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domingo, 5 de maio de 2019

Hypnos (Parte 1: O Experimento)




Havia uma certa tensão no ar. A sala de estudos do laboratório de Polissonografia havia sido preparada para um novo experimento, relacionado ao estímulo de certas áreas da cabeça, por meio de impulsos elétricos emitidos e controlados pelo computador, segundo um programa desenvolvido na Universidade, que imitava os impulsos cerebrais. O objetivo era simular o relaxamento das áreas, que os pacientes com apneia do sono não conseguiam, de maneira natural e espontânea.


O método era novo, mas não era arriscado. Poderia ser uma mudança radical nos procedimentos existentes, mas era apenas o início de um tratamento que trazia muitas questões de continuidade dentro do Departamento, além de não ser fácil de ser aplicado fora das clínicas.


Era o início de uma nova era, porém, para muita gente, numa época em que o sono estava cada vez mais legado a um segundo plano e onde o stress do dia-a-dia só agravava e aumentava o número de pacientes com o mesmo problema.


O pequeno grupo de cientistas preparou o paciente, um universitário, que possuía uma bolsa de estudos e que se havia voluntariado, mais pelo dinheiro, que por preocupação com seu ronco constante, suas noites mal dormidas e seu cansaço, que vinham diminuindo seu desempenho como aluno.
Parecia um astronauta, dentro de uma cápsula, cheio de sensores, para leituras de todas as suas funções cerebrais e cardíacas e de mais um pouco, além daquilo tudo.
- Agora feche os olhos e relaxe. Conte de cem até um, de trás para frente.
- Isto é estúpido e assustador.
- Não tenhas medo. Feche os olhos. Tu te voluntariaste, afinal.
- OK. Mas foi pelo dinheiro… e eu já não tenho certeza se quero…
O procedimento começara como se fosse uma simples sessão de regressão. Podia-se acompanhar a gravação da câmara no visor de alta resolução. Os sensores haviam sido colados em vários pontos ao longo da cabeça e no peito. Enviavam leituras para os registos de encefalogramas e eletrocardiogramas. Os braços e pernas estavam fixos por correias de couro, presas à cama, para conter os movimentos involuntários, que pudessem ocorrer.
Os investigadores tomaram as posições na sala de observação. Dois deles tinham auscultadores de alta resolução nos ouvidos e conseguiam ouvir os mínimos ruídos, incluindo a respiração do paciente, de dentro da sala e da cápsula de vidro, cheia de terminais de leitura e computadores.
Os olhos do rapaz começaram a ficar pesados. A respiração tornou-se mais profunda e lenta, devido ao efeito de um sedativo. Os REM foram percebidos em poucos minutos, para satisfação dos observadores. Ele sonhava. Parecia tranquilo…
De repente, os movimentos dos olhos começaram a ficar mais evidentes e mais agitados. Os sensores começaram a pulsar com mais energia. O cardiograma parecia aproximar-se de uma fibrilação em larga escala.
Ele gritou uma vez. Depois outra… e outra. Começou a agitar-se, aos berros.
- Há algo errado! Abortar! Abortar! Tragam-no de volta!
O procedimento foi abortado imediatamente. Os investigadores correram e acudiram o homem que se havia submetido ao “experimento”. Ele parecia amedrontado e completamente fora de si. Além de agitado, parecia querer sair dali a qualquer custo. Quando teve os pulsos e os tornozelos soltos, saiu correndo pelo corredor do laboratório da clínica, praticamente nu.
- Segurem este homem!
- O que aconteceu?
- Não sei. Mas deve ser algo preocupante, senão ele não corria daquele jeito. Temos de trazê-lo de volta.
Os seguranças mal tiveram tempo de fechar a porta e impedir a saída. 

