sábado, 5 de agosto de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 1)


- Esse é o décimo-terceiro.

- Décimo-terceiro? Não pensei que houvessem sobrevivido tantos…

- Veja que espécime espetacular! Ele é mais forte que os outros.

- Será que devemos trabalhar melhor nele? A vida útil deles não é muito longa.

- Sim, é verdade. Mas este parece ter mais que os outros. Vamos analisar com mais cuidado. É nossa responsabilidade selecionar somente os melhores dos melhores. Este parece ser um deles.

- O Supremo tem que saber. Vamos chamá-lo ou reportar diretamente?

- Ainda não vamos fazer nem uma coisa, nem outra. Temos que ter algumas certezas antes. Se nós errarmos, o Supremo nos massacra e sabes o que acontece depois.

- Sei e não gosto do pensamento. Mas temos que manter este segredo entre nós. Temos que separá-lo dos outros ou ele será descoberto, antes que possamos ter todas as certezas.

- Tive uma ideia. Vamos levá-lo para a Estação Estelar. Lá, ele será bem analisado e teremos condições de verificar melhor todos os detalhes, até que esteja pronto. Sei bem quem terá o máximo prazer em nos ajudar a avaliar, investigar alguns detalhes e, até, cuidar dele, entrementes.

Ele olhou sério para o outro, que logo percebeu de quem se falava.

- E o que fazemos com os outros?

- O mesmo de sempre. Logo estarão preparados, mas terão o mesmo uso de tantos outros, que foram produzidos antes deles.

- Melhor nos apressarmos, então, antes que alguém chegue.

- Não. Melhor esperar até todos saírem. Enquanto isso, segregamos estes outros e os mandamos para a frente. Não podemos levantar suspeitas. Se demorarmos demais a despachá-los, os outros desconfiarão. Temos, ainda, que preencher os relatórios e confirmar a contagem.

- Já vou fazer isso, para poder tratar do resto, em seguida.

- OK. Vou fechar o laboratório, para garantir que não teremos surpresas. Voltamos depois.

***

O dia havia começado normalmente, como todos os outros, de uma rotina sem surpresas. A Estação Estelar estava praticamente desativada, com poucas funcionalidades ainda a trabalhar e não era visitada pelos cientistas, tão frequentemente, por isso era fácil para os dois passarem insuspeitos.

O décimo-terceiro estava a salvo. Não se sabia por quanto tempo. Eles tinham que ter toda a firmeza, antes de apresentá-lo ao Supremo, ou sabiam que poderiam ser mandados para uma das linhas de menor valor. Eles haviam atingido suas posições dentro da estrutura, por serem sensatos e sabiam que outros, antes deles, que erraram na seleção, haviam sido esquecidos na estação glacial, do outro lado do planeta, onde as anomalias eram estudadas e as vacinas para as próximas gerações criadas. Apesar de ser um trabalho importante na aplicação, as condições eram restritas e pouco confortáveis. Era um destino um tanto cruel e com uma previsão de futuro muito reduzida. Era a recompensa pelo erro. Um segundo erro seria punido com mais rigor.

O Supremo era rígido e desprovido de demonstrações de sentimentos. As coisas tinham que trabalhar na perfeição. Como num vinho de safra espetacular, um vintage, a seleção era muito criteriosa. Somente os melhores poderiam ser enviados a ele, que os aprovava, classificava e definia seus destinos.

Os dois chegaram juntos e foram diretamente até a sala de despressurização. Após trocarem os uniformes por roupas esterilizadas, foram até a sala do Conselho, onde sua anfitriã já esperava. Ela os recebeu com satisfação evidente.

- Então?

- Ele é praticamente perfeito. Nunca vi nenhum tão bem feito e vigoroso.

- Então acertamos. Já podemos levá-lo ao Supremo.

- Acertaram, sim. Mas há um pequeno, porém contornável, problema.

- Pequeno…?

- Problema…?

Os dois olharam a mulher, que sorriu-lhes e levantando-se, pediu-lhes que a acompanhassem.

***

- Contornável? Como pode ser este um problema contornável? Nós seremos condenados…

- Calma. Eu disse que era contornável, não disse que ele era apresentável ao Supremo.

- E agora? O que faremos? Se formos descobertos, estaremos em uma grande alhada!

- Alhada? Ainda se usa essa palavra?

O homem riu. O outro exibia uma expressão confusa. Não tinha a mínima ideia de onde o colega havia tirado aquele termo e nem ia perguntar. Estava mais preocupado em como resolver o pequeno problema.

A mulher, de olhos profundamente verdes, falou, antes de ser perguntada.

- Temos que tirá-lo desta estação, antes que alguém descubra que o temos aqui. Não vai ser fácil escondê-lo por muito tempo.

- E para onde podemos levá-lo. Não temos muitas alternativas.

- Temos umas poucas. Uma delas é a Estação Glacial. Alguém que está lá deve-me um favor bem grande.

- Oh. Não. Não podemos aceitar.

- E vão fazer o quê? Levá-lo ao Supremo? Deixá-lo cá?

- É um risco muito grande. E não teremos garantias se seremos bem-sucedidos.

- Deixem que eu trate disso. De todas as formas, ele nunca poderá ser trazido de volta para cá… pelo menos até resolvermos isso. Eu mesma falo com o Supremo.

Os dois homens ficaram sem saber o que dizer. A mulher os havia colocado em xeque e eles não tinham alternativas melhores.

***

- Não posso aceitar isso, Leona. Tu sabes que ele é imprevisível e não menos perigoso.

- Ele é meu irmão. Poupei-lhe a vida diante de um crime punível com a morte ou prisão pela eternidade. Ele não me fará mal. Eu preciso falar com ele.

- Não temos ouvido falar dele há anos… Por que essa urgência agora?

- É um motivo pessoal.

- Por mais pessoal que seja, ele não poderá ser trazido para cá.

- Eu não o trarei. Prometo.

O Supremo não gostava da ideia, mas tinha muito respeito e carinho pela mulher. Sabia que ela era coerente e muito responsável. Ele havia suportado as decisões dela e poupado a vida do irmão, que assassinara seu amante, bem à sua frente. O assassino fora enviado para a Estação Glacial, distante de todos, junto apenas dos cientistas que desenvolviam as vacinas, criadas a partir do desenvolvimento de um protótipo estudado pelo pai deles.

- Fique sabendo que eu não gosto desta ideia. Se te acontecer algo, eu serei responsável.

