domingo, 15 de outubro de 2017

O Décimo-Terceiro (Epílogo)


Uma estrela e dois pequenos planetas podiam ser vistos no céu, pela janela da Sala do Conselho, no Edifício Principal. Um homem sozinho contempla, sério e pensativo, a imensa escuridão, decorada com minúsculos pontículos de luz, brilhando no lado de fora, alheios ao seu pesar.

“Este mundo já está condenado pela mesmice e pela rotina. Vive-se por tempo longo demais, mas não é necessariamente uma existência com prazer. Não há um real objectivo em viver longamente, preservar a espécie, ou até mesmo o planeta. Se houvesse um acidente que destruísse esta civilização, que diferença o universo iria sentir? Qual a diferença que o passado poderia fazer? E se o tal acidente for em algum lugar do passado, antes mesmo da grande destruição? Será que fará mesmo alguma diferença?

Aqui, neste momento, não há nada que possa nos dar qualquer razão para orgulho ou para querermos viver. A existência é vazia. É tudo muito cinza e sem beleza. Não existem sentimentos. Para que manter essa coisa a funcionar?”

***

- Chega de ser mais um experimento. Chega de servir de cobaia para a criação de uma vacina estéril. Eu já não quero ser mudado. É isso que me faz um ser único, no meio desta multidão de iguais.

- Mas a mutação está bastante acelerada. Tuas costas estão cobertas destas manchas negras e brancas, que já se espalham pelo resto do corpo e tuas defesas estão em baixa. Não vais resistir muito tempo.

- É uma opção minha.

- Tu não tens esta opção, pelas regras… Nenhum clone tem… nestas circunstâncias…

- Eu sou David, o Décimo-Terceiro… Se as coisas tivessem sido diferentes, eu seria escolhido para ser o próximo Supremo, por ser mais forte e resistente, ou para viajar pelo Universo. Agora sou apenas uma aberração. É melhor deixar que a vida siga seu curso normal. … e vou viver com isso… enquanto for possível…

- O que pode ser por muito pouco tempo, agora.

- Que seja. A vacina não funciona, de qualquer maneira.

***

- Nós vivemos num complexo de planetas, que gira em torno de uma pequena estrela, que possui luz natural limitada, mas mantém o sistema a funcionar equilibradamente. A órbita do planeta em torno de si mesmo ocorre por um período menos longo que na terra, por razões óbvias. O tempo passou, então, a ter um conceito diferente. Como o dia tem menos horas, a contagem dos anos é, portanto, diferente. O controlo da vida neste sistema de planetas pertence a um grupo de cientistas, que formam uma elite intelectual.

- Por que usam a contagem dos anos como A.D.?

- Porque os fundadores quiseram homenagear a Terra, o planeta de onde vieram, originalmente.

- E para que servem os clones, afinal?

- Este pequeno planeta fica ao centro de um grupo de outros planetóides de menor tamanho, cada qual com sua própria particularidade. O que o faz habitável é a característica única e pouco comum de possuir oxigénio, embora em quantidade muito menor que no planeta Terra. O elemento, vital para vida humana, é tratado, filtrado e usado dentro das estruturas protegidas, que chamamos de Estações. Esta característica não é a única coisa que temos em comum com o nosso distante antecessor da outra galáxia. Um manancial de líquido, com composição semelhante à da água, que corre por rios subterrâneos, é colhido, reprocessado e transformado em água potável e, então, disponibilizada aos habitantes, de forma natural. Mas estamos a enfrentar um novo problema: o manancial é limitado e está escasseando rapidamente. Equipas de pesquisa já foram enviadas em busca de alternativas, pela galáxia, mas até agora, nada real. Estas pequenas equipas, são, na sua maioria, compostas por clones seleccionados e treinados especialmente para isso. Uma unidade robótica avançada acompanha a tripulação de cada nave que parte. No momento, temos umas poucas, porque não conseguimos criar clones em quantidades suficientes.

