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sábado, 15 de dezembro de 2018

Obliviar (Parte 3: Sonho)



O repetido som de algo metálico batendo nas paredes acordou-o de um sobressalto. Estava escuro, mas olhando para cima, podia-se ver uma fenda de luz, longe ao topo. O rapaz passou as mãos pelas roupas, tentando limpar-se e, talvez, perceber se ainda estava mesmo vivo e inteiro. Seus joelhos e os dedos estavam muito doridos. Ele estava vivo. Os mortos não sentem dor. Ele quase riu daquele pensamento, mas na situação em que estava, não fazia muito sentido sorrir. 

O som voltou, repetidamente, algumas vezes. Talvez fosse seu amigo a tentar resgatá-lo daquele buraco. 

- Ei. 

Ele gritou. Sua voz parecia estranha. O eco respondeu. 

- Ei. Ei. Ei… 

Ele sussurrou, para si mesmo. 

- Estou ferrado! 

- Ei. 

Ele olhou para cima. Alguma coisa estava pendurada e balançando de um lado para o outro, batendo contra a parede, alguns metros acima de sua cabeça. 

- Estou bem. Podes baixar mais um pouco? 

- A corda já está no máximo. Podes tentar subir até o gancho? 

- Posso tentar. A terra está muito seca e solta. 

- Tenta. Tenho o Jeep aqui. Posso-te puxar para cima se alcançares o gancho. 

Ele tentou olhar à volta, naquela escuridão. Ao ver o pedaço de metal, que era antes o cano, ele resolver usá-lo para cavar degraus na parede e tentar subir até onde o gancho alcançava. Ia levar algum tempo, mas era o que podia fazer. 

Depois de cerca de uma hora, ele, finalmente, alcançou o velho gancho de metal e gritou. 

- Já está! Pode puxar! 

Ele estava cansado e dolorido, mas o Jeep faria o resto. 

- Segura firme, que eu vou puxar. 

E foi o que ele fez, apesar da dor e da dificuldade em manter-se agarrado ao seu salvador. Seu corpo foi arrastado e pendurado, batendo contra a parede da ravina algumas vezes, mas ele manteve-se firme até chegar ao topo, onde o amigo puxou-o para fora, pela roupas e arrastou-o para longe da borda. 

Num ímpeto de alegria e excitação, o rapaz deixou escapar um imprecativo. 

- Putaquepariu! Pensei que havia-te perdido de vez. Tu estavas tão quieto. 

- Acho que desmaiei. 

O amigo riu e deu-lhe um abraço desajeitado. 

- Que bom que estás de volta! 

- Vamos sair daqui o quanto antes… para nunca mais voltar. 

- Vamos! Eu te ajudo a levantar. 

Eles entraram no veículo e começaram a descer a montanha, na direção do rio. O rapaz de óculos estava todo coberto de terra, poeira e havia sangue em alguns pontos. Ele tirou a camiseta e tentou bater a poeira das roupas e do corpo com ela. 

- Preciso de um duche, urgentemente. Ou mais de um. 

- Com certeza. Vamos parar no rio e tentar limpar um pouco. Depois vamos direto para casa. Chega desta loucura, de uma vez por todas. Tens que ultrapassar isso, amigo, para o teu próprio bem. 

- Eu sei. Eu gostaria somente de deitar minha cabeça no travesseiro e esquecer de tudo que ainda estas recordações tão vivas, à minha memória, mas não é tão simples… 

- Eu sei, amigo, eu sei. 

*** 

- É possível enviar uma mensagem ao futuro? Tu lembras de algo que ainda esteja lá e que pertença à esta era de agora? 

- Não tenho certeza. É muito tempo e, a menos que seja um marco importante, não poderia ter sobrevivido o passar dos tempos. 

- Pensa nisso! Se houver algo, nós temos que tentar. 

- Por que é tão importante assim? 

- Porque é. Já ouviste falar de cápsula do tempo? Tu também poder-te-ias beneficiar de uma. Pensa nisso. 

- Eu sei do que falas. Mas eu não vivi lá tempo suficiente para ver muitas coisas ou lugares. Talvez... 

- O quê? 

- Talvez algo possa haver algo… 

- Vale a pena, não vale? 

- Talvez. 

- Achas que podemos voltar no tempo? 