- Não. Eu serei a única responsável. Vou-me preparar para o transporte.

***

Leona tomou-o consigo e partiu para onde estava destinada, com o intuito de resolver o pequeno problema, gerado por outro pequeno problema. No terminal de transporte da Estação Glacial, o alarme disparou, anunciando a chegada de visitantes. Um homenzinho de olhos azuis muito intensos aproximou-se da sala e esperou um par de segundos a ver a mulher conhecida materializar-se. Só que ela não estava sozinha.

- Leona! Que bela surpresa! Que bons ventos a trazem?

O chefe dos cientistas continuava o mesmo de tempos atrás, quando ainda estava no edifício Principal. Havia sido sua opção a mudança para a Estação Glacial, pois assim teria tempo, distância de problemas e perguntas inadequadas e, ainda, espaço para as suas pesquisas, desenvolvimento e produção das vacinas. Além dos cientistas novos, que vieram consigo, ele tinha, sob sua alçada, alguns operários trazidos do centro de clonagem e, para sua agonia, o único exilado daquele mundo que ele conhecia.

O homem que estava na Estação, por exílio, era muito diferente dos outros indivíduos daquela base e tempo. Parecia completamente fora de contexto e funções. Mas, pelo menos estava vivo. O chefe dos cientistas mantinha-o sob constante vigilância, mas a rebeldia inicial havia diminuído com o passar dos tempos. O homem parecia muito mais calmo do que quando haviam-no enviado para a base e havia-se adaptado às funções que lhe haviam sido atribuídas. Com o tempo, ganhou confiança e tratava da Logística de envio e armazenagem das vacinas para as estações habitadas.

O chefe dos cientistas desligou o campo de força do terminal de transporte e adiantou-se.

- Vejo que trouxeste algo.

- Veja este espécime. Primeiramente pensávamos que era o mais perfeito e digno de orgulho da amostragem, mas veja isto.

- Ah! Já percebi.

- Não podíamos apresentá-lo ao Supremo, até termos certeza absoluta e, agora, já não podemos fazê-lo, pelas razões óbvias. E deixá-lo lá seria o mesmo que admitir que cometemos um grande erro.

- E o que podemos fazer?

- Esperava que pudesse ajudar-me a decidir. Tenho uma ideia e preciso de sua ajuda para colocá-la em prática.

***

- Não posso aceitar, Leona. É um perigo muito grande.

- Mas é nossa única opção, além de…

O chefe dos cientistas arregalou os olhos azuis. Não poderia admitir a outra alternativa. Estava encurralado. Ou aceitava uma coisa ou outra e em ambos os casos, estava em xeque.

- Eu não tenho como cuidar dele. Vou ter que arranjar um meio…

- Acredito que isso poderá ser fácil de tratar. O responsável pela Logística me deve um favor.

- Oh. Não. Não. Não…

O homenzinho tinha receio das consequências. Não podia aceitar uma responsabilidade daquelas.

- Deixe que eu trato disso.

- Leona, isso é um risco muito grande. Se acontecer alguma coisa, seremos ambos responsáveis.

- Eu sei. Mas o que pode acontecer? A princípio estamos lidando com algo que não existe…

O homem olhou a visitante com um pouco de preocupação. Ela parecia fria demais, diante do problema. Não era a Leona que ele conhecia.

Por algum motivo, pareceu-lhe que havia algo por trás daquele mistério todo. Só esperava que não fosse um pequeno-grande problema para si e para o seu futuro na Estação. Considerava seu trabalho e sua posição com grande apreço.

Ele não estava na Estação Glacial por haver sido banido ou por desmérito e, sim, por opção. O legado do pai de Leona, que vinha sendo melhorado através dos tempos, era seu maior orgulho. Ele era a prova viva de que a vacina era eficaz. Ela também.

Ele, Leona e o irmão, antes de todos os outros, usavam as novas versões das vacinas, voluntariamente…

Agora, havia uma mutação… um problema a ser estudado; um enigma que ele ainda não sabia como resolver.

O velho cientista olhou o clone e colocou-o sobre a mesa do laboratório. Desembrulhou-o completamente do lençol que o abrigava e disse:

- Vamos então tentar desvendar este mistério.

Leona sorriu e disse que ia ver o irmão. Tinha coisas a tratar. Ela sabia que havia uma outra alternativa, mas ainda não era a hora de mencioná-la.

O velho cientista acedeu e voltou ao objeto de sua atenção. Já não estava mais interessado na conversa que Leona ia ter com o irmão.

- Então, meu rapaz, como é que isso foi acontecer contigo? Será que foi efeito dos medicamentos sobre o corpo?

O pálido ser olhou o homenzinho, com olhos tranquilos. O homem começou a examinar o experimento e resolveu colher amostras de sangue para analisar as mutações em seu ADN. Antes de tomar qualquer decisão, precisava saber com o que estava lidando.

Do outro lado do edifício, no fim de um longo corredor, Leona tinha uma ideia muito firme em mente…

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Contradições (Parte 2 de 2)


- Tu o quê?

- Eu deixei que ele me beijasse... e eu o beijei de volta.

- Estás louca? Por quê? Tu disseste que o odiavas...

- E é verdade. Eu ainda o odeio e a mim, mais ainda, por deixá-lo fazer isso comigo. Foi um momento de fraqueza... e foi só um beijo…

- Fraqueza? Só um beijo? E quanto a nós?

Olhei aquele seu rosto atraente, exibindo a expressão de uma triste incredulidade e me senti, mesmo, muito mal e culpada. Ele não merecia aquilo, especialmente de mim.

Que idiota eu fui! Eu não havia sido apenas fraca, também estivera completamente fora de mim, sem pensar na extensão do que tinha feito. E, agora, era muito tarde para voltar atrás. Eu conhecia aquele homem e também sabia que sua confiança em mim seria muito difícil de manter, depois de um comportamento inconsistente daqueles.

- Eu sinto muito. De verdade.

Eu podia ver o desencanto cobrir, rapidamente, seu rosto, como uma nuvem pesada e escura e não pude deixar de me sentir severamente responsável por aquilo. Eu também estava devastada, confusa e totalmente desapontada comigo mesma.

Ele não disse mais nada, apenas virou as costas e saiu.

Eu me perguntei se, algum dia, poderia consertar aquela situação e, mesmo se pudesse, sabia que ele nunca mais confiaria em mim, tão cegamente.

