domingo, 26 de maio de 2019

Hypnos (Parte 2: Surpresa)





- Vamos tentar ser práticos. Quantos de nós estavam na sala de observação, quando aconteceu aquilo?

- Todos nós. Tu sabes disso.

- Quatro, portanto.

- Por quê? Que diferença faz?

- Faz toda a diferença… porque o que ele viu, tem que estar relacionado com um de nós quatro.

- Como assim? Um de nós quatro?

- Exatamente. Um de nós quatro é o responsável por um suicídio… Ou, um de dois, se desconsiderarmos que nós dois estamos fora da lista de suspeitos… a princípio.

- Explica melhor, pelo amor de Deus!

Ele abriu a boca, mas pareceu que alguma coisa fê-lo pensar duas vezes, antes de falar. Ele olhou a sala contígua, onde a cápsula estava mal iluminada, com vários fios caídos ao chão, ao longo da cama, onde a experiência havia ocorrido. Ele franziu o cenho.

- Será que…

- O que foi, agora?

- Nenhum de nós dois usava os fones, no momento do experimento, certo?

- Certo.

- A ligação pode estar aí…

- Isso não ajuda muito.

- Mas não pode ser somente uma coincidência. Tem de haver uma conexão com o que ele viu e pode ser que esteja, mesmo, nos dois elementos que usavam os auriculares. O que eu vi estava dentro da tua cabeça… e tu estavas com os auriculares.

- Não deve ser assim tão simples. Isso é apenas uma teoria.

- É a única coisa que temos no momento. Vamos tentar seguir uma linha coerente de pensamento.

- Vamos nos ater aos factos, somente.

O jovem cientista olhou nos olhos do amigo. Deu um suspiro e observou as duas cicatrizes nos pulsos do colega.

- Aquilo foi horrível. Eu senti o desespero e a angústia, antes e no momento dos cortes, como se estivessem sendo feitos em mim…

O outro baixou os olhos. Sentiu uma tristeza profunda. O passado devia estar enterrado… e bem profundamente... em sua memória. Há anos que ele não pensava naquilo.

***

Amigos de infância, colegas de escola, separados por um período até bem longo e, depois, reencontrados no mesmo emprego, os dois jovens cientistas estavam, agora, muito mais ligados que, alguma vez, já haviam estado. De uma forma que só o Universo conseguiria determinar, uma tragédia os havia reaproximado. E agora…

- Vamos ter que tentar repetir o experimento, mas sem levantar suspeitas.

- Como? O laboratório está lacrado para investigação.

- Mas isso não vai longe. As testemunhas não serão contestadas. Todos viram o que aconteceu. Ninguém tocou nele. A justiça e a reitoria podem é proibir a prática de novos experimentos… com voluntários externos… mas não será a mesma coisa… com acadêmicos da pesquisa… Se mantivermos sigilo, é claro. Mas ainda temos que convencer aqueles dois a continuarmos os testes.

Pelo sorrisinho, o outro percebeu que havia um plano em formação, na cabeça do colega.

- Vou preparar a defesa da ideia. Ajuda-me com isso.

Embora um tanto desconfiado, se iriam mesmo conseguir ir muito adiante, o jovem cientista aceitou a tarefa, como se fosse um grande desafio. Suas veias investigativas pulsavam em antecipação.

***

Os corredores estavam em silêncio, a não ser pelo som das solas de borracha dos sapatos dos dois, no piso encerado. O laboratório de investigação ainda estava fechado, desde que havia sido lacrado pela Reitoria. As investigações do incidente, como já era de esperar, foram inconclusivas, mormente pela falta de evidências. Todos viram o voluntário, em estado de delírio, romper a segurança e mergulhar pela sacada. As filmagens da câmara de segurança eram nítidas e irrefutáveis.

Embora não pudessem culpar ninguém pelo incidente, o método estava sendo questionado e representava um perigo iminente a quem fosse submetido à experiência.

Persuadidos por bons argumentos, os cientistas haviam decidido desrespeitar o memorando e repetir o procedimento, em nome da ciência. Tinham que desvendar o mistério que ficara sem ser resolvido.

Sabendo a intenção que tinham, os dois jovens amigos decidiram chegar antes e preparar a sala. Se pudessem descobrir o que fez um estudante preferir o suicídio, a encarar alguma coisa que a visão de um… sonho… provocou…

Vamos arranjar as coisas, antes que alguém de fora apareça e ponha areia na engrenagem. Temos muito que fazer, até os outros chegarem.