- Se pudermos, pode ser uma hipótese muito vaga. 

- Mas tem de haver uma saída. Sei que tem! 

- Isso é loucura. Tu tens que parar com isso. 

- Sabes que isso nunca vai acontecer. 

- Eu sei. Mas pensando bem, há uma coisa que eu trouxe comigo, do futuro. Embora seja o oposto do que devia ser, pode funcionar, se tentarmos. 

- E o que é? 

- Isso… 

- Mas isso é só… 

*** 

Ele acordou no meio da noite. Um sonho. Aquele havia sido um sonho muito estranho. 

- E se for, mesmo, verdade? Seria possível? Oh, meu Deus! Acho que estou ficando louco. Será que ele sabe mais do que diz e está com medo de contar a verdade? Por qual razão? 

O rapaz levantou-se e foi até a cozinha. Sua cabeça estava um turbilhão confuso de emoções contraditórias e diferentes, todas misturadas num novelo só. 

- Eu já devia ter esquecido tudo isso. Por que é que eu fico sempre a reviver aquela situação, o tempo todo? É uma coisa tão ultrapassada… tão morta! 

Tomou um largo gole de água fresca. 

- Mas, e se ele… 

Ele se perguntou se um sonho poderia ser assim revelador, ou se era apenas uma ilusão criada por sua mente, para compensar as perdas e o desejo de ultrapassar a nostalgia e a dor. 

Ele falou baixinho, para si mesmo. 

- Gostaria que o meu sonho fosse realidade. Far-me-ia sentir tão melhor e mais confortável… 

- O que aconteceu? 

O rapaz virou-se. Seu amigo estava de pé, na soleira da porta da cozinha. Teria ele ouvido seu pensamento dito em voz alta? 

- Tive um sonho e não consigo voltar a dormir. 

- Um sonho ruim? 

Ele inalou o ar, devagar e profundamente, num longo suspiro. O amigo percebeu, logo, o que estava acontecendo. Aquilo ainda não estava ultrapassado. Ele percebeu o olhar pesado e triste do amigo. 

Precisava fazer algo, o quanto antes… 

- Vamos! 

- Para onde? 

- Se a chave para fazer as pazes com o passado, está no futuro, somente uma pessoa nos pode ajudar! 

***

sábado, 17 de novembro de 2018

Obliviar (Parte 1: O mensageiro que veio antes)




Esta estranha bruma de lembranças
Que se desfaz lentamente,
Como se fosse poeira,
Faz meu coração bater sereno
E minha alma repousar,
Numa paz silenciosa e calma.
Deito minha cabeça numa grande almofada
De brancas plumas,
Em uma cama de pétalas rubras,
Para sonhar com anjos
A aplacar minha dor.
Suas asas me envolvem
O corpo e a alma
E me trazem o conforto,
E a protecção morna
De amantes que se abrigam
E se protegem
Num tíbio e terno abraço.

***

- Por que ainda choras por isto? Já foi há tanto tempo. Isto pertence ao passado.

- Acho que nunca ultrapassei aquilo, na verdade.

- Devias. Isso não é bom para ti.

Aquele jovem, cujos olhos nunca pareciam acompanhar o sorrir dos lábios, numa entrega por inteiro, até tentou, mas o que conseguiu foi mostrar uma careta estranha. Por qual razão ele mantinha seu coração num luto constante, depois de tanto tempo? Aquilo já não fazia sentido.

***

Os dois amigos sentaram-se nas cadeiras de balanço, que estavam instaladas na varanda, a olhar o sol a se pôr, lenta e silenciosamente, no horizonte. Cada qual estava tão absorto em seus próprios pensamentos, que a interrupção foi quase como uma interferência à aquela quietude, como se a paz tivesse sido violada, mas que, ao mesmo tempo, soava apenas como uma extensão do pensamento, que vinha a se concretizar em palavras.

- Uma vez eu tive um irmão.

- Bom, agora tens a mim. Sou quase como um irmão para ti, de todo o jeito. Alguns amigos são mais próximos que irmãos, sabias?

- Nunca pensei nisso, na realidade.

- Dizem que os amigos são os irmãos que nós escolhemos para conviver connosco.

- De onde tu tiras estas coisas, afinal?