Ah! Se eu pudesse fazer o tempo voltar atrás...

***

Um pequeno vaso de Miosótis foi entregue, pelo florista, na minha porta. Eu não precisava de nenhum cartão para descobrir quem teria sido o remetente, mas procurei, no meio das delicadas pétalas azuis, de qualquer maneira. Uma mensagem simples, não assinada, estava escrita em um pequeno cartão. Senti uma fisgada no estômago.

"Não consigo te esquecer... Não me esqueças..."

Eu conhecia o nome popular daquelas flores. A mensagem era clara, em ambos os sentidos. Eu me perguntava por que ele estava fazendo aquilo e o que ainda queria de mim.

Após aquele incidente, já havia passado algumas semanas sozinha e eu tentava não colocar mais stress na minha mente. Já havia assumido meus erros e sabia que alguns actos são imperdoáveis, especialmente em termos de relacionamentos. Dei, ao meu amante, o tempo necessário para pensar em nós e à mim mesma, para me acostumar a viver por minha própria conta, novamente. Por outro lado, estava evitando o homem que me enviava mensagens directas, tentando, de alguma forma, voltar para minha vida e para o meu coração.

Quão complicada pode ser a vida, com todas aquelas coisas a acontecerem, como se fossem tempestades, umas após as outras? Era justo ou era apenas uma maneira que a vida encontrava de me tornar mais forte e rígida, sem perder a leveza do meu coração?

Peguei o vaso de flores e coloquei do lado de fora, na varanda, para não ter que olhar para elas. Aquelas flores não eram responsáveis ​​por nada e, como seres vivos, mereciam sobreviver. Resolvi que iria, apenas, regá-las uma vez por dia, antes de decidir o que fazer, a seguir.

Quando voltei para dentro, o telefone tocava.

- Recebeste as flores? Eles significam muito, sabias? Espero que não te tenhas esquecido...

- Esquecido do quê?

- Estás tentando enganar-me. Eu te conheço muito bem. Tu nunca esquecerias coisas como essas...

- Mesmo?

Ele riu. Ele me conhecia muito bem. Claro que eu ainda me lembrava. Ninguém jamais poderia acreditar como minhas memórias ainda estavam tão vívidas e, no entanto, eu desejava, tanto, que elas já não estivessem.

***

"Estou quase aí. Cerca de três minutos, aproximadamente. Qual o número do quarto, mesmo?"

Enviei uma mensagem de texto com as informações e esperei. Cinco minutos depois eu abria a porta do quarto 308 e deixava entrar o belo homem ruivo.

Segundos depois que ele entrou, estávamos abraçados e eu pude sentir quão entusiasmado ele estava, assim que nos beijamos. Ele era apaixonado, intenso e viril, apesar do toque delicado e suave de seus dedos em minha pele. Suas mãos encontraram seu caminho por toda a extensão do meu corpo e minhas roupas, espalhadas pelo pequeno quarto, passaram a ser, apenas, como insignificantes peças da decoração.

Passamos o dia inteiro e a noite juntos, saboreando cada momento daquele encontro de fim-de-semana. Depois de deixar o hotel, na manhã seguinte, a caminho da estação de comboio, ele disse que adorava aquelas florzinhas, que estavam expostas numa montra de floricultura. As pétalas azuis chamavam sua atenção e o nome popular era uma mensagem directa para mim. As delicadas Miosótis eram popularmente conhecidas como 'não-me-esqueças'.

Ele, então, comprou-me um vasinho daquelas frágeis flores, para que eu pudesse mantê-las comigo e lembrar dos nossos breves, mas intensos, momentos. Dei-lhe meu cachecol como lembrança, quando nos despedimos. Combinamos de vermo-nos, pelo menos, uma ou duas vezes ao mês, pois vivíamos em cidades diferentes, separados por cerca de pouco mais de cem milhas.

Tivemos alguns outros apaixonados fins-de-semana juntos. Entrementes, costumávamos conversar por telefone, praticamente todos os dias.

Por algum motivo estranho, depois de alguns meses, no entanto, aqueles contactos começaram a esfriar e a diminuir e, então, ele ficou em silêncio por uns tempos. Eu pensei que estivesse aborrecido com aquela situação e havia decidido parar de me ver. Coisas como essas acontecem o tempo todo e eu não estava realmente surpresa, embora um pouco desapontada. A distância entre nós tornara-se um impedimento de aprofundar nosso relacionamento. Eu ainda tentei manter as chamas acesas, deixando-lhe mensagens íntimas e apaixonadas, mas ele nem se incomodou em respondê-las.

Imaginei que haveria um bom motivo para a falta de contacto e tentei entender as razões por trás das acções. Talvez ele não me quisesse preocupar. Talvez estivesse cansado e não quisesse ficar-me chateando com explicações. Talvez... talvez... talvez...

Tantas possibilidades a considerar e nenhuma delas parecia ser suficientemente forte, para sustentar e explicar o silêncio e a falta de contacto.

Um sábado de manhã, quando eu estava voltando do supermercado, o telefone tocou. Sua voz parecia estranhamente diferente. Pensei que havia algo errado, mas esperei até ele dizer-me o que se passava.

Ele disse que tentou, mas que não pôde entrar em contacto comigo, por mais que quisesse. Havia outra pessoa em sua vida e, então, havia ligado porque precisava de um favor muito especial, da minha parte. Queria que eu enviasse uma curta mensagem de correio electrónico, afirmando que nunca houvera nada, além de uma branda amizade, entre nós. Ele precisava daquilo para mostrar, à sua mulher, que éramos apenas conhecidos e nada mais, pois ela havia encontrado uma das minhas mensagens no telefone dele e ficara furiosa.

Aquilo me atingiu como se fosse uma punhalada nas costas. Eu me senti traída, abandonada e solitária, de repente.

Ainda tentei parecer cordata e pouco afectada, mas estava tão triste, chateada e ofendida, que decidi que tinha que parar aquela situação para sempre e esquecê-lo, de uma vez, para o bem da minha sanidade. Ele não merecia minhas lágrimas ou minhas preocupações.

Ele receberia sua mensagem, sim, como precisava e, então, eu poderia voltar para minha maçante rotina solitária, enquanto ele voltaria para sua vida apaixonada e apaixonante com sua outra mulher.

Como ele nunca me enviou outra palavra desde então, considerei que estava tudo acabado entre nós.

