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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

De Jacinto (Parte 1)



O ar da manhã estava bastante fresco, quase frio, apesar de ainda estar na alta temporada de verão.

O homem passou as duas mãos pelos cabelos loiros bem tratados, tentando mantê-los minimamente arrumados, apesar da dificuldade em domá-los contra o vento que soprava do mar. Supondo que estivesse sozinho, ele tirou a camiseta, tênis e shorts e depois deu um jeito de amarrar o cabelo em um coque, no topo da cabeça. Atravessou as areias brancas, caminhando com confiança em direção às águas, tão límpidas e frescas, de cor verde-esmeralda e mergulhou onde as ondas quebravam...

Depois da corrida que havia feito ao longo da praia, como normalmente fazia, enquanto ficava na casa de verão, por um mês inteiro, na alta temporada, aquela sensação era refrescante e revigorante.

Alguns minutos depois, quando saiu do mar, percebeu que não estava sozinho, afinal. O homem olhou para onde havia deixado suas roupas e caminhou pela areia fina, naquela direção.

Não tentou esconder, nem cobrir seu corpo nu. Simplesmente pegou sua camiseta e esfregou pelo torso e ombros, com a intenção de secar-se um pouco e vestiu os shorts, novamente. Foi só então que falou, finalmente, enquanto juntava os calçados, já pronto a voltar para casa.

***

“Demons are back, demons are back once again,
Fighting them off, I’m fighting them off once again,
It's hard for me, but I'm trying”… (Adam Evald; “That Day”)

(Demônios estão de volta, os demônios estão de volta, mais uma vez,
Lutando contra eles, estou lutando contra eles, mais uma vez,
É difícil para mim, mas estou tentando”)… (Adam Evald;“ That Day ”)

- A história deste videoclipe é muito triste.

- É, mas eu gosto da música... muito...

- Uma música melancólica. Eu me pergunto o que aconteceu com eles. Por que ela foi embora?

- Precisas, realmente, saber? Quando o amor acaba, acaba...

- Mas duas pessoas tão bonitas... A cultura popular nos diz que suas vidas deveriam ser perfeitas.

- Nenhuma vida é perfeita... infelizmente.

- Mas toda publicidade é baseada na crença de que é possível. E nós acreditamos nisso.

- Tu ainda acreditas neste tipo de conto de fadas? Faz muito tempo que eu não acredito em qualquer relacionamento perfeito.

- Mas funciona!

Ele pensou naquilo por um par de segundos.

- Pode funcionar... talvez... por um tempo...

Levantou-se e saiu da sala, em direção à varanda. A noite estava agradável e tranquila. Podia-se ouvir o oceano rugindo, à distância, como se a convidar à uma conversa.

Ele, então, decidiu dar um passeio. Precisava pensar, respirar um pouco de ar fresco e se deixar levar pela noite de verão e pela brisa do mar... em seu mundo íntimo e privado.

***

- Sabes muito bem que não funciona assim. Não é apenas a minha vontade que conta nesta situação. Eu não posso machucar pessoas que não têm nada a ver com isto.

- Vais ter que, eventualmente, machucar algumas, mesmo sem querer, neste processo.

- Espero que não.

- O que vais fazer, então? O que tu queres fazer, afinal?

- Eu não sei. Eu tentei chegar a algum lugar e tudo que eu consegui foi chegar a um beco sem saída.

- Vais ter que encontrar um caminho. Ou então vais ficar louco.

- Não me pressiones deste jeito.

- É meu trabalho empurrar-te para fora desta zona de conforto. Tu te estás acostumando demais à dor e à culpa... e à tristeza... Para além daqueles momentos de fuga, uma vez por semana, mais ou menos, não parece sobrar muito a que se apegar.

- É fácil dizer este tipo de coisas, quando se tem muito menos a perder.

Ele sorriu. Sabia do que o outro homem estava falando e sabia, também, que não era tão fácil quanto ele dizia, mas era o que poderia fazer, para ajudar.

- Nós precisamos ir. Já tenho outro paciente à espera.

A sessão de terapia havia terminado. O homem sentiu-se quase aliviado. Às vezes, aquelas reuniões eram bastante difíceis e muito stressantes, mesmo.

Quando saiu do consultório do analista, sentia-se cansado e triste... Havia muitas coisas em que pensar até o próximo encontro.