- Eu leio muito, na verdade…

O rapaz que usava óculos tentou sorrir, mas não pareceu funcionar. Seu amigo estava preocupado com sua sanidade, já que ele parecia estar sempre tão distante, ultimamente. Eles haviam evitado falar sobre o passado, por muito tempo. Mas os fantasmas simplesmente não desaparecem da memória, por mais que se deseje isso. Eles podem se esconder por uns tempos, mas nunca morrem. Parecia que aquela era uma das ocasiões em que eles vinham das trevas, de onde se escondiam, para expor-se à luz, por alguma razão inexplicável.

- Tu não pensas no que aconteceu? Nunca sentes falta deles, às vezes?

- Deles?

- Tua família…

- Claro que sim.

- Ainda bem que sim. Ultimamente tenho pensado muito neles.

- Por qual razão?

- Sinto tanto a falta deles.

- Tu sabes que o passado está enterrado… e bem fundo… literalmente…

- Talvez não…

O rapaz olhou para o amigo. Seus olhos estavam tão perdidos na distância. A dor e a tristeza eram tão evidentes, que pareciam materializar-se ali, na frente deles.

- Temos que tocar a vida para a frente, como sempre fizemos.

- Ah. Tá. Como se fosse fácil. Eu gostaria de poder viajar no tempo e mudar o que aconteceu. As coisas podiam ser tão diferentes agora.

- É. Só que não podemos.

- Tens certeza disto?

Ele sorriu. Parecia que uma ideia completamente insana se formava em sua mente.

- No que é que estás a pensar?

- Eu tive uma ideia. Há alguém que devemos visitar no fim-de-semana, quando ninguém vai suspeitar de uma saída do quartel.

- Ah. Não!

***

- Não é possível, de jeito nenhum! Se fosse, eu já podia ter voltado lá.

- Lá? Já não existe lá. Aquilo foi explodido e completamente destruído.

- Talvez se voltasse um pouco antes da destruição…

- Aquele mundo já não está lá…

- Tu não ias entender. Nem sei se eu entendo, se pensar bem na situação.

- Tem que haver um jeito. É muito importante para mim… para nós…

- Vocês não entendem. Eu não posso ajudá-los. Eu sou apenas um clone, não um cientista. Eu sou a criatura, não o criador…

***

- Tem que haver um jeito.

- Deixa de ser bobo. Tu sabes que não há… pelo menos por agora… nesta era.

- Eu não vou desistir.

- Pois devias. Já soas como um louco.

***
Oumuamua?

"Um mensageiro de longe, que chega primeiro".

- Eu imagino a confusão que está a causar aos cientistas, para tentar explicar a aparição.

- Pois. Mas as teorias são muito vãs, por enquanto.

- Eu tenho uma e acho que é a chave para o que procuramos.

- Pare com isso! Nunca ouvi tamanha loucura. 

- Tenho certeza que nosso amigo vai concordar comigo. Vamos visitá-lo mais uma vez...

- Oh, meu Deus! Lá vamos nós de novo!

***



domingo, 15 de outubro de 2017

O Décimo-Terceiro (Epílogo)


Uma estrela e dois pequenos planetas podiam ser vistos no céu, pela janela da Sala do Conselho, no Edifício Principal. Um homem sozinho contempla, sério e pensativo, a imensa escuridão, decorada com minúsculos pontículos de luz, brilhando no lado de fora, alheios ao seu pesar.

“Este mundo já está condenado pela mesmice e pela rotina. Vive-se por tempo longo demais, mas não é necessariamente uma existência com prazer. Não há um real objectivo em viver longamente, preservar a espécie, ou até mesmo o planeta. Se houvesse um acidente que destruísse esta civilização, que diferença o universo iria sentir? Qual a diferença que o passado poderia fazer? E se o tal acidente for em algum lugar do passado, antes mesmo da grande destruição? Será que fará mesmo alguma diferença?

Aqui, neste momento, não há nada que possa nos dar qualquer razão para orgulho ou para querermos viver. A existência é vazia. É tudo muito cinza e sem beleza. Não existem sentimentos. Para que manter essa coisa a funcionar?”

***

- Chega de ser mais um experimento. Chega de servir de cobaia para a criação de uma vacina estéril. Eu já não quero ser mudado. É isso que me faz um ser único, no meio desta multidão de iguais.