- A clonagem é, na verdade, uma realidade e é inevitável, sendo praticamente a única forma de reprodução, neste momento. O processo é interrompido, a partir do momento em que verificamos que a resistência do corpo a qualquer tipo de problemas, físicos ou mentais, está praticamente garantida. Depois de aplicada a vacina, deixa-se que algumas características amadureçam sozinhas, formando indivíduos diferentes, dentro dos casulos, como crisálidas, nas incubadoras. Não usamos úteros humanos. Nem todos chegam ao fim do processo e sobrevivem, porque a vacina é bastante agressiva, mas é necessário que assim seja. Quando estão prontos, os mais fortes são seleccionados e reportados ao Supremo, que os inspecciona, juntamente com o Conselho, para mandá-los para o Edifício Principal. O planeta é habitado por uma raça única, que fala uma língua única. Os novos humanos são praticamente desprovidos de pelos, tendo sua caixa craniana aumentado em tamanho e seus corpos diminuído em proporção. Depois de bem treinados, farão parte das equipas seleccionadas pelo Conselho, para explorar a galáxia. Os outros, de uma linhagem mais regular, porém resistente, são enviados para a produção de Oxigénio. A densidade demográfica é mantida sob estrito controlo. Os nossos recursos são limitados, por isso temos que usá-los com eficácia.

- Isso é incrível. E tudo começou com base na minha pesquisa, num passado tão remoto…

O chefe dos cientistas riu, meio sem graça. O homem parecia não ter plena consciência da importância que sua pesquisa teve no desenvolver daquela raça, que representava, de uma forma ou de outra, o futuro da humanidade. Não se podia condená-lo, afinal, levando-se em consideração que mais de vinte e cinco séculos se haviam passado desde então.

- Sim, doutor. Tudo isso com base na sua preciosa pesquisa… num passado remoto e num planeta um bocado diferente deste.

***

- Leona! Preciso que vocês venham até o laboratório imediatamente. Aconteceu uma coisa muito estranha.

- Que coisa?

- Melhor virem ver… eu não sei o que dizer…

Ao chegarem constataram que o laboratório estava vazio, exceto por uma Monarca, pousada na parede.

- Como isso veio parar aqui?

Leona riu.

- Eu não sei, ao certo, mas tenho uma ideia de onde possa ter vindo… Um certo clone… que viajou ao passado e que se encantou com uma revoada de borboletas…

***

- O surto está incontrolável. Os clones perecem muito rapidamente e a linha já não dá conta de produzi-los, para suprir as necessidades, devido ao período de incubação. A continuação da vida está condenada.

- Tive uma ideia. Ainda temos a Monarca connosco?

- Sim. Mas para que serve uma borboleta, agora?

- Foi como o estudo começou. Talvez tenhamos uma hipótese…. Vamos ter que recomeçar o processo todo. Isolamos o ADN e produzimos uma nova vacina. A original não funciona mesmo. Temos que começar do nada. Houve alguma coisa neste meio tempo, que deixou de funcionar e não temos mais tempo para tentar reparar. Temos que fazer tudo novo.

- Deixemos de tentar recuperar o irrecuperável e fazer tudo, do começo, outra vez.

- OK. Mas pode levar muito tempo, até conseguirmos chegar ao ponto em que estávamos, antes do incidente.

- Talvez. Pelo menos saberemos o que fazer…

***

O Supremo olhava para as manchas negras e brancas a cobrir seu corpo magro e pálido. Elas pareciam cobertas de uma densa camada de pelos, muito suaves ao toque. Sentiu uma pontada de dor na cabeça. Sabia que suas defesas estavam comprometidas, por consequência da anomalia e por já não tomar as vacinas.

Ele suspirou e olhou para o céu daquele planeta desolado, tão insignificante, no meio do infindo Universo, tão pouco conhecido, apesar de todas as evoluções, após o Caos Primeiro, e decidiu que estava em tempo de tomar uma decisão radical.

“Não era isso que eu queria. Eles estão muito perto de chegar à uma solução. Se desconfiarem de alguma coisa, vão-se voltar contra mim. Mas nunca vou deixar que eles saibam o que eu fiz. Agora vou ter que dar um jeito, em definitivo, nesta situação, antes que seja tarde demais.”

Programou o computador principal, que comandava todas as unidades, para duas acções. A destruição era absolutamente necessária. Concluiu o comando e sentou-se, relaxadamente, como nunca havia feito, desde que se havia tornado o Supremo.

