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sábado, 5 de janeiro de 2019

Obliviar (Parte 4: O Futuro)



Os olhos do homem de pele muito pálida estavam tristemente fixos nos dois jovens amigos. Ele sabia o que eles queriam e sabia o que fazer, mas não tinha certeza se devia… ou queria… já que estava tão perto de…

***

- Feche os olhos e relaxe. Vai ser uma viagem difícil. Tente ficar calmo.

Ele seguiu as instruções, como lhe fora dito. Nem tinha como não fazê-lo. A viagem começou logo. Ele sentiu um calor no rosto. Parecia que havia uma luz muito forte à sua frente. Ele tentou abrir os olhos, mas foi como se olhasse directamente para o sol. Era impossível mantê-los abertos, sem o risco de magoar-se. Ele tornou a fechá-los bem, até que sentiu o calor arrefecer um pouco. Acreditando ser mais seguro, ele, então, abriu os olhos, com muito cuidado.

Foi então que ele o avistou. Era menor que imaginara e movia-se mais rápido que ele esperava. Oumuamua, ou algo muito similar, viajava no espaço à sua frente. Ele olhou à volta. Estava sozinho, no meio da escuridão do espaço, sentindo-se como quando caiu na fenda, alguns dias antes.

- Mas que diabos! Acho que estou delirando!

Seu corpo vibrava como se todas as moléculas quisessem manter-se unidas, mas precisavam de um esforço enorme para tanto. Ele sentiu uma dor dilacerante, quase insuportável. Depois, pareceu-lhe que todo aquele desespero cessou e ele viu-se de volta na densa escuridão. Como se estivesse sendo sugado, em alta velocidade, por dentro do tubo de um enorme aspirador, seu corpo foi jogado na direcção de uma luz muito branca, mas, daquela vez, perceptivelmente fria. Ele, então, caiu dentro de uma cápsula de vidro, no meio de uma sala toda branca e sem mobília. O choque foi inesperado. Agachado, pelo impacto da queda, ele tentava perceber onde estava.

Ele ouviu o som perturbador de uma sirene, tocando insistentemente, como se estivesse em aflição. Olhou à sua volta e viu um grupo de pessoas de aparência estranha, embora um tanto familiar. Havia, também, uma mulher cujos olhos eram tão verdes, que sobressaíam no meio deles, como um farol na escuridão da noite.

Ele reconheceu um homem de pele muito pálida e sorriu. Estava no futuro.

***

- Como é que tu sabias que o terminal ainda estava ativo?

O homem pálido olhou para o jovem e conjeturou se deveria dizer a verdade ou simplesmente evitar a pergunta e mudar de assunto. Decidiu que já era hora de dizer a verdade.

- Eu o consertei sozinho. Planeava ir de volta ao futuro, mas desconfiava que o terminal não fosse resistir a mais que uma viagem, se tanto, pelo estrago que havia sofrido. Foi sorte… Para falar a verdade, ainda não sei, ao certo, se conseguimos nosso intento.

- Não? Como não?

- As avarias eram quase irreparáveis. Mas como havia uma hipótese, eu tinha que tentar, de todas as formas. Da minha parte, não ia ser grande perda, se algo desse errado com a minha viagem. Eu não tinha nada a perder.

- Então por que não foste antes, sozinho? Ninguém ia saber…

- Eu não estava totalmente preparado e, então, vocês vieram e…

- Isso não é justo e é muito perigoso, de todas as formas.

- É o que é. Aquele jovem precisava de ajuda urgente e eu possuía os meios. Eu tinha que fazer alguma coisa para ajudar. Se tivermos sorte, ele voltará, com alguma resposta.

- E uma missão…

O homem de pele pálida tentou sorrir, mas não conseguiu. Ele não se sentia nada confortável. Estava preocupado. A tristeza em seus olhos era tão palpável, que parecia sólida.

- Esperemos que sim.

- Quanto tempo temos que esperar?

- Se tudo correr como planeado, cerca de uma hora, somente… mas sabes que o tempo é somente um conceito, neste tipo de situações. Existem muitas condicionantes…

O jovem olhou para ele. Ele estava, obviamente, muito preocupado. E se alguma coisa desse errado? Aquilo era uma loucura, mas como ele poderia controlar um amigo necessitado e com tanta teimosia e resistência?