- Mas a mutação está bastante acelerada. Tuas costas estão cobertas destas manchas negras e brancas, que já se espalham pelo resto do corpo e tuas defesas estão em baixa. Não vais resistir muito tempo.

- É uma opção minha.

- Tu não tens esta opção, pelas regras… Nenhum clone tem… nestas circunstâncias…

- Eu sou David, o Décimo-Terceiro… Se as coisas tivessem sido diferentes, eu seria escolhido para ser o próximo Supremo, por ser mais forte e resistente, ou para viajar pelo Universo. Agora sou apenas uma aberração. É melhor deixar que a vida siga seu curso normal. … e vou viver com isso… enquanto for possível…

- O que pode ser por muito pouco tempo, agora.

- Que seja. A vacina não funciona, de qualquer maneira.

***

- Nós vivemos num complexo de planetas, que gira em torno de uma pequena estrela, que possui luz natural limitada, mas mantém o sistema a funcionar equilibradamente. A órbita do planeta em torno de si mesmo ocorre por um período menos longo que na terra, por razões óbvias. O tempo passou, então, a ter um conceito diferente. Como o dia tem menos horas, a contagem dos anos é, portanto, diferente. O controlo da vida neste sistema de planetas pertence a um grupo de cientistas, que formam uma elite intelectual.

- Por que usam a contagem dos anos como A.D.?

- Porque os fundadores quiseram homenagear a Terra, o planeta de onde vieram, originalmente.

- E para que servem os clones, afinal?

- Este pequeno planeta fica ao centro de um grupo de outros planetóides de menor tamanho, cada qual com sua própria particularidade. O que o faz habitável é a característica única e pouco comum de possuir oxigénio, embora em quantidade muito menor que no planeta Terra. O elemento, vital para vida humana, é tratado, filtrado e usado dentro das estruturas protegidas, que chamamos de Estações. Esta característica não é a única coisa que temos em comum com o nosso distante antecessor da outra galáxia. Um manancial de líquido, com composição semelhante à da água, que corre por rios subterrâneos, é colhido, reprocessado e transformado em água potável e, então, disponibilizada aos habitantes, de forma natural. Mas estamos a enfrentar um novo problema: o manancial é limitado e está escasseando rapidamente. Equipas de pesquisa já foram enviadas em busca de alternativas, pela galáxia, mas até agora, nada real. Estas pequenas equipas, são, na sua maioria, compostas por clones seleccionados e treinados especialmente para isso. Uma unidade robótica avançada acompanha a tripulação de cada nave que parte. No momento, temos umas poucas, porque não conseguimos criar clones em quantidades suficientes.

- A clonagem é, na verdade, uma realidade e é inevitável, sendo praticamente a única forma de reprodução, neste momento. O processo é interrompido, a partir do momento em que verificamos que a resistência do corpo a qualquer tipo de problemas, físicos ou mentais, está praticamente garantida. Depois de aplicada a vacina, deixa-se que algumas características amadureçam sozinhas, formando indivíduos diferentes, dentro dos casulos, como crisálidas, nas incubadoras. Não usamos úteros humanos. Nem todos chegam ao fim do processo e sobrevivem, porque a vacina é bastante agressiva, mas é necessário que assim seja. Quando estão prontos, os mais fortes são seleccionados e reportados ao Supremo, que os inspecciona, juntamente com o Conselho, para mandá-los para o Edifício Principal. O planeta é habitado por uma raça única, que fala uma língua única. Os novos humanos são praticamente desprovidos de pelos, tendo sua caixa craniana aumentado em tamanho e seus corpos diminuído em proporção. Depois de bem treinados, farão parte das equipas seleccionadas pelo Conselho, para explorar a galáxia. Os outros, de uma linhagem mais regular, porém resistente, são enviados para a produção de Oxigénio. A densidade demográfica é mantida sob estrito controlo. Os nossos recursos são limitados, por isso temos que usá-los com eficácia.

- Isso é incrível. E tudo começou com base na minha pesquisa, num passado tão remoto…

O chefe dos cientistas riu, meio sem graça. O homem parecia não ter plena consciência da importância que sua pesquisa teve no desenvolver daquela raça, que representava, de uma forma ou de outra, o futuro da humanidade. Não se podia condená-lo, afinal, levando-se em consideração que mais de vinte e cinco séculos se haviam passado desde então.