“Genocídio e suicídio. Fiz bem em sabotar a produção das vacinas, desde que descobri que a anomalia podia ser uma grande oportunidade, para o extermínio desta raça. Isso tudo vai parecer um acidente, mas para quem terei que explicar algo, afinal? Não sobrará nada! Que grande plano!”

Ele fechou os olhos e esperou. Em poucos segundos, o planeta implodia e, em seguida, explodia completamente, numa sequência predeterminada, tonando-se uma imensa nuvem de detritos, já desprovida de qualquer sinal de vida, viajando em alta velocidade pelo espaço, em todas as direcções.

Uma cápsula solitária vagava, à deriva, não muito distante de onde o asteróide existia, poucos momentos antes. Em seu interior, um tubo de metal trazia informações preciosas sobre uma raça de humanóides, que viveu em um pequeno e árido planeta e que deixara de existir. A cápsula é lançada, juntamente com os detritos do planeta destruído, pelo vazio silencioso e escuro do espaço, sendo puxada para dentro de uma fenda no meio do caos, em meio a um clarão e, a seguir, desaparecendo completamente.

***

Numa praia quase deserta, dois rapazes caminhavam lado a lado, cada um com uma lata de cerveja na mão e conversando tranquilamente. Um clarão riscou o céu, vindo da frente deles, chamando-lhes a atenção, especialmente porque o céu parecia limpo, estrelado e sem previsão de chuva. O som de algo grande, caindo no mar, bem atrás de onde vinham, fê-los parar e voltar.

O estranho objecto metálico boiava na água salgada, balançando ao sabor das ondas, ainda fumegando.

Era um dia quente de Verão, no Anno Domini 2018.


***

sábado, 30 de setembro de 2017

The Thirteenth (Part 4)



Leona looked at her father and David, the thirteenth clone, who ran along with her to the edge of the forest, worried about nothing else but to save their skins. She was faster and knew the way, so she took charge of their protection. Fortunately, the armed men had not detected them so far, but it could only be a matter of time.

They heard more gunshots. Leona kept thinking of her brother. As long as she heard the sound of those shots, as dangerous as it might be, she knew he was probably alive. The silence could be a bad sign however. She was afraid to think of the worst. Her immediate concern was to run for safety.

- We have to reach the tunnels. It will be easier to go unnoticed once we are in there. Be careful, but do not stop one second.

She knew she demanded too much from those two different human beings, but she had to be strong for the two, who were practically reaching the limits of their strength. A thought went through her head and she tried to tear it off her mind, but it was not easy...

“What will this outbreak of adrenaline cause to the body of the clone? He is already in a strange mutation. What if this speeds up some process to the point of no return?”

One more shot. This time it seemed to be closer to them. She heard hurried footsteps. They were almost at the entrance to the tunnels. Leona did not look back. She kept her father and David under her full attention and had to concentrate on keeping them safe, no matter what. The future and the past were running along with her, under her full responsibility.

As they finally passed the entrance, Leona did not hesitate. That entanglement of passageways in the various galleries was like a maze, but both she and her brother knew the place very well. They used to have a private joke about their favorite hiding place.

"If it's not right to go right, then it is right to go left."

As soon as she felt safe, she let the two men finally catch their breath. The three of them were quietly trying to figure out if they were alone in there. The sound of hurried footsteps told them that someone was coming in the same direction. It could only be her brother, but she told the two of them to be hidden and silent, until they were sure of it, while she would check it.

- Leona, I saved the diary. Don’t even ask at what cost. You'd better take it with you. I will divert the attention of those men so that they never come close to the terminal until you are safe to be transported back to the future.

- No. We have very little time. We must get out of here together.

- It's our only chance. Trust me. I will be here on time. Don’t worry.

Not to worry and trust him? She had her doubts... As much as he seemed confident of what he was doing, it was still extremely risky.

The woman did not realize that her brother tried to hide his difficulty in breathing normally. He pretended to be only tired and worried about getting them out of there and back to safety.

- We'll meet at the terminal in fifteen minutes. Don’t wait more than five more minutes for me. Now go.

Leona quickly articulated an emergency plan in her mind, but she needed time to carry it out before her brother rejoined the group.

She called her father and the Thirteenth up. They followed her, saying nothing. The younger character could not hide how scared and afraid he was. The older man, used to sudden departs and a very unsafe life for long just followed his daughter, without complaining and in apprehensive quietness.

