sábado, 17 de novembro de 2018

Obliviar (Parte 1: O mensageiro que veio antes)




Esta estranha bruma de lembranças
Que se desfaz lentamente,
Como se fosse poeira,
Faz meu coração bater sereno
E minha alma repousar,
Numa paz silenciosa e calma.
Deito minha cabeça numa grande almofada
De brancas plumas,
Em uma cama de pétalas rubras,
Para sonhar com anjos
A aplacar minha dor.
Suas asas me envolvem
O corpo e a alma
E me trazem o conforto,
E a protecção morna
De amantes que se abrigam
E se protegem
Num tíbio e terno abraço.

***

- Por que ainda choras por isto? Já foi há tanto tempo. Isto pertence ao passado.

- Acho que nunca ultrapassei aquilo, na verdade.

- Devias. Isso não é bom para ti.

Aquele jovem, cujos olhos nunca pareciam acompanhar o sorrir dos lábios, numa entrega por inteiro, até tentou, mas o que conseguiu foi mostrar uma careta estranha. Por qual razão ele mantinha seu coração num luto constante, depois de tanto tempo? Aquilo já não fazia sentido.

***

Os dois amigos sentaram-se nas cadeiras de balanço, que estavam instaladas na varanda, a olhar o sol a se pôr, lenta e silenciosamente, no horizonte. Cada qual estava tão absorto em seus próprios pensamentos, que a interrupção foi quase como uma interferência à aquela quietude, como se a paz tivesse sido violada, mas que, ao mesmo tempo, soava apenas como uma extensão do pensamento, que vinha a se concretizar em palavras.

- Uma vez eu tive um irmão.

- Bom, agora tens a mim. Sou quase como um irmão para ti, de todo o jeito. Alguns amigos são mais próximos que irmãos, sabias?

- Nunca pensei nisso, na realidade.

- Dizem que os amigos são os irmãos que nós escolhemos para conviver connosco.

- De onde tu tiras estas coisas, afinal?

- Eu leio muito, na verdade…

O rapaz que usava óculos tentou sorrir, mas não pareceu funcionar. Seu amigo estava preocupado com sua sanidade, já que ele parecia estar sempre tão distante, ultimamente. Eles haviam evitado falar sobre o passado, por muito tempo. Mas os fantasmas simplesmente não desaparecem da memória, por mais que se deseje isso. Eles podem se esconder por uns tempos, mas nunca morrem. Parecia que aquela era uma das ocasiões em que eles vinham das trevas, de onde se escondiam, para expor-se à luz, por alguma razão inexplicável.

- Tu não pensas no que aconteceu? Nunca sentes falta deles, às vezes?

- Deles?

- Tua família…

- Claro que sim.

- Ainda bem que sim. Ultimamente tenho pensado muito neles.

- Por qual razão?

- Sinto tanto a falta deles.

- Tu sabes que o passado está enterrado… e bem fundo… literalmente…

- Talvez não…

O rapaz olhou para o amigo. Seus olhos estavam tão perdidos na distância. A dor e a tristeza eram tão evidentes, que pareciam materializar-se ali, na frente deles.

- Temos que tocar a vida para a frente, como sempre fizemos.

- Ah. Tá. Como se fosse fácil. Eu gostaria de poder viajar no tempo e mudar o que aconteceu. As coisas podiam ser tão diferentes agora.

- É. Só que não podemos.

- Tens certeza disto?

Ele sorriu. Parecia que uma ideia completamente insana se formava em sua mente.

- No que é que estás a pensar?

- Eu tive uma ideia. Há alguém que devemos visitar no fim-de-semana, quando ninguém vai suspeitar de uma saída do quartel.

- Ah. Não!

***

- Não é possível, de jeito nenhum! Se fosse, eu já podia ter voltado lá.

- Lá? Já não existe lá. Aquilo foi explodido e completamente destruído.

- Talvez se voltasse um pouco antes da destruição…

- Aquele mundo já não está lá…

- Tu não ias entender. Nem sei se eu entendo, se pensar bem na situação.

- Tem que haver um jeito. É muito importante para mim… para nós…

- Vocês não entendem. Eu não posso ajudá-los. Eu sou apenas um clone, não um cientista. Eu sou a criatura, não o criador…

***

- Tem que haver um jeito.

- Deixa de ser bobo. Tu sabes que não há… pelo menos por agora… nesta era.

- Eu não vou desistir.

- Pois devias. Já soas como um louco.

***
Oumuamua?

"Um mensageiro de longe, que chega primeiro".

- Eu imagino a confusão que está a causar aos cientistas, para tentar explicar a aparição.

- Pois. Mas as teorias são muito vãs, por enquanto.

- Eu tenho uma e acho que é a chave para o que procuramos.

- Pare com isso! Nunca ouvi tamanha loucura. 

- Tenho certeza que nosso amigo vai concordar comigo. Vamos visitá-lo mais uma vez...

- Oh, meu Deus! Lá vamos nós de novo!

***



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