tu já não ficas só por tempo demais?

- Claro que não, senão não precisava ficar mais…

- Ninguém pode ficar mais sozinho do que um máximo admissível. Se o limite máximo que se consegue ficar, seja, digamos, do tamanho de um pacote de cigarros, não se pode exceder este limite. Não adianta querer colocar mais do que cabe dentro dele, nem que este pacote aumente de tamanho…. É simplesmente impossível! Como é que tu queres exceder o máximo exequível e tolerável?

- Eu simplesmente preciso, Akis. Ficar sozinho me devolve a sanidade.

- Tu me tiras do sério, sabias? Há vezes em que tenho vontade de te bater…

Ele riu. O outro desistia de argumentar, diante da teimosia irritante dele.

***

- Não, padre. Não sinto solidão. Às vezes sinto um vazio… às vezes, muita vontade de chorar… mas nem sei, ao certo, por que a tristeza me abraça de quando em quando e faz-me sentir assim desolado…

- E o que fazes?

- Choro… que mais poderia fazer?

Os joelhos doíam-lhe. A cabeça também.

-Tenho de ir, padre.

- Não disseste a que vieste…

O homem levantou-se, sem responder. Vontades contraditórias de matar ou morrer invadiam-lhe os pensamentos. Atravessou o corredor e saiu pela porta, sem olhar para trás. O padre esticou a cabeça branca para fora do confessionário e ficou a olhar o homem a caminhar para fora da igreja.

Não viu quando ele atravessou a rua, sem olhar para os lados… Ouviu apenas o som repentino de uma longa e brusca freada e um som surdo, como de algo sólido a bater contra algo… ou alguém…

Não demorou muito a correr para fora e deparar com o corpo ensanguentado do homem, na rua em frente da igreja, em meio a uma dezena de curiosos, que já se acumulavam no local. O olhar parecia haver sido congelado num ponto à sua frente. Parecia tranquilo, entretanto…


O padre fez-lhe o sinal da cruz na testa e recitou uma fórmula conhecida, fechando-lhe, com cuidado, as pálidas pálpebras…


domingo, 26 de janeiro de 2014

A Cruz Celta (Epílogo)


A pequena mulher avaliou bem a combinação de cartas, apoiou os cotovelos na mesa, cruzou as rechonchudas mãos à altura do queixo e disse ao consulente – o homem de meia-idade, de cabelos castanhos, olhos esverdeados e com aparência tranquila - manifestamente inflamado pela curiosidade e sentado ali à sua frente:

- Este, definitivamente, não é um homem de confiança. Ele se faz de amigo, para conseguir algo em troca. Tenha cuidado com ele. Tenha sempre muito cuidado, porque ele consegue ser bem convincente…e pode trazer-te um prejuízo considerável.

O homem olhou atentamente as lâminas de cartão, já amareladas pelo uso, dispostas sobre a mesa e gravou, na memória, as palavras da cartomante, que agora parecia-lhe extremamente afável e maternal. A figura do Valete de Copas jazia, imponente, entre as duas outras cartas, como se estivesse desafiando o homem a enfrentá-lo.

 - Queres ver uma coisa? Vamos confirmar o que eu acabei de dizer… Tire outra carta, por favor.

Ele fechou os olhos, respirou fundo e tirou uma carta do meio do leque. A mulher deu uma risadinha, como se sentisse uma ponta de orgulho e uma sensação de triunfo.

- Vês? Não há dúvida nenhuma. O Valete de Paus indica um homem traiçoeiro ao extremo. Vou repetir o aviso: tenha muita cautela, quando estiver com ele.

- Ou o destino é muito brincalhão ou esta mulherzinha sabe manipular este jogo muito bem. Com setenta e oito possibilidades diferentes, por que cargas d’água estas cartas, em especial, estão sempre a se repetir? Que truque existe por trás desta loucura? Bom, uma coisa é certa: eu que vim atrás disso, portanto é minha responsabilidade e, talvez, minha culpa…

O pensamento ficou preso, a vaguear de um lado ao outro de seu raciocínio, sem sair-lhe, entretanto, pelos lábios. Aquela pretensa aventura começara num momento de desespero, havia passado por uma evidente fase de revelações e, agora, acabava de deixá-lo tremenda e inesperadamente assustado. Quanto mais se aprofundava naquela consulta, mais se surpreendia com a forma como as coisas iam sucedendo e pela maneira em que o acaso parecia zombar de si. Ele, que em outros tempos passados havia sido um céptico, começava a admitir que a lei das coincidências aplicava-se cada vez mais àquela suposta brincadeira.

Se as cartas estivessem mesmo certas – e aqui ele desconectava a figura da cartomante do resultado geral da disposição do jogo, até então - havia confiado demais num homem que não merecia uma gota de sua consideração.


- Que outras provas necessitas? Eu posso dar-te quantas quiseres, porque tenho evidências…

- Já não preciso de prova nenhuma. A única coisa que eu quero daquela mulher, agora, é distância…

- Muito bem! É justo, depois de tudo que passaste. Mas não digas que eu não ofereci...

- Não direi…Se tu sabias e tinhas tantas evidências, podias ter-me alertado antes…

- E tu irias acreditar em mim? Creio que não. Nestas horas o melhor a fazer é manter o silêncio, até chegar uma oportunidade certa. Eu mal conseguia chegar perto de ti…

- Faz sentido; mas podias, pelo menos, ter comentado comigo.

Ele dissera aquilo, mas estava convencido que, no fundo, seu discurso não fazia muito sentido, pois a tendência, num relacionamento, não é acreditar nos comentários das pessoas que estão fora da vida dos dois, a não ser que já haja alguma desconfiança. Ele teve de aceitar que o outro estava certo, afinal.

O homem, então, pensou nas palavras da cartomante e ficou a avaliar as intenções por trás daquela insistência em apresentar evidências, que ele já não necessitava, daquela situação da qual queria mesmo era sentir que havia ultrapassado, embora soubesse que a dor ainda estava bem vívida em sua memória… e não somente lá...

Ele percebeu, então, que aquela era uma das únicas coisas a que o outro tinha para agarrar-se, de modo a manter sua atenção. O elo, entretanto, ficava cada vez mais fraco, pois o assunto deixava de interessar-lhe, à medida que o tempo passava. Não demorou muito para ter a revelação da intenção por trás daquela suposta amizade íntima.


