Havia uma certa tensão no ar. A sala
de estudos do laboratório de Polissonografia
havia sido preparada para um novo experimento, relacionado ao estímulo de
certas áreas da cabeça, por meio de impulsos elétricos emitidos e controlados
pelo computador, segundo um programa desenvolvido na Universidade, que imitava
os impulsos cerebrais. O objetivo era simular o relaxamento das áreas, que os
pacientes com apneia do sono não conseguiam, de maneira natural e espontânea.
O método era novo, mas não era
arriscado. Poderia ser uma mudança radical nos procedimentos existentes, mas era
apenas o início de um tratamento que trazia muitas questões de continuidade
dentro do Departamento, além de não ser fácil de ser aplicado fora das
clínicas.
Era o início de uma nova era,
porém, para muita gente, numa época em que o sono estava cada vez mais legado a
um segundo plano e onde o stress do dia-a-dia só agravava e aumentava o número
de pacientes com o mesmo problema.
O pequeno grupo de cientistas
preparou o paciente, um universitário, que possuía uma bolsa de estudos e que se
havia voluntariado, mais pelo dinheiro, que por preocupação com seu ronco
constante, suas noites mal dormidas e seu cansaço, que vinham diminuindo seu
desempenho como aluno.
Parecia um astronauta, dentro de
uma cápsula, cheio de sensores, para leituras de todas as suas funções
cerebrais e cardíacas e de mais um pouco, além daquilo tudo.
- Agora
feche os olhos e relaxe. Conte de cem até um, de trás para frente.
- Isto
é estúpido e assustador.
- Não tenhas
medo. Feche os olhos. Tu te voluntariaste, afinal.
- OK.
Mas foi pelo dinheiro… e eu já não tenho certeza se quero…
O procedimento começara como se
fosse uma simples sessão de regressão. Podia-se acompanhar a gravação da câmara
no visor de alta resolução. Os sensores haviam sido colados em vários pontos ao
longo da cabeça e no peito. Enviavam leituras para os registos de encefalogramas
e eletrocardiogramas. Os braços e pernas estavam fixos por correias de couro,
presas à cama, para conter os movimentos involuntários, que pudessem ocorrer.
Os investigadores tomaram as posições
na sala de observação. Dois deles tinham auscultadores de alta resolução nos
ouvidos e conseguiam ouvir os mínimos ruídos, incluindo a respiração do
paciente, de dentro da sala e da cápsula de vidro, cheia de terminais de
leitura e computadores.
Os olhos do rapaz começaram a
ficar pesados. A respiração tornou-se mais profunda e lenta, devido ao efeito de
um sedativo. Os REM foram percebidos em poucos minutos, para satisfação dos
observadores. Ele sonhava. Parecia tranquilo…
De repente, os movimentos dos
olhos começaram a ficar mais evidentes e mais agitados. Os sensores começaram a
pulsar com mais energia. O cardiograma parecia aproximar-se de uma fibrilação
em larga escala.
Ele gritou uma vez. Depois outra…
e outra. Começou a agitar-se, aos berros.
- Há
algo errado! Abortar! Abortar! Tragam-no de volta!
O procedimento foi abortado
imediatamente. Os investigadores correram e acudiram o homem que se havia
submetido ao “experimento”. Ele parecia amedrontado e completamente fora de si.
Além de agitado, parecia querer sair dali a qualquer custo. Quando teve os
pulsos e os tornozelos soltos, saiu correndo pelo corredor do laboratório da
clínica, praticamente nu.
-
Segurem este homem!
- O que
aconteceu?
- Não sei.
Mas deve ser algo preocupante, senão ele não corria daquele jeito. Temos de trazê-lo
de volta.
Os seguranças mal tiveram tempo de
fechar a porta e impedir a saída.
A mulher, que vinha pelo corredor, tinha os cabelos muito lisos e escuros, amarrados em um coque, no alto da cabeça. As regras do local não permitiam que se usasse os cabelos soltos, dentro do laboratório.
A mulher, que vinha pelo corredor, tinha os cabelos muito lisos e escuros, amarrados em um coque, no alto da cabeça. As regras do local não permitiam que se usasse os cabelos soltos, dentro do laboratório.
O homem arregalou os olhos e
gritou.
