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sábado, 19 de janeiro de 2019

Obliviar (Epílogo: A Vacina)



- Vai ser necessário recomeçar do zero. Todas as amostras estão contaminadas. Não vale a pena continuar a trabalhar com elas.

- Mas eu não tenho o ADN original para recomeçar. É tarde demais.

- Não é, não!

O doutor e o chefe dos cientistas olharam para o rapaz, mas foi Leona quem percebeu, primeiro, o que ele queria dizer.

- O que estás a dizer? Tu tens o material contigo?

- Eu havia dito que vim para ajudar e tentar salvar o que ainda pode ser salvo, mas estamos lutando contra o tempo.

As pupas estavam quase prontas para darem vida às novas borboletas. Um dos casulos coloridos iria eclodir em pouco tempo e, então, uma amostra dos fluidos que corresse no corpo frágil do insecto, teria que ser recolhida imediatamente e usada para iniciar a produção da vacina.

O doutor e o chefe dos cientistas teriam uma luta contra o tempo e a morte, sendo ambos fortíssimos adversários. Aquela ia ser uma operação arriscada, para ser realizada em um curto espaço de tempo, ou seria muito tarde para salvar aquele pobre ser, que estava a passar por uma mutação muito estranha.

- O que nós podemos fazer?

- É importante obter a amostra quando o fluido começar a correr pelas asas e pelo corpo da nova borboleta, um pouco antes de estar forte suficiente para voar sozinha. São poucos minutos e será quando o ADN estará mais efectivo.

- Foi o que me disseram… por isso eu trouxe as pupas em fases diferentes de maturidade.

- Quanto tempo teremos que esperar?

- Na verdade, muito pouco.

- Vejam! Está eclodindo. Devagar, agora, minha querida…

- Não é melhor ajudar? Ela está sofrendo.

- Nunca! O esforço que ela está a fazer é a parte mais importante do nascimento. Se nós a ajudarmos, ela nunca voará, pois precisa daquele fluido distribuído, convenientemente, pelo corpo todo, através da energia que está a usar. Paciência é o que precisamos, agora e, também, muito cuidado, para colectar o líquido no momento certo.

- Preciso de ajuda, agora. Dê-me uma mão, por favor!

O chefe do laboratório tomou uma seringa, com uma agulha finíssima e preparou-se. O doutor sorriu. O tempo parecia estar do lado deles…

***

- Ainda bem que conseguimos produzir uma nova vacina, que funciona de verdade. Tive medo que nunca conseguíssemos.

Leona estava séria e preocupada. O jovem, de pé ao seu lado, estava pensativo e sentindo-se completamente alheio a aquele drama particular.

- Mas perdemos uma batalha. Alguns dos clones mais afectados pela anomalia não sobreviveram, para serem beneficiados pela vacina.

- É verdade, mas pelo menos salvamos aquele. As hipóteses eram menores, mas não era impossível que fosse recuperado de todo. Ainda bem que era um espécime mais forte.

- Nós podemos produzir mais clones, agora que sabemos que funciona. Temos os meios para fazer os melhores espécimes que já existiram.

- Desta vez vamos escolher o melhor dos melhores e aproveitar uma amostra de seu sangue para produzir seres muito mais perfeitos.

- E ele vai ser a nossa cobaia… um protótipo… para uma nova geração!

Os dois cientistas estavam superexcitados. A morte dos clones havia sido apenas um efeito secundário, em favor da ciência. Eles não paravam de falar, ininterruptamente, como se fossem duas crianças inquietadas com um brinquedo novo.

A mulher olhou para o jovem, parado, em silêncio, atrás deles. Ela sabia que sua viagem, através do tempo e espaço, tinha um propósito muito específico e o preço ainda estava por ser pago. Seus olhos fixaram-se nos dela. Era hora de saldar a dívida.

- É melhor irmos, agora. Venha comigo.

Ele a seguiu pelos corredores da Estação Estelar, até onde a antigo terminal de transporte, que não era usado há muito tempo, estava localizado.