Alguns anos se passaram, desde o dia em que tivemos aquele último contacto e eu já estava acostumada com minha vidinha simples e caseira. Ocupava-me com minhas aventuras na cozinha e, depois, longas horas no ginásio, a tentar compensar o exagero da gula. Que mais podia desejar da vida?

Um domingo de manhã, eu havia decidido tomar um brunch num Café, no centro da cidade. Estava distraída a observar os outros clientes, quando vi um homem alto e loiro entrar no recinto. Os cabelos dourados brilhavam sob a luz do ambiente e seus olhos, de um intenso azul, cruzaram os meus, quando ele sentou à mesa em frente à qual eu estava.

A partir daquela manhã especial de domingo, meu coração restabeleceu-se, lentamente, da ferida anterior e senti que tivera muita sorte em encontrar meu loiro amante, que passou, sempre, a iluminar minha vida com seu bom humor e sua figura tão atraente e masculinamente sexy. Ele mudou-se para a minha casa, umas poucas semanas depois de começarmos a namorar e eu nunca me arrependi daquela decisão. Ele era um homem bom e sempre me tratou com generosidade e respeito, além de ser um amante atencioso e sensato.

Quando a campainha tocou, naquela manhã, enquanto tomávamos o pequeno-almoço, não podia imaginar quem poderia ser. Era difícil acreditar que eu estava, novamente, frente a frente com o homem que me machucara tanto, no passado. Ele estava parado, de pé, na soleira da porta, agindo como se nada tivesse acontecido entre nós...

***

- É outra das minhas contradições tentando fazer sentido... Talvez elas, realmente, não façam nenhum...

- Ao contrário. Elas, realmente, fazem muito sentido para mim. Podes acreditar que sim. Este teu ir e vir, entretanto, não é bom para mim e não acho que seja bom para ti também... Só nos causa mais sofrimento.

- Eu entendo o que dizes, mas podemos tentar mais uma vez. Podemos fazer com que funcione desta vez.

- Tentei-me convencer de que eu deveria ser paciente e compreensiva. Tentei-me convencer que havíamos sido feitos um para o outro, já que encaixávamo-nos tão bem. Agora eu sei que estava errada... e, podes acreditar, esta não é nenhuma das minhas contradições. Eu fui injusta com o homem que sempre foi amável e fiel comigo e lamento minha estupidez, profundamente. Tu não és ele e nunca serás... Tu és, de fato, um homem mimado e sem consideração e não mereces minhas lágrimas, nem meu amor, ou meu carinho.

E aquela foi a última vez que tive contacto com aquele homem ruivo, que embora houvesse sido um amante excepcional, não tinha nenhuma apreciação verdadeira pelos meus sentimentos.

***

Eu tinha que tentar fazer algumas compensações, caso contrário me sentiria culpada pelo resto da minha vida, então entrei em contacto com meu bom amigo e pedi-lhe que me viesse encontrar, para uma conversa, em um determinado Café, no centro da cidade. Pelo tom de sua voz, eu podia sentir que ele ainda estava incerto e chateado, mas eu insisti e ele, finalmente, desistiu e aceitou.

Eu estava sentada no mesmo lugar que nos vimos pela primeira vez. Quando entrou, todo esbelto e bonito, lembrei da mesma sensação que tive na primeira vez. As borboletas bateram asas em meu estômago, mas, desta vez, por uma razão completamente diferente. Eu estava extremamente ansiosa.

Ele caminhou na minha direcção, com passos firmes, e encontrou seu caminho, assim que me viu sentada, mas não sorriu. Fiquei ainda mais apreensiva do que antes.

- Como tens estado?

- Estou bem. Meu trabalho absorve mais do meu tempo do que eu preciso, mas posso lidar bem com isso.

- Certo. Queres um café? Eu, definitivamente, preciso de um.

- Sim. Claro. Vou chamar o empregado.

Sem intimidade. Sem sorrisos. Sem esperança. Mas eu ainda tinha que fazer um esforço extra. Não estava conformada em perder, sem tentar, pelo menos, uma vez mais. O rapaz trouxe nossos cafés e nós bebemos, em silêncio. Para duas pessoas que costumavam ser amantes, aquilo era bastante estranho. Eu decidi que tinha que quebrar o silêncio, pelo bem da minha sanidade.

- Vamos ser justos um com o outro. Precisamos resolver isso, ou então...

- Não. Não há mais nada para resolver. O tempo de justiça e paciência já se foi. Agora é muito tarde... É realmente muito tarde para nós.

Daquela vez, quem ficou sem palavras, fui eu. Ele havia contido sua decepção e raiva por um tempo demasiadamente longo e doloroso. Era o momento e a ocasião certa para expressar o que ainda se passava pelo seu coração, antes tão terno e paciente. Eu tinha que dar, ao homem, a hipótese de falar, o mais livremente possível. E ele o fez. Ouvi no silêncio mais difícil que eu, alguma vez, tivera de suportar.

Ele estava no seu direito de dizer o que tinha guardado em sua mente, por tanto tempo e eu tive que beber e digerir suas palavras, como um remédio muito amargo. Eu simplesmente não sabia se aquilo me proporcionaria alguma cura, entretanto.

Meus sentimentos e emoções estavam destroçados e espalhados por todo o lugar. Eu me senti como se fosse sufocar. Um nó na garganta impedia-me de respirar. Precisava de ar, com muita urgência. Pedi a conta, paguei e levantei-me, indo directo para a porta. Ele me seguiu, em silêncio.

Enquanto caminhávamos para a praia, sentia-me tão triste, que não podia ver, nem pensar com clareza. O dia estava pesado, assim como meu coração e minha alma. Sobre nossas cabeças, as nuvens cinzentas e escuras anunciavam o mau tempo, para muito breve.

Ficamos lado a lado, por um longo tempo, observando o mar a ir e vir, naquele movimento monótono e constante. Minha mente estava vazia, ou totalmente confusa... Eu já nem sabia o que pensar. Sentia, somente, uma tristeza imensa, tentando engolir-me, como se fosse um gigantesco buraco negro.

Ele não disse nada o tempo todo, mantendo seu olhar na distância, ou em um ponto além do horizonte.

Eu me virei um pouco, para poder olhar melhor o rosto do homem, que eu ainda amava tanto. Ele parecia ter a mente e o corpo tão vazios e distantes dali. Perguntei-me se ainda poderia trazê-lo de volta daquela terra de decepção, onde se encontrava totalmente imerso.

