- Vamos tentar
ser práticos. Quantos de nós estavam na sala de observação, quando aconteceu
aquilo?
- Todos nós.
Tu sabes disso.
- Quatro,
portanto.
- Por quê? Que
diferença faz?
- Faz toda a
diferença… porque o que ele viu, tem que estar relacionado com um de nós
quatro.
- Como assim?
Um de nós quatro?
- Exatamente.
Um de nós quatro é o responsável por um suicídio… Ou, um de dois, se
desconsiderarmos que nós dois estamos fora da lista de suspeitos… a princípio.
- Explica
melhor, pelo amor de Deus!
Ele abriu a
boca, mas pareceu que alguma coisa fê-lo pensar duas vezes, antes de falar. Ele
olhou a sala contígua, onde a cápsula estava mal iluminada, com vários fios
caídos ao chão, ao longo da cama, onde a experiência havia ocorrido. Ele
franziu o cenho.
- Será que…
- O que foi,
agora?
- Nenhum de
nós dois usava os fones, no momento do experimento, certo?
- Certo.
- A ligação
pode estar aí…
- Isso não
ajuda muito.
- Mas não pode
ser somente uma coincidência. Tem de haver uma conexão com o que ele viu e pode
ser que esteja, mesmo, nos dois elementos que usavam os auriculares. O que eu
vi estava dentro da tua cabeça… e tu estavas com os auriculares.
- Não deve ser
assim tão simples. Isso é apenas uma teoria.
- É a única
coisa que temos no momento. Vamos tentar seguir uma linha coerente de
pensamento.
- Vamos nos
ater aos factos, somente.
O jovem cientista
olhou nos olhos do amigo. Deu um suspiro e observou as duas cicatrizes nos
pulsos do colega.
- Aquilo foi
horrível. Eu senti o desespero e a angústia, antes e no momento dos cortes,
como se estivessem sendo feitos em mim…
O outro baixou
os olhos. Sentiu uma tristeza profunda. O passado devia estar enterrado… e bem
profundamente... em sua memória. Há anos que ele não pensava naquilo.
***
Amigos de
infância, colegas de escola, separados por um período até bem longo e, depois,
reencontrados no mesmo emprego, os dois jovens cientistas estavam, agora, muito
mais ligados que, alguma vez, já haviam estado. De uma forma que só o Universo
conseguiria determinar, uma tragédia os havia reaproximado. E agora…
- Vamos ter
que tentar repetir o experimento, mas sem levantar suspeitas.
- Como? O
laboratório está lacrado para investigação.
- Mas isso não
vai longe. As testemunhas não serão contestadas. Todos viram o que aconteceu.
Ninguém tocou nele. A justiça e a reitoria podem é proibir a prática de novos
experimentos… com voluntários externos… mas não será a mesma coisa… com
acadêmicos da pesquisa… Se mantivermos sigilo, é claro. Mas ainda temos que
convencer aqueles dois a continuarmos os testes.
Pelo
sorrisinho, o outro percebeu que havia um plano em formação, na cabeça do
colega.
- Vou preparar
a defesa da ideia. Ajuda-me com isso.
Embora um
tanto desconfiado, se iriam mesmo conseguir ir muito adiante, o jovem cientista
aceitou a tarefa, como se fosse um grande desafio. Suas veias investigativas
pulsavam em antecipação.
***
Os corredores
estavam em silêncio, a não ser pelo som das solas de borracha dos sapatos dos
dois, no piso encerado. O laboratório de investigação ainda estava fechado,
desde que havia sido lacrado pela Reitoria. As investigações do incidente, como
já era de esperar, foram inconclusivas, mormente pela falta de evidências.
Todos viram o voluntário, em estado de delírio, romper a segurança e mergulhar
pela sacada. As filmagens da câmara de segurança eram nítidas e irrefutáveis.
Embora não
pudessem culpar ninguém pelo incidente, o método estava sendo questionado e
representava um perigo iminente a quem fosse submetido à experiência.
Persuadidos
por bons argumentos, os cientistas haviam decidido desrespeitar o memorando e
repetir o procedimento, em nome da ciência. Tinham que desvendar o mistério que
ficara sem ser resolvido.
Sabendo a
intenção que tinham, os dois jovens amigos decidiram chegar antes e preparar a
sala. Se pudessem descobrir o que fez um estudante preferir o suicídio, a
encarar alguma coisa que a visão de um… sonho… provocou…
- Vamos
arranjar as coisas, antes que alguém de fora apareça e ponha areia na
engrenagem. Temos muito que fazer, até os outros chegarem.
***
- Vou eu!
- Isso é uma
democracia. Devíamos decidir por maioria.
- Meu voto,
então, também, é para que seja ele, a participar como cobaia.
- A mim, não
faz diferença…
A mulher olhou
os três cientistas e baixou os braços. Havia sido vencida.
Os dois
rapazes se entre-olharam, sem dizer nada. Os dois entraram na sala, onde a
aparelhagem já estava preparada de antemão e iniciou-se o processo de instalar
os terminais na cabeça e peito do voluntário, que se deitou na cama encapsulada
e cheia de câmaras e outros aparatos de alta definição. Ele não sorria. Estava
um pouco apreensivo, mas ao mesmo tempo, curioso. O amigo falou pouco, enquanto
o preparava para o experimento. Já haviam falado o suficiente, poucos minutos
antes dos outros chegarem.
- Estás bem?
- Não sei, mas
não vou pensar nisso. Vamos prosseguir.
O rapaz
assentiu e passou as correias de segurança à volta dos pulsos e tornozelos do
paciente. Verificou a aparelhagem e bateu, de leve, no ombro do amigo, que já
fechava as pálpebras, sob o efeito do sedativo.
O cientista
mais experiente sentou-se e colocou os auriculares. A mulher sentou-se ao seu
lado e fez o mesmo. O jovem cientista entrou na sala de observação e respirou
fundo. Precisava estar atento ao que ia acontecer e sabia que a possibilidade
de interromperem o experimento era grande. Ele mesmo já havia passado por
aquela experiência e sabia que havia mais que um motivo para ficar
preocupado.
A luz da sala
de experiência foi diminuída. As câmaras foram ligadas. O rosto do paciente
voluntário apareceu no terminal, em larga escala. O foco estava em seu jovem
rosto e ele parecia calmo e relaxado. Sua respiração estava densa, profunda e
lenta.
Em poucos
minutos, os primeiros movimentos rápidos dos olhos começaram. Ele sonhava.
***
- Foi um
bocado assustador, sim! Mas ainda bem que eu me preparei e consegui resistir
mais tempo. Assim vi um pouco mais…
- E o que
viste?
- Dois homens
na praia. Um estava à espera do outro e foi quando eles se encontraram, que eu
percebi. Eles são irmãos gémeos... e...
- O quê? Não
estou a perceber nada! Que gémeos?
- Nós
entendemos tudo errado. Não foi aquele rapaz ou nós que corríamos perigo.
- Como não?
- Na verdade,
nunca foi!
***