- Sim, doutor. Tudo isso com base na sua preciosa pesquisa… num passado remoto e num planeta um bocado diferente deste.

***

- Leona! Preciso que vocês venham até o laboratório imediatamente. Aconteceu uma coisa muito estranha.

- Que coisa?

- Melhor virem ver… eu não sei o que dizer…

Ao chegarem constataram que o laboratório estava vazio, exceto por uma Monarca, pousada na parede.

- Como isso veio parar aqui?

Leona riu.

- Eu não sei, ao certo, mas tenho uma ideia de onde possa ter vindo… Um certo clone… que viajou ao passado e que se encantou com uma revoada de borboletas…

***

- O surto está incontrolável. Os clones perecem muito rapidamente e a linha já não dá conta de produzi-los, para suprir as necessidades, devido ao período de incubação. A continuação da vida está condenada.

- Tive uma ideia. Ainda temos a Monarca connosco?

- Sim. Mas para que serve uma borboleta, agora?

- Foi como o estudo começou. Talvez tenhamos uma hipótese…. Vamos ter que recomeçar o processo todo. Isolamos o ADN e produzimos uma nova vacina. A original não funciona mesmo. Temos que começar do nada. Houve alguma coisa neste meio tempo, que deixou de funcionar e não temos mais tempo para tentar reparar. Temos que fazer tudo novo.

- Deixemos de tentar recuperar o irrecuperável e fazer tudo, do começo, outra vez.

- OK. Mas pode levar muito tempo, até conseguirmos chegar ao ponto em que estávamos, antes do incidente.

- Talvez. Pelo menos saberemos o que fazer…

***

O Supremo olhava para as manchas negras e brancas a cobrir seu corpo magro e pálido. Elas pareciam cobertas de uma densa camada de pelos, muito suaves ao toque. Sentiu uma pontada de dor na cabeça. Sabia que suas defesas estavam comprometidas, por consequência da anomalia e por já não tomar as vacinas.

Ele suspirou e olhou para o céu daquele planeta desolado, tão insignificante, no meio do infindo Universo, tão pouco conhecido, apesar de todas as evoluções, após o Caos Primeiro, e decidiu que estava em tempo de tomar uma decisão radical.

“Não era isso que eu queria. Eles estão muito perto de chegar à uma solução. Se desconfiarem de alguma coisa, vão-se voltar contra mim. Mas nunca vou deixar que eles saibam o que eu fiz. Agora vou ter que dar um jeito, em definitivo, nesta situação, antes que seja tarde demais.”

Programou o computador principal, que comandava todas as unidades, para duas acções. A destruição era absolutamente necessária. Concluiu o comando e sentou-se, relaxadamente, como nunca havia feito, desde que se havia tornado o Supremo.

“Genocídio e suicídio. Fiz bem em sabotar a produção das vacinas, desde que descobri que a anomalia podia ser uma grande oportunidade, para o extermínio desta raça. Isso tudo vai parecer um acidente, mas para quem terei que explicar algo, afinal? Não sobrará nada! Que grande plano!”

Ele fechou os olhos e esperou. Em poucos segundos, o planeta implodia e, em seguida, explodia completamente, numa sequência predeterminada, tonando-se uma imensa nuvem de detritos, já desprovida de qualquer sinal de vida, viajando em alta velocidade pelo espaço, em todas as direcções.

Uma cápsula solitária vagava, à deriva, não muito distante de onde o asteróide existia, poucos momentos antes. Em seu interior, um tubo de metal trazia informações preciosas sobre uma raça de humanóides, que viveu em um pequeno e árido planeta e que deixara de existir. A cápsula é lançada, juntamente com os detritos do planeta destruído, pelo vazio silencioso e escuro do espaço, sendo puxada para dentro de uma fenda no meio do caos, em meio a um clarão e, a seguir, desaparecendo completamente.

***

Numa praia quase deserta, dois rapazes caminhavam lado a lado, cada um com uma lata de cerveja na mão e conversando tranquilamente. Um clarão riscou o céu, vindo da frente deles, chamando-lhes a atenção, especialmente porque o céu parecia limpo, estrelado e sem previsão de chuva. O som de algo grande, caindo no mar, bem atrás de onde vinham, fê-los parar e voltar.

O estranho objecto metálico boiava na água salgada, balançando ao sabor das ondas, ainda fumegando.

