O repetido som de algo metálico batendo nas paredes acordou-o de um sobressalto. Estava escuro, mas olhando para cima, podia-se ver uma fenda de luz, longe ao topo. O rapaz passou as mãos pelas roupas, tentando limpar-se e, talvez, perceber se ainda estava mesmo vivo e inteiro. Seus joelhos e os dedos estavam muito doridos. Ele estava vivo. Os mortos não sentem dor. Ele quase riu daquele pensamento, mas na situação em que estava, não fazia muito sentido sorrir.
O som voltou, repetidamente, algumas vezes. Talvez fosse seu amigo a tentar resgatá-lo daquele buraco.
- Ei.
Ele gritou. Sua voz parecia estranha. O eco respondeu.
- Ei. Ei. Ei…
Ele sussurrou, para si mesmo.
- Estou ferrado!
- Ei.
Ele olhou para cima. Alguma coisa estava pendurada e balançando de um lado para o outro, batendo contra a parede, alguns metros acima de sua cabeça.
- Estou bem. Podes baixar mais um pouco?
- A corda já está no máximo. Podes tentar subir até o gancho?
- Posso tentar. A terra está muito seca e solta.
- Tenta. Tenho o Jeep aqui. Posso-te puxar para cima se alcançares o gancho.
Ele tentou olhar à volta, naquela escuridão. Ao ver o pedaço de metal, que era antes o cano, ele resolver usá-lo para cavar degraus na parede e tentar subir até onde o gancho alcançava. Ia levar algum tempo, mas era o que podia fazer.
Depois de cerca de uma hora, ele, finalmente, alcançou o velho gancho de metal e gritou.
- Já está! Pode puxar!
Ele estava cansado e dolorido, mas o Jeep faria o resto.
- Segura firme, que eu vou puxar.
E foi o que ele fez, apesar da dor e da dificuldade em manter-se agarrado ao seu salvador. Seu corpo foi arrastado e pendurado, batendo contra a parede da ravina algumas vezes, mas ele manteve-se firme até chegar ao topo, onde o amigo puxou-o para fora, pela roupas e arrastou-o para longe da borda.
Num ímpeto de alegria e excitação, o rapaz deixou escapar um imprecativo.
- Putaquepariu! Pensei que havia-te perdido de vez. Tu estavas tão quieto.
- Acho que desmaiei.
O amigo riu e deu-lhe um abraço desajeitado.
- Que bom que estás de volta!
- Vamos sair daqui o quanto antes… para nunca mais voltar.
- Vamos! Eu te ajudo a levantar.
Eles entraram no veículo e começaram a descer a montanha, na direção do rio. O rapaz de óculos estava todo coberto de terra, poeira e havia sangue em alguns pontos. Ele tirou a camiseta e tentou bater a poeira das roupas e do corpo com ela.
- Preciso de um duche, urgentemente. Ou mais de um.
- Com certeza. Vamos parar no rio e tentar limpar um pouco. Depois vamos direto para casa. Chega desta loucura, de uma vez por todas. Tens que ultrapassar isso, amigo, para o teu próprio bem.
- Eu sei. Eu gostaria somente de deitar minha cabeça no travesseiro e esquecer de tudo que ainda estas recordações tão vivas, à minha memória, mas não é tão simples…
- Eu sei, amigo, eu sei.
***
- É possível enviar uma mensagem ao futuro? Tu lembras de algo que ainda esteja lá e que pertença à esta era de agora?
- Não tenho certeza. É muito tempo e, a menos que seja um marco importante, não poderia ter sobrevivido o passar dos tempos.
- Pensa nisso! Se houver algo, nós temos que tentar.
- Por que é tão importante assim?
- Porque é. Já ouviste falar de cápsula do tempo? Tu também poder-te-ias beneficiar de uma. Pensa nisso.
- Eu sei do que falas. Mas eu não vivi lá tempo suficiente para ver muitas coisas ou lugares. Talvez...
- O quê?
- Talvez algo possa haver algo…
- Vale a pena, não vale?
- Talvez.
- Achas que podemos voltar no tempo?
- Se pudermos, pode ser uma hipótese muito vaga.
- Mas tem de haver uma saída. Sei que tem!
- Isso é loucura. Tu tens que parar com isso.
- Sabes que isso nunca vai acontecer.
- Eu sei. Mas pensando bem, há uma coisa que eu trouxe comigo, do futuro. Embora seja o oposto do que devia ser, pode funcionar, se tentarmos.
- E o que é?
- Isso…
- Mas isso é só…
***
Ele acordou no meio da noite. Um sonho. Aquele havia sido um sonho muito estranho.
- E se for, mesmo, verdade? Seria possível? Oh, meu Deus! Acho que estou ficando louco. Será que ele sabe mais do que diz e está com medo de contar a verdade? Por qual razão?
O rapaz levantou-se e foi até a cozinha. Sua cabeça estava um turbilhão confuso de emoções contraditórias e diferentes, todas misturadas num novelo só.
- Eu já devia ter esquecido tudo isso. Por que é que eu fico sempre a reviver aquela situação, o tempo todo? É uma coisa tão ultrapassada… tão morta!
Tomou um largo gole de água fresca.
- Mas, e se ele…
Ele se perguntou se um sonho poderia ser assim revelador, ou se era apenas uma ilusão criada por sua mente, para compensar as perdas e o desejo de ultrapassar a nostalgia e a dor.
Ele falou baixinho, para si mesmo.
- Gostaria que o meu sonho fosse realidade. Far-me-ia sentir tão melhor e mais confortável…
- O que aconteceu?
O rapaz virou-se. Seu amigo estava de pé, na soleira da porta da cozinha. Teria ele ouvido seu pensamento dito em voz alta?
- Tive um sonho e não consigo voltar a dormir.
- Um sonho ruim?
Ele inalou o ar, devagar e profundamente, num longo suspiro. O amigo percebeu, logo, o que estava acontecendo. Aquilo ainda não estava ultrapassado. Ele percebeu o olhar pesado e triste do amigo.
Precisava fazer algo, o quanto antes…
- Vamos!
- Para onde?
- Se a chave para fazer as pazes com o passado, está no futuro, somente uma pessoa nos pode ajudar!
***