- Terás que prometer não interferir em nada. Tua presença não pode ser detectada, de maneira nenhuma e por ninguém. As consequências serão desastrosas, se não seguires as instruções. É isto ou nada.

- Ok. Não te preocupes.

- Tens certeza que é isto mesmo que tu queres? Estarás confinado…

- Tenho sim. Foi por esta razão que eu vim. Vamos logo com isso. Temos muito pouco tempo.

- Lembra-te: só terás uma hora. Depois disso, serás trazido de volta ao lugar e tempo de onde vieste.

- O quê?

- Tu não poderás voltar para cá… nunca mais!

***

- O que foi que fizeste?

- Eu o mandei de volta... ao passado..  Não era isso que querias?

- O que ele queria aqui? Como é que podes confiar em alguém que nem sequer conheces?

- Ele veio para nos trazer esperança. Trouxe o material original, para produzirmos uma nova vacina. Sabes que as outras já não funcionavam mais e aquela era nossa última hipótese de sucesso.

O Supremo ficou sério, como se um pensamento o estivesse a perturbar.

- Eu sei. E funcionou, afinal?

- Sim. Nós conseguimos salvar o Décimo-Terceiro. Ele recupera-se muito bem e rápido. Deves tomar uma dose também: as manchas estão cada vez mais evidentes.

- É verdade. Obrigado pela preocupação.

- Ele perguntou sobre o ‘Oumuamua’.

- O quê?

- Tu sabes: o primeiro Centauro detectado pelos cientistas da Terra.

- Estes estúpidos viajantes do tempo…

- Pois. Mas ele também disse algo extremamente absurdo.

- Foi? E o que ele disse?

Ela deu uma risadinha meio acanhada.

- Ele disse que tu planeavas destruir o planeta…

- Ah! E por que eu faria uma coisa destas? É ridículo!

- Eu sei. Foi por isso que eu o mandei de volta para o tempo e lugar de onde ele veio… mas eu adicionei um pouco de ‘Oblivion’ na cápsula. Ele vai ficar bem!

- Muito bem! Muito bem pensado, Leona. Foste muito esperta. Eu não faria melhor!

Ela riu.

Ele deixou um suspiro escapar, quando entrou no laboratório e encontrou-se com os dois homens das ciências, trabalhando com afinco, na produção da nova vacina. O Supremo os cumprimentou e estendeu o antebraço, para que a mancha escura fosse examinada, em detalhes.

O doutor tomou uma seringa e apontou para a veia azul, que havia-se evidenciado, ante a pressão de seu dedo. O homem sorriu quando a agulha perfurou sua pele extremamente pálida. Tinha algumas coisas em mente e muito pouco tempo para fazer o que queria… ou devia…

Em poucos minutos ele estava de volta aos seus aposentos. De pé, próximo à ampla janela, ele contemplava a escuridão do céu, lá fora. Ele resmungou algo e programou o computador para duas acções.

Precisava ir ter com o Décimo-Terceiro, para verificar o resultado da vacina sobre ele, antes de accionar a tecla correta. Havia mais uma coisa que ele precisava fazer, antes…

***

- Eu sabia que era perigoso. Ele não vai voltar. Nós o matamos.

- Te acalma, homem. Alguma coisa pode ter acontecido. Ainda não passou tanto tempo…

- Tu disseste uma hora e já se passaram duas. É evidente que nós o matamos!

O jovem soldado sentia-se triste e em estado de desespero e culpa, pelo destino do amigo. Era tarde demais para lamentações, porém. Era tarde demais para qualquer coisa. Ele havia perdido o amigo… seu melhor amigo. Só sentia vontade de chorar.

Ele olhou para o homem pálido, de pé à sua frente, que mantinha o olhar fixo num nicho, ao lado da parede de um dos muitos tubos, que constituíam o intrincado fluxo de túneis, do sistema de esgotos da cidade. Um chiado estranho foi seguido por um clarão. Houve um outro flash e, então, eles viram o rapaz caído. 

- É ele. Ele voltou!

O soldado sentiu um mal-estar no estômago, ao ver o amigo, desacordado, caído ao chão.

- Ele está bem?

- Está inconsciente, mas respira. Vamos levantá-lo.