- Por qual razão devo pagar-te a dívida agora? Estás precisando do dinheiro, por acaso?

- Espera. Nem continua. Eu não acredito no que acabaste de me dizer. Eu confiei em ti, fiz-te um favor, livrei tua cara e ainda tenho que ouvir isto? Nosso acordo não era ter tudo resolvido em um mês, no máximo?

- Mas não tenho o dinheiro agora. Tive que mandar fazer uma revisão no carro e usei uma boa parte do que tinha. Como tu não deves estar precisando do dinheiro, não vai fazer-te falta. Pago quando puder. Confia em mim.

- Eu confiei e olha onde isso levou-me. Tu já rolaste esta situação por muitos meses. Não te vejo preocupado em pagar a dívida. Na verdade, parece ser o contrário. Pelo jeito não prezas a nossa amizade, nem o esforço que fiz em confiar em ti sobre este assunto, apesar das condições que impus para tal.

- Eu vou pagar…. Quando puder…

O homem de olhos e cabelos claros demonstrava irritação por estar sendo cobrado pelo outro, embora soubesse estar errado. Entretanto, tentava ganhar tempo, a manipular a situação e reverter o jogo a seu favor.

- Se não precisas do dinheiro agora, por que insistes tanto? Não acreditas que eu te pague?

- Na verdade, depois de tanto tempo… mais de dois anos, quando deveria ter sido um mês… não, não acredito. Eu fico triste e chateado contigo, mas muito mais decepcionado comigo, por haver confiado e sido ingénuo, quando na verdade, já deveria esperar por isso. Tu me fazes voltar a perder toda a confiança não só em ti, mas em qualquer outra pessoa, daqui para a frente. O que vejo neste momento é que esta “amizade” – ele colocou ênfase na pronúncia da palavra - nunca valeu muita coisa mesmo, para trocares por este preço…

Ele lembrou as palavras da cartomante, há bastante tempo atrás. Ela esteve certa, mais uma vez, para seu azar, que não conseguiu antever o erro, antes de cometê-lo. Fora enganado e atraiçoado e não perdoava a si mesmo por haver sido tão tolo.


- Vamos terminar a leitura. Agora quem embaralha és tu. Sete vezes.

- Ok.

- Agora, com a mão esquerda, parta o maço em três e disponha-os à sua frente, da esquerda para a direita.

O homem obedeceu. A cartomante então retirou uma carta de cima de cada monte, virando-as em seguida e preparou-se para terminar a consulta.

- Tu não quiseste perguntar em relação às coisas do coração. Eu até entendo porque, mas não vais conseguir escapar do que está alinhado para acontecer.

- Isto é para quem acredita em destino.

- Se não acreditasses não estarias aqui… Ou estou errada?

- Desespero, talvez. Curiosidade, talvez.

- Talvez…

Ela olhou o homem e estendeu-lhe a mão. Ele estendeu a sua, para despedir-se, mas ela, ao invés, tomando-a, virou-a, surpreendendo-o completamente com o gesto brusco. Ela puxou-lhe a mão e com a outra segurou-lhe o pulso com uma firmeza que parecia quase sobrenatural. Ele não fez esforço para livrar-se.

- Olhe esta linha aqui. É a linha do coração. Vês como é bem definida? Não adianta negares; o destino não brinca…

Ele, então, puxou a mão com força e, tomando a carteira do bolso do casaco, pagou a mulher e saiu, em silêncio e a passos largos.


- Sabias que ele manipulou uma parte desta situação? Foi ele quem mandou o colega enviar as flores. Ele sabia e queria certificar-se… Claro que ela teve sua parcela de culpa. Antes houvessem sido somente umas inocentes flores…

- Por que? Com qual propósito, afinal?

- A intenção? Deixar-te fragilizado, mostrar-se amigo e poder manipular-te para emprestar dinheiro a ele… que seria o único que, diante das evidências, pareceria confiável na situação toda…

- Como eu fui tolo…Não consigo me perdoar por isso…

- A verdade sempre vem à tona, meu amigo. Não adianta, porém, culpar-te. Considera que foi mais uma lição, joga a raiva e a dor para trás e olha para frente. No fundo, nenhum dos dois merece que guardes mágoa ou rancor… Este veneno não é teu; é deles. Vai viver a tua vida.

- Eu sei que tens razão…

O homem de cabelos castanhos olhou o outro de frente. Sentia um carinho enorme pelo amigo e sabia que ele estava certo. A mágoa é um veneno que mata, aos poucos, aquele que a sente e não causa nada a quem ela está relacionada ou direccionada.


- Vês como eu estou? Nunca ninguém me excitou tanto como tu. Acredita-me, quando entrei na tua casa, já estava quente e creia-me, nunca aconteceu com ninguém antes… Tu me encantaste. Vim pensando em ti e no que poderia acontecer, o caminho todo. Quando abriste a porta, porém, tive medo...

O homem ruborizou diante da franqueza que lhe era colocada face a face, naquele momento. A cor azul daqueles olhos pareceu intensificar-se quando ele olhou bem no fundo deles e viu as pupilas dilatarem. Ele distinguiu nada mais que sinceridade emanando daquele olhar.

- É verdade.

‎- Como podes ter sentido medo? Já havíamos conversado antes. Até já havíamos nos beijado e tínhamos combinado passar este tempo aqui, sem pensar em stress. Eu não faria isso se não sentisse uma forte atração por ti…

‎- Tive medo que fosse te decepcionar. Sentia uma insegurança enorme. Quando te movias pela casa, assim que entrei, eu pensei: convida-me a tomar um vinho ou café e diz-me que vá embora, antes que seja tarde demais para voltar atrás.

Ele pousou o dedo em sua boca, de modo a impedir que sua insegurança continuasse a falar coisas incongruentes, num momento em que deveria estar a sentir outra coisa. Beijou-a suavemente… longamente… e deixou-a relaxar e intensificar o roçar de lábios e línguas, buscando compartilhar  o calor dos corpos, na penumbra do quarto, iluminado apenas por um pequeno abat-jour, na mesinha de cabeceira.

Ele, então, voltou a beijar-lhe a testa, os olhos, os lábios, o pescoço, desceu por entre os seios, beijou-lhe o ventre e também na área uns poucos centímetros abaixo.