Achei que precisava fazer alguma coisa, como minha última hipótese e, então, num arrojo desesperado, beijei-lhe num dos ombros, apoiando as minhas mãos em seus braços e tentando mostrar-lhe que ainda havia muito carinho e amor em mim, mas ele, somente, estremeceu um pouco e, então, ficou tenso, imediatamente.

Foi quando eu senti que ia ser difícil engolir meu orgulho e não chorar. Tentei manter-me plácida, para poder afastar-me dele, sem dizer nada. Já não havia nada a dizer. Já não havia mais nada nele, que pudesse ser meu, outra vez.

Ele nunca virou-se para me olhar partir, daquela forma, da vida dele, nunca disse nada, nem tentou impedir-me de ir embora. Aqueles braços e peito, onde antes eu me sentia tão segura e abrigada num abraço, já não estavam mais lá, para me proteger ou segurar.

O homem que eu tanto amei, já não podia confiar em mim e eu sabia que nunca poderia haver qualquer relacionamento saudável, se não houvesse confiança. O nosso tempo havia-se acabado e, infelizmente, tive que aceitar que fora somente por minha culpa. Eu tinha que aprender a viver com aquilo, para o resto da minha vida.

Não me virei, enquanto caminhava de volta para o carro. Era hora de encarar a realidade e afastar-me, enquanto ainda havia um fino vestígio de orgulho em mim. Eu teria que enfrentar a solidão, como meu único companheiro, novamente.

A praia pareceu-me um imenso deserto. Por trás das minhas costas eu ouvi o ribombar dos trovões e os clarões dos relâmpagos, e percebi o que vinha logo a seguir...

Em segundos, a tempestade começou e eu não fui totalmente surpreendida por um repentino banho de água fria, que jorrava, sem piedade, sobre minha cabeça e meu corpo, encharcando minhas roupas e causando-me uma inundação súbita e incontrolável, vindo dos meus olhos. Não senti nenhuma vergonha por chorar, deixando as gotas de chuva misturarem com o meu choro. Quão clichê era chorar na chuva, mas não estava preocupada com o quão comum ou quão idiota podia parecer... Também estava chovendo dentro de mim... torrencialmente...

Eu não tive vontade de correr. Só queria que a chuva lavasse minha dor, por um momento... e foi o que aconteceu... por um segundo, ou dois... Depois, a aflição multiplicou-se exponencialmente e eu solucei, alto, como uma criança abandonada…

No meu coração, eu sabia que nunca mais tornaríamos a nos ver, depois daquele dia tão triste e tempestuoso... e eu estava certa...


sexta-feira, 21 de julho de 2017

Contradictions (Part 2 of 2)



- You what?

- I let him kiss me… and I kissed him back.

- Are you out of your mind? Why? You said you hated him…

- And I did. I still hate him and I hate myself even more for letting him do that to me. I was weak…

- Weak? And what about us? 

I looked at his handsome face, showing the expression of a sad disbelief and I felt so bad and guilty. He did not deserve it at all, especially from me. 

What a fool I was! I was not only weak, I was also completely out of my mind, not thinking about the extent of what I had done. And then it was too late to go back. I knew that man and I also knew that his trust was very hard to keep after my inconsistent behaviour. 

- I’m so sorry. I really am. 

I could see the disenchantment covering his face like a heavy and dark cloud and I could not help but feel severely responsible for that. He was devastated and I was confused and disappointed at myself. 

He was wordless, so he just turned around and left. 

I wondered if I could ever mend that situation and even if I could I knew he would never trust me blindly again. 

If I could ever turn back time…

***

A small pot with a bunch of Myosotis was delivered by the florist at my door. I did not need any card to find out who the sender was, but looked for one in the middle of the delicate blue petals anyway. A simple message, not signed, was written in a small card. I felt a pinch in my stomach. 

‘I can’t forget you… Forget-me-not’…

I knew those flowers’ popular name, so the message was clear both ways. I wondered why he was doing that and what he still wanted from me.

I was living alone for some weeks after the incident and I was trying not to stress my mind out, assuming my mistakes and knowing some acts are unforgivable, especially in terms of relationships. I gave time to my lover to think about us and to myself to get used to being alone again. On the other hand, I was avoiding the man who was sending me direct messages, trying to get back to my life and heart.

How complicated life can be with all those things happening, like storms, one after the other? Was that a fair thing or was it only a way life found to make me stronger and harder and hopefully not heartless?

I took the flower pot and put it outside in the balcony, so I would not look at it most of the times. The flowers were not responsible for anything and as living beings deserved to survive. I would water them once a day before deciding what to do next.

When I got back inside, the telephone was ringing. 

- Did you get the flowers? They mean a lot, you know. I hope you have not forgotten…

- Forgotten?

- You are trying to fool me. I know you very well. You would never forget things like those…

- Do you really?

He laughed. He knew me so very well. I still remembered, of course. No one could ever believe how my memories were still so vivid and yet I wished they were not.

***

‘I am very close now. About three minutes or so away. What is the room number again?’

I sent him a text message back with the information and waited. Five minutes later I opened the door of room 308 and let the handsome ginger head man in. 

We were in each other’s arms within seconds after he walked in and I could feel how excited he’s got as soon as we kissed. He was passionate, intense and manly, in spite of the delicate and soft touch of his fingertips on my skin. His hands found their way all over my body, as soon as my clothes turned out to be just like pieces of the furniture, scattered all around in the small bedroom. 

We spent the whole day and night together, savouring every moment of that weekend encounter. After leaving the hotel the morning after, on the way to the train station, he said he loved that bunch of tiny flowers on the flower shop window. The blue petals called his attention and the popular name was a direct message to me. The tiny Myosotis were popularly known as ‘forget-me-nots’.

He then bought me a small pot of those delicate flowers, so I could keep it and remember our brief, but intense moments. I gave him my scarf as a reminder, when we kissed goodbye. We would see each other at least once or twice a month, for we lived in different cities, some hundred miles apart.

We had a few other great and passionate weekends together. In the meantime we used to talk over the phone every other day. 

For some strange reason, after some months, however, those contacts started to cool down and dwindle and then he went silent for a time. I thought he was getting bored of that situation and decided to stop seeing me. Things like those happen all the time and I was not really surprised, although a bit disappointed. The distance between us was an impediment to deepen our affair. I still tried to keep the flames burning alive, leaving loving private messages to him, but he did not bother to respond them for a long while. 