- Eu sei o que estás a pensar. Estou tão preocupado quanto tu. Se a viagem não foi bem-sucedida, nós teremos perdido muito mais que uma hora do nosso precioso tempo, simplesmente… e, agora, não podemos fazer nada, além de esperar.

- Pois! Eu nunca deveria ter concordado com esta loucura!

- Agora é muito tarde! Como sempre, vamos ter que esperar e ver o que acontece.

***

- Como é que conseguiste viajar até aqui, através do tempo e do espaço? Quem te ajudou?

O Supremo estava totalmente fora de si, apesar de ser um homem calmo e razoável, na maioria das vezes. Ele já havia passado por situações semelhantes, em que viajantes do tempo haviam entrado, inadvertidamente, naquele terminal, mas, daquela vez, sentia que algo estava muito errado.

O estrangeiro continuava a olhar para a mulher, que estava, também, curiosa sobre a intenção daquela interferência em suas rotinas, por um homem jovem, vindo de um passado distante em seu planeta de origem.

O Supremo ficou mais impaciente e disse à mulher:

- Dê um jeito nisso! E mande-o de volta para quando e onde ele veio!

A mulher estava surpresa com aquele acesso de impaciência, diante de uma situação que já havia acontecido tantas vezes antes. Ela sabia, todavia, que ele não gostava dos visitantes que vinham do passado. Seu próprio irmão havia sido um péssimo exemplo a lembrar e, com certeza, era aquela a razão pela qual o Supremo lhe havia dado aquela missão, antes que algo pior voltasse a acontecer.

Ela pousou seus olhos verdes sobre o rapaz e pediu que ele a seguisse até o laboratório na Estação Estelar, onde o doutor poderia ajudá-los com a situação.

Até aquele momento o rapaz não havia dito nada. Quando estavam os dois sozinhos, ele olhou para a mulher, que percebeu, logo, que ele ia dizer uma coisa muito importante. Seu coração acelerou. Ele percebeu que não deviam ser boas notícias.

- Eu tenho uma mensagem do passado e do futuro.

- Tu não estás fazendo muito sentido.

- Eu sei, mas vais entender quando eu explicar.

- Então fale, rapaz!

- Leona…

Seus olhos arregalaram-se. Como ele poderia saber seu nome? O coração da mulher acelerou outra vez. Ela precisava se acalmar e não estava disposta a tal, até que a situação fosse completamente exposta.

- Eu não vim por uma razão somente. Mas precisarei da tua compreensão e da tua ajuda.

- Como é que sabes meu nome?

- Eu sei mais que o teu nome. Há coisas que precisas saber, para poder agir, antes que seja tarde demais. Mas eu vim por razões pessoais também. Eu preciso da tua ajuda, para voltar ao meu passado… uns anos antes da época da qual eu vim agora.

- Como é que eu posso confiar em ti e ajudar? Estas coisas não são fáceis. Os terminais são vigiados por câmaras projetadas para escrutinar quaisquer movimentos.

- Eu sei que há um velho terminal na Estação Estelar. O Décimo-Terceiro me disse.

- Quem?

- John, o Décimo-Terceiro…

- Como assim? Onde é que ele está?

- Ele está no passado… e não pode vir ao futuro.

- E como é que tu pudeste?

- Através do terminal que ele ia usar. Não foi totalmente destruído, quando vocês foram transportados na última vez, mas agora deve estar… Tu estás em grande perigo, Leona. Tens que acreditar em mim.

- Espera. Pode parar! Do que é que falas? John, o Décimo-Terceiro, ou seja que nome vocês o chamem, está muito doente. Nós estamos a trabalhar numa vacina e os resultados não são nada promissores. Ele não pode ter sobrevivido…

- Leona, eu preciso que falar com o teu pai. As vacinas estão sendo sabotadas.

- Sabotadas? Por quem? Quem seria tão estúpido?

- Não é estupidez, Leona. Ele é um homem muito inteligente, que tem um propósito maléfico e muita sede de poder. Nós temos que fazer algo… urgente, antes que seja tarde demais. O Supremo tornou-se um homem com uma mente muito pervertida. Ele é mau. Ele vai destruir este planeta, em questão de dias.

- De jeito nenhum. Tu estás delirando. Ele nunca… Ele tem todo o poder que precisa. Além do mais, ele é o maior interessado em seguir os resultados das pesquisas e testes com a vacina.

