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sábado, 5 de agosto de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 1)


- Esse é o décimo-terceiro.

- Décimo-terceiro? Não pensei que houvessem sobrevivido tantos…

- Veja que espécime espetacular! Ele é mais forte que os outros.

- Será que devemos trabalhar melhor nele? A vida útil deles não é muito longa.

- Sim, é verdade. Mas este parece ter mais que os outros. Vamos analisar com mais cuidado. É nossa responsabilidade selecionar somente os melhores dos melhores. Este parece ser um deles.

- O Supremo tem que saber. Vamos chamá-lo ou reportar diretamente?

- Ainda não vamos fazer nem uma coisa, nem outra. Temos que ter algumas certezas antes. Se nós errarmos, o Supremo nos massacra e sabes o que acontece depois.

- Sei e não gosto do pensamento. Mas temos que manter este segredo entre nós. Temos que separá-lo dos outros ou ele será descoberto, antes que possamos ter todas as certezas.

- Tive uma ideia. Vamos levá-lo para a Estação Estelar. Lá, ele será bem analisado e teremos condições de verificar melhor todos os detalhes, até que esteja pronto. Sei bem quem terá o máximo prazer em nos ajudar a avaliar, investigar alguns detalhes e, até, cuidar dele, entrementes.

Ele olhou sério para o outro, que logo percebeu de quem se falava.

- E o que fazemos com os outros?

- O mesmo de sempre. Logo estarão preparados, mas terão o mesmo uso de tantos outros, que foram produzidos antes deles.

- Melhor nos apressarmos, então, antes que alguém chegue.

- Não. Melhor esperar até todos saírem. Enquanto isso, segregamos estes outros e os mandamos para a frente. Não podemos levantar suspeitas. Se demorarmos demais a despachá-los, os outros desconfiarão. Temos, ainda, que preencher os relatórios e confirmar a contagem.

- Já vou fazer isso, para poder tratar do resto, em seguida.

- OK. Vou fechar o laboratório, para garantir que não teremos surpresas. Voltamos depois.

***

O dia havia começado normalmente, como todos os outros, de uma rotina sem surpresas. A Estação Estelar estava praticamente desativada, com poucas funcionalidades ainda a trabalhar e não era visitada pelos cientistas, tão frequentemente, por isso era fácil para os dois passarem insuspeitos.

O décimo-terceiro estava a salvo. Não se sabia por quanto tempo. Eles tinham que ter toda a firmeza, antes de apresentá-lo ao Supremo, ou sabiam que poderiam ser mandados para uma das linhas de menor valor. Eles haviam atingido suas posições dentro da estrutura, por serem sensatos e sabiam que outros, antes deles, que erraram na seleção, haviam sido esquecidos na estação glacial, do outro lado do planeta, onde as anomalias eram estudadas e as vacinas para as próximas gerações criadas. Apesar de ser um trabalho importante na aplicação, as condições eram restritas e pouco confortáveis. Era um destino um tanto cruel e com uma previsão de futuro muito reduzida. Era a recompensa pelo erro. Um segundo erro seria punido com mais rigor.

O Supremo era rígido e desprovido de demonstrações de sentimentos. As coisas tinham que trabalhar na perfeição. Como num vinho de safra espetacular, um vintage, a seleção era muito criteriosa. Somente os melhores poderiam ser enviados a ele, que os aprovava, classificava e definia seus destinos.

Os dois chegaram juntos e foram diretamente até a sala de despressurização. Após trocarem os uniformes por roupas esterilizadas, foram até a sala do Conselho, onde sua anfitriã já esperava. Ela os recebeu com satisfação evidente.

- Então?

- Ele é praticamente perfeito. Nunca vi nenhum tão bem feito e vigoroso.

- Então acertamos. Já podemos levá-lo ao Supremo.

- Acertaram, sim. Mas há um pequeno, porém contornável, problema.

- Pequeno…?

- Problema…?

Os dois olharam a mulher, que sorriu-lhes e levantando-se, pediu-lhes que a acompanhassem.

***

- Contornável? Como pode ser este um problema contornável? Nós seremos condenados…

- Calma. Eu disse que era contornável, não disse que ele era apresentável ao Supremo.

- E agora? O que faremos? Se formos descobertos, estaremos em uma grande alhada!

- Alhada? Ainda se usa essa palavra?

O homem riu. O outro exibia uma expressão confusa. Não tinha a mínima ideia de onde o colega havia tirado aquele termo e nem ia perguntar. Estava mais preocupado em como resolver o pequeno problema.

A mulher, de olhos profundamente verdes, falou, antes de ser perguntada.

- Temos que tirá-lo desta estação, antes que alguém descubra que o temos aqui. Não vai ser fácil escondê-lo por muito tempo.

- E para onde podemos levá-lo. Não temos muitas alternativas.

- Temos umas poucas. Uma delas é a Estação Glacial. Alguém que está lá deve-me um favor bem grande.

- Oh. Não. Não podemos aceitar.

- E vão fazer o quê? Levá-lo ao Supremo? Deixá-lo cá?

- É um risco muito grande. E não teremos garantias se seremos bem-sucedidos.

- Deixem que eu trate disso. De todas as formas, ele nunca poderá ser trazido de volta para cá… pelo menos até resolvermos isso. Eu mesma falo com o Supremo.

Os dois homens ficaram sem saber o que dizer. A mulher os havia colocado em xeque e eles não tinham alternativas melhores.

***

- Não posso aceitar isso, Leona. Tu sabes que ele é imprevisível e não menos perigoso.

- Ele é meu irmão. Poupei-lhe a vida diante de um crime punível com a morte ou prisão pela eternidade. Ele não me fará mal. Eu preciso falar com ele.

