- Esse é o décimo-terceiro.
- Décimo-terceiro? Não pensei que houvessem sobrevivido tantos…
- Veja que espécime espetacular! Ele é mais forte que os outros.
- Será que devemos trabalhar melhor nele? A vida útil deles não é muito
longa.
- Sim, é verdade. Mas este parece ter mais que os outros. Vamos
analisar com mais cuidado. É nossa responsabilidade selecionar somente os
melhores dos melhores. Este parece ser um deles.
- O Supremo tem que saber. Vamos chamá-lo ou reportar diretamente?
- Ainda não vamos fazer nem uma coisa, nem outra. Temos que ter algumas
certezas antes. Se nós errarmos, o Supremo nos massacra e sabes o que acontece
depois.
- Sei e não gosto do pensamento. Mas temos que manter este segredo
entre nós. Temos que separá-lo dos outros ou ele será descoberto, antes que
possamos ter todas as certezas.
- Tive uma ideia. Vamos levá-lo para a Estação Estelar. Lá, ele será bem analisado
e teremos condições de verificar melhor todos os detalhes, até que esteja
pronto. Sei bem quem terá o máximo prazer em nos ajudar a avaliar, investigar alguns
detalhes e, até, cuidar dele, entrementes.
Ele olhou sério para o outro, que
logo percebeu de quem se falava.
- E o que fazemos com os outros?
- O mesmo de sempre. Logo estarão preparados, mas terão o mesmo uso de
tantos outros, que foram produzidos antes deles.
- Melhor nos apressarmos, então, antes que alguém chegue.
- Não. Melhor esperar até todos saírem. Enquanto isso, segregamos estes
outros e os mandamos para a frente. Não podemos levantar suspeitas. Se demorarmos
demais a despachá-los, os outros desconfiarão. Temos, ainda, que preencher os
relatórios e confirmar a contagem.
- Já vou fazer isso, para poder tratar do resto, em seguida.
- OK. Vou fechar o laboratório, para garantir que não teremos surpresas.
Voltamos depois.
***
O dia havia começado normalmente,
como todos os outros, de uma rotina sem surpresas. A Estação Estelar estava
praticamente desativada, com poucas funcionalidades ainda a trabalhar e não era
visitada pelos cientistas, tão frequentemente, por isso era fácil para os dois
passarem insuspeitos.
O décimo-terceiro estava a salvo.
Não se sabia por quanto tempo. Eles tinham que ter toda a firmeza, antes de
apresentá-lo ao Supremo, ou sabiam que poderiam ser mandados para uma das
linhas de menor valor. Eles haviam atingido suas posições dentro da estrutura,
por serem sensatos e sabiam que outros, antes deles, que erraram na seleção,
haviam sido esquecidos na estação glacial, do outro lado do planeta, onde as
anomalias eram estudadas e as vacinas para as próximas gerações criadas. Apesar
de ser um trabalho importante na aplicação, as condições eram restritas e pouco
confortáveis. Era um destino um tanto cruel e com uma previsão de futuro muito
reduzida. Era a recompensa pelo erro. Um segundo erro seria punido com mais
rigor.
O Supremo era rígido e desprovido
de demonstrações de sentimentos. As coisas tinham que trabalhar na perfeição.
Como num vinho de safra espetacular, um vintage,
a seleção era muito criteriosa. Somente os melhores poderiam ser enviados a ele,
que os aprovava, classificava e definia seus destinos.
Os dois chegaram juntos e foram
diretamente até a sala de despressurização. Após trocarem os uniformes por
roupas esterilizadas, foram até a sala do Conselho, onde sua anfitriã já
esperava. Ela os recebeu com satisfação evidente.
- Então?
- Ele é praticamente perfeito. Nunca vi nenhum tão bem feito e vigoroso.
- Então acertamos. Já podemos levá-lo ao Supremo.
- Acertaram, sim. Mas há um pequeno, porém contornável, problema.
- Pequeno…?
- Problema…?
Os dois olharam a mulher, que
sorriu-lhes e levantando-se, pediu-lhes que a acompanhassem.
***
- Contornável? Como pode ser este um problema contornável? Nós seremos
condenados…
- Calma. Eu disse que era contornável, não disse que ele era
apresentável ao Supremo.
- E agora? O que faremos? Se formos descobertos, estaremos em uma
grande alhada!
- Alhada? Ainda se usa essa palavra?
O homem riu. O outro exibia uma
expressão confusa. Não tinha a mínima ideia de onde o colega havia tirado
aquele termo e nem ia perguntar. Estava mais preocupado em como resolver o
pequeno problema.
A mulher, de olhos profundamente verdes,
falou, antes de ser perguntada.
- Temos que tirá-lo desta estação, antes que alguém descubra que o
temos aqui. Não vai ser fácil escondê-lo por muito tempo.
- E para onde podemos levá-lo. Não temos muitas alternativas.
- Temos umas poucas. Uma delas é a Estação Glacial. Alguém que está lá
deve-me um favor bem grande.
- Oh. Não. Não podemos aceitar.
- E vão fazer o quê? Levá-lo ao Supremo? Deixá-lo cá?
- É um risco muito grande. E não teremos garantias se seremos
bem-sucedidos.
- Deixem que eu trate disso. De todas as formas, ele nunca poderá ser
trazido de volta para cá… pelo menos até resolvermos isso. Eu mesma falo com o
Supremo.
Os dois homens ficaram sem saber
o que dizer. A mulher os havia colocado em xeque e eles não tinham alternativas
melhores.
***
- Não posso aceitar isso, Leona. Tu sabes que ele é imprevisível e não
menos perigoso.
- Ele é meu irmão. Poupei-lhe a vida diante de um crime punível com a
morte ou prisão pela eternidade. Ele não me fará mal. Eu preciso falar com ele.
- Não temos ouvido falar dele há anos… Por que essa urgência agora?
- É um motivo pessoal.
- Por mais pessoal que seja, ele não poderá ser trazido para cá.
- Eu não o trarei. Prometo.
O Supremo não gostava da ideia,
mas tinha muito respeito e carinho pela mulher. Sabia que ela era coerente e
muito responsável. Ele havia suportado as decisões dela e poupado a vida do
irmão, que assassinara seu amante, bem à sua frente. O assassino fora enviado para a Estação Glacial, distante de todos, junto apenas dos cientistas que desenvolviam as vacinas, criadas a partir do desenvolvimento
de um protótipo estudado pelo pai deles.
- Fique sabendo que eu não gosto desta ideia. Se te acontecer algo, eu
serei responsável.
- Não. Eu serei a única responsável. Vou-me preparar para o transporte.
***
Leona tomou-o consigo e partiu
para onde estava destinada, com o intuito de resolver o pequeno problema,
gerado por outro pequeno problema. No terminal de transporte da Estação
Glacial, o alarme disparou, anunciando a chegada de visitantes. Um homenzinho
de olhos azuis muito intensos aproximou-se da sala e esperou um par de segundos
a ver a mulher conhecida materializar-se. Só que ela não estava sozinha.
- Leona! Que bela surpresa! Que bons ventos a trazem?
O chefe dos cientistas continuava
o mesmo de tempos atrás, quando ainda estava no edifício Principal. Havia sido
sua opção a mudança para a Estação Glacial, pois assim teria tempo, distância
de problemas e perguntas inadequadas e, ainda, espaço para as suas pesquisas,
desenvolvimento e produção das vacinas. Além dos cientistas novos, que vieram
consigo, ele tinha, sob sua alçada, alguns operários trