- Vai ser necessário
recomeçar do zero. Todas as amostras estão contaminadas. Não vale a pena
continuar a trabalhar com elas.
- Mas eu não tenho o ADN
original para recomeçar. É tarde demais.
- Não é, não!
O doutor e o chefe dos cientistas olharam para o
rapaz, mas foi Leona quem percebeu, primeiro, o que ele queria dizer.
- O que estás a dizer?
Tu tens o material contigo?
- Eu havia dito que vim
para ajudar e tentar salvar o que ainda pode ser salvo, mas estamos lutando
contra o tempo.
As pupas estavam quase prontas para darem vida às
novas borboletas. Um dos casulos coloridos iria eclodir em pouco tempo e,
então, uma amostra dos fluidos que corresse no corpo frágil do insecto, teria
que ser recolhida imediatamente e usada para iniciar a produção da vacina.
O doutor e o chefe dos cientistas teriam uma luta
contra o tempo e a morte, sendo ambos fortíssimos adversários. Aquela ia ser
uma operação arriscada, para ser realizada em um curto espaço de tempo, ou seria
muito tarde para salvar aquele pobre ser, que estava a passar por uma mutação
muito estranha.
- O que nós podemos
fazer?
- É importante obter a
amostra quando o fluido começar a correr pelas asas e pelo corpo da nova
borboleta, um pouco antes de estar forte suficiente para voar sozinha. São
poucos minutos e será quando o ADN estará mais efectivo.
- Foi o que me disseram…
por isso eu trouxe as pupas em fases diferentes de maturidade.
- Quanto tempo teremos
que esperar?
- Na verdade, muito
pouco.
- Vejam! Está eclodindo.
Devagar, agora, minha querida…
- Não é melhor ajudar?
Ela está sofrendo.
- Nunca! O esforço que ela
está a fazer é a parte mais importante do nascimento. Se nós a ajudarmos, ela
nunca voará, pois precisa daquele fluido distribuído, convenientemente, pelo
corpo todo, através da energia que está a usar. Paciência é o que precisamos,
agora e, também, muito cuidado, para colectar o líquido no momento certo.
- Preciso de ajuda,
agora. Dê-me uma mão, por favor!
O chefe do laboratório tomou uma seringa, com uma
agulha finíssima e preparou-se. O doutor sorriu. O tempo parecia estar do lado
deles…
***
- Ainda bem que
conseguimos produzir uma nova vacina, que funciona de verdade. Tive medo que
nunca conseguíssemos.
Leona estava séria e preocupada. O jovem, de pé ao
seu lado, estava pensativo e sentindo-se completamente alheio a aquele drama
particular.
- Mas perdemos uma
batalha. Alguns dos clones mais afectados pela anomalia não sobreviveram, para
serem beneficiados pela vacina.
- É verdade, mas pelo
menos salvamos aquele. As hipóteses eram menores, mas não era impossível que
fosse recuperado de todo. Ainda bem que era um espécime mais forte.
- Nós podemos produzir
mais clones, agora que sabemos que funciona. Temos os meios para fazer os
melhores espécimes que já existiram.
- Desta vez vamos
escolher o melhor dos melhores e aproveitar uma amostra de seu sangue para
produzir seres muito mais perfeitos.
- E ele vai ser a nossa
cobaia… um protótipo… para uma nova geração!
Os dois cientistas estavam superexcitados. A morte
dos clones havia sido apenas um efeito secundário, em favor da ciência. Eles
não paravam de falar, ininterruptamente, como se fossem duas crianças inquietadas
com um brinquedo novo.
A mulher olhou para o jovem, parado, em silêncio,
atrás deles. Ela sabia que sua viagem, através do tempo e espaço, tinha um
propósito muito específico e o preço ainda estava por ser pago. Seus olhos
fixaram-se nos dela. Era hora de saldar a dívida.
- É melhor irmos, agora.
Venha comigo.
Ele a seguiu pelos corredores da Estação Estelar,
até onde a antigo terminal de transporte, que não era usado há muito tempo,
estava localizado.
- Terás que prometer não
interferir em nada. Tua presença não pode ser detectada, de maneira nenhuma e
por ninguém. As consequências serão desastrosas, se não seguires as instruções.
É isto ou nada.
- Ok. Não te preocupes.
- Tens certeza que é
isto mesmo que tu queres? Estarás confinado…
- Tenho sim. Foi por
esta razão que eu vim. Vamos logo com isso. Temos muito pouco tempo.
- Lembra-te: só terás
uma hora. Depois disso, serás trazido de volta ao lugar e tempo de onde vieste.