O jovem soldado abriu os olhos, assim que foi levantado, com a ajuda dos dois outros.

- Putz! Pensei que te havíamos perdido! Onde estiveste, este tempo todo?

- Ahn? Acho que desmaiei. Onde estamos?

- Perto do terminal de transporte, nos túneis.

- O que estamos fazendo aqui?

- Tu não lembras? Tu acabas de viajar ao futuro e voltar…

- De jeito nenhum! Tive um sonho muito estranho, mas não consigo lembrar bem o que foi. Estou tão cansado. Vamos para casa?

Os dois homens trocaram olhares sérios. O jovem soldado sacudiu a cabeça. O homem mais pálido falou exactamente o que lhe passou pela cabeça.

- Oblivion.

- O quê?

Ele riu.

- Eu explico mais tarde.

***

sábado, 5 de janeiro de 2019

Obliviar (Parte 4: O Futuro)



Os olhos do homem de pele muito pálida estavam tristemente fixos nos dois jovens amigos. Ele sabia o que eles queriam e sabia o que fazer, mas não tinha certeza se devia… ou queria… já que estava tão perto de…

***

- Feche os olhos e relaxe. Vai ser uma viagem difícil. Tente ficar calmo.

Ele seguiu as instruções, como lhe fora dito. Nem tinha como não fazê-lo. A viagem começou logo. Ele sentiu um calor no rosto. Parecia que havia uma luz muito forte à sua frente. Ele tentou abrir os olhos, mas foi como se olhasse directamente para o sol. Era impossível mantê-los abertos, sem o risco de magoar-se. Ele tornou a fechá-los bem, até que sentiu o calor arrefecer um pouco. Acreditando ser mais seguro, ele, então, abriu os olhos, com muito cuidado.

Foi então que ele o avistou. Era menor que imaginara e movia-se mais rápido que ele esperava. Oumuamua, ou algo muito similar, viajava no espaço à sua frente. Ele olhou à volta. Estava sozinho, no meio da escuridão do espaço, sentindo-se como quando caiu na fenda, alguns dias antes.

- Mas que diabos! Acho que estou delirando!

Seu corpo vibrava como se todas as moléculas quisessem manter-se unidas, mas precisavam de um esforço enorme para tanto. Ele sentiu uma dor dilacerante, quase insuportável. Depois, pareceu-lhe que todo aquele desespero cessou e ele viu-se de volta na densa escuridão. Como se estivesse sendo sugado, em alta velocidade, por dentro do tubo de um enorme aspirador, seu corpo foi jogado na direcção de uma luz muito branca, mas, daquela vez, perceptivelmente fria. Ele, então, caiu dentro de uma cápsula de vidro, no meio de uma sala toda branca e sem mobília. O choque foi inesperado. Agachado, pelo impacto da queda, ele tentava perceber onde estava.

Ele ouviu o som perturbador de uma sirene, tocando insistentemente, como se estivesse em aflição. Olhou à sua volta e viu um grupo de pessoas de aparência estranha, embora um tanto familiar. Havia, também, uma mulher cujos olhos eram tão verdes, que sobressaíam no meio deles, como um farol na escuridão da noite.

Ele reconheceu um homem de pele muito pálida e sorriu. Estava no futuro.

***

- Como é que tu sabias que o terminal ainda estava ativo?

O homem pálido olhou para o jovem e conjeturou se deveria dizer a verdade ou simplesmente evitar a pergunta e mudar de assunto. Decidiu que já era hora de dizer a verdade.

- Eu o consertei sozinho. Planeava ir de volta ao futuro, mas desconfiava que o terminal não fosse resistir a mais que uma viagem, se tanto, pelo estrago que havia sofrido. Foi sorte… Para falar a verdade, ainda não sei, ao certo, se conseguimos nosso intento.

- Não? Como não?

- As avarias eram quase irreparáveis. Mas como havia uma hipótese, eu tinha que tentar, de todas as formas. Da minha parte, não ia ser grande perda, se algo desse errado com a minha viagem. Eu não tinha nada a perder.