***

- Vou eu!

- Isso é uma democracia. Devíamos decidir por maioria.

- Meu voto, então, também, é para que seja ele, a participar como cobaia.

- A mim, não faz diferença…

A mulher olhou os três cientistas e baixou os braços. Havia sido vencida.

Os dois rapazes se entre-olharam, sem dizer nada. Os dois entraram na sala, onde a aparelhagem já estava preparada de antemão e iniciou-se o processo de instalar os terminais na cabeça e peito do voluntário, que se deitou na cama encapsulada e cheia de câmaras e outros aparatos de alta definição. Ele não sorria. Estava um pouco apreensivo, mas ao mesmo tempo, curioso. O amigo falou pouco, enquanto o preparava para o experimento. Já haviam falado o suficiente, poucos minutos antes dos outros chegarem.

- Estás bem?

- Não sei, mas não vou pensar nisso. Vamos prosseguir.

O rapaz assentiu e passou as correias de segurança à volta dos pulsos e tornozelos do paciente. Verificou a aparelhagem e bateu, de leve, no ombro do amigo, que já fechava as pálpebras, sob o efeito do sedativo.

O cientista mais experiente sentou-se e colocou os auriculares. A mulher sentou-se ao seu lado e fez o mesmo. O jovem cientista entrou na sala de observação e respirou fundo. Precisava estar atento ao que ia acontecer e sabia que a possibilidade de interromperem o experimento era grande. Ele mesmo já havia passado por aquela experiência e sabia que havia mais que um motivo para ficar preocupado.  

A luz da sala de experiência foi diminuída. As câmaras foram ligadas. O rosto do paciente voluntário apareceu no terminal, em larga escala. O foco estava em seu jovem rosto e ele parecia calmo e relaxado. Sua respiração estava densa, profunda e lenta.

Em poucos minutos, os primeiros movimentos rápidos dos olhos começaram. Ele sonhava.

***

- Foi um bocado assustador, sim! Mas ainda bem que eu me preparei e consegui resistir mais tempo. Assim vi um pouco mais…

- E o que viste?

- Dois homens na praia. Um estava à espera do outro e foi quando eles se encontraram, que eu percebi. Eles são irmãos gémeos... e...

- O quê? Não estou a perceber nada! Que gémeos?

Nós entendemos tudo errado. Não foi aquele rapaz ou nós que corríamos perigo.

- Como não?

- Na verdade, nunca foi!

***

sábado, 11 de maio de 2019

Hypnos (Part 1: The Experiment)



There was a certain tension in the air. The studies room of the Polysomnography lab was ready for the new experiment. It was related to stimulation of certain areas of the head, through electric impulses controlled by computers installed in the investigation room. Those impulses simulated the electric discharges in the brain, which were intended to relax certain areas that patients suffering with sleep apnoea could not voluntarily and spontaneously do. 

It was a new procedure, in fact, but not considered risky. It could be a radical change if compared with any previous processes. That would be the first test to be performed and they were apprehensive about the continuity of the tests if anything went wrong. There was another issue that they had to consider as well: the procedure was not supposed to evolve to a home treatment and was not easy to be used out of specialized clinics.

For all that mattered, a new era in the area was starting. Good quality sleep was not being taken seriously anymore, but the consequences of lack of a good resting sleep were aggravated stress in a growing number of patients. Quality of life was not the same anymore and the scientists were worried about the future.

The patient was prepped. He was a graduate with a scholarship that volunteered more because of the money than for his love for science. His snoring, lack of good quality sleep and low energy were affecting his grades and his performance as student.

From where the scientists were, he looked like an astronaut in a capsule, fully wired so to provide the control room all possible information about his brain and cardiac activity during the tests. 

- Now close your eyes and relax. Count from a hundred to one backwards.

- This is stupid and scary.

- Don’t be afraid. Just close your eyes. After all, you volunteered…

- Yeah, right, but it was because of the money only… and I’m not sure I want to be part of this anymore…

The procedure started as a simple regression session. The activity in the room was being recorded by high resolution cameras inside the chamber. The sensors were attached to various points around the head and chest and they would send continuous EEG and ECG information to the computers. The patient’s arms and legs were secured to the sides of the bed by leather straps, in order to guarantee that he was not harmed by involuntary movements.

The scientists took their places in the observing room. Two of them wore high resolution headphones and could hear every single noise, including the rhythm and changes to his breathing.