- Hummm…. Que coisa mais louca… que coisa mais boa!...


Ele pensou na última carta de tarot que viu, uma certa vez, numa certa mesa…a Rainha de Copas, aparentemente completava seu par com um certo Rei de Copas


***




Nota: Esta seria a configuração da cruz celta original, com as cartas, conforme consta no conto.

domingo, 19 de janeiro de 2014

A Cruz Celta (Parte 3)


A mulher bateu com a ponta do dedo indicador sobre a carta que havia colocado sobre a mesa, na posição designada para os Fatores Ambientais – o caminho a envolver a situação, que descrevia, em síntese, a imagem que os outros - amigos e família - fariam do consulente. Aquela carta quase sempre implicava o tipo de reacção que a pessoa devia esperar dos outros com relação à sua situação. A lâmina exibia um homem de pé entre duas mulheres e um cupido pairando acima do grupo, ao mesmo tempo que apontava a seta para a cabeça de uma das mulheres…

- Esta carta em si representa a escolha difícil entre a razão e a emoção, a tradição e a novidade, o passado e o porvir… São dois caminhos que se abrem e tu deves optar por um deles, com bastante consciência e firmeza. Não podes hesitar muito em decidir, porque o tempo não vai esperar por ti.

O homem compreendeu a razão pela qual a mulher não havia acompanhado seu riso, quando a carta dos Amantes fora deitada sobre a mesa. Tinha pouco a ver com o nome, especialmente quando disposta naquela posição da cruz. Uma dúvida despertou em seu consciente.

- A carta anterior dizia que eu devo usufruir de uma parada…

- E é verdade. Uma coisa não invalida a outra. Tu deves usufruir desta pausa, mas a decisão sobre o caminho a tomar não precisa ser da mesma duração da parada. Na verdade, esta decisão pode levar à necessidade daquele intervalo. Sem pressa, significa sem ansiedade, mas não quer dizer que devas levar a vida inteira a tomar uma decisão sobre  o que fazer ou qual caminho tomar…

- Ok. Já percebi…

O homem registrou aquelas palavras, com carinho.


- Precisamos conversar.

- Eu sei…

Ele tinha ciência que aquela conversa estava a ser adiada por muito tempo. Ficou chateado de não haver sido ele a propor, mas ficou feliz pela iminência que agora se apresentava de fazê-lo.


A próxima carta indicava o aspecto psicológico, as esperanças e os medos, os desejos e as ansiedades do consulente e tudo isso se apresentava, magnificamente, numa única carta: a Torre. Esta indicava o fim de um ciclo – uma grande ruptura com o passado. Em algumas posições representaria uma grande e catastrófica cisão e podia ser bastante negativa mas, naquela posição, estava a indicar exactamente o oposto. 


Em que parte do caminho a confiança dele perdeu-se? Aonde apareceu a dúvida? Teria sido no dia em que ela dissera-lhe que nem sabia se o amava, apenas meses depois do casamento oficial? Ou teria sido no dia em que sua razão percebeu, antes de seus olhos, que a intimidade havia-se tornado maior para com os outros do que era dividida consigo?

Embora apegado aos seus princípios e às promessas feitas, ele chegara à conclusão que já não havia muito o que fazer. O relacionamento tornara-se estéril… completamente estéril e sem nenhum futuro. Mesmo assim, demorou-se a desapegar-se, deixando-se ser explorado de maneira ingénua e imprudente.

Menos de meia hora depois da tal conversa que tiveram, estavam os dois sentados em frente ao advogado. A decisão havia sido tomada e era definitiva.

Nunca mais voltou atrás, mas aquela resolução custou-lhe demasiadamente caro, não somente pelas dívidas que ficaram-lhe por sobre os ombros, mas também pela carga pesada que teve de assumir para poder pagá-las.   

Sua saúde fora afectada, bem como o equilíbrio que ele tanto prezava. Mas o caminho a seguir havia sido escolhido e era determinante para o seu futuro e da sua sanidade.

O tempo se encarregaria de fechar as feridas, de propor novas oportunidades, de trazer novas possibilidades de relacionamentos, mas nunca iria apagar as cicatrizes.


Finalmente, a última carta iria trazer a conclusão esperada. Aquela não ia servir para descrever uma situação permanente ou definitiva, mas a consequência natural da situação que ele atravessava no momento, abrangendo, no máximo, um período de seis meses: o Louco – representava um passo dentro do desconhecido. As incertezas, desânimos, falta de vontade de seguir em frente, apresentavam-se ali, naquele momento, mas não davam um resultado, nem propunham uma conclusão àquela situação toda. Era um final inconclusivo e um tanto decepcionante…

Ele olhou a mulher, tentando achar uma explicação mais assertiva para o que acabara de ver. Ela, então, olhou-o nos olhos e disse:

- Que o acaso nos diga algo.

Tomando o baralho em suas mãos, a mulher abriu-o em leque e pediu:

- Retire uma outra carta; somente uma, mas concentre-se bem na questão, antes de escolher.

Ele separou uma carta bem do meio do leque e entregou-a à mulher. Ela sorriu quando viu a lâmina e virando-a, dispôs a mesma, cruzada, sobre a última carta do jogo aberto sobre a mesa.

- Uma escolha muito boa. Muito boa mesmo.

O Ás de Paus indicava um novo vislumbrar da vida, um novo começo do zero e uma oportunidade de resolver os seus problemas com toda a sua criatividade. Prenunciava todo um processo de renascimento, inspiração e façanhas criativas, realizadas com grande ímpeto e energia, acompanhados por uma névoa envolvente de aventura e ação.

- Vê-se bem quais são as tuas preocupações neste momento...

Ele pensou nas coisas que havia deixado para trás, por tanto tempo. Perguntou-se por qual razão um homem deixa seus sonhos de lado, suas habilidades artísticas e seus prazeres simples, em função de uma suposta harmonia em qualquer relacionamento? E depois que separam-se, sobra o que, afinal? Uma sombra passou-lhe pelo olhar.


- Agora pode fazer as perguntas que quiser…

A mulher embaralhou o maço inteiro e abriu as cartas em leque outra vez, pedindo-lhe para retirar três, aleatoriamente. Ele concentrou-se na pergunta, que estava viva em sua mente e retirou-as, devagar, de três posições bem distintas e entregou-as, uma a uma.