I considered there was a motive for the lack of contact and I tried to understand the reasons behind the actions. Maybe he did not want to worry me. Maybe he was tired and did not want to be upset by explanations. Maybe… maybe… maybe…

There were so many maybes to consider and none of them seem to be strong enough to substantiate the silence and the lack of contact. 

One Saturday morning when I was getting back home from the supermarket, I got a call. His voice sounded strange and different. I thought to myself there was something wrong, but waited until he talked his heart. 

He said he tried but could not contact me as much as he would like to, for there was someone else in his life. He needed a very special favour from me. He wanted me to send a short e-mail message, stating there had never been anything else than just a mild friendship between us. He needed that to show his woman that we were just acquaintances, for she had found one of my messages on his phone messenger and got furious at him. 

That hit me like a dagger being stabbed on my back. I felt betrayed, abandoned and lonely all of a sudden.

I still tried to sound cool and unaffected, but I was so sad, upset and offended that I decided I had to stop that situation for good and forget him for the sake of my sanity. He did not deserve my tears or my worries. 

He would get his message, as he needed and then I could go back to my dull life, while he would go back to his life and his woman as well.

He never sent me another word since then, so I called it quits. 

A couple of years have passed from the day we had that last contact and I was comfortably living on my own and used to my secluded and simple life. 

One Sunday morning, I was having brunch at the Café downtown and I saw a tall blond man coming in. His flaxen hair was shining under the light in the room and his bright blue eyes crossed mine when he sat at the table right opposite to mine. 

From that special Sunday on, my heart healed slowly from the previous wound and I felt I was lucky to have my blond lover brightening my life up. He moved in weeks after we started dating and I never regretted that decision. He was a good man and treated me with kindness and respect, in addition to being a generous and sensible lover. 

When the doorbell rang, one late morning, while we were having our Sunday brunch together, I could not anticipate who it could be. It was hard to believe I was again standing in front of the man who hurt me so much in my past. He was on the door threshold, acting as if nothing had ever happened that would have set us apart…

***

- It is another of my contradictions trying to make sense… maybe they don’t really do…

- Well, they really do make perfect sense to me. Believe me. Your coming and going into my life is not good for me at all and I don’t think is good for you either…

- I understand what you say, but we could try once more. We can make this thing work this time.

- I tried to convince myself that I should be patient and understanding. I tried to convince myself we were made for each other. Now I know I was wrong… and this is not any of my contradictions. I was unfair to the man who was kind and always faithful to me and I deeply regret it. You’re not him and you will never be… you’re, in fact, mean and spoilt and do not deserve either my tears or my love and affection.

And that was the last time I had any contact with that ginger man.

***

I had to try and make some amends, otherwise I would feel guilty for the rest of my life, so I got in contact with my good friend and asked him to come and have a coffee with me at a certain Café downtown. By the tone of his voice, I could feel he was still uncertain and upset, but I insisted and finally gave up and accepted.

I was sitting at the same table when we saw each other for the first time. When he came in, tall and handsome, I recalled the same sensation of the first time. Butterflies flew in my stomach but this time for a completely different reason. I was very anxious.

He walked toward me with firm steps and found his way when he saw me sitting there, but did not smile. I got even apprehensive than before.

- How have you been? 

- I’m OK. My work absorbs more of my time than I need, but I can cope with that.

- Right. Would you like some coffee? I definitely need one.

- Yes, sure. I’ll call the waiter.

No intimacy. No smiles. No hope. But I still had to make an extra effort. The waiter came and brought our coffees and we drank in silence. For two people who used to be lovers, that was quite awkward. I decided I had to break the silence for the sake of my future sanity.

- Let’s be fair to each other. We need to sort this out or else…

- Don’t. There is nothing else to sort out anymore. Time for fairness and patience has gone. Now it is too late… It’s really too late for us.

That time it was I who was wordless. He had been holding his deception and anger for such a long and painful time. It was the time and occasion to express what was still going on in his once so tender heart. I had to give the man his chance to speak up as freely as possible. And he did. I listened to him in the most difficult silence to bear. 

He was in his right to say what he had stuck in his mind for so long and I had to take it and swallow his words like a very bitter medicine. I just did not know if that would provide me any healing at all.

My feelings and emotions were broken, shattered and scattered all around the place. I felt like asphyxiating. I needed some air urgently. I ordered the bill, paid it and got up, walking straight to the door. He followed me in silence.

As we walked down to the beach, I was feeling so sad I could not see or think clearly. The day was heavy as were my heart and soul. Dark grey clouds were announcing bad weather for very soon.

We stood side by side, for a long while, watching the sea go back and forth, in that monotonous and constant movement. My mind was void. I could only feel an immense sorrow trying to swallow me like a giant black hole. 

He said nothing all the time, keeping his stare on the horizon or on a point beyond it. 

I turned around halfway to look at him, but he seemed as empty and far away as was his mind as well. 

I felt I needed to do something as my last chance and then I kissed the back of his shoulders, holding his both arms in my hands and trying to show him there was still so much affection and love in me, but he shivered a bit and then tensed up immediately. 

I felt it was so difficult to swallow my pride and not to cry. I stopped and closed my eyes. Then I just walked away, saying nothing. There was nothing else to say. There was nothing else for me with him any longer.

He never turned around to look at me, he never said anything nor did he try to hold me back. Those arms and chest where I once felt so safe and sheltered in his embrace were not there to hold me anymore. 

The man I loved once and so much could not trust me to any further extent and I knew there could never be any healthy relationship without trust. Our time together was gone and I sadly accepted it was all my fault. I had to learn how to live with that for the rest of my life.

I did not turn around as I walked back on my way to the car. It was time to face it and just walk away while there was still a thin trace of pride in me. I would have to face solitude as my only one companion again.

Behind my back I heard the drumming of thunders and the flashes of lightnings, so I knew what was coming next…

In seconds, the storm started and I was surrounded by the sudden shower of cold water pouring over my head and body. I felt no shame at all for crying, allowing the raindrops to mingle with my weeping. How cliché it was, crying in the rain, but I was not worried about how common or how idiot that could seem… It was raining inside me as well… and heavily… 

I did not feel like running. I just wanted the rain to wash my pain away for a while… and it did… for a second or two…

In my heart I knew we would never set eyes on each other ever again after that stormy day… and I was right…



sábado, 15 de julho de 2017

Contradições (Parte 1 de 2)


- Estás acordada?

- Mmm... não... na verdade, não...

Ele riu.