The woman was agile and knew the way through like no one else. The two of them made an extra effort to follow her, blindly and confidently. All the other sounds, besides their footsteps, had been completely left behind, making it easier for them to be attentive to the place and noises around.

- It's right over there. We’ve finally arrived.

***

Leona reprogrammed the transport terminal, as she had decided mentally, for the return of four travelers, rather than the three who had gotten in at that point in the past. Despite the risk of that action, and even knowing that she was going against all the security procedures and orders of the Supreme, she had no doubt she had taken the right decision.

She, her father and the Thirteenth clone were anxiously waiting for the fourth traveler, but time ran out too quickly and the terminal sent the transfer signal. The three of them placed themselves in the center of the capsule and waited a fraction of a second for it to begin the process.

The woman felt tired and sad, but she had to follow the procedure, especially in the name of the safety of her father and the clone. When they’d reach the future, she would try to get around the situation, probably by sending another signal, so that her brother would receive it and return. He would know what to do.

The sound of a burst of gunshots was not noticed by any of the three as they were being transferred back into the future because of the buzzing sound the machine emitted and the speed of the process. The Thirteenth felt a jerk in his foot, but did not realize what was really happening.

They heard an intermittent ringing a few seconds later.

The transfer had been effectively completed. They were now inside the transportation terminal of the main building in the year 4697.

Leona looked down, at the feet of the Thirteenth, and then realized the clone had his legs and feet stained with blood.

- What is it?

- It's… blood. Are you hurt?

- I don’t know…

The clone’s nose was also bleeding. He rolled his eyes and fell at the woman’s feet, apparently unconscious. She hurried to him, but then she saw that behind him lay the wounded and unconscious body of her brother. His hands were also covered with blood.

The two scientists arrived at that moment, together with the Supreme, who approached and spoke, before she had time to explain herself.

- I hope you have a very good explanation to this. I told you not to interfere with anything in the past. Your task was precisely to prevent that from happening.

- I know. But we were being chased by armed men and I could not leave anyone behind. It was the only alternative.

- The only alternative? The only alternative was to have avoided this whole mess...

- I know, but we have a more serious problem right now...

The Supreme looked over Leona's shoulders and understood what she meant. Although he was an extremely severe man, he was also consistent and fair.

***

- But we managed to save the diary, after all. Even after everything that happened... and...

- Yes. That's right. But at a very high price.

- This is no longer relevant. What matters now is that we have managed to protect our future and the living of all these people...

- But we messed with the past. It should not have happened. It was a very serious risk... and invariably every intervention has its consequences.

- But you were not going to live for long, back there, anyway... The attack may have been anticipated by our arrival at that time in the laboratory, but for all intents and purposes, you'd be dead that night and that's what happened. No one will ever know the truth... What difference could it make, now?

- Never underestimate the effects of the small things or those that seem to have little importance... How do you know that nothing has remained untouched in this future? Even if you have not noticed yet... there has been a change!

- Are you sure?

- I am, yes...

Leona looked at her father with concern. His brother's death had been a sacrifice, in the name of the future and science, which had not been foreseen, nor could it be prevented or reversed. Time is cruel and does not forgive... That new finding, however, was quite worrying.

Her father pointed to the laboratory. From there, David, the Thirteenth cone, looked at her and the old scientist.

Leona frowned. He seemed calm, but the anomaly was more and more evident. The woman pulled her father by the arm and they entered the immaculately white room.


The chief scientist seemed to be tremendously stressed and in despair.


sábado, 23 de setembro de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 4)


Leona olhou para o pai e David, o décimo-terceiro clone, que corriam junto dela, pelo meio do bosque, sem pensar em outra coisa, além de salvar suas peles. Ela era mais rápida e conhecia o caminho, por isso assumiu a responsabilidade sobre a segurança deles. Por sorte, os homens armados ainda não os haviam detetado, mas poderia ser, somente, uma questão de tempo.

Ouviram mais tiros. Leona não parava de pensar no irmão. Enquanto ela os ouvisse, por mais perigoso que pudesse ser, entretanto, sabia que ele estaria, provavelmente, vivo. O silêncio é que poderia ser mau sinal. Ela tinha medo de pensar no pior. Sua preocupação era, agora, correr, sem parar.