A mulher dispôs as mesmas sobre a mesa e olhou-o nos olhos, seriamente...

- Qual foi a pergunta, afinal?

- Eu preciso muito saber sobre este meu amigo.

 Aquele em que ele havia pensado era-lhe deveras especial. Ele considerou, secretamente,  que muito pouca gente podia dar-se ao luxo de preocupar-se somente com os amigos. Ele, certamente, era uma destas poucas pessoas. 

Ela, então, disse:

- Posso-lhe garantir que este, especialmente, é mesmo fiel… e não só porque te respeita e te é profundamente agradecido, pelo que fizeste por ele, mas principalmente porque gosta muito de ti.

O homem olhou a carta principal do grupo de três, disposta sobre a mesa. A imagem de um jovem de cabelos e olhos escuros, bem-apessoado e com um sorriso extremamente atraente, veio-lhe à mente. A forma como o rapaz se locomovia, quando estava em ambiente em que se sentia confortável, lembrava-lhe um felino a caminhar, sempre cheio de si e emanando um magnetismo extremamente charmoso.


O homem de cabelos castanhos aguardava, com os olhos atentos ao grande display do aeroporto, as informações de chegada dos voos, principalmente os provenientes do norte da Europa. A aeronave já encontrava-se em solo, há algum tempo, mas o passageiro que ele fora buscar não havia ainda cruzado a porta de chegada.  

Longos minutos depois, aquele sorriso inconfundível cruzava a porta automática e vinha na sua direcção. Ele estendeu a mão, num gesto amigável e formal. O rapaz puxou-o contra o peito e deu-lhe um abraço fraternal, surpreendendo-o completamente. A mão estendida, evidentemente, não lhe havia sido suficiente.

- Você está como o vinho. Parece cada vez melhor, com o passar do tempo…

- Não exagera, rapaz…

As janelas do carro estavam baixadas e o vento de verão, que entrava sem pedir nem fazer cerimónias, brincava com os cabelos dos dois. Ele ouvira o elogio e tentara, timidamente, dizer-se não merecedor do mesmo. Mas intimamente sabia que deliciava-se com a observação do outro.

- E tu? Como estás?

- Estou bem…

Ele fez uma pequena pausa,  olhando o outro a conduzir o carro, a caminho do hotel.

- Vou casar…

- Oh! Sério?

- Sim. Já está na hora de aquietar-me na vida… Já tenho trinta anos.

Ele piscou o olho para o amigo, com um sorriso malicioso. O outro homem riu.

- Trinta anos… uma criança ainda…

A notícia, entretanto, havia sido um tanto inesperada e ele ainda não sabia o que pensar a respeito do que acabara de ouvir. Conhecia o outro razoavelmente bem, embora estivessem sem se ver por um bom tempo, mas fora pego de surpresa pela notícia. Um poema foi criado em sua mente naquele momento, sem nunca ser proferido em alta voz. Ele simplesmente  olhou para a frente e engoliu as palavras…

Hate me, please.
Don’t pity me
Don’t patronize me,
Don’t look at me like that.
I just can’t stand the way
Your gaze burns
My soul inside
So, please, my dearest friend,
Just hate me
And let me go away…


O homem olhou com uma expressão séria para a cartomante, cujas mãos, agora pousavam, tranquilamente cruzadas, sobre a mesa à sua frente.

- Posso fazer outra pergunta?

- Claro que sim.

Ele concentrou-se e tirou mais três cartas, que ela dispôs sobre a mesa. Uma carta conhecida apareceu-lhe pela segunda vez. Ele esperou a análise, com os olhos presos na sequência disposta à sua fente...  


sábado, 11 de janeiro de 2014

A Cruz Celta (Parte 2)


A mulher deitou uma carta abaixo daquelas que estavam ao centro. A base da cruz estava formada. Esta representava o fundamento da questão – o motivo real por trás da situação. A mulher franziu o cenho e olhou o homem sentado à sua frente, que percebeu logo a mudança em seu semblante. Ele não sabia o que a leitura revelava… mas a mulher compreendeu de imediato. Uma carta bastante cruel, o Nove de Espadas predizia desolação, fracasso, engano, malogro, desespero, medo, dúvida e vergonha. Ela pensou, por uns momentos, antes de dizer:

- Muitas espadas… Uma vida com muitas decepções. Esta aflição tem um sentimento de culpa muito pesado, não tem?

O homem, cujos olhos pareciam não conseguir esconder alguma tristeza profunda, observou as veias e o desenho das linhas de suas próprias mãos e deu um longo suspiro. A mulher perguntou-se quanta dor poderia ter originado aquele comportamento defensivo…


- Eu não preciso de um irmão. Não foi para isso que eu casei… Nós somos bons amigos, mas isto não me é suficiente.

O homem resmungou um ‘humm’ e ficou quieto, a olhar as bolhas na espuma branca a reflectir padrões coloridos de difracção da luz que infiltrava-se pela pequena janela acima de sua cabeça. Naquele momento tinha muitas dúvidas e desconfianças, que pareciam aprofundar-se cada vez mais, com o passar do tempo. Não queria fazer acusações injustas, nem deixar-se cair num jogo do qual poderia arrepender-se, se falasse o que não devia, antes do tempo.

Aquela conversa não tinha nada de descomprometida. Apesar de estarem, os dois, dentro de uma banheira num hotel em meio a uma estância de férias, a intimidade que partilhavam no começo do casamento, havia desaparecido há muito, quando ele, instintivamente – antes de confirmar, com seus próprios olhos - percebera que havia algo errado na relação.

Como dizer, sem correr o risco de errar, que haviam muitos sinais aparecendo, de que a situação entre eles já estava desgastada demais para ser remendada e permitir-lhes dar a volta por cima? Quando há uma suspeita daquelas, já não há volta atrás…

A mulher levantou-se quieta e, tomando a toalha, enrolou-a no corpo, saiu do banheiro rusticamente decorado e foi para o aposento contíguo, no confortável quarto do hotel, onde passavam um fim-de-semana prolongado, longe da agitação do dia-a-dia na cidade. Quando o homem cruzou a porta que separava os dois aposentos, ela já estava vestindo-se para o jantar. O assunto ficou em suspenso para discussão, mais tarde, talvez, mas não caiu no esquecimento.