- Acredita em mim, por favor. Nós estamos perdendo tempo. Como é que tu sabes que eu sei estas coisas todas? Eu tenho que falar com o teu pai. Por favor. Eu posso ajudar.

- Leona!

A mulher virou-se. Dois homens, bem mais velhos que eles, vinham, apressados, pelo corredor. Eles, simplesmente, ignoraram o estrangeiro, como se ali não estivesse. 

- Tens que vir e ver isso. A vacina não está a funcionar. O efeito é muito destrutivo, agora.

- Pai!

- Eu posso ajudar!

- E quem és tu?

- Um visitante do passado, que veio tentar salvar o futuro.

- Do que é que ele está a falar?

Ela tentou explicar, mas antes que começasse, um grito, vindo do laboratório, no outro lado do corredor, fê-los parar a conversa e começar a correr.

- Ele está morrendo!

***

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Pelo Litoral (Parte 1)


- De carro?

- Sim. Por que não?

- Eu odeio viajar de carro, ainda mais numa distância destas. Podíamos ir de avião e chegar em poucas horas. Assim levaremos dias…

- Deixa de ser chato. O país nem é tão grande assim. Vai ser divertido. Encara como uma aventura.

- É isso que me assusta. Eu lembro muito bem que tipo de aventura nós tivemos que enfrentar nas outras vezes… e quem teve que se ferrar fui eu…

- Que exagero. Nós sempre nos saímos bem… no final… Além do mais, indo de carro, desse jeito, nós teremos controlo de toda a viagem. Nós vamos descansar. Vamos fazer a viagem só pelo litoral. Paramos pelo caminho, quando estivermos cansados, e só faremos aquilo que quisermos.

O rapaz de óculos olhou o outro, nem um pouco convencido de que o argumento era sustentável. Podia ser muito boa ideia, mas ele já sabia que tipo de aventuras acabavam por se meter. Mas o outro, totalmente excitado com a ideia, não iria ser demovido daquilo, tão facilmente. Ele sabia que ia perder a argumentação, por isso deu-se por vencido, mesmo sem dizê-lo em alta voz.

- Já recebi a confirmação da folga. Teremos duas semanas inteirinhas, só para descansarmos. Já até aluguei o carro… E, por via das dúvidas, vamos levar a tenda, para o caso de necessitarmos, se não arranjarmos onde ficar, vez ou outra. Será até mais barato.

- Por que tu sempre fazes isso, sem me avisar?

- Se eu te avisasse, tu ias começar com argumentos e desculpas desnecessárias e eu levaria muito mais tempo, até conseguir autorização e começar o processo de reservas e outras coisas.

- Estás a ver?

- Por isso eu me adiantei. Assim, só tens que arrumar a mochila e aproveitar.

O outro jogou-se na cama do quarto conjunto que tinham no alojamento do exército. Sabia que o amigo tinha razão, de uma certa forma. Eles precisavam de férias e descanso. Sempre que saíam juntos, porém, algo inusitado acontecia, deixando-os com mais ação que precisavam. Desta vez, porém, não sentiu aquela apreensão que das outras vezes anteriores, o que parecia ser um bom sinal.

- Eu desisto de discutir contigo! Quando vamos?

- Pela manhã. Devemos partir cedo, para poder aproveitar o dia. O carro já está disponível.

O rapaz levantou-se e olhou o outro com um ar desesperado. Não ia nem ter tempo de se acostumar com a ideia. Ele mal ia ter tempo de arrumar a mochila. Pelo menos teriam uma folga da vida do exército… E bem que mereciam aquelas duas semanas de descanso. Agora, porém tinha que se apressar…

Incrível como a sua mente trabalhava em alta velocidade, quando estava sob pressão.

Só tinha que juntar umas poucas roupas - afinal iam estar mais tempo na praia, que em qualquer outro lugar -, protetor solar, chapéu, calções, sandálias… Que mais?

O quarto parecia mais arejado e cheio de vida, naquele rompante momentâneo de arrumação de bagagem.