The volunteer’s eyes became heavy and his breathing slowed down. He soon fell asleep. The REM followed to the satisfaction of the audience on the other side of the glass room. He was dreaming and seemed very calm and relaxed.

Suddenly, his eye movements became more evident and frantic. The sensors showed high energy pulses. The cardiogram seemed to be registering large scale fibrillation.

The man screamed once. Then a second time… and another one. Then he started shaking heavily and shouting.

- There’s something wrong! Abort! Abort! Bring him back! Quick!

The procedure was terminated immediately. The investigation team ran into the room and assisted the volunteer. He looked completely lost and scared. As soon as his arms and legs were freed, he got rid of the wiring and got up, running away from the lab, half naked.

- Bring him back. Hold this man!

- What happened?

- I don’t know, but there must be something very serious and worrying or else he would never run away that way. We must bring him back.

The security guards barely had time to close the door and stop his desperate exit.

The woman who was walking to him down the corridor had her very dark and straight hair tied up on a bun on top of her head. The local rules were clear and strict about having loose hair in the lab areas.

The man stopped and stared at her. Then he shouted.

- Get away from me.

- Calm down, man. What happened? Let’s talk a little.

- No. No. No.

He crossed the glass window and jumped off the open balcony of the fifteenth floor. What he experienced or saw was probably so disturbing and scary, that he preferred to dive down to his death instead of facing the experiment or its consequences.

***

- How are we supposed to know what he saw?

- We will have to go on with the experiment, before someone closes the lab down and prevent us from continuing with the experiences. We must be careful when choosing the next volunteer.

- We need to check the ECG’s. If we are lucky, we can find something in there.

- I don’t think so. We don’t have history records to compare results.

- True. Then we will need to create history.

- Do we really need to? That must be one case only… one in a million maybe?

- We don’t have a million… and maybe we will never have, after this incident. We will need to change the volunteers’ profiles.

- What do you mean?

The young scientist just looked at his peer and his stare answered the question without a single word.

- I got it. And who will be the first to go?

- We both go…

- What?

***

The corridors leading to the lab were empty at that time in the evening. The security guard did not ask anything when the two scientists crossed the hall and passed in front of the reception desk. He was used to seeing them walking in and out of the area, in odd hours, when they came to check and follow up the many varied experiments.

In the outer room, one of the scientists adjusted his sophisticated headphones to his ears and turned on the microphones installed in the inner capsule. Inside it, the other man tried to close his eyes.  

- Is everything ready? Are we going to use the same stimulation we did with the volunteer? What if anything goes wrong?

- Don’t start now with your fears. We need to have a hint of what he saw. That was not a normal reaction.

- I know. Ok. Ok. Let’s go ahead. Quick.

He took a deep breath, closed his eyes again and tried to relax. Soon the sleeping drug started to run into his veins, and he fell asleep.

With his eyes fixed to the terminals and the program sequence, the scientist initiated the exact same procedure they used to the other patient.

On the other side of the glass, his friend was going deep into a dream. The REMs could be observed by the cameras directed to his face.

- Well, well… What’s next?

The sensors were acting normally. He was relaxed. The previous volunteer could have had an allergic reaction to the drug used, although there was nothing in his medical records that would support that theory. Maybe the electric impulses, associated to the stress and fatigue… Maybe? Who would ever know now?

He looked at his friend and relaxed a bit too.

- Side effects probably… what a waste!

He heard a beep. The cardiogram line moved up and down quicker. He did not change anything in the program. It was probably a reaction to the dream the patient was having. The man started moving his head from one side to the other.

- Oh, oh… and what now?

 He could not change the program while the procedure was running. The cardiogram seemed jumping up and down now in arrhythmic activity and high pulses. The patient clenched his fist and moved his body in uncontrolled spasms. Then he screamed once… then again and again.

- Oh, fuuck! Not again!

He switched the paraphernalia off, got rid of his headphones and ran into the room, opened the capsule and ripped the terminals off his colleague’s body and head. He injected glucose and caffeine in his veins, without freeing his arms and legs. He called his name a couple of times, shaking his upper torso. The other man reacted, finally, still quite sleepy.

He stared at his friend and said:

- Fuck, man! What was that?

- What did you see? Tell me!

He fixed his stare into his friend’s eyes and said, slowly and in a low voice:

- I know what happened... We are in big trouble… and it’s a very big trouble!