Era um dia quente de Verão, no Anno Domini 2018.


***

sábado, 23 de setembro de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 4)


Leona olhou para o pai e David, o décimo-terceiro clone, que corriam junto dela, pelo meio do bosque, sem pensar em outra coisa, além de salvar suas peles. Ela era mais rápida e conhecia o caminho, por isso assumiu a responsabilidade sobre a segurança deles. Por sorte, os homens armados ainda não os haviam detetado, mas poderia ser, somente, uma questão de tempo.

Ouviram mais tiros. Leona não parava de pensar no irmão. Enquanto ela os ouvisse, por mais perigoso que pudesse ser, entretanto, sabia que ele estaria, provavelmente, vivo. O silêncio é que poderia ser mau sinal. Ela tinha medo de pensar no pior. Sua preocupação era, agora, correr, sem parar.

- Temos que chegar à entrada dos túneis. Lá será mais fácil desaparecermos. Tomem cuidado, mas não parem.

Ela sabia que exigia demais daqueles dois seres, mas tinha que ser forte pelos dois, que estavam praticamente chegando aos limites de suas forças. Um pensamento passou por sua cabeça e ela tentou arrancá-lo da mente, mas não era fácil…

“O que será que este surto de adrenalina vai causar ao corpo do clone? Ele já está em estranha mutação. E se isso acelerar algum processo?”

Mais um tiro. Desta vez pareceu estar mais perto deles. Ouviu passos apressados. Estavam quase na entrada dos túneis. Leona não olhou para trás. Mantinha o pai e David, sob sua total atenção. Tinha que se concentrar em deixá-los a salvo, de qualquer maneira. O futuro e o passado corriam junto dela.

Ao passar pela entrada dos túneis, Leona não hesitou. Aquele emaranhado de entradas, nas diversas galerias, era como um labirinto, mas tanto ela quanto o irmão, conheciam muito bem aquele lugar. Eles costumavam fazer uma brincadeira com seu esconderijo favorito.

“Se não é direito ir à direita, então é direito ir à esquerda”.

Assim que se sentiu segura, deixou os dois homens, finalmente, tomarem fôlego. Os três ficaram, quietos, tentando perceber se já estavam seguros. O som de passos apressados indicou-lhes que vinha alguém na mesma direção. Só podia ser o irmão, mas ela pediu aos dois para ficarem escondidos e em silêncio, até terem certeza, enquanto ela se certificava.  

- Leona, consegui salvar o diário. Nem pergunte a que custo. É melhor que o leves contigo. Eu vou continuar a desviar a atenção dos homens, para que nunca cheguem perto do terminal, até vocês estarem seguros.

- Não. Nós temos muito pouco tempo. Vamos ter que sair daqui juntos.

- É nossa única hipótese. Confia em mim. Eu chego a tempo, podes ficar tranquila.

Confiar nele? Ela teve dúvidas… Por mais que parecesse certo do que fazia, ainda assim, era extremamente arriscado.

A mulher não percebeu que o irmão tentava esconder sua dificuldade em respirar normalmente. Ele fingiu estar, somente, cansado e preocupado em fazer com que saíssem dali a salvo.

- Vamo-nos encontrar no terminal em quinze minutos. Não esperem mais que cinco minutos por mim. Agora vão.

Leona articulou, rapidamente, um plano de emergência em sua mente, mas precisava de tempo para executá-lo, antes que o irmão voltasse a juntar-se ao grupo.

Ela chamou o pai e o Décimo-Terceiro. Os dois seguiram-na, sem dizer nada. O personagem mais jovem não conseguia esconder o quão assustado e receoso estava. O homem mais velho, acostumado com fugas repentinas e uma vida bem pouco segura, desde há muito, apenas seguiu a filha, sem reclamar e em apreensivo silêncio.

A mulher era ágil e sabia o caminho como ninguém. Os dois faziam um esforço extra para poderem acompanhá-la, mas seguiam-na cega e confiantemente, em absoluto silêncio.

Todos os outros sons, além de seus passos, haviam ficado completamente para trás, deixando-os mais tranquilos, mas não desatentos. 