Poucas semanas após, um outro incidente dava-lhe a certeza que precisava, para responder ao comentário feito na banheira do hotel.


À direita outra carta é colocada. A Dama de Paus. Uma mulher astuta e subtil – provavelmente a que o fizera passar por maus momentos. Naquela posição, representando o passado recente, caracterizava uma situação que, apesar de muito importante, já perdera sua validade, e, justamente por isso ele precisava abrir mão daquilo que a carta representava, antes da integração efectiva dos novos aspectos de sua vida futura.


Os dois homens estavam sós, já ao final do jantar. O terceiro deles havia pedido licença e saído para atender o telefone.

- Recebeu ou não recebeu, afinal?

Os olhos claros do rapaz inquiriam o outro, quase desesperadamente, mostrando até uma certa agressividade, como se a implorar ao outro que acreditasse em suas palavras e confirmasse a suspeita, que ele agora apresentava em evidências.

- Sim. Recebeu. Mas flores podem ser qualquer coisa; de qualquer um… uma cortesia de um cliente, por exemplo.

- E tu acreditas nisso que estás a dizer-me, por acaso?

- Não sei em que acreditar, para falar a verdade. Preciso investigar melhor.

- Agora não posso dizer mais nada, mas eu já sei disso há tempos. Melhor conversamos sobre esse assunto numa outra hora. Se eu fosse tu, entretanto, não confiaria, nem nela, nem em certas amizades...

Seu olhar desviou-se para o homem de cabelos escuros que vinha se aproximando, a sorrir, com o telefone na mão.

- Estão de cochicho, vocês dois?

Os dois homens riram, sem se olhar e cederam lugar ao café que o rapaz que atendia a mesa servia-lhes naquele momento.

Na mente do homem de cabelos castanhos, porém, ele sabia que o outro estava certo e que apenas confirmava uma das suas muitas desconfianças. E qual a intenção por trás daquela certeza? Amizade, pura e simples, ou algo mais? Ele começava a desconfiar de tudo e de todos…

À esquerda, completando o braço horizontal da cruz, a mulher deitou a carta que representava o futuro próximo: um Dois de Ouros.

A parte principal da cruz celta estava pronta e concluía-se de uma maneira não tão evidente à mulher, mas completamente inteligível e transparente ao homem que a consultava, especialmente após haver-lhe sido explicado o que a sexta carta significava.

Aquela anunciava uma mudança harmónica, porém com ganhos e perdas alternados, assim como força e fraqueza, alegria e tristeza. Podia significar ainda uma mudança de actividade, uma viagem de visita a amigos. Também podia representar alguém que fosse diligente, mas não confiável de todo.

Os olhos do homem moveram-se para a esquerda, como se ele estivesse vendo o filme de seus últimos anos a passar diante de suas pupilas, com uma precisão que ele nem sabia que podia ter.

As peças do quebra-cabeças começavam a encaixar-se, uma a uma, de maneira muito mais evidente, agora que ele via a situação de fora. Sabia que os tempos que estavam por vir não iriam ser fáceis, mas aquela carta dava-lhe um certo alento.

Ele ficou em silêncio, a recordar… e a pensar no que havia ouvido. Sentiu-se – e não pela primeira vez - culpado por haver deixado a situação estender-se tanto e por tanto tempo…

- Altos e baixos, disse ela. Eu já estou habituado a muitos altos e baixos… para falar a verdade, demasiadamente acostumado.

Ele não estava devidamente familiarizado, porém, com a cartomante ou suas cartas dispostas em forma de cruz celta. A leitura ainda não estava terminada. Enquanto a primeira parte, a cruz em si, mostrava a situação que o trouxera ali e tudo que a circundava, a segunda parte, dava indicações para uma saída… ou assim era esperado que o fizesse.

A mulher começou, então, a abrir a nova sequência de cartas, que eram dispostas ao lado direito da cruz já montada e de baixo para cima.

Bem abaixo, no início da nova fileira, veio a primeira, representando a personalidade do querente. Ele conhecia aquela carta, de outros tempos: o Eremita. Ele não tinha muitas dúvidas sobre a interpretação, mas a mulher pareceu surpreender-se. Com aquela representação ele concordava mais. Havia-se fechado em si mesmo, a procura de um caminho; de uma saída. Passou a confiar somente em si mesmo.

O desenho na lâmina mostrava um homem velho, vestido com uma túnica clara e um capuz a cobrir-lhe a cabeça, tendo na mão direita uma lanterna, a iluminar o caminho que havia diante de si e, na mão esquerda, um cajado. Ele olhava para baixo do alto de monte, onde estava de pé.

- Pelo menos há uma luz…

- Há. E há necessidade desta parada, para avaliar bem o que deve ser feito, no futuro... e sem pressas.

O homem assentiu e voltou a ficar em silêncio. Tempo… sempre o tempo…


Ela então tirou a próxima carta e colocou-a acima da anterior. Desta vez, representava o caminho que envolve a situação: os Amantes. Ele riu. Ela não. Ele viu, então, que estava enganado em tentar interpretar a lâmina superficialmente e tão somente pelo desenho mostrado.



sábado, 28 de dezembro de 2013

A Cruz Celta (Parte 1)


Ela era gordinha. Considerando-se que uma mulher acha-se gorda se tiver mais que cinquenta quilos e ela estava lá pelos oitenta e tantos, nos seus míseros um metro e sessenta de altura… ou menos: ela era gorda. O rosto redondo transmitia benevolência e simpatia; as faces rosadas, um certo ar de juventude. Não era fácil precisar a idade. A impressão que se tinha era que devia haver passado recentemente dos trinta, mas podia-se enganar facilmente.

A cartomante tinha, porém, uma característica que outras talvez não tivessem: uma capacidade de percepção além do normal. Se era mediunidade ou percepção aguçada, não importava. A lei das coincidências jogava muito a seu favor. Mesmo os mais desconfiados balançavam diante da precisão das previsões da pequena mulher e era isso que o levou até ao pequeno estúdio onde ela atendia.