***

domingo, 5 de maio de 2019

Hypnos (Parte 1: O Experimento)




Havia uma certa tensão no ar. A sala de estudos do laboratório de Polissonografia havia sido preparada para um novo experimento, relacionado ao estímulo de certas áreas da cabeça, por meio de impulsos elétricos emitidos e controlados pelo computador, segundo um programa desenvolvido na Universidade, que imitava os impulsos cerebrais. O objetivo era simular o relaxamento das áreas, que os pacientes com apneia do sono não conseguiam, de maneira natural e espontânea.


O método era novo, mas não era arriscado. Poderia ser uma mudança radical nos procedimentos existentes, mas era apenas o início de um tratamento que trazia muitas questões de continuidade dentro do Departamento, além de não ser fácil de ser aplicado fora das clínicas.


Era o início de uma nova era, porém, para muita gente, numa época em que o sono estava cada vez mais legado a um segundo plano e onde o stress do dia-a-dia só agravava e aumentava o número de pacientes com o mesmo problema.


O pequeno grupo de cientistas preparou o paciente, um universitário, que possuía uma bolsa de estudos e que se havia voluntariado, mais pelo dinheiro, que por preocupação com seu ronco constante, suas noites mal dormidas e seu cansaço, que vinham diminuindo seu desempenho como aluno.
Parecia um astronauta, dentro de uma cápsula, cheio de sensores, para leituras de todas as suas funções cerebrais e cardíacas e de mais um pouco, além daquilo tudo.
- Agora feche os olhos e relaxe. Conte de cem até um, de trás para frente.
- Isto é estúpido e assustador.
- Não tenhas medo. Feche os olhos. Tu te voluntariaste, afinal.
- OK. Mas foi pelo dinheiro… e eu já não tenho certeza se quero…
O procedimento começara como se fosse uma simples sessão de regressão. Podia-se acompanhar a gravação da câmara no visor de alta resolução. Os sensores haviam sido colados em vários pontos ao longo da cabeça e no peito. Enviavam leituras para os registos de encefalogramas e eletrocardiogramas. Os braços e pernas estavam fixos por correias de couro, presas à cama, para conter os movimentos involuntários, que pudessem ocorrer.
Os investigadores tomaram as posições na sala de observação. Dois deles tinham auscultadores de alta resolução nos ouvidos e conseguiam ouvir os mínimos ruídos, incluindo a respiração do paciente, de dentro da sala e da cápsula de vidro, cheia de terminais de leitura e computadores.
Os olhos do rapaz começaram a ficar pesados. A respiração tornou-se mais profunda e lenta, devido ao efeito de um sedativo. Os REM foram percebidos em poucos minutos, para satisfação dos observadores. Ele sonhava. Parecia tranquilo…
De repente, os movimentos dos olhos começaram a ficar mais evidentes e mais agitados. Os sensores começaram a pulsar com mais energia. O cardiograma parecia aproximar-se de uma fibrilação em larga escala.
Ele gritou uma vez. Depois outra… e outra. Começou a agitar-se, aos berros.
- Há algo errado! Abortar! Abortar! Tragam-no de volta!
O procedimento foi abortado imediatamente. Os investigadores correram e acudiram o homem que se havia submetido ao “experimento”. Ele parecia amedrontado e completamente fora de si. Além de agitado, parecia querer sair dali a qualquer custo. Quando teve os pulsos e os tornozelos soltos, saiu correndo pelo corredor do laboratório da clínica, praticamente nu.
- Segurem este homem!
- O que aconteceu?
- Não sei. Mas deve ser algo preocupante, senão ele não corria daquele jeito. Temos de trazê-lo de volta.
Os seguranças mal tiveram tempo de fechar a porta e impedir a saída. 