A mulher, que vinha pelo corredor, tinha os cabelos muito lisos e escuros, amarrados em um coque, no alto da cabeça. As regras do local não permitiam que se usasse os cabelos soltos, dentro do laboratório.
O homem arregalou os olhos e gritou.
- Afastem-se de mim.
- Calma, homem. O que foi que aconteceu? Vamos conversar.
- Não. Não. Não.
Ele atravessou a porta de vido e jogou-se pela varanda aberta… do 15º andar... O que ele havia visto, fora provavelmente tão perturbador e assustador, que fê-lo preferir mergulhar contra a morte certa, a encarar o experimento ou as consequências do mesmo.
***
- Como vamos saber o que ele viu?
- Vamos ter de continuar o experimento, antes que fechem os laboratório e nos impeçam de continuar com as experiências, mas precisamos escolher o voluntário, desta vez, com mais cuidado.
- Vamos ver as leituras do ECG. Quem sabe possamos identificar alguma coisa.
- Não acredito. Não temos histórico para comparar.
- Tem razão. Vamos ter de criar um histórico, então.
- Será que precisamos? Isso foi um caso isolado. Talvez um em um milhão...
- Talvez… Mas não temos um milhão e, talvez, nem tenhamos, depois deste incidente e acho que devemos mudar o perfil dos voluntários.
- Como assim?
O olhar do outro respondeu à questão, sem ao menos emitir um som.
- Ah. Já percebi. E quem vai antes?
- Vamos os dois.
- O quê?
***
O corredor estava vazio, à aquela hora da noite. O segurança não questionou os dois, quando estes entraram, pois já estava habituado a ver os cientistas aparecerem naquela área, em horas estranhas, de modo a acompanhar os experimentos, que eram muitos e variados.
Na sala de fora, o cientista colocou os auscultadores e aumentou a sensibilidade do som. Dentro da cápsula, o outro fechava os olhos.
- Está tudo pronto? Vamos usar os mesmo estímulos que o do voluntário? E se não der certo?
- Não comeces com teus medos. Temos de ter uma pista do que ele viu. Aquilo não foi normal.
- Eu sei. Vamos a isso, de uma vez.
Ele respirou fundo, fechou os olhos e tentou relaxar. O fármaco começou a fazer efeito. Ele adormeceu.
Atento aos terminais e ao programa, o cientista começou o procedimento, exatamente como do “paciente” anterior.
O cientista e paciente, em pouco tempo, começou a apresentar evidentes movimentos rápidos dos olhos, os REM’s. Ele sonhava.
- Ora, vamos. O que vem a seguir?
Os sensores pareciam normais. O relaxamento havia sido atingido. O voluntário anterior poderia ter tido uma reação alérgica ao fármaco, embora não estivesse em seus registos nenhuma informação relativa à qualquer alergia. Poderia ter sido influenciado pelos estímulos elétricos, associados ao cansaço e stress? Quem poderia saber?
Ele olhou o amigo adormecido e relaxou um pouco a guarda.
- Provavelmente efeitos colaterais… que droga!
Ouviu um bip. A linha do cardiograma moveu-se em ritmos mais frequentes e rápidos. Ele não havia mudado nada na programação. Devia ser uma reação ao sonho. O homem agitou-se e começou a mover a cabeça de um lado para o outro.
- Oh, oh… e agora?
Ele não podia mudar o programa a meio do experimento. O cardiograma parecia aos saltos, numa sequência de pulsos repetidos. O paciente fechou as mãos e começou a mover-se em espasmos. Gritou uma vez. Depois outra.
- Fuuck! Não outra vez…
 Ele desligou os aparelhos, tirou os fones e entrou na sala, abriu a cápsula e arrancou os terminais do corpo do colega. Aplicou-lhe glicose e cafeína, sem soltar-lhe os braços. Chamou-o pelo nome, levantando-lhe o torso e agitando-o. O outro reagiu, meio sonolento, depois olhou o cientista, com os olhos esgazeados.
- Putaquepariu! O que foi aquilo?
- O que foi que tu viste? Conta!
Ele olhou o amigo cientista nos olhos e disse, devagar e em baixo tom:
- Eu já sei o que aconteceu…  Nós estamos com um problema… e grande!

***