- Temos que chegar à entrada dos túneis. Lá será mais fácil desaparecermos. Tomem cuidado, mas não parem.

Ela sabia que exigia demais daqueles dois seres, mas tinha que ser forte pelos dois, que estavam praticamente chegando aos limites de suas forças. Um pensamento passou por sua cabeça e ela tentou arrancá-lo da mente, mas não era fácil…

“O que será que este surto de adrenalina vai causar ao corpo do clone? Ele já está em estranha mutação. E se isso acelerar algum processo?”

Mais um tiro. Desta vez pareceu estar mais perto deles. Ouviu passos apressados. Estavam quase na entrada dos túneis. Leona não olhou para trás. Mantinha o pai e David, sob sua total atenção. Tinha que se concentrar em deixá-los a salvo, de qualquer maneira. O futuro e o passado corriam junto dela.

Ao passar pela entrada dos túneis, Leona não hesitou. Aquele emaranhado de entradas, nas diversas galerias, era como um labirinto, mas tanto ela quanto o irmão, conheciam muito bem aquele lugar. Eles costumavam fazer uma brincadeira com seu esconderijo favorito.

“Se não é direito ir à direita, então é direito ir à esquerda”.

Assim que se sentiu segura, deixou os dois homens, finalmente, tomarem fôlego. Os três ficaram, quietos, tentando perceber se já estavam seguros. O som de passos apressados indicou-lhes que vinha alguém na mesma direção. Só podia ser o irmão, mas ela pediu aos dois para ficarem escondidos e em silêncio, até terem certeza, enquanto ela se certificava.  

- Leona, consegui salvar o diário. Nem pergunte a que custo. É melhor que o leves contigo. Eu vou continuar a desviar a atenção dos homens, para que nunca cheguem perto do terminal, até vocês estarem seguros.

- Não. Nós temos muito pouco tempo. Vamos ter que sair daqui juntos.

- É nossa única hipótese. Confia em mim. Eu chego a tempo, podes ficar tranquila.

Confiar nele? Ela teve dúvidas… Por mais que parecesse certo do que fazia, ainda assim, era extremamente arriscado.

A mulher não percebeu que o irmão tentava esconder sua dificuldade em respirar normalmente. Ele fingiu estar, somente, cansado e preocupado em fazer com que saíssem dali a salvo.

- Vamo-nos encontrar no terminal em quinze minutos. Não esperem mais que cinco minutos por mim. Agora vão.

Leona articulou, rapidamente, um plano de emergência em sua mente, mas precisava de tempo para executá-lo, antes que o irmão voltasse a juntar-se ao grupo.

Ela chamou o pai e o Décimo-Terceiro. Os dois seguiram-na, sem dizer nada. O personagem mais jovem não conseguia esconder o quão assustado e receoso estava. O homem mais velho, acostumado com fugas repentinas e uma vida bem pouco segura, desde há muito, apenas seguiu a filha, sem reclamar e em apreensivo silêncio.

A mulher era ágil e sabia o caminho como ninguém. Os dois faziam um esforço extra para poderem acompanhá-la, mas seguiam-na cega e confiantemente, em absoluto silêncio.

Todos os outros sons, além de seus passos, haviam ficado completamente para trás, deixando-os mais tranquilos, mas não desatentos. 

- É ali. Chegamos.
***

Leona reprogramou o terminal de transporte, como havia decidido mentalmente, para a volta de quatro viajantes, ao invés dos três que aportaram naquele ponto do passado. Apesar do risco que corriam com aquela atitude e, mesmo sabendo que contrariava todos os procedimentos de segurança e as ordens do Supremo, ela não teve dúvidas quanto à certeza de que tomara a decisão mais acertada.

Ela, o pai e o Décimo-Terceiro clone aguardavam ansiosamente pelo quarto viajante, mas o tempo esgotou-se muito rapidamente e o terminal deu o sinal de transferência. Os três colocaram-se no centro da cápsula e esperaram uma pequena fração de segundo, para que a mesma começasse o processo. 

A mulher sentia-se cansada e triste, mas tinha que seguir o procedimento, em nome da segurança do pai e do clone. Quando chegassem ao futuro, ela trataria de contornar a situação, provavelmente enviando um outro sinal, para que o irmão recebesse e pudesse voltar. Ele saberia o que fazer.