- Não temos ouvido falar dele há anos… Por que essa urgência agora?

- É um motivo pessoal.

- Por mais pessoal que seja, ele não poderá ser trazido para cá.

- Eu não o trarei. Prometo.

O Supremo não gostava da ideia, mas tinha muito respeito e carinho pela mulher. Sabia que ela era coerente e muito responsável. Ele havia suportado as decisões dela e poupado a vida do irmão, que assassinara seu amante, bem à sua frente. O assassino fora enviado para a Estação Glacial, distante de todos, junto apenas dos cientistas que desenvolviam as vacinas, criadas a partir do desenvolvimento de um protótipo estudado pelo pai deles.

- Fique sabendo que eu não gosto desta ideia. Se te acontecer algo, eu serei responsável.

- Não. Eu serei a única responsável. Vou-me preparar para o transporte.

***

Leona tomou-o consigo e partiu para onde estava destinada, com o intuito de resolver o pequeno problema, gerado por outro pequeno problema. No terminal de transporte da Estação Glacial, o alarme disparou, anunciando a chegada de visitantes. Um homenzinho de olhos azuis muito intensos aproximou-se da sala e esperou um par de segundos a ver a mulher conhecida materializar-se. Só que ela não estava sozinha.

- Leona! Que bela surpresa! Que bons ventos a trazem?

O chefe dos cientistas continuava o mesmo de tempos atrás, quando ainda estava no edifício Principal. Havia sido sua opção a mudança para a Estação Glacial, pois assim teria tempo, distância de problemas e perguntas inadequadas e, ainda, espaço para as suas pesquisas, desenvolvimento e produção das vacinas. Além dos cientistas novos, que vieram consigo, ele tinha, sob sua alçada, alguns operários trazidos do centro de clonagem e, para sua agonia, o único exilado daquele mundo que ele conhecia.

O homem que estava na Estação, por exílio, era muito diferente dos outros indivíduos daquela base e tempo. Parecia completamente fora de contexto e funções. Mas, pelo menos estava vivo. O chefe dos cientistas mantinha-o sob constante vigilância, mas a rebeldia inicial havia diminuído com o passar dos tempos. O homem parecia muito mais calmo do que quando haviam-no enviado para a base e havia-se adaptado às funções que lhe haviam sido atribuídas. Com o tempo, ganhou confiança e tratava da Logística de envio e armazenagem das vacinas para as estações habitadas.

O chefe dos cientistas desligou o campo de força do terminal de transporte e adiantou-se.

- Vejo que trouxeste algo.

- Veja este espécime. Primeiramente pensávamos que era o mais perfeito e digno de orgulho da amostragem, mas veja isto.

- Ah! Já percebi.

- Não podíamos apresentá-lo ao Supremo, até termos certeza absoluta e, agora, já não podemos fazê-lo, pelas razões óbvias. E deixá-lo lá seria o mesmo que admitir que cometemos um grande erro.

- E o que podemos fazer?

- Esperava que pudesse ajudar-me a decidir. Tenho uma ideia e preciso de sua ajuda para colocá-la em prática.

***

- Não posso aceitar, Leona. É um perigo muito grande.

- Mas é nossa única opção, além de…

O chefe dos cientistas arregalou os olhos azuis. Não poderia admitir a outra alternativa. Estava encurralado. Ou aceitava uma coisa ou outra e em ambos os casos, estava em xeque.

- Eu não tenho como cuidar dele. Vou ter que arranjar um meio…

- Acredito que isso poderá ser fácil de tratar. O responsável pela Logística me deve um favor.

- Oh. Não. Não. Não…

O homenzinho tinha receio das consequências. Não podia aceitar uma responsabilidade daquelas.

- Deixe que eu trato disso.

- Leona, isso é um risco muito grande. Se acontecer alguma coisa, seremos ambos responsáveis.

- Eu sei. Mas o que pode acontecer? A princípio estamos lidando com algo que não existe…

O homem olhou a visitante com um pouco de preocupação. Ela parecia fria demais, diante do problema. Não era a Leona que ele conhecia.

Por algum motivo, pareceu-lhe que havia algo por trás daquele mistério todo. Só esperava que não fosse um pequeno-grande problema para si e para o seu futuro na Estação. Considerava seu trabalho e sua posição com grande apreço.

Ele não estava na Estação Glacial por haver sido banido ou por desmérito e, sim, por opção. O legado do pai de Leona, que vinha sendo melhorado através dos tempos, era seu maior orgulho. Ele era a prova viva de que a vacina era eficaz. Ela também.

Ele, Leona e o irmão, antes de todos os outros, usavam as novas versões das vacinas, voluntariamente…

Agora, havia uma mutação… um problema a ser estudado; um enigma que ele ainda não sabia como resolver.

O velho cientista olhou o clone e colocou-o sobre a mesa do laboratório. Desembrulhou-o completamente do lençol que o abrigava e disse:

- Vamos então tentar desvendar este mistério.

Leona sorriu e disse que ia ver o irmão. Tinha coisas a tratar. Ela sabia que havia uma outra alternativa, mas ainda não era a hora de mencioná-la.

O velho cientista acedeu e voltou ao objeto de sua atenção. Já não estava mais interessado na conversa que Leona ia ter com o irmão.

- Então, meu rapaz, como é que isso foi acontecer contigo? Será que foi efeito dos medicamentos sobre o corpo?

O pálido ser olhou o homenzinho, com olhos tranquilos. O homem começou a examinar o experimento e resolveu colher amostras de sangue para analisar as mutações em seu ADN. Antes de tomar qualquer decisão, precisava saber com o que estava lidando.

Do outro lado do edifício, no fim de um longo corredor, Leona tinha uma ideia muito firme em mente…