- Então por que não foste antes, sozinho? Ninguém ia saber…

- Eu não estava totalmente preparado e, então, vocês vieram e…

- Isso não é justo e é muito perigoso, de todas as formas.

- É o que é. Aquele jovem precisava de ajuda urgente e eu possuía os meios. Eu tinha que fazer alguma coisa para ajudar. Se tivermos sorte, ele voltará, com alguma resposta.

- E uma missão…

O homem de pele pálida tentou sorrir, mas não conseguiu. Ele não se sentia nada confortável. Estava preocupado. A tristeza em seus olhos era tão palpável, que parecia sólida.

- Esperemos que sim.

- Quanto tempo temos que esperar?

- Se tudo correr como planeado, cerca de uma hora, somente… mas sabes que o tempo é somente um conceito, neste tipo de situações. Existem muitas condicionantes…

O jovem olhou para ele. Ele estava, obviamente, muito preocupado. E se alguma coisa desse errado? Aquilo era uma loucura, mas como ele poderia controlar um amigo necessitado e com tanta teimosia e resistência?

- Eu sei o que estás a pensar. Estou tão preocupado quanto tu. Se a viagem não foi bem-sucedida, nós teremos perdido muito mais que uma hora do nosso precioso tempo, simplesmente… e, agora, não podemos fazer nada, além de esperar.

- Pois! Eu nunca deveria ter concordado com esta loucura!

- Agora é muito tarde! Como sempre, vamos ter que esperar e ver o que acontece.

***

- Como é que conseguiste viajar até aqui, através do tempo e do espaço? Quem te ajudou?

O Supremo estava totalmente fora de si, apesar de ser um homem calmo e razoável, na maioria das vezes. Ele já havia passado por situações semelhantes, em que viajantes do tempo haviam entrado, inadvertidamente, naquele terminal, mas, daquela vez, sentia que algo estava muito errado.

O estrangeiro continuava a olhar para a mulher, que estava, também, curiosa sobre a intenção daquela interferência em suas rotinas, por um homem jovem, vindo de um passado distante em seu planeta de origem.

O Supremo ficou mais impaciente e disse à mulher:

- Dê um jeito nisso! E mande-o de volta para quando e onde ele veio!

A mulher estava surpresa com aquele acesso de impaciência, diante de uma situação que já havia acontecido tantas vezes antes. Ela sabia, todavia, que ele não gostava dos visitantes que vinham do passado. Seu próprio irmão havia sido um péssimo exemplo a lembrar e, com certeza, era aquela a razão pela qual o Supremo lhe havia dado aquela missão, antes que algo pior voltasse a acontecer.

Ela pousou seus olhos verdes sobre o rapaz e pediu que ele a seguisse até o laboratório na Estação Estelar, onde o doutor poderia ajudá-los com a situação.

Até aquele momento o rapaz não havia dito nada. Quando estavam os dois sozinhos, ele olhou para a mulher, que percebeu, logo, que ele ia dizer uma coisa muito importante. Seu coração acelerou. Ele percebeu que não deviam ser boas notícias.

- Eu tenho uma mensagem do passado e do futuro.

- Tu não estás fazendo muito sentido.

- Eu sei, mas vais entender quando eu explicar.

- Então fale, rapaz!

- Leona…

Seus olhos arregalaram-se. Como ele poderia saber seu nome? O coração da mulher acelerou outra vez. Ela precisava se acalmar e não estava disposta a tal, até que a situação fosse completamente exposta.

- Eu não vim por uma razão somente. Mas precisarei da tua compreensão e da tua ajuda.

- Como é que sabes meu nome?

- Eu sei mais que o teu nome. Há coisas que precisas saber, para poder agir, antes que seja tarde demais. Mas eu vim por razões pessoais também. Eu preciso da tua ajuda, para voltar ao meu passado… uns anos antes da época da qual eu vim agora.

- Como é que eu posso confiar em ti e ajudar? Estas coisas não são fáceis. Os terminais são vigiados por câmaras projetadas para escrutinar quaisquer movimentos.

- Eu sei que há um velho terminal na Estação Estelar. O Décimo-Terceiro me disse.