***

O ciúme é uma coisa muito perigosa. Pode embaçar o discernimento. E, às vezes, pode levar a coisas que faz-se sem pensar: atos arriscados e com a cabeça quente.

- Zéfiro?

- Sim. É o tal. Eu o conheço.

- Mas é um nome horrível! Quem ainda dá nomes destes aos filhos?

Ele riu. Estavam jogando o disco no campo perto do lago grande do parque da cidade. Alguns cisnes nadavam nas águas calmas, ali perto e eles pareciam estar em um mundo todo próprio.

Ele viu o homem vindo na direção de onde eles estavam. Havia um sorriso estranho no seu rosto, como se ele estivesse vindo com alguma intenção.

Por alguma estranha e intrigante razão, assim que o homem se aproximou, um vento inesperado começou a soprar e os cisnes ficaram inquietos e barulhentos, abrindo suas asas e esticando seus longos pescoços à frente.

- Zéfiro, não é?

- Isso mesmo!

Os dois amigos se aproximaram do recém-chegado e o cumprimentaram. O homem sorriu e se inclinou para frente, pegou o disco do chão e o entregou ao homem loiro.

- Posso entrar no jogo?

- Claro. Seja bem-vindo.

- (Aquele sorriso de novo... O que significa, afinal?)

***

- Como assim, "voltaram"?

- Voltaram... como aqui e agora, mais uma vez.

- Eu pensei que já havia acabado.

- Eu também, mas parece que não.

- Tens certeza disto?

- Tenho, sim.

- O que vais fazer, então?

- Ainda não sei... mas preciso fazer alguma coisa... e rápido!

- Mesmo… é melhor pensar em algo!

- Eu sei. Este não é o momento perfeito... e eu pensei que estava... Quero dizer, ainda há muitas coisas para resolver e, então, agora, isso!

- Coragem! Embora saibas que vais precisar de bem mais do que um simples esforço, agora!

- Eu sei…

Por alguma razão, sua mente voltou no tempo, quando tudo começou...

- Oh! Deus!

***


sábado, 15 de dezembro de 2018

Obliviar (Parte 3: Sonho)



O repetido som de algo metálico batendo nas paredes acordou-o de um sobressalto. Estava escuro, mas olhando para cima, podia-se ver uma fenda de luz, longe ao topo. O rapaz passou as mãos pelas roupas, tentando limpar-se e, talvez, perceber se ainda estava mesmo vivo e inteiro. Seus joelhos e os dedos estavam muito doridos. Ele estava vivo. Os mortos não sentem dor. Ele quase riu daquele pensamento, mas na situação em que estava, não fazia muito sentido sorrir. 

O som voltou, repetidamente, algumas vezes. Talvez fosse seu amigo a tentar resgatá-lo daquele buraco. 

- Ei. 

Ele gritou. Sua voz parecia estranha. O eco respondeu. 

- Ei. Ei. Ei… 

Ele sussurrou, para si mesmo. 

- Estou ferrado! 

- Ei. 

Ele olhou para cima. Alguma coisa estava pendurada e balançando de um lado para o outro, batendo contra a parede, alguns metros acima de sua cabeça. 

- Estou bem. Podes baixar mais um pouco? 

- A corda já está no máximo. Podes tentar subir até o gancho? 

- Posso tentar. A terra está muito seca e solta. 

- Tenta. Tenho o Jeep aqui. Posso-te puxar para cima se alcançares o gancho. 

Ele tentou olhar à volta, naquela escuridão. Ao ver o pedaço de metal, que era antes o cano, ele resolver usá-lo para cavar degraus na parede e tentar subir até onde o gancho alcançava. Ia levar algum tempo, mas era o que podia fazer. 

Depois de cerca de uma hora, ele, finalmente, alcançou o velho gancho de metal e gritou. 

- Já está! Pode puxar! 

Ele estava cansado e dolorido, mas o Jeep faria o resto. 

- Segura firme, que eu vou puxar. 

E foi o que ele fez, apesar da dor e da dificuldade em manter-se agarrado ao seu salvador. Seu corpo foi arrastado e pendurado, batendo contra a parede da ravina algumas vezes, mas ele manteve-se firme até chegar ao topo, onde o amigo puxou-o para fora, pela roupas e arrastou-o para longe da borda. 