- Esse sorrisinho me diz que tu estás...

Eu estava acordada, é claro, mas havia ficado com os olhos fechados, enquanto me deliciava com a maneira como ele brincava com os dedos, muito de leve, a descer pelas minhas costas, acariciando-me como se não me quisesse acordar daquele misto de sono e delírio. Eu havia despertado quando ele me beijou os ombros e pescoço, tão suavemente, que parecia o roçar de uma pluma na minha pele. Talvez ele não me quisesse, realmente, acordar... Talvez ele estivesse apenas se divertindo... Talvez estivesse se aproveitando a situação... Talvez eu também estivesse...

Eu me virei um pouco e encarei-o, sorrindo e dando boas-vindas às suas delicadas carícias. Segurei-lhe a mão na minha e beijei seus preciosos dedos.

- Bom dia, madrugador.

- Bom dia, bela adormecida.

Ele descansou a cabeça na palma da mão, olhando-me com um sorriso doce e olhos genuinamente amorosos. Pensei comigo mesma: "que maneira adorável de acordar".

Ele cingiu meu corpo com os braços e puxou-me para mais perto do peito, com as pernas entrelaçadas nas minhas. Descansei minha cabeça naqueles suaves pelos dourados e fechei os olhos, ouvindo o ritmo das batidas de seu coração, como uma suave percussão em meus ouvidos. Ele beijou o topo da minha cabeça e sussurrou.

- Gosto tanto de ti…

Gemi baixinho e aninhei-me um pouco mais em seu abraço, quase ronronando, como uma gata feliz, numa cama aconchegante e fofa. Não senti vontade de abrir os olhos novamente... e tornei a adormecer.

Quando acordei, ele não estava por perto. Ouvi o som de louça e talheres na cozinha e pensei que ele deveria ter esperado muito tempo que eu acordasse e decidiu fazer algo para comer sozinho. O cheiro de café fresco e de alguma outra coisa era extremamente convidativo.

Eu não quis que a bondade daquele homem passasse por não apreciada, então levantei-me e fui para a cozinha, a fim de fazer-lhe companhia, como se aquilo fosse a minha maior intenção.

Ele estava em pé, descalço, tão sublime e bonito, a sorrir, do alto de seus quase dois metros, com uma xícara de café puro e forte na mão. Embora não estivéssemos acostumados a gostar de fazer o café da manhã, ele estava ocupado com uma omelete que cheirava tão bem, que meu estômago reagiu imediatamente. Aquilo certamente serviria bem para uma manhã preguiçosa de sábado.

- Ei…

- Bom dia de novo, doce campo de trigo. O que estás cozinhando?

Ele sorriu para mim. Eu costumava chamá-lo de "campo de trigo" por causa da cor de seus cabelos e pelos. Ele ria disso, satisfeito com a alcunha que eu lhe havia dado. O homem loiro e bem apessoado olhou-me nos olhos e mentiu, sem corar.

- Não estou cozinhando nada de especial. Vamos sentar e comer. Estou com uma fome...

Ainda olhando para ele, eu obedeci, enquanto ele despejou o café quente na minha xícara e serviu-me uma porção daquela omelete perfeita de tomates, queijo e cogumelos. O sabor era simplesmente divino e me fazia lembrar de uma certa ocasião, em algum lugar do meu passado.

***

Já era tarde em uma manhã de um indolente domingo e eu havia decidido comer um brunch, sozinha, em um Café no centro da cidade. Sempre amei o cheiro de café preto forte e aquele estava realmente bom. Como estava morrendo de fome, eu havia decidido pelo prato do dia, para poder ter a minha refeição servida mais rápido. O gosto daquela omelete especial do Menu estava-me saciando com um prazer peculiar.

De onde eu estava, podia ver a clientela atravessando a porta da frente e sendo direcionada para as mesas, pela equipe de serviço. Sentada ao lado da janela, observando as pessoas a entrar, eu tentava não olhar para ninguém muito diretamente.

Um homem, provavelmente lá pelos seus quarenta e poucos anos, atravessou a porta e olhou em volta, tentando encontrar uma mesa vazia. O que chamou minha atenção foi a cor de seus incríveis cabelos loiros brilhantes e sua postura de caminhar. Bem mais alto do que eu, forte e bonito, aquele homem era como um guerreiro vencedor de uma batalha nas terras altas. Eu senti como se o lugar tivesse esvaziado imediatamente e todas as luzes desaparecido na minha frente, exceto pela que estava em cima da sua cabeça.

Quando o garçom o acompanhou, senti-me estranhamente interessada. Em minha mente, eu podia ouvir uma voz, dizendo sem parar e com vontade:

"Por favor, sente-se perto de mim... por favor"...

E foi o que aconteceu. Por algum motivo, ele escolheu uma mesa muito próxima da minha e sentou-se bem na minha frente. Apanhou o menu e fez seu pedido muito rapidamente.

Aquilo pareceu-me um bom sinal. Ele demonstrava ser um homem que sabia muito bem o que queria e era rápido a tomar decisões. Perguntei-me se ele faria isso com todas as outras coisas em sua vida.

Enquanto esperava, ele naturalmente olhou em volta, mostrando apenas um interesse geral nos outros clientes, que estavam acomodados na mesma sala, conversando discretamente e tomando suas refeições. Então, de repente, ele pousou aqueles lindos e radiantes olhos azuis em mim.

Surpreendentemente, o efeito foi absolutamente inesperado. Eu corei imediatamente e tentei voltar a minha atenção para o meu prato e xícara, tentando parecer natural e à vontade. Minhas mãos tremiam e a faca caiu no chão com um barulho alto demais, para os meus ouvidos. Eu sou realmente desajeitada, quando nervosa, então abaixei-me para juntar a faca e já ia chamar o garçom para me trazer uma outra, limpa, quando percebi que o rapaz já vinha a caminho, provavelmente acostumado a lidar com esse tipo de coisas, muitas vezes por dia. Eu lutava para não olhar à mesa bem na minha frente, mas meus olhos me traíram. Ele estava olhando para mim, novamente. Nossos olhos se cruzaram. Meu rosto e orelhas estavam queimando, como se fossem pedaços de carvão em brasa. Tentei evitar seu olhar, mas não consegui.

Então ele sorriu e sussurrou um "olá" claro e distinto, embora nenhum som pudesse ser ouvido de onde eu estava.