- O quê?
- Tu não poderás voltar
para cá… nunca mais!
***
- O que foi que fizeste?
- Eu o mandei de
volta... ao passado.. Não era isso que
querias?
- O que ele queria aqui?
Como é que podes confiar em alguém que nem sequer conheces?
- Ele veio para nos
trazer esperança. Trouxe o material original, para produzirmos uma nova vacina.
Sabes que as outras já não funcionavam mais e aquela era nossa última hipótese
de sucesso.
O Supremo ficou sério, como se um pensamento o
estivesse a perturbar.
- Eu sei. E funcionou,
afinal?
- Sim. Nós conseguimos
salvar o Décimo-Terceiro. Ele recupera-se muito bem e rápido. Deves tomar uma
dose também: as manchas estão cada vez mais evidentes.
- É verdade. Obrigado
pela preocupação.
- Ele perguntou sobre o
‘Oumuamua’.
- O quê?
- Tu sabes: o primeiro
Centauro detectado pelos cientistas da Terra.
- Estes estúpidos
viajantes do tempo…
- Pois. Mas ele também
disse algo extremamente absurdo.
- Foi? E o que ele
disse?
Ela deu uma risadinha meio acanhada.
- Ele disse que tu
planeavas destruir o planeta…
- Ah! E por que eu faria
uma coisa destas? É ridículo!
- Eu sei. Foi por isso
que eu o mandei de volta para o tempo e lugar de onde ele veio… mas eu
adicionei um pouco de ‘Oblivion’ na cápsula. Ele vai ficar bem!
- Muito bem! Muito bem
pensado, Leona. Foste muito esperta. Eu não faria melhor!
Ela riu.
Ele deixou um suspiro escapar, quando entrou no
laboratório e encontrou-se com os dois homens das ciências, trabalhando com
afinco, na produção da nova vacina. O Supremo os cumprimentou e estendeu o
antebraço, para que a mancha escura fosse examinada, em detalhes.
O doutor tomou uma seringa e apontou para a veia
azul, que havia-se evidenciado, ante a pressão de seu dedo. O homem sorriu
quando a agulha perfurou sua pele extremamente pálida. Tinha algumas coisas em
mente e muito pouco tempo para fazer o que queria… ou devia…
Em poucos minutos ele estava de volta aos seus
aposentos. De pé, próximo à ampla janela, ele contemplava a escuridão do céu,
lá fora. Ele resmungou algo e programou o computador para duas acções.
Precisava ir ter com o Décimo-Terceiro, para
verificar o resultado da vacina sobre ele, antes de accionar a tecla correta.
Havia mais uma coisa que ele precisava fazer, antes…
***
- Eu sabia que era
perigoso. Ele não vai voltar. Nós o matamos.
- Te acalma, homem.
Alguma coisa pode ter acontecido. Ainda não passou tanto tempo…
- Tu disseste uma hora e já se passaram duas. É
evidente que nós o matamos!
O jovem soldado sentia-se triste e em estado de
desespero e culpa, pelo destino do amigo. Era tarde demais para lamentações,
porém. Era tarde demais para qualquer coisa. Ele havia perdido o amigo… seu
melhor amigo. Só sentia vontade de chorar.
Ele olhou para o homem pálido, de pé à sua frente,
que mantinha o olhar fixo num nicho, ao lado da parede de um dos muitos tubos,
que constituíam o intrincado fluxo de túneis, do sistema de esgotos da cidade. Um
chiado estranho foi seguido por um clarão. Houve um outro flash e, então, eles viram o rapaz caído.
- É ele. Ele voltou!
O soldado sentiu um mal-estar no estômago, ao ver o
amigo, desacordado, caído ao chão.
- Ele está bem?
- Está inconsciente, mas
respira. Vamos levantá-lo.
O jovem soldado abriu os olhos, assim que foi
levantado, com a ajuda dos dois outros.
- Putz! Pensei que te
havíamos perdido! Onde estiveste, este tempo todo?
- Ahn? Acho que
desmaiei. Onde estamos?
- Perto do terminal de
transporte, nos túneis.
- O que estamos fazendo
aqui?
- Tu não lembras? Tu
acabas de viajar ao futuro e voltar…
- De jeito nenhum! Tive
um sonho muito estranho, mas não consigo lembrar bem o que foi. Estou tão cansado.
Vamos para casa?
Os dois homens trocaram olhares sérios. O jovem
soldado sacudiu a cabeça. O homem mais pálido falou exactamente o que lhe passou
pela cabeça.
- Oblivion.
- O quê?
Ele riu.
- Eu explico mais tarde.
***