- Quem?

- John, o Décimo-Terceiro…

- Como assim? Onde é que ele está?

- Ele está no passado… e não pode vir ao futuro.

- E como é que tu pudeste?

- Através do terminal que ele ia usar. Não foi totalmente destruído, quando vocês foram transportados na última vez, mas agora deve estar… Tu estás em grande perigo, Leona. Tens que acreditar em mim.

- Espera. Pode parar! Do que é que falas? John, o Décimo-Terceiro, ou seja que nome vocês o chamem, está muito doente. Nós estamos a trabalhar numa vacina e os resultados não são nada promissores. Ele não pode ter sobrevivido…

- Leona, eu preciso que falar com o teu pai. As vacinas estão sendo sabotadas.

- Sabotadas? Por quem? Quem seria tão estúpido?

- Não é estupidez, Leona. Ele é um homem muito inteligente, que tem um propósito maléfico e muita sede de poder. Nós temos que fazer algo… urgente, antes que seja tarde demais. O Supremo tornou-se um homem com uma mente muito pervertida. Ele é mau. Ele vai destruir este planeta, em questão de dias.

- De jeito nenhum. Tu estás delirando. Ele nunca… Ele tem todo o poder que precisa. Além do mais, ele é o maior interessado em seguir os resultados das pesquisas e testes com a vacina.

- Acredita em mim, por favor. Nós estamos perdendo tempo. Como é que tu sabes que eu sei estas coisas todas? Eu tenho que falar com o teu pai. Por favor. Eu posso ajudar.

- Leona!

A mulher virou-se. Dois homens, bem mais velhos que eles, vinham, apressados, pelo corredor. Eles, simplesmente, ignoraram o estrangeiro, como se ali não estivesse. 

- Tens que vir e ver isso. A vacina não está a funcionar. O efeito é muito destrutivo, agora.

- Pai!

- Eu posso ajudar!

- E quem és tu?

- Um visitante do passado, que veio tentar salvar o futuro.

- Do que é que ele está a falar?

Ela tentou explicar, mas antes que começasse, um grito, vindo do laboratório, no outro lado do corredor, fê-los parar a conversa e começar a correr.

- Ele está morrendo!

***

domingo, 15 de outubro de 2017

O Décimo-Terceiro (Epílogo)


Uma estrela e dois pequenos planetas podiam ser vistos no céu, pela janela da Sala do Conselho, no Edifício Principal. Um homem sozinho contempla, sério e pensativo, a imensa escuridão, decorada com minúsculos pontículos de luz, brilhando no lado de fora, alheios ao seu pesar.

“Este mundo já está condenado pela mesmice e pela rotina. Vive-se por tempo longo demais, mas não é necessariamente uma existência com prazer. Não há um real objectivo em viver longamente, preservar a espécie, ou até mesmo o planeta. Se houvesse um acidente que destruísse esta civilização, que diferença o universo iria sentir? Qual a diferença que o passado poderia fazer? E se o tal acidente for em algum lugar do passado, antes mesmo da grande destruição? Será que fará mesmo alguma diferença?

Aqui, neste momento, não há nada que possa nos dar qualquer razão para orgulho ou para querermos viver. A existência é vazia. É tudo muito cinza e sem beleza. Não existem sentimentos. Para que manter essa coisa a funcionar?”

***

- Chega de ser mais um experimento. Chega de servir de cobaia para a criação de uma vacina estéril. Eu já não quero ser mudado. É isso que me faz um ser único, no meio desta multidão de iguais.

- Mas a mutação está bastante acelerada. Tuas costas estão cobertas destas manchas negras e brancas, que já se espalham pelo resto do corpo e tuas defesas estão em baixa. Não vais resistir muito tempo.

- É uma opção minha.

- Tu não tens esta opção, pelas regras… Nenhum clone tem… nestas circunstâncias…

- Eu sou David, o Décimo-Terceiro… Se as coisas tivessem sido diferentes, eu seria escolhido para ser o próximo Supremo, por ser mais forte e resistente, ou para viajar pelo Universo. Agora sou apenas uma aberração. É melhor deixar que a vida siga seu curso normal. … e vou viver com isso… enquanto for possível…

- O que pode ser por muito pouco tempo, agora.