O som de uma rajada de disparos não foi percebido por nenhum dos três, enquanto estavam sendo transferidos de volta para o futuro, por causa do zumbido que a máquina emitiu e da rapidez do processo. O Décimo-Terceiro sentiu um empurrão no pé, mas não percebeu o que acontecia, realmente.

Ouviram uma sirene a tocar, intermitentemente, poucos segundos depois.

A transferência havia sido concluída, efetivamente. Agora, encontravam-se dentro do terminal de transporte do edifício principal, no ano de 4697.

Leona olhou para baixo, aos pés do Décimo-Terceiro e, então, percebeu que o clone tinha as pernas e os pés manchados de sangue.

- O que é isso?

- É sangue. Estás ferido?

- Não… sei…

O clone também sangrava pelo nariz. Ele revirou os olhos e caiu aos pés da mulher, aparentemente desacordado. Ela apressou-se para acudi-lo, quando viu que, atrás dele, jazia o corpo ferido e inconsciente do irmão. Ele também tinha as mãos cobertas de sangue.

Os dois cientistas chegaram, naquele momento, juntamente com o Supremo, que aproximou-se e falou, antes que ela tivesse tempo de explicar-se.

- Eu espero que tenhas uma razão muito boa para isto. Eu te avisei que vocês não deviam intervir com qualquer coisa no passado. A tua missão era justamente impedir que tal acontecesse.

- Eu sei. Mas estávamos sendo perseguidos por homens armados e não podia deixar ninguém para trás. Era a única alternativa.

- A única? A única alternativa era ter evitado esta confusão toda…

- Eu sei, mas temos um problema mais grave, neste momento…

O Supremo olhou por cima dos ombros de Leona e percebeu, logo, ao que ela se referia. Embora fosse um homem extremamente severo, ele não deixava de ser coerente e justo.

***

- Mas nós conseguimos salvar o diário, afinal. Mesmo com tudo que aconteceu… e…

- Sim. É certo. Mas a um preço muito alto.

- Isso já não tem nenhuma relevância. O que importa é que conseguimos garantir o nosso futuro e desta gente...

- Mas mexemos com o passado. Não deveria ter acontecido. Foi um risco muito grande... e, invariavelmente, toda intervenção tem suas consequências.

- Mas tu já não ias ficar muito tempo vivo, lá, de todo jeito… O ataque pode ter sido antecipado pela nossa chegada àquela hora ao laboratório, mas para todos os efeitos, segundo consta, serias morto naquela mesma noite e foi isso que aconteceu. Ninguém, nunca, vai saber a verdade… Que diferença poderia fazer, agora?

- Nunca subestime os efeitos das coisas pequenas ou das que pareçam ter pouca importância… Como sabes que nada ficou intocado, neste futuro? Mesmo que ainda não tenhas percebido… houve uma mudança!

- Houve?

- Houve, sim…

Leona olhou o pai, com preocupação. A morte do irmão fora um sacrifício, em nome do futuro e da ciência, que não fora previsto, nem pode ser impedido ou revertido. O tempo não perdoava… Aquela nova constatação, porém, era preocupante.

O pai apontou para o laboratório. De lá, David, o Décimo-Terceiro clone, olhava para ela e para o velho cientista.

Leona franziu o cenho. Ele parecia tranquilo, mas a anomalia estava cada vez mais evidente. A mulher puxou o pai pelo braço e entraram os dois na sala imaculadamente branca.

O chefe dos cientistas parecia desesperado.


sábado, 9 de setembro de 2017

The Thirteenth (Part 3)


It was not too late at night, in the suburbs. The silhouettes of two people, with very dissimilar looks, moved among the shadows, among the narrow streets and the dark alleys. Some people were still walking outside, others were chatting happily in the pubs and restaurants. It was quite a pleasant and fresh autumn night, fresh but not chilly at all. To the stronger man, that temperature was ideal, but his companion was uncomfortable, feeling his pale and fragile body tremble with cold.

- Let's go that way. We are not far by now. I just hope I don’t give the old man too much of a fright.

The other man looked at him, not quite realizing what that really meant and continued to follow the strong man, first behind a large house, which covered a whole block, in the farthest part of the village, then through a children’s playground at a small park and then they finally crossed a large patio that led them into a dense group of large trees.