Curiosidade e cepticismo andavam de mãos dadas na mente do homem de meia idade… e uma boa dose de falta de bom senso… 

- Uma cartomante! Onde é que estou com a cabeça? Só pode ser desespero, mesmo…

Os pensamentos vinham em contradição, uns com os outros, lutando entre si, mas a curiosidade estava levando uma boa vantagem. Já havia chegado até aquele lugar. Agora era só relaxar, tentar não levar nada muito a sério e ver onde a coisa toda ia dar. No mínimo, era uma diversão, para um homem que estava à beira de uma crise de nervos.

Os cabelos castanho-claros começavam a tingir-se naturalmente de grisalho, nas têmporas, na cabeleira ainda farta, mas entradas no alto da testa mostravam que a calvície viria logo em seguida. Ainda assim, possuía um certo charme, que somente a maturidade traz, aos homens que sabem o valor que a vida tem. A dele andava um tanto descorada e insípida, sem muita alegoria, além da sequência palidamente bicolor casa-trabalho e trabalho-casa…  e não muito mais.

Já não tinha vida social, desde há muito e os fins-de-semana eram passados solitariamente a percorrer os corredores do supermercado, lavar e passar as roupas da semana e cozinhar algo mais elaborado que nos dias comuns. Nem ao cinema ia mais. Limitava-se a ouvir música, ler e assistir TV ou vídeo, quando invariavelmente adormecia encolhido no sofá.

A única companhia que desfrutava era um gato rafeiro, que adoptara de uma sociedade protectora, para não ficar completamente só. Escolhera um gato, não só pela independência e pouco trabalho que dava, mas por admirar a personalidade dos felinos e a pouca disposição para parecerem estar sempre prontos, quando realmente não estavam ou não lhes apetecia… e era assim que ele também sentia-se, às vezes…                   

Ele olhou a mulher, de frente, quando sentou-se. Ela fez algumas perguntas - que ele respondeu, quase automaticamente - para situar-se, antes de começar a deitar as cartas sobre a mesa.

O velho e amarelado baralho já estava a postos, num lado da mesa, prontinho para entrar em acção, assim que ela achasse que a hora era a certa. Parecia haver sido muito manipulado por aquelas mãos pequenas e gorduchas, que agora moviam-se com uma agilidade digna de um grande e hábil jogador de cartas.

A mulher procurou e escolheu uma carta do meio do monte, antes de começar o ritual. Retirou um Rei de Copas e colocou-o no centro da mesa.

- Este é você. O jogo começa a partir desta carta: o significador. O Rei de Copas representa um homem maduro, de cabelos castanhos, pele clara, generoso e elegante.

Ela piscou o olho e sorriu. Embora não fosse realmente bonita, o sorriso caía-lhe muito bem e tornava-lhe o rosto até um tanto atraente. Ela havia feito uma espécie de elogio, quase subtil e descomprometido. Ele olhou a figura no pequeno cartão colorido e marcado com um grande K impresso em vermelho, no canto esquerdo superior e outro no canto oposto, com olhos de avaliação, como nunca havia feito, quando jogava cartas com os irmãos, em dias de chuva e noites de sábado, em tempos há muito passados.

Então era assim que ela o via…. Ele sentiu-se estranhamente lisonjeado.

Devolveu-lhe um leve sorriso e analisou o desenho: os cabelos e a barba claros, os olhos um tanto perdidos e a mirar, neutros, um nada à frente. A coroa de ouro, decorada com rubis, provavelmente, devido à cor vermelha, escondia o alto da cabeça e parte da testa. Ele sentiu vontade de rir. O rei trazia ainda uma espada numa mão e a outra a segurar a gola de arminho do casaco…

O homem avaliou bem a situação, sem envolver-se demais e concluiu que o desenho da carta já esteve sobre um fundo imaculadamente branco. Agora, as bordas acastanhadas, o fundo amarelo e a figura quase a querer desaparecer no meio de tanta história contada sobre aquele tampo de mesa, pareciam querer gritar-lhe algo, que ele ainda não conseguia perceber. Um pensamento veio como um raio à mente, sem sair-lhe um som pelos lábios.

- …E o nome do jogo? Vida?...

Reteve o pensamento, sem zombar do que não conhecia e sem deixar transparecer qualquer tipo de emoção.

- Vamos ver o que virá agora… vamos ver…

A reflexão não o distraiu, nem fê-lo mudar a feição. Era apenas uma curiosidade aguçada, que ele sentia, então.

Ele olhou as pálidas mãos a embaralharem, com desenvoltura, as cartas gastas por tanto uso, até que ela parou e pediu-lhe para partir o maço em três, com a mão esquerda, a partir do centro da mesa, indo para a direita.

Ele obedeceu.

Ela recolheu os três montes, numa sequência que ia primeiro no monte da esquerda, da direita e, por fim, no monte do meio. A partir dali, começou a deitar as cartas, uma a uma, num desenho muito bem estudado pelo tempo e por uma rotina estranhamente destra: a cruz celta…

Ela começou por colocar a primeira carta em cima da mesa, sobre a que representava o significador: um Valete de Espadas - um homem jovem, moreno, sincero no amor, na posição da situação presente.

Um jovem homem de cabelos escuros movimenta-se com desenvoltura, num ambiente onde sente-se confortavelmente à vontade. Está onde devia estar, tanto no tempo quanto no espaço. Vários pares de olhos o seguem, magnetizados pela graça felina daquele indivíduo. Ele quase ouve os pensamentos dos frequentadores do bar, instalado no último andar de um edifício moderno no centro da cidade. 

Uma grande sacada proporciona uma vista ímpar das luzes da cidade, tornando o lugar bastante frequentado, não só pela qualidade do ambiente, mas também pelo típico e tradicional cardápio de bebidas locais, da mais alta qualidade. Os vinhos mais nobres estão no topo da lista. A noite estava morna e convidativa. 

Ele dirige-se à sacada, com uma taça de vinho branco, fresco, na mão. O outro homem vira-se ao senti-lo aproximar-se. Tem os cabelos castanho-claros, levemente arruivados. Aparentemente os dois homens se conhecem de longa data.Com um aperto de mão e uma troca de sorrisos começam logo uma conversa amigável.

Por cima das duas cartas já deitadas no centro da mesa e formando uma cruz com a anterior, outra foi colocada. Representava as influências imediatas e ocultas. Desta vez era um Valete de Copas - amigo ou amante, nem sempre confiável.