- Que seja. A vacina não funciona, de qualquer maneira.

***

- Nós vivemos num complexo de planetas, que gira em torno de uma pequena estrela, que possui luz natural limitada, mas mantém o sistema a funcionar equilibradamente. A órbita do planeta em torno de si mesmo ocorre por um período menos longo que na terra, por razões óbvias. O tempo passou, então, a ter um conceito diferente. Como o dia tem menos horas, a contagem dos anos é, portanto, diferente. O controlo da vida neste sistema de planetas pertence a um grupo de cientistas, que formam uma elite intelectual.

- Por que usam a contagem dos anos como A.D.?

- Porque os fundadores quiseram homenagear a Terra, o planeta de onde vieram, originalmente.

- E para que servem os clones, afinal?

- Este pequeno planeta fica ao centro de um grupo de outros planetóides de menor tamanho, cada qual com sua própria particularidade. O que o faz habitável é a característica única e pouco comum de possuir oxigénio, embora em quantidade muito menor que no planeta Terra. O elemento, vital para vida humana, é tratado, filtrado e usado dentro das estruturas protegidas, que chamamos de Estações. Esta característica não é a única coisa que temos em comum com o nosso distante antecessor da outra galáxia. Um manancial de líquido, com composição semelhante à da água, que corre por rios subterrâneos, é colhido, reprocessado e transformado em água potável e, então, disponibilizada aos habitantes, de forma natural. Mas estamos a enfrentar um novo problema: o manancial é limitado e está escasseando rapidamente. Equipas de pesquisa já foram enviadas em busca de alternativas, pela galáxia, mas até agora, nada real. Estas pequenas equipas, são, na sua maioria, compostas por clones seleccionados e treinados especialmente para isso. Uma unidade robótica avançada acompanha a tripulação de cada nave que parte. No momento, temos umas poucas, porque não conseguimos criar clones em quantidades suficientes.

- A clonagem é, na verdade, uma realidade e é inevitável, sendo praticamente a única forma de reprodução, neste momento. O processo é interrompido, a partir do momento em que verificamos que a resistência do corpo a qualquer tipo de problemas, físicos ou mentais, está praticamente garantida. Depois de aplicada a vacina, deixa-se que algumas características amadureçam sozinhas, formando indivíduos diferentes, dentro dos casulos, como crisálidas, nas incubadoras. Não usamos úteros humanos. Nem todos chegam ao fim do processo e sobrevivem, porque a vacina é bastante agressiva, mas é necessário que assim seja. Quando estão prontos, os mais fortes são seleccionados e reportados ao Supremo, que os inspecciona, juntamente com o Conselho, para mandá-los para o Edifício Principal. O planeta é habitado por uma raça única, que fala uma língua única. Os novos humanos são praticamente desprovidos de pelos, tendo sua caixa craniana aumentado em tamanho e seus corpos diminuído em proporção. Depois de bem treinados, farão parte das equipas seleccionadas pelo Conselho, para explorar a galáxia. Os outros, de uma linhagem mais regular, porém resistente, são enviados para a produção de Oxigénio. A densidade demográfica é mantida sob estrito controlo. Os nossos recursos são limitados, por isso temos que usá-los com eficácia.

- Isso é incrível. E tudo começou com base na minha pesquisa, num passado tão remoto…

O chefe dos cientistas riu, meio sem graça. O homem parecia não ter plena consciência da importância que sua pesquisa teve no desenvolver daquela raça, que representava, de uma forma ou de outra, o futuro da humanidade. Não se podia condená-lo, afinal, levando-se em consideração que mais de vinte e cinco séculos se haviam passado desde então.

- Sim, doutor. Tudo isso com base na sua preciosa pesquisa… num passado remoto e num planeta um bocado diferente deste.

***

- Leona! Preciso que vocês venham até o laboratório imediatamente. Aconteceu uma coisa muito estranha.

- Que coisa?

