O ar da manhã estava bastante fresco, quase frio, apesar de
ainda estar na alta temporada de verão.
O homem passou as duas mãos pelos cabelos loiros bem tratados,
tentando mantê-los minimamente arrumados, apesar da dificuldade em domá-los
contra o vento que soprava do mar. Supondo que estivesse sozinho, ele tirou a
camiseta, tênis e shorts e depois deu um jeito de amarrar o cabelo em um coque,
no topo da cabeça. Atravessou as areias brancas, caminhando com confiança em
direção às águas, tão límpidas e frescas, de cor verde-esmeralda e mergulhou onde
as ondas quebravam...
Depois da corrida que havia feito ao longo da praia, como
normalmente fazia, enquanto ficava na casa de verão, por um mês inteiro, na
alta temporada, aquela sensação era refrescante e revigorante.
Alguns minutos depois, quando saiu do mar, percebeu que não
estava sozinho, afinal. O homem olhou para onde havia deixado suas roupas e
caminhou pela areia fina, naquela direção.
Não tentou esconder, nem cobrir seu corpo nu. Simplesmente
pegou sua camiseta e esfregou pelo torso e ombros, com a intenção de secar-se
um pouco e vestiu os shorts, novamente. Foi só então que falou, finalmente, enquanto
juntava os calçados, já pronto a voltar para casa.
***
“Demons
are back, demons are back once again,
Fighting
them off, I’m fighting them off once again,
It's
hard for me, but I'm trying”… (Adam Evald;
“That Day”)
(Demônios estão
de volta, os demônios estão de volta, mais uma vez,
Lutando contra
eles, estou lutando contra eles, mais uma vez,
É difícil para
mim, mas estou tentando”)… (Adam Evald;“ That Day ”)
- A história deste
videoclipe é muito triste.
- É, mas eu gosto da
música... muito...
- Uma música melancólica.
Eu me pergunto o que aconteceu com eles. Por que ela foi embora?
- Precisas,
realmente, saber? Quando o amor acaba, acaba...
- Mas duas pessoas tão
bonitas... A cultura popular nos diz que suas vidas deveriam ser perfeitas.
- Nenhuma vida é
perfeita... infelizmente.
- Mas toda
publicidade é baseada na crença de que é possível. E nós acreditamos nisso.
- Tu ainda acreditas
neste tipo de conto de fadas? Faz muito tempo que eu não acredito em qualquer
relacionamento perfeito.
- Mas funciona!
Ele pensou naquilo por um par de segundos.
- Pode funcionar...
talvez... por um tempo...
Levantou-se e saiu da sala, em direção à varanda. A noite
estava agradável e tranquila. Podia-se ouvir o oceano rugindo, à distância, como
se a convidar à uma conversa.
Ele, então, decidiu dar um passeio. Precisava pensar, respirar
um pouco de ar fresco e se deixar levar pela noite de verão e pela brisa do
mar... em seu mundo íntimo e privado.
***
- Sabes muito bem que
não funciona assim. Não é apenas a minha vontade que conta nesta situação. Eu não
posso machucar pessoas que não têm nada a ver com isto.
- Vais ter que,
eventualmente, machucar algumas, mesmo sem querer, neste processo.
- Espero que não.
- O que vais fazer,
então? O que tu queres fazer, afinal?
- Eu não sei. Eu tentei
chegar a algum lugar e tudo que eu consegui foi chegar a um beco sem saída.
- Vais ter que encontrar
um caminho. Ou então vais ficar louco.
- Não me pressiones
deste jeito.
- É meu trabalho
empurrar-te para fora desta zona de conforto. Tu te estás acostumando demais à
dor e à culpa... e à tristeza... Para além daqueles momentos de fuga, uma vez
por semana, mais ou menos, não parece sobrar muito a que se apegar.
- É fácil dizer este
tipo de coisas, quando se tem muito menos a perder.
Ele sorriu. Sabia do que o outro homem estava falando e sabia,
também, que não era tão fácil quanto ele dizia, mas era o que poderia fazer,
para ajudar.
- Nós precisamos ir. Já
tenho outro paciente à espera.
A sessão de terapia havia terminado. O homem sentiu-se quase
aliviado. Às vezes, aquelas reuniões eram bastante difíceis e muito stressantes, mesmo.
Quando saiu do consultório do analista, sentia-se cansado e
triste... Havia muitas coisas em que pensar até o próximo encontro.
***
O ciúme é uma coisa muito perigosa. Pode embaçar o
discernimento. E, às vezes, pode levar a coisas que faz-se sem pensar: atos
arriscados e com a cabeça quente.
- Zéfiro?
- Sim. É o tal. Eu o
conheço.
- Mas é um nome
horrível! Quem ainda dá nomes destes aos filhos?
Ele riu. Estavam jogando o disco no campo perto do lago grande
do parque da cidade. Alguns cisnes nadavam nas águas calmas, ali perto e eles pareciam
estar em um mundo todo próprio.
Ele viu o homem vindo na direção de onde eles estavam. Havia
um sorriso estranho no seu rosto, como se ele estivesse vindo com alguma
intenção.
Por alguma estranha e intrigante razão, assim que o homem se
aproximou, um vento inesperado começou a soprar e os cisnes ficaram inquietos e
barulhentos, abrindo suas asas e esticando seus longos pescoços à frente.
- Zéfiro, não é?
- Isso mesmo!
Os dois amigos se aproximaram do recém-chegado e o
cumprimentaram. O homem sorriu e se inclinou para frente, pegou o disco do chão
e o entregou ao homem loiro.
- Posso entrar no
jogo?
- Claro. Seja bem-vindo.
- (Aquele sorriso de
novo... O que significa, afinal?)
***
- Como assim, "voltaram"?
- Voltaram... como
aqui e agora, mais uma vez.
- Eu pensei que já
havia acabado.
- Eu também, mas
parece que não.
- Tens certeza disto?
- Tenho, sim.
- O que vais fazer,
então?
- Ainda não sei...
mas preciso fazer alguma coisa... e rápido!
- Mesmo… é melhor
pensar em algo!
- Eu sei. Este não é
o momento perfeito... e eu pensei que estava... Quero dizer, ainda há muitas
coisas para resolver e, então, agora, isso!
- Coragem! Embora
saibas que vais precisar de bem mais do que um simples esforço, agora!
- Eu sei…
Por alguma razão, sua mente voltou no tempo, quando tudo
começou...
- Oh! Deus!
***