When they started walking through the woods, they hit some branches of the Swan Milkweed that were hanging on their way and that had a surprising effect on some of the forest's temporary residents. A rustle of movement and color impressed the clone, but irritated the man who led him down those dark paths in the cool autumn night.

- Oh! What are these?

- They're butterflies. Monarchs, more specifically...

- How interesting... They are so...

Words failed him. He could not, with such a short life, say what he felt about beauty, one of the few things that really impressed him.

- ...annoying when they fly around us. We should avoid these swift moves because anything we do can raise suspicion and put us in danger. We have to keep our presence as discreet as possible.

The clone looked at the man, who was annoyed with such beauty and did not understand why he did not enjoy that unusual moment. The man pulled him by the arm, whispering, irritated.

- Let's go! Every minute we waste is too precious and we'll miss them eventually. You'll know more about the Monarchs, if you ever have the time... Now, let’s move on!

They finally arrived at the entrance of a tunnel, hidden in the basement of a building. From there, after passing through a series of other passageways, tangled in a rather intricate network, they finally got into a small old shed, built in the backyard of an ordinary house.

From there, they noticed there were lights on in the house, showing evidence that someone was still up. They were careful to stay hid in the shadows until they were absolutely sure no one could see them. The silence was proof enough that there was no danger. The two of them stepped up to the door. The stronger man knocked on the door with his knuckles. He then stopped for a short while and knocked again twice. That was the code he reminded. At the sound of footsteps coming from the inside, he felt a strange apprehension.

A middle-aged man opened the door, but his expression soon changed from a smile to a mix of worry and fear. What those two strangers were doing there at his door, using the code only known by his son and daughter, was unknown to him, but he felt they were no good news. The strongest man reminded him of someone he knew, but he could not recall who that could be.

- What can I do for you?

The man kept the door half open, trying to control the situation. He sensed that he was at a disadvantage, but he had to try and intimidate the visitors, who still stood somewhat in the shadow of the night.

- Can we come inside? It is important.

- No. You cannot, without telling me who you are and what you want.

 The younger man stepped forward, while the older man grabbed the door firmly, trying to close it, before he lost control, but his strength did not match that of the other one.

- Father?

The man's eyes widened. That was unexpected. He was absolutely sure he had no children that age. The younger man's eyes, however, when they were struck by the light from within the house, were as green as his son's, but he immediately refuted that common characteristic.

- My son is a lot younger than you and I'm pretty sure I've never had another one. I do not know who you are or what you want, but you will not get anything from me.

- I know it sounds unbelievable, but I can explain... Let us in, please. We are all in danger.

The older man’s face changed immediately to a very serious and hard expression. The younger man then tried his last attempt.

- I’m not trying to fool you. Look at this! Do you believe me now?

The man pulled the door open, carefully, so as to let the two visitors in. Until then, he'd hardly noticed the features of the little man, which he now watched, attentively. He was extremely pale, young and almost hairless. His head seemed to be disproportionately larger than those with whom he used to be. Her skin looked very thin. The green eyes also reminded him of someone, but he did not catch it at first. He was now busy examining that strange being whose anomaly he had already seen before in his own son.

- How could this be possible?

- We believe the answer is here at this time. That's why we need your help.

The three of them turned their attention to a spot in the shadows, behind the old man, from which the female voice was coming.

- Leona? What happened to you? You're so different...

- We are all, Father, but…

- You shouldn’t have come.

- And let you trigger a catastrophe? This untimely behavior of yours has already put us in a very big trouble... We have to interfere as little as possible with this time and place. Everything we do here, will surely have consequences in that world.

- What world? Can anyone explain this whole mess to me?

Before her brother began telling improper truths, Leona went forward. She would be more careful with the words and say only what would not change… much… the course of the events, but their father had to know what happened... or was going to happen... as a matter of fact… so he could help them.

The scientist listened quietly but not without showing how impressed he was. He would never imagine how important his research would become in the future. In his modesty and simplicity, behind all intelligence and brightness, he did not foresee that his work would bring so much benefit to mankind... or at least to a portion of it...