O rapaz parou junto à janela e fechou os olhos. Uma suave e fresca brisa noturna acariciou-lhe o rosto. Por um momento parecia que já até sentia a areia branca e fofa entre os dedos dos pés e a água refrescante do mar a bater-lhe nas pernas…

***

Um dia quente e seco, como os dias de Verão deviam ser, despontou por trás dos montes, numa explosão de cores quentes. Os dois rapazes já estavam com o equipamento e as mochilas prontas, no carro alugado. Iam parar na primeira estação de serviço da estrada e tomar um pequeno-almoço, para não perderem muito tempo. Não queriam chegar à praia muito tarde.  A primeira parte da viagem deveria tomar cerca de três horas até o litoral, onde começariam a descer pela orla, até o sul do país.

Pouco mais de três horas depois, parados em frente à ria, os dois jovens aspiravam o ar agradável do mar e do rio. A natureza era calma e convidativa. Aliás, nem foi preciso um convite especial para os dois descerem até a praia e entrarem na água.  

***

- Isso que é vida! Sem preocupação com o dia de amanhã… em termos…

- Ahahah… Até parece! Mas, pelo menos, não temos horários para nada. É bom descansar da rigidez do Exército, pelo menos de vez em quando.

- Por falar nisso, estou com fome. Vamos comer algo e, depois, descansar um tempo, antes de pegar a estrada.

- Podemos pegar a estrada mais tarde ou amanhã somente. Não temos pressa. Aqui está tão bom… É tranquilo que baste…

- Vamos ver se conseguimos lugar para dormir na pousada, esta noite. Assim, aproveitamos o dia, vamos dormir quando quisermos e retomamos a viagem amanhã, pela manhã.

- OK. Parece-me bem.

***

Um farto prato de peixe assado na brasa, acompanhado de vinho branco, maduro, bem fresco, seguido de uma mousse de manga e um café forte, foram o bastante para deixar os rapazes com caras de satisfeitos e bem-dispostos. A noite estava bastante agradável, sem vento, mas não estava quente. Os dois haviam escolhido um restaurante com uma varanda voltada para o mar, não muito distante da pousada, onde iriam pernoitar, antes de retomarem a estrada, na manhã seguinte.  

- Ainda bem que conseguimos ficar. Gosto desta tranquilidade daqui. Por mim, até ficávamos mais tempo.

- Eu sei. Mas se não continuarmos a viagem, podemos perder de ver coisas mais interessantes no caminho…Podemos voltar mais cedo e passar mais uma noite ou duas novamente por cá.

- Olhe que não é má ideia…

- Vamos dar uma volta na praia e aproveitar a noite agradável. Preciso caminhar um pouco depois desta comida todo e do vinho…

Pediram a conta e levantaram, ao mesmo tempo que uma carrinha branca parava na rua em frente ao restaurante, despercebida dos dois. Na lateral, pintadas em vermelho, as três letras, N.M.E., não chamavam mais atenção que o próprio veículo. 

Os rapazes desceram um lance com três degraus de granito cortado de maneira bastante rústica e começaram a caminhar pela orla, com as sandálias em uma mão e uma latinha de cerveja, recém-adquirida, na outra. Apesar da noite agradável, a praia estava quase deserta, o que não era impedimento para uma saudável caminhada.

Um clarão riscou o céu, vindo da frente deles, chamando-lhes a atenção, especialmente porque o céu parecia limpo, estrelado e sem previsão de chuva. Parecia um pequeno cometa, porém estava muito baixo. O som de algo, atingindo o mar, com força, bem atrás de onde vinham, fê-los parar e voltar.

A luz dos postes refletiu no estranho objeto metálico, boiando na água salgada e balançando ao sabor das ondas, que fumegava, não muito longe de onde estavam.

Os dois não hesitaram e largaram as sandálias e as latas de bebida, jogando-se na água, nadando com energia, na direção do objeto. A poucos metros, outros homens também entraram no mar, ao mesmo tempo e com a mesma intenção. Os dois grupos chegaram juntos até onde estava a cápsula metálica e unindo forças, começaram a arrastar o mesmo para a praia. Os rapazes não prestaram muita atenção nos outros homens que os ajudavam no resgate, pensando tratar-se de transeuntes aleatórios, que viram o esforço deles e resolveram ajudar, estando tão curiosos quanto eles.

Não podiam estar mais enganados…

***

- Hey! Vocês estão bem?

- Acho que sim. O que foi que aconteceu?

Vocês dormiram na praia. Estavam bêbados.