‘Meu Deus, o que foi isso? Isso é incrivelmente assustador. Eu não esperava sentir borboletas a se debaterem no meu estômago! ‘

Eu sorri de volta para ele, mas devo ter parecido tão estranhamente fora do lugar, que ele riu. Corei de novo e senti vontade de sumir dali, de tão sem jeito que fiquei.

Fui convenientemente salva pelo garçom, trazendo a refeição e colocando-a na frente dele. Sua atenção de repente se desviou para uma xícara de café preto e para o prato do dia: a omelete especial de tomates, queijo e cogumelos.

Não pude deixar de rir ...

***

- Tu ainda lembras?

- Como eu poderia esquecer? Fiquei em completo transe...

Ele riu. Simplesmente amava o jeito que ele parecia relaxar completamente e parecer tão juvenil, quando ria. Ele costumava me provocar com seus encantadores olhos azuis claros e aquele sorriso aberto, antes de tudo. Perguntei-me como um homem podia ser tão sexy, sem ser abertamente sexual ou indecentemente malicioso. Ele sempre foi tão elegante... tão controlado... tão encantador... tão bom e tão gentil... e ainda assim, tão desejável... tudo isso, no pacote mais adorável que eu pudesse, algum dia, desejar.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo som irritante da campainha.

- Quem poderia ser?

***

- O que tu estás fazendo aqui?

- Vais-me convidar para entrar ou não?

- Sim. Claro. Desculpa.

- E quem é esse?

- Um amigo muito caro.

Ele sorriu e estendeu a mão para o meu amigo.

- Sei. Muito prazer em conhecê-lo.

- Igualmente..., mas quem é você?

- Um velho conhecido...

Estava claro, para meu actual companheiro, que apenas um "velho conhecido" não agiria daquela maneira, então olhou para mim, tentando ler as minhas reacções, antes de fazer qualquer movimento.

Era como se o rei esperasse que o peão fizesse sua jogada, para que ele, então, pudesse pensar em uma estratégia para continuar. Mas a rainha não estava ansiosa para deixar o flanco aberto e aquele homem tinha intenções de provar algum ponto, todo seu, por isso eu resolvi tomar a dianteira e dei o primeiro passo.

***

O ar não estava pesado, mas também não era totalmente confortável. Sentada à beira-mar, deixei minha mente vagar até alguns anos antes daquela data, quando o peso da idade era-me tão mais leve e até mais suportável. Aquele rosto costumava ser tão querido e aquele homem tão gentil.

O que nos aconteceu? Onde perdemos a sensação de respeito e bondade entre nós? O que o passado fazia de volta no meu presente? Meu receio era que as intenções não fossem nada boas…

Deixá-lo afastado e longe da minha vida havia sido difícil, na primeira vez, mas agora parecia que alguns fantasmas haviam decidido voltar para me assombrar. E eu que só queria recuperar o meu equilíbrio…

Por enquanto, tratei de tirá-lo de perto do meu parceiro e da minha casa, para que eu pudesse resolver aquela situação, sem envolvimento desnecessário de ambos os lados.

O homem voltou da casa de banho e sentou-se bem na minha frente. Ele ainda adorava sua cerveja gelada, enquanto eu estava acostumada com o vinho verde fresco, no calor do verão. Ele ainda parecia bem, embora seu cabelo ruivo tivesse rareado, evidentemente. Seu rosto estava um pouco mais redondo, mas ainda era bonito e adorável. Seu sorriso era quase o mesmo. Lembrei-me do dia em que me senti atraída por aquelas pequenas curvas nos cantos de seus lábios, quando ele me abriu o sorriso, pela primeira vez. Seus olhos tinham linhas de expressão, marcadas profundamente ao redor deles. Eu observei seu rosto cuidadosamente, estudando seus movimentos e tentando descobrir o que ele queria de mim... desta vez...

- Eu senti tua falta, sabias disso?

- Não. Não sabia. O que queres de mim, agora?

- Não sejas assim. Nós costumávamos ser tão bons juntos. Nós éramos verdadeiros amigos.

- Exatamente. Nós éramos amigos..., mas então tu deixaste a nossa amizade de lado por uma situação, que nem mesmo deixou-me nenhuma margem para lutar.

- E como tu sabes que eu também não lutei?

- Ainda poderíamos ter mantido nossa amizade... Algumas vez pensaste em como foi difícil escrever aquelas coisas, para que tu pudesses ter a tua vida perfeita?

- Tu disseste que nunca tínhamos sido amigos de verdade...

- Pelo bem do teu relacionamento. O que mais eu poderia dizer? Que costumávamos ser grandes amigos, mas, então, já não queríamos mais brincar de sermos amigos de verdade? Por favor! Me poupe!

Ele segurou minha mão. Eu estava tão chateada, que estava tremendo, visivelmente. Ele esperou até eu parar de discutir e disse com uma voz muito baixa:

- Eu realmente senti a tua falta. Foi tão difícil...

Ele parou quando percebeu que eu estava pálida e meus olhos estavam húmidos.

- Eu sinto muito.

- O que tu ainda queres de mim? Tiraste tudo o que eu tinha e agora achas que tudo volta a ser como antes? Voltas, como se nada tivesse acontecido e queres que eu te receba de braços abertos?

- Ela estava grávida. Era nosso bebê que ela iria ter. Eu nunca poderia deixá-la. Tu me conheces.

- Não, eu não te conheço. Eu realmente não tenho a mínima ideia de quem tu, realmente, és.

- É justo.

Ele parou por um tempo e depois falou, como se fosse a coisa mais natural de se dizer.

- Nós já não estamos juntos. Nós nos separamos como pessoas civilizadas, mas não podemos mais viver como um casal. O menino está com ela.

- E ele se parece tanto contigo...

- Como é que tu sabes?

Eu parei. Aquilo não deveria ter acontecido. Corei, imediatamente, e ele percebeu.

- Tu és tão surpreendente. Nunca quis  fazer-te sofrer, mas tenta entender...

Fiquei tão cansada de repente. Lembrei-me de como eu tentei, com todas as minhas forças, entender, aceitar e esquecer, mas nunca consegui fazê-lo. Tentei sufocar todas as coisas que sentia, mas não tinha ideia de que seria tão difícil. Não disse mais nada. Já não havia nada a dizer…

Ele segurou a minha mão nas dele e beijou meus dedos. Tentei libertar-me, mas ele era forte e firme. Virou a minha mão e beijou-me a palma, suavemente e com aparente ternura.

Minha cabeça estava dando voltas...