Num ímpeto de alegria e excitação, o rapaz deixou escapar um imprecativo. 

- Putaquepariu! Pensei que havia-te perdido de vez. Tu estavas tão quieto. 

- Acho que desmaiei. 

O amigo riu e deu-lhe um abraço desajeitado. 

- Que bom que estás de volta! 

- Vamos sair daqui o quanto antes… para nunca mais voltar. 

- Vamos! Eu te ajudo a levantar. 

Eles entraram no veículo e começaram a descer a montanha, na direção do rio. O rapaz de óculos estava todo coberto de terra, poeira e havia sangue em alguns pontos. Ele tirou a camiseta e tentou bater a poeira das roupas e do corpo com ela. 

- Preciso de um duche, urgentemente. Ou mais de um. 

- Com certeza. Vamos parar no rio e tentar limpar um pouco. Depois vamos direto para casa. Chega desta loucura, de uma vez por todas. Tens que ultrapassar isso, amigo, para o teu próprio bem. 

- Eu sei. Eu gostaria somente de deitar minha cabeça no travesseiro e esquecer de tudo que ainda estas recordações tão vivas, à minha memória, mas não é tão simples… 

- Eu sei, amigo, eu sei. 

*** 

- É possível enviar uma mensagem ao futuro? Tu lembras de algo que ainda esteja lá e que pertença à esta era de agora? 

- Não tenho certeza. É muito tempo e, a menos que seja um marco importante, não poderia ter sobrevivido o passar dos tempos. 

- Pensa nisso! Se houver algo, nós temos que tentar. 

- Por que é tão importante assim? 

- Porque é. Já ouviste falar de cápsula do tempo? Tu também poder-te-ias beneficiar de uma. Pensa nisso. 

- Eu sei do que falas. Mas eu não vivi lá tempo suficiente para ver muitas coisas ou lugares. Talvez... 

- O quê? 

- Talvez algo possa haver algo… 

- Vale a pena, não vale? 

- Talvez. 

- Achas que podemos voltar no tempo? 

- Se pudermos, pode ser uma hipótese muito vaga. 

- Mas tem de haver uma saída. Sei que tem! 

- Isso é loucura. Tu tens que parar com isso. 

- Sabes que isso nunca vai acontecer. 

- Eu sei. Mas pensando bem, há uma coisa que eu trouxe comigo, do futuro. Embora seja o oposto do que devia ser, pode funcionar, se tentarmos. 

- E o que é? 

- Isso… 

- Mas isso é só… 

*** 

Ele acordou no meio da noite. Um sonho. Aquele havia sido um sonho muito estranho. 

- E se for, mesmo, verdade? Seria possível? Oh, meu Deus! Acho que estou ficando louco. Será que ele sabe mais do que diz e está com medo de contar a verdade? Por qual razão? 

O rapaz levantou-se e foi até a cozinha. Sua cabeça estava um turbilhão confuso de emoções contraditórias e diferentes, todas misturadas num novelo só. 

- Eu já devia ter esquecido tudo isso. Por que é que eu fico sempre a reviver aquela situação, o tempo todo? É uma coisa tão ultrapassada… tão morta! 

Tomou um largo gole de água fresca. 

- Mas, e se ele… 

Ele se perguntou se um sonho poderia ser assim revelador, ou se era apenas uma ilusão criada por sua mente, para compensar as perdas e o desejo de ultrapassar a nostalgia e a dor. 

Ele falou baixinho, para si mesmo. 

- Gostaria que o meu sonho fosse realidade. Far-me-ia sentir tão melhor e mais confortável… 

- O que aconteceu? 

O rapaz virou-se. Seu amigo estava de pé, na soleira da porta da cozinha. Teria ele ouvido seu pensamento dito em voz alta? 

- Tive um sonho e não consigo voltar a dormir. 

- Um sonho ruim? 

Ele inalou o ar, devagar e profundamente, num longo suspiro. O amigo percebeu, logo, o que estava acontecendo. Aquilo ainda não estava ultrapassado. Ele percebeu o olhar pesado e triste do amigo. 

Precisava fazer algo, o quanto antes… 

- Vamos! 

- Para onde? 

- Se a chave para fazer as pazes com o passado, está no futuro, somente uma pessoa nos pode ajudar! 

***