- O quê? Não!

O rapaz de óculos sentia náuseas e a cabeça a doer. Parecia mesmo que estava com ressaca, mas não lembrava de haver bebido tanto.

Os pescadores encontraram os dois rapazes dormindo na areia da praia, quando passaram a caminho do mar. Estavam somente de calções e pareciam estar com frio, pois estavam encolhidos. O sol ainda era uma fina e pálida faixa de luz a subir no horizonte, na frescura agradável da manhã de Verão. Ao lado dos corpos dos dois haviam algumas latas vazias de cerveja.

- O que aconteceu com a esfera metálica que tiramos do mar?

- Vocês tomaram drogas?

- Claro que não! Nós retiramos a esfera da água, com a ajuda de alguns homens. Achamos que eram pescadores ou turistas…

- É melhor vocês contarem outra história, se alguém perguntar. Essa não os vai livrar de problemas. Vocês estão hospedados por cá?

- Na pensão.

Os homens riram.

- Então perderam o custo da diária dormindo na praia. Se estão bem, melhor voltarem para a pensão e tomarem um bom banho. Vocês estão cheios de areia e fedendo a suor e álcool.

Os dois rapazes levantaram e recolheram os pertences espalhados pela praia, agradeceram aos pescadores e subiram a rua, na direção da pensão. Uma marca vermelha nas costas deles passou totalmente despercebida até os dois estarem sozinhos, depois de tomarem um bom banho e começarem a vestir-se para continuar a viagem.

- O que é isso? Tens uma marca vermelha nas costas. Parece queimado. Será que…

- Tu também, mas a tua está mais ao lado… Que estranho! Parece uma queimadura elétrica… algo como um… um taser, talvez?

Os dois se olharam e começaram a suspeitar que havia mais mistério que eles imaginavam, na história que acabara de se passar.

- Nós fomos derrubados e deixados na praia. Aqueles homens…

- …Nos roubaram… Eram ladrões!

- Será que eram meros ladrões? E a roubar, levaram o que não era nosso… Então por que nos ajudaram?

- Nós fomos usados, para ajudar a tirar aquela esfera da água. A nossa ajuda foi aproveitada, por estarmos à mão. O que será que havia de tão importante naquela esfera?

- Não sei, mas não quero saber. Vamos embora daqui o quanto antes. Eu conheço este olhar… Estás começando a pensar em nos colocar em problemas. Vamos embora, enquanto ainda é cedo.

O rapaz estava com o cenho franzido e a mente a trabalhar em alta velocidade. Ele repetiu o pensamento em voz alta.

- O que poderia haver, de tão interessante, ou importante, naquela esfera, que os levou a nos derrubarem e levarem aquilo daqui, fazendo-nos passar por dois bêbados, caídos na praia? Por que a preocupação em fazer-nos passar por tolos?

- Se estivéssemos bêbados ou drogados poderíamos contar uma história, que seria tomada como uma alucinação… ninguém iria acreditar.

- É verdade…

- Mas, se para todos os efeitos, somos apenas turistas, em férias, por que alguém se daria a este trabalho?

- É o que precisamos descobrir.

- Oh! Não… não e não! Nós estamos de férias e não vamos procurar encrencas. Não é certo e nem justo.

- Errado é sairmos daqui, deixando a ideia de que somos dois marginais, que contam mentiras e dormem, drogados, na praia… É uma questão de honra. Imagina se o exército sabe disso…

***

- O carro está pronto. Já arranjei lanche e a minha mochila. Só falta fecharmos a conta e sair.

- Já vou terminar de arranjar a minha também. Podes descer à receção, para acertar as contas, que eu já vou, em seguida.

Poucos minutos depois, quando desceu com a mochila em mãos, o rapaz de óculos não avistou o amigo. Ao perguntar por ele, à empregada que atendia na receção, foi informado que ele estava a conversar com dois homens e que saíram os três numa carrinha branca.

- E ele não deixou-me nenhum recado?

- Não. Não disse nada, quando saiu com os dois homens, depois de pagar a conta. Ainda olhou para trás, antes de entrar na carrinha, mas ele não parecia preocupado. Lembro que haviam três letras pintadas em vermelho, na lateral: N.M.E.

- E agora, essa! Para onde ele foi?