-
Afastem-se de mim.
-
Calma, homem. O que foi que aconteceu? Vamos conversar.
- Não. Não.
Não.
Ele atravessou a porta de vido e
jogou-se pela varanda aberta… do 15º andar... O que ele havia visto, fora provavelmente
tão perturbador e assustador, que fê-lo preferir mergulhar contra a morte certa,
a encarar o experimento ou as consequências do mesmo.
***
- Como
vamos saber o que ele viu?
- Vamos
ter de continuar o experimento, antes que fechem os laboratório e nos impeçam de continuar com as experiências, mas precisamos escolher o voluntário, desta
vez, com mais cuidado.
- Vamos
ver as leituras do ECG. Quem sabe possamos identificar alguma coisa.
- Não
acredito. Não temos histórico para comparar.
- Tem
razão. Vamos ter de criar um histórico, então.
- Será
que precisamos? Isso foi um caso isolado. Talvez um em um milhão...
-
Talvez… Mas não temos um milhão e, talvez, nem tenhamos, depois deste incidente e acho que devemos mudar o perfil dos voluntários.
- Como
assim?
O olhar do outro respondeu à
questão, sem ao menos emitir um som.
- Ah.
Já percebi. E quem vai antes?
- Vamos
os dois.
- O
quê?
***
O corredor estava vazio, à aquela
hora da noite. O segurança não questionou os dois, quando estes entraram, pois
já estava habituado a ver os cientistas aparecerem naquela área, em horas
estranhas, de modo a acompanhar os experimentos, que eram muitos e variados.
Na sala de fora, o cientista
colocou os auscultadores e aumentou a sensibilidade do som. Dentro da cápsula,
o outro fechava os olhos.
- Está
tudo pronto? Vamos usar os mesmo estímulos que o do voluntário? E se não der
certo?
- Não
comeces com teus medos. Temos de ter uma pista do que ele viu. Aquilo não foi
normal.
- Eu
sei. Vamos a isso, de uma vez.
Ele respirou fundo, fechou os olhos
e tentou relaxar. O fármaco começou a fazer efeito. Ele adormeceu.
Atento aos terminais e ao
programa, o cientista começou o procedimento, exatamente como do “paciente” anterior.
O cientista e paciente, em pouco
tempo, começou a apresentar evidentes movimentos rápidos dos olhos, os REM’s.
Ele sonhava.
- Ora, vamos. O que vem a seguir?
Os sensores pareciam normais. O
relaxamento havia sido atingido. O voluntário anterior poderia ter tido uma
reação alérgica ao fármaco, embora não estivesse em seus registos nenhuma informação
relativa à qualquer alergia. Poderia ter sido influenciado pelos estímulos elétricos,
associados ao cansaço e stress? Quem poderia saber?
Ele olhou o amigo adormecido e
relaxou um pouco a guarda.
- Provavelmente efeitos colaterais…
que droga!
Ouviu um bip. A linha do cardiograma
moveu-se em ritmos mais frequentes e rápidos. Ele não havia mudado nada na
programação. Devia ser uma reação ao sonho. O homem agitou-se e começou a mover
a cabeça de um lado para o outro.
- Oh, oh… e agora?
Ele não podia mudar o programa a
meio do experimento. O cardiograma parecia aos saltos, numa sequência de pulsos
repetidos. O paciente fechou as mãos e começou a mover-se em espasmos. Gritou
uma vez. Depois outra.
- Fuuck! Não outra vez…
Ele desligou os aparelhos, tirou os fones e
entrou na sala, abriu a cápsula e arrancou os terminais do corpo do colega. Aplicou-lhe
glicose e cafeína, sem soltar-lhe os braços. Chamou-o pelo nome, levantando-lhe
o torso e agitando-o. O outro reagiu, meio sonolento, depois olhou o cientista, com os olhos esgazeados.
- Putaquepariu!
O que foi aquilo?
- O que
foi que tu viste? Conta!
Ele olhou o amigo cientista nos olhos e disse, devagar
e em baixo tom:
- Eu já
sei o que aconteceu… Nós estamos com um
problema… e grande!
***
O que pode haver por trás de um experimento inocente, num laboratório inocente, onde são estudadas as anomalias do sono?
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