A mulher, que vinha pelo corredor, tinha os cabelos muito lisos e escuros, amarrados em um coque, no alto da cabeça. As regras do local não permitiam que se usasse os cabelos soltos, dentro do laboratório.
O homem arregalou os olhos e gritou.
- Afastem-se de mim.
- Calma, homem. O que foi que aconteceu? Vamos conversar.
- Não. Não. Não.
Ele atravessou a porta de vido e jogou-se pela varanda aberta… do 15º andar... O que ele havia visto, fora provavelmente tão perturbador e assustador, que fê-lo preferir mergulhar contra a morte certa, a encarar o experimento ou as consequências do mesmo.
***
- Como vamos saber o que ele viu?
- Vamos ter de continuar o experimento, antes que fechem os laboratório e nos impeçam de continuar com as experiências, mas precisamos escolher o voluntário, desta vez, com mais cuidado.
- Vamos ver as leituras do ECG. Quem sabe possamos identificar alguma coisa.
- Não acredito. Não temos histórico para comparar.
- Tem razão. Vamos ter de criar um histórico, então.
- Será que precisamos? Isso foi um caso isolado. Talvez um em um milhão...
- Talvez… Mas não temos um milhão e, talvez, nem tenhamos, depois deste incidente e acho que devemos mudar o perfil dos voluntários.
- Como assim?
O olhar do outro respondeu à questão, sem ao menos emitir um som.
- Ah. Já percebi. E quem vai antes?
- Vamos os dois.
- O quê?
***
O corredor estava vazio, à aquela hora da noite. O segurança não questionou os dois, quando estes entraram, pois já estava habituado a ver os cientistas aparecerem naquela área, em horas estranhas, de modo a acompanhar os experimentos, que eram muitos e variados.
Na sala de fora, o cientista colocou os auscultadores e aumentou a sensibilidade do som. Dentro da cápsula, o outro fechava os olhos.
- Está tudo pronto? Vamos usar os mesmo estímulos que o do voluntário? E se não der certo?
- Não comeces com teus medos. Temos de ter uma pista do que ele viu. Aquilo não foi normal.
- Eu sei. Vamos a isso, de uma vez.
Ele respirou fundo, fechou os olhos e tentou relaxar. O fármaco começou a fazer efeito. Ele adormeceu.
Atento aos terminais e ao programa, o cientista começou o procedimento, exatamente como do “paciente” anterior.
O cientista e paciente, em pouco tempo, começou a apresentar evidentes movimentos rápidos dos olhos, os REM’s. Ele sonhava.
- Ora, vamos. O que vem a seguir?
Os sensores pareciam normais. O relaxamento havia sido atingido. O voluntário anterior poderia ter tido uma reação alérgica ao fármaco, embora não estivesse em seus registos nenhuma informação relativa à qualquer alergia. Poderia ter sido influenciado pelos estímulos elétricos, associados ao cansaço e stress? Quem poderia saber?
Ele olhou o amigo adormecido e relaxou um pouco a guarda.
- Provavelmente efeitos colaterais… que droga!
Ouviu um bip. A linha do cardiograma moveu-se em ritmos mais frequentes e rápidos. Ele não havia mudado nada na programação. Devia ser uma reação ao sonho. O homem agitou-se e começou a mover a cabeça de um lado para o outro.
- Oh, oh… e agora?
Ele não podia mudar o programa a meio do experimento. O cardiograma parecia aos saltos, numa sequência de pulsos repetidos. O paciente fechou as mãos e começou a mover-se em espasmos. Gritou uma vez. Depois outra.
- Fuuck! Não outra vez…
 Ele desligou os aparelhos, tirou os fones e entrou na sala, abriu a cápsula e arrancou os terminais do corpo do colega. Aplicou-lhe glicose e cafeína, sem soltar-lhe os braços. Chamou-o pelo nome, levantando-lhe o torso e agitando-o. O outro reagiu, meio sonolento, depois olhou o cientista, com os olhos esgazeados.
- Putaquepariu! O que foi aquilo?
- O que foi que tu viste? Conta!
Ele olhou o amigo cientista nos olhos e disse, devagar e em baixo tom:
- Eu já sei o que aconteceu…  Nós estamos com um problema… e grande!

***

terça-feira, 16 de abril de 2019

One More Night (Epilogue)



We heard the doorbell ring. My daughter got up and walked on to the door, checked the door viewer and immediately opened it.

- May I come in?

- Yes, of course.

I turned around without saying anything, when I recognized the voice.

- May we talk for a minute or so? I promise I won’t be long.

She grabbed her things up as if she was late for something and said:

- I have to go to the supermarket urgently. There are some things I need to buy. I’ll be right back. Please feel at ease.

That strategy was her way of showing how worried she was and that she wanted us to be alone and sort our things out without any interference. The wise girl knew how to do the things so we could catch up. I knew that would not be easy anyway.

He came closer, without smiling, showing some evident apprehension. I did not smile either. He rubbed his hands and said, very low:

- I know I’ve been an asshole…

***

He looked at me with his bright blue eyes. I could hold my stare for much long, as I was afraid of my own feelings about him. My head was spinning, and I felt confused about the things I had just heard.