Um certo par de olhos observa os dois homens a conversar descontraidamente na varanda. Eles levantam as taças que trazem nas mãos, brindam e bebem, imediatamente, dando risadas altas, logo em seguida.

- Aquela alegria vai durar muito pouco…muito pouco mesmo…

 O pensamento saiu quase espontaneamente, na mente do jovem de cabelos e olhos claros a observar os dois homens a socializarem espontânea e divertidamente. O rosto afilado e o bigode e pêra, cuidadosamente aparados, davam-lhe uma aparência atraente, mas os olhos causavam uma certa intriga a quem os olhasse. 

Que mistério ocultava-se atrás daquelas lentes naturais de um verde tão incomum e cristalino?

Acima, onde o topo da cruz devia estar, outra carta foi colocada. Representava o consulente perante o problema e as raízes do mesmo. Oito de Espadas: más notícias, desapontamento, crises, conflito, traição.


O rapaz de cabelos e olhos claros aproximou-se da mesa onde os outros dois conversavam, então, após fazerem o pedido ao garção. Os dois sorriram ao vê-lo aproximar-se e saudaram o recém-chegado com um forte aperto de mão, tapinhas nas costas e um convite para sentar-se junto a eles. Ele sentou-se, com um sorriso nos lábios, enquanto iniciavam uma conversa evidentemente amigável. 

Mal sabiam que o rapaz que convidaram a sentar com eles trazia mais que uma conversa meramente inocente e amigável… 


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Concubinata


Aquela musiquinha irritante do despertador acordou-me num sobressalto… e não somente a mim. Ele pulou da cama e apanhou o telemóvel do bolso das calças, que jaziam soltas sobre as minhas roupas, na cadeira, num canto.

- Que horas são?

- Meia-noite…

Disse aquilo com um sorriso meio sem graça, a olhar-me ainda protegida pelas cobertas quentinhas e exibindo uma cara de sono, tentando focar a imagem dele, de pé, na penumbra do quarto.

- Já?

- Já! Tenho que ir…

- Uh-hum…

Ele sabia que eu não ia protestar, nem fazer um drama desnecessário. Aceitava aquela condição sem reclamar, há bem mais que um ano e sabia o que o despertador a tocar, àquela hora, significava. Era como se o conto famoso repetisse cada vez que ele vinha. O encanto cessava à meia-noite, quanto as badaladas anunciavam a hora de partir…

A silhueta conhecida, recortada contra a luz que vinha de fora e iluminava as cortinas, por trás, como num teatro de sombras, movia-se como se estivesse num tempo e espaço presos entre o sonhar e o acordar. Vestia-se com pressa, para evitar ficar muito tempo exposto ao frio do ar, tão dissemelhante daquele em baixo do edredão de penas de ganso, em que se encontrava há segundos atrás.

Aquela era para ser uma relação simples. Mas não era. Era tudo; menos simples. Pelo menos na minha cabeça…

Eu não me permitia sentir ciúmes… ou melhor: não me permitia demonstrar ciúmes, mesmo quando o sentia. Eu tinha muitas dúvidas e incertezas, que não queria deixar transparecer, com medo que ele me julgasse impertinente, dona de um sentimento descabido, já que não tinha direito sobre a vontade ou a liberdade dele.

Levantei-me e enrolei o roupão no corpo, quase sem pensar. Fui até a cozinha e abri uma garrafa de água com gás, que eu mantinha sempre fresca, por saber que ele gostava. Bebemos em silêncio, evitando olharmo-nos diretamente nos olhos um do outro.

A despedida era sempre assim: num quase silêncio tristemente consternado. Levava-o à porta, trocávamos um beijo, como se fosse o último e um abraço que beirava o desespero e que amargava o desejo, nunca expresso, de que passássemos a noite juntos, abraçados, como se não houvesse mundo maior que o nosso pequeno quarto.

Quando ele saía e eu fechava a porta, minha vidinha solitária voltava a uma rotina anormalmente normal e completamente desprovida de cores, a não ser a mesma sequência de variantes do mesmo tom frio e impessoal de sépia, que eu não sabia se realmente odiava ou não.

Naquele dia, porém, quando retornei ao quarto, não consegui dormir imediatamente. Minha cabeça começou a trazer, à tona, todas as dúvidas e meus pensamentos vinham aos turbilhões, fazendo-me questionar o que eu estava a viver nos últimos tempos… sem exceções.

 Virava-me de um lado ao outro, sem pegar no sono, por mais que quisesse desligar o cérebro e dormir. Queria desaparecer na escuridão do quarto, sem nem ao menos sonhar. E, justamente por tentar tanto, a impressão que tinha era que parecia afastar-me cada vez mais do meu intento. Não conseguia pregar olho.

Uma mistura de sentimentos resolveu assombrar-me, vindo de baixo da cama, subindo pelas paredes e pousando sobre meu travesseiro, como se fossem impertinentes demonetes, dispostos a infernizar minha noite. Por incrível que pudesse parecer, o único diabrete que não veio sentar-se junto a mim foi o da culpa…  Todos os outros, porém, brincavam com meus cabelos, minha cabeça, minha sanidade…  


Tentei os exercícios de respiração e relaxamento que conhecia, mas não consegui muito. Eu sabia que tinha de tomar uma atitude e tocar a vida adiante, senão aquela sensação estranha a incomodar-me não esvanecia. Vinha evitando pensar seriamente sobre a situação há muito tempo. Pareceu-me que minha consciência já não podia esperar mais por uma definição de vida e dava os sinais daquela evidência.

Levantei-me.

Enrolada novamente no robe, fui até a cozinha. Preparei um chá de maçã vermelha, que sabia tinha propriedades calmantes, dirigi-me à sala, sentei-me confortavelmente no meio das almofadas do sofá e deixei-me relaxar um pouco. Estava mais que evidente que minha consciência procurava um pouco de harmonia. Eu merecia paz…tranquilidade… e uma decisão…

Eu sabia que o óbvio era a única saída, por isso, era apenas uma questão de querer assumir e ir em frente.

Vinha evitando há muito tempo, porque gostava dele, dos carinhos e da atenção que recebia, da generosidade e do respeito nos gestos e da liberdade que tínhamos na relação. Não escondíamos nossos sentimentos, nem fingíamos sentir uma paixão arrebatadora ou doentia.