- Melhor virem ver… eu não sei o que dizer…

Ao chegarem constataram que o laboratório estava vazio, exceto por uma Monarca, pousada na parede.

- Como isso veio parar aqui?

Leona riu.

- Eu não sei, ao certo, mas tenho uma ideia de onde possa ter vindo… Um certo clone… que viajou ao passado e que se encantou com uma revoada de borboletas…

***

- O surto está incontrolável. Os clones perecem muito rapidamente e a linha já não dá conta de produzi-los, para suprir as necessidades, devido ao período de incubação. A continuação da vida está condenada.

- Tive uma ideia. Ainda temos a Monarca connosco?

- Sim. Mas para que serve uma borboleta, agora?

- Foi como o estudo começou. Talvez tenhamos uma hipótese…. Vamos ter que recomeçar o processo todo. Isolamos o ADN e produzimos uma nova vacina. A original não funciona mesmo. Temos que começar do nada. Houve alguma coisa neste meio tempo, que deixou de funcionar e não temos mais tempo para tentar reparar. Temos que fazer tudo novo.

- Deixemos de tentar recuperar o irrecuperável e fazer tudo, do começo, outra vez.

- OK. Mas pode levar muito tempo, até conseguirmos chegar ao ponto em que estávamos, antes do incidente.

- Talvez. Pelo menos saberemos o que fazer…

***

O Supremo olhava para as manchas negras e brancas a cobrir seu corpo magro e pálido. Elas pareciam cobertas de uma densa camada de pelos, muito suaves ao toque. Sentiu uma pontada de dor na cabeça. Sabia que suas defesas estavam comprometidas, por consequência da anomalia e por já não tomar as vacinas.

Ele suspirou e olhou para o céu daquele planeta desolado, tão insignificante, no meio do infindo Universo, tão pouco conhecido, apesar de todas as evoluções, após o Caos Primeiro, e decidiu que estava em tempo de tomar uma decisão radical.

“Não era isso que eu queria. Eles estão muito perto de chegar à uma solução. Se desconfiarem de alguma coisa, vão-se voltar contra mim. Mas nunca vou deixar que eles saibam o que eu fiz. Agora vou ter que dar um jeito, em definitivo, nesta situação, antes que seja tarde demais.”

Programou o computador principal, que comandava todas as unidades, para duas acções. A destruição era absolutamente necessária. Concluiu o comando e sentou-se, relaxadamente, como nunca havia feito, desde que se havia tornado o Supremo.

“Genocídio e suicídio. Fiz bem em sabotar a produção das vacinas, desde que descobri que a anomalia podia ser uma grande oportunidade, para o extermínio desta raça. Isso tudo vai parecer um acidente, mas para quem terei que explicar algo, afinal? Não sobrará nada! Que grande plano!”

Ele fechou os olhos e esperou. Em poucos segundos, o planeta implodia e, em seguida, explodia completamente, numa sequência predeterminada, tonando-se uma imensa nuvem de detritos, já desprovida de qualquer sinal de vida, viajando em alta velocidade pelo espaço, em todas as direcções.

Uma cápsula solitária vagava, à deriva, não muito distante de onde o asteróide existia, poucos momentos antes. Em seu interior, um tubo de metal trazia informações preciosas sobre uma raça de humanóides, que viveu em um pequeno e árido planeta e que deixara de existir. A cápsula é lançada, juntamente com os detritos do planeta destruído, pelo vazio silencioso e escuro do espaço, sendo puxada para dentro de uma fenda no meio do caos, em meio a um clarão e, a seguir, desaparecendo completamente.

***

Numa praia quase deserta, dois rapazes caminhavam lado a lado, cada um com uma lata de cerveja na mão e conversando tranquilamente. Um clarão riscou o céu, vindo da frente deles, chamando-lhes a atenção, especialmente porque o céu parecia limpo, estrelado e sem previsão de chuva. O som de algo grande, caindo no mar, bem atrás de onde vinham, fê-los parar e voltar.

O estranho objecto metálico boiava na água salgada, balançando ao sabor das ondas, ainda fumegando.

Era um dia quente de Verão, no Anno Domini 2018.


***