***

- Father, the chief scientist, who is a very experienced and competent man, could not find out what caused that anomaly in the clone. The concern is that it is serious and that will put a good part of those who are born at risk, as if it were an epidemic, difficult to control. Some element in the vaccine might have stopped working, or there was some mutation of a sort.

- I brought a sample of the new vaccine, which is under test, to be analyzed by you. How did you reverse the effect when it happened to me? There is no record about this in the known data.

- I know. I never left any of it written in the official records. I only made a few notes in my diary, which I kept out of sight for everyone. But I know what to do... I dealt with it not so long ago. But we're must first go to the University's laboratory, do some more tests. We have already eliminated the... err... I do not know if it will result in a clone, whose DNA may have already undergone many mutations, nor do I know what kind of reactions can still happen, but it’s worth a try.

Before they left, however, the man looked at the three visitors and, frowning, asked, with childlike ingenuity.

- What are clones for, anyway?

The three of them looked at the old scientist, as if he had said an obscenity. Leona laughed tenderly and said to him,

- I’ll try to explain on the way...


***

- What is it? It's so nice...

- It’s music. Let's go.

- Where is it coming from?

- Come on! Quickly! We do not have time for this.

The father, much more patient than his son, tried to explain, in a more or less coherent way:

- Music is the language though which the souls of men talk to those of the gods. It is capable to touch the most intangible living being. There are many different types and styles. This one that you hear is by a famous artist, who no longer walks on this Earth.

- No? Where does he walk on, now?

- He’s dead. His name was David Bowie. The music comes from the club bar ahead, but we should avoid going there. We cannot raise any suspicion and it’s too late in the evening already...

- By the way, we have to find a name for you. If someone stops us, for some reason, it will be the most convenient... and appropriate way. We should not take unnecessary risks.

- I am the Thirteenth.

- Yes. But that's not a decent name for this place. We have to choose another one; more common and suitable...

- Could it be David Bowie?

Leona chuckled loudly.

- It can be David. Forget the Bowie. It will raise more suspicion if it is used here.


***

The university campus was practically deserted when they arrived. There was a white van at the entrance, parked near the research area, where the lab was located. The letters N. M. E., painted in red, on the sides, did not raise suspicions, when the four characters descended the flight of stairs, which took them to their destination. As soon as the scientist took the key out of his pocket and turned the lock in the narrow metal door, a hiss was heard and a deep mark was engraved above his head, in the light gray hard metal. They threw themselves in, closing the door behind them so to gain some time and rushed to the Main Lab.

- Who are these? We are being attacked by fire guns. We have to get away and try to get back to the terminal. Let's all go. Run!

As they entered the lab, they dragged a large cabinet and blocked the door.

- We must use the emergency exit that is located at the opposite end of the laboratory. I'll show you the way. Now, hurry and keep on walking to the end of the hall and go through the door where it’s written "To the roof" and, instead of going up, go behind the stairs. There is another door there, at the bottom of the broom and cleaning cabinet, painted the same color as the walls, to make it difficult to find. I’ll have to go back and get my notes.

At that moment, they heard a loud blast. The front door had been broken into with explosives. The sounds of footsteps running down the hall, very close to them, made them panic and imagine a hurried escape plan.

- There is no time to go back. We have to get out of here as soon as possible. They are already coming after us...

- But it's extremely important... it's right in the desk drawer...

The younger man knew his father was right. It was extremely important to seek the information, to fulfill the purpose of that time travel or else it would have been useless. Without thinking much, he decided:

- I’ll go back. I'm faster and stronger. I can defend myself better, and besides, when we get back to the terminal, we will not be able all four to travel at the same time. The programming will be done for three, only...

- We can reprogram it.

- If we have time... Let’s hurry. I’ll come back. Don’t wait for me. Don’t worry, I'll find a way. If the portal is not open anymore, I’ll wait for a signal.

- We'll send one, as soon as we get there, programming the terminal for a passenger, only, so it closes as soon as you get in and we bring no more danger along with us to the future.

- OK. Now, let's move on. Time is short.

Leona felt a sting in her chest. Things had gotten out of hand. The whole operation had been too risky, and now they were struggling to stay alive. She had the lead and show the way, but they had to be fast and unsuspecting, until they reached the terminal.

Then they heard a series of gun shots. What an efficient and dangerous way to rush things...