Mas quando estávamos juntos, éramos amantes no mais denso sentido da palavra…e não só…

A cumplicidade, o humor nas entrelinhas, os jantares acompanhados de vinho, as brincadeiras e o conforto dos braços e do corpo dele a aquecer o meu… era impossível  desconsiderar a beleza da situação, mas também a fragilidade que ela tinha.

Pus as mãos na cabeça e fechei os olhos.

- Coragem!

Eu falava comigo mesma, na esperança de convencer-me.  Encolhi-me, abraçada aos joelhos e recostei a cabeça na grande almofada…

Já não pensava mais… Caí num sono profundo.

Acordei com a luz do sol a entrar pela cortina mal fechada, sentindo dores no corpo, devido à posição em que fiquei deitada por tanto tempo. Estava atrasada para o trabalho…

Nos dias seguintes, quanto mais pensava, mais tinha certeza do que ia fazer. Às vezes surpreendia-me a pensar em nós e enchia os olhos de lágrimas, mas estava cada vez mais decidida. Teria que encarar a decisão, olhando-o nos olhos. Ia doer, mas tinha que ser feito. Era o melhor para nós dois. No fim de semana estava totalmente decidida.

A nossa costumeira noite de encontro chegou, finalmente. Desta vez ele não vinha para jantar. Eu não ia conseguir engolir nada mesmo. O destino compactuava comigo. Teríamos pouco tempo juntos.

Tentei acalmar-me. Não podia estragar o meu plano com o nervosismo. Repassei o discurso, na minha cabeça, um milhão de vezes. Estava pronta.

Quando a campainha tocou, estava já à porta, mas tive que respirar fundo algumas vezes, antes de girar a chave. Abri…

Ele estava vestido de preto. Alinhado. Quase formal. Sorridente.

Engoli em seco. Convidei-o a entrar. Ele disse, com o sorriso ainda aceso na face, cuja barba havia sido aparada recentemente:

- Vamos sair.

- O que?

Devo ter feito uma cara tão pasma, que ele soltou uma deliciosa gargalhada.

- Vamos sair. Vista um casaco, que está frio. Não pensa muito… anda comigo…

Eu obedeci. Havia sido totalmente surpreendida. Fiquei sem saber o que dizer. Ele percebeu, mas não disse nada.  Limitou-se a conduzir-me até o carro. Abriu-me a porta como um verdadeiro cavalheiro. Nossas músicas favoritas começaram a tocar, assim que ele ligou o CD player. Eu não disse nada. Apenas sorri nervosamente.

- Fica tranquila. Vamos a um sítio giro.

- OK.

Meu coração estava aos saltos. Segurei uma mão na outra, para esconder o nervosismo. Ele pousou a mão grande sobre a minha e deu um tapinha, como se tentasse acalmar-me.

Quinze minutos depois, estacionou o carro junto ao passeio, num restaurante que eu já havia falado a respeito, à beira da praia. Ele saltou, abriu-me a porta e deu-me a mão, ajudando-me a sair.

Jantamos como um casal normal, numa noite normal, na cidade… ou na praia…

Ele estava divertido, informal, descontraído. Brincava e conversava comigo, sem mencionar nenhuma razão, sem questionar nada, sem explicar nada. Parecia uma rotina a que já estávamos habituados há muito. O vinho ajudou-me a descontrair e apreciar a comida, a companhia, a noite. Do meio do jantar para frente, esqueci completamente o discurso que havia estudado. Estava semi-bêbada. Ele controlou-se, porque ia conduzir. O café, ao final do jantar, deixou-me um pouco mais desperta.

Quando chegamos à casa, já passava da meia-noite. Eu sabia que era hora dele ir-se, mas não falei nada. Ele acompanhou-me até a porta e beijou-me, de leve, os lábios.

- Precisas ir? Já?

- Não.

Desta vez, eu estava totalmente desperta. Tinha certeza que ele dissera não!

Ele sorriu, abriu a porta e entrou depois de mim. Abraçou-me e beijou-me, como se fosse a primeira vez que nos víssemos. Minhas roupas – e as dele - foram ficando pelo caminho. Quando entramos no quarto, já estávamos completamente despidos. Eu estava totalmente ruborizada…e sabia que não era somente o efeito do vinho.

Ele amou-me como nunca antes. Eu entreguei-me como nunca antes.

Uma sensação de pânico e desespero apareceu-me de repente e fez-me agarrar àquela oportunidade, como se fosse a minha última. Deixei-me levar, como uma nau, velejando por águas densas e escuras e conduzida por um capitão, que conhecia bem os mares por onde navegava. A quilha cortava as águas e singrava pela escuridão, sangrando minha alma, numa insanidade que confundia meus sentidos, deixando-me sem saber se sentia dor ou prazer…

Perdi o controle muitas vezes seguidas, enquanto ele ia e vinha a navegar-me, cada vez mais intensamente. Agarrei-me ao corpo dele e deixei-me cair num precipício de deleite, que culminou num abraço louco, num enlace de braços, pernas e pelos.

Por fim, puxou o lençol e o edredão por cima de nossos corpos, que estavam tão juntos que pareciam um corpo único de um estranho animal, com quatro braços e quatro pernas a se enlaçarem num movimento surreal. Adormecemos colados um ao outro…

Os acontecimentos da noite haviam mudado a minha atitude e eu tive que reconsiderar uma mensagenzinha, que ficava tocando sem parar, na minha mente, durante um sonho agitado, onde eu caía num poço sem fundo, sem poder agarrar-me a nada...

Uma musiquinha irritante insistiu em perturbar-me o sono. Eu não tinha muita consciência do que podia ser, até que senti uma estranha sensação de frio. Abri os olhos, pensando estar em um estado de delírio.  

- O que…

- São duas da manhã. Tenho que ir…

- Oh! Já?

- Sim.


Ele já estava de pé a vestir-se. Eu virei-me para o lado e fechei os olhos. Amanhã pensaria no que ia fazer… 

Por ora, só queria voltar a dormir…


domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma das muitas formas de amar...



Esta foto eu havia tirado há algum tempo, em meados do Inverno passado, sem ter consciência que seria a última com ele, deste jeito. Estava perdida na câmera, sem haver sido baixada no PC, por meses...

Esta é uma simples homenagem, em complemento ao post anterior.

Saudades... Não há mais nada a dizer...