- É ali. Chegamos.
***

Leona reprogramou o terminal de transporte, como havia decidido mentalmente, para a volta de quatro viajantes, ao invés dos três que aportaram naquele ponto do passado. Apesar do risco que corriam com aquela atitude e, mesmo sabendo que contrariava todos os procedimentos de segurança e as ordens do Supremo, ela não teve dúvidas quanto à certeza de que tomara a decisão mais acertada.

Ela, o pai e o Décimo-Terceiro clone aguardavam ansiosamente pelo quarto viajante, mas o tempo esgotou-se muito rapidamente e o terminal deu o sinal de transferência. Os três colocaram-se no centro da cápsula e esperaram uma pequena fração de segundo, para que a mesma começasse o processo. 

A mulher sentia-se cansada e triste, mas tinha que seguir o procedimento, em nome da segurança do pai e do clone. Quando chegassem ao futuro, ela trataria de contornar a situação, provavelmente enviando um outro sinal, para que o irmão recebesse e pudesse voltar. Ele saberia o que fazer.

O som de uma rajada de disparos não foi percebido por nenhum dos três, enquanto estavam sendo transferidos de volta para o futuro, por causa do zumbido que a máquina emitiu e da rapidez do processo. O Décimo-Terceiro sentiu um empurrão no pé, mas não percebeu o que acontecia, realmente.

Ouviram uma sirene a tocar, intermitentemente, poucos segundos depois.

A transferência havia sido concluída, efetivamente. Agora, encontravam-se dentro do terminal de transporte do edifício principal, no ano de 4697.

Leona olhou para baixo, aos pés do Décimo-Terceiro e, então, percebeu que o clone tinha as pernas e os pés manchados de sangue.

- O que é isso?

- É sangue. Estás ferido?

- Não… sei…

O clone também sangrava pelo nariz. Ele revirou os olhos e caiu aos pés da mulher, aparentemente desacordado. Ela apressou-se para acudi-lo, quando viu que, atrás dele, jazia o corpo ferido e inconsciente do irmão. Ele também tinha as mãos cobertas de sangue.

Os dois cientistas chegaram, naquele momento, juntamente com o Supremo, que aproximou-se e falou, antes que ela tivesse tempo de explicar-se.

- Eu espero que tenhas uma razão muito boa para isto. Eu te avisei que vocês não deviam intervir com qualquer coisa no passado. A tua missão era justamente impedir que tal acontecesse.

- Eu sei. Mas estávamos sendo perseguidos por homens armados e não podia deixar ninguém para trás. Era a única alternativa.

- A única? A única alternativa era ter evitado esta confusão toda…

- Eu sei, mas temos um problema mais grave, neste momento…

O Supremo olhou por cima dos ombros de Leona e percebeu, logo, ao que ela se referia. Embora fosse um homem extremamente severo, ele não deixava de ser coerente e justo.

***

- Mas nós conseguimos salvar o diário, afinal. Mesmo com tudo que aconteceu… e…

- Sim. É certo. Mas a um preço muito alto.

- Isso já não tem nenhuma relevância. O que importa é que conseguimos garantir o nosso futuro e desta gente...

- Mas mexemos com o passado. Não deveria ter acontecido. Foi um risco muito grande... e, invariavelmente, toda intervenção tem suas consequências.

- Mas tu já não ias ficar muito tempo vivo, lá, de todo jeito… O ataque pode ter sido antecipado pela nossa chegada àquela hora ao laboratório, mas para todos os efeitos, segundo consta, serias morto naquela mesma noite e foi isso que aconteceu. Ninguém, nunca, vai saber a verdade… Que diferença poderia fazer, agora?

- Nunca subestime os efeitos das coisas pequenas ou das que pareçam ter pouca importância… Como sabes que nada ficou intocado, neste futuro? Mesmo que ainda não tenhas percebido… houve uma mudança!

- Houve?

- Houve, sim…

Leona olhou o pai, com preocupação. A morte do irmão fora um sacrifício, em nome do futuro e da ciência, que não fora previsto, nem pode ser impedido ou revertido. O tempo não perdoava… Aquela nova constatação, porém, era preocupante.

O pai apontou para o laboratório. De lá, David, o Décimo-Terceiro clone, olhava para ela e para o velho cientista.

Leona franziu o cenho. Ele parecia tranquilo, mas a anomalia estava cada vez mais evidente. A mulher puxou o pai pelo braço e entraram os dois na sala imaculadamente branca.

O chefe dos cientistas parecia desesperado.