Ao caminhar para fora, na direção do carro, que estava estacionado na frente da pensão, o rapaz notou que o pneu da frente estava murcho. Ele olhou à volta, para ver se via alguém. Àquela hora da manhã, ainda antes do sol estar muito acima do horizonte, as ruas estavam vazias. Ele foi até o porta-malas e tirou o pneu suplente e o macaco, com sentimentos variando entre o irritado e o confuso.

Quando abaixou-se, para começar a desapertar as porcas de fixação do pneu, ouviu um ruido atrás de si e sentiu que alguém tocou-lhe no braço. Antes mesmo que pudesse saber quem estava atrás de si, sentiu uma picada na parte de trás do pescoço e tudo escureceu de imediato.
 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O Poema


Quando o telefone tocou, eu distraía-me com a leitura de um dos novos livros adquiridos, como só é possível fazer, tranquilamente, no período das férias. Não pensei muito ao estender a mão para alcançar o aparelho. Quando vi o nome a piscar no visor, meu coração deu um salto involuntário.
Era a primeira vez que eu viajava para longe e ficávamos sem conversar ao telefone, diariamente, como havia-se tornado, naturalmente, hábito nosso. Até então, tudo parecia muito normal, porque mesmo uma simples rotina pode ser viciante e estranhamente agradável. Sabíamos que íamos estar longe por quase um mês e que nossa “resistência” ia ser posta à prova. 
Já havíamos trocado algumas mensagens de texto, desejando as boas festas, no modo mais tradicional da época e eu não esperava mais que aquilo, pelo menos até a minha volta. Um telefonema, assim inesperado, era-me uma clara e agradável surpresa.
Eu, entretanto, não contava que minha emoção fosse sobrepor minha razão. Quando ouvi a voz conhecida, dei graças por estar só, no quarto. Minha própria voz simplesmente não saiu. Queria falar, mas não conseguia. Do outro lado, ouvia chamar-me uma… duas… três vezes... Fiz um esforço enorme para controlar-me. O som que saiu de minha garganta não era nada parecido com a minha voz. Foi mais um grunhido, que soou muito estranho, para minha vergonha. Em meio a meia dúzia de palavras trocadas, quase todas truncadas, eu perdia o controlo novamente e a voz falhava ou, quando saía, vinha carregada daquela emoção, que eu não conseguia conter.
E eu chorei… de saudades e, também, de um pouco de carência.
Estava rodeado por muitas pessoas conhecidas, naqueles dias, mas sentia-me surpreendentemente só. Sentia falta da atenção que vinha tendo, havia pouco menos de um ano. Aquele telefonema, assim simples, curto e espontâneo, fez-me ver, à distância e sob outros prismas, as coisas que vinham acontecendo em minha vida, especialmente naquele ano.
Olhei para fora e deixei a mente viajar completamente livre de quaisquer amarras.
Os pardais a fazerem algazarra no jardim, a leve brisa de verão a entrar pelas janelas abertas e aquela distância imensa em espaço e em tempo, fizeram-me sentir vontade de voltar, imediatamente. Tentei ocupar-me com outras coisas, mas meus pensamentos voltavam sempre ao mesmo ponto... ou ao mesmo lugar… de onde havia partido…
Resolvi, então, escrever algumas palavras, pois precisava externar, de alguma forma, aquela emoção. Os versos de um pequeno poema* vieram quase fáceis, como de costume, mas não o considerei terminado. Mantive-o comigo até dar-me por satisfeito com a harmonia e o sentido que queria dar às palavras; até convencer-me que dizia tudo que se passava comigo, naqueles momentos; até saber que meu peito estava em paz.
Esperei até o último instante… Até estar de volta à minha vida e à aquela quase rotina… e estarmos mais perto, fisicamente. Só então enviei o ‘link’ para o poema, sem saber, ao certo, o efeito que ia causar.
...E enquanto, assim,
Tão distante de ti,
E suspenso
Entre o delírio,
A saudade
E o desejo
De te rever,
Sinto,
Por vezes,
Que já nem pertenço
- Mais -
A mim somente…

Um par de horas depois, no que pareceu uma infinita espera, recebi uma resposta à minha breve mensagem. Num ímpeto de ansiedade, eu abri, li e sorri. Depois, não resisti e, perdendo o controlo novamente, chorei.
Então, o telefone tocou...  

- Estou a caminho!