- Are you not going to say anything?

- I don’t know what to say. I was not expecting to hear these kinds of things this way, anyway.

- But that’s what I feel. I know you must be thinking I have to be sure about my feelings before diving deep into it, but I believe in what I feel despite my insecurities. I’ve never thought something like that would happen to me, but I’d rather try and fail, than never try… and I want to try it… with you…

- This is not going to be at all easy; you know…

- I know. It never is. But this is only about us and no one else. We don’t have to explain anything to anyone anyway.

- I don’t know what to say. This is something new to me. I don’t even know how to react.

- I don’t either, but we can try together. We have nothing to lose…

He stood up and took my hands into his. I tried to avoid his stare, but could not, as the power his eyes had over me was too strong. He put his arms around my waist and pulled me closer, embracing me without hesitation or worries. I did not think much. I just rested my head on his chest and let myself go. I barely knew at that time that our involvement would be a lot deeper than a simple embrace.

***

- After so long, why now?

- I thought I could be away, but I was wrong. I’ve never stopped thinking about you two.

- And what happened to your “new life”?

He noticed the irony and stress I referred to when saying that expression he used when he told us he was going back to his home place to take care of his family business. It sounded like a very poor excuse, but he said he promised his family he would take over the family business if his father passed away. He knew I would not follow him but there were always different acceptable ways to sort some things out. He decided to be away and we’d lost contact, as time went by, naturally.

Unfair, not committed, selfish and irresponsible were but a few of the words I used to refer to him, at the time, but I suspected there were a lot more behind that decision. He was afraid of commitments, as far as I could tell, and our relationship was getting too serious.

Anyway, we went on with our lives, my daughter and I, as it should be, without him, for as long as we could. She grew up, went to school and studied what she liked, became a very responsible and focused person. We had always avoided talking about the past. She was just a child when he left, but she could remember what was happening between the two of us and she missed his attention and care too.

- I’m all alone now. I don’t belong anywhere.

- I see. And what does it change?

- It doesn’t change anything, but I thought a lot about everything. I had plenty of time to do so.

- And you don’t belong to anyone either, do you?

- I’ve never belonged to anyone. You know it better than anyone. And there was no one else in my life since I left you. I was too busy with my work but missed you a lot and was always thinking about you two, believe me.

I looked at him without truly believing a man like him would be all by himself, without anyone, for so long. It was almost impossible. I decided not to argue, anyway. It was not important anymore and I was not into quarrelling about such things.

- How long are you staying around?

I was not sure I should have asked that. I was afraid of the answer.

- I don’t really know.

Perfect answer, being the same as no answer at all. As usual on similar occasions, he answered without answering.

- I see. What are you here for, after all?

- Because I missed you too much and not only...

I looked away.

- Look at me.

I tried to run away but could not.

- What do you want from me?

- Another chance. I know I’ve been stupid, and I’ve made lots of mistakes leaving you the way I did, but I thought a lot about it, and I regret making you suffer because of my non-sense. I want it to go right this time.

I wanted to beat him… hard…

I was tired, sad and angry for what we had gone through and did not know what to think anymore. I just knew I knew nothing about anything at all.

He stood up, held my hands and said:

- Come with me.

- What? Where to?

- Just come with me!

- And the girl?

- Leave her a message. She is not a child anymore and she will understand. We won’t be long, anyway.

***

- I love this place!

- Me too, but we did not come here to watch the sea, did we?

- Yes, we did.

I looked at him, trying to find out if he was being serious or not. He just looked ahead to the horizon, very serious. The ocean was wild as was my heart. He walked two steps behind me. Being taller, he stood behind, then pulled me closer to him in a sudden warm embrace. He laid his chin on my shoulder, his face touching mine. So he whispered in my ears:

- What I want most is to be with you here or wherever. I’m tired of fighting against myself. I want you so much and don’t want to waste another second of my life.

- I should beat you hard, do you know that?

- You can be sure I do.

From where we were, I could hear the old song coming from the loudspeakers on the porch of the restaurant I went to so often in the past, for a coffee and a chat. And it went on…

…” They say that love can move a mountain
      They say love can break your heart 
      They say love can make you forget 
      Things that happened in the past

      For I've tasted your love and
      I need to taste some more 
      So wave goodbye to heaven for me
      I've thrown it all away 
      Just to spend one more night with you”…  
(*)



      (*) One more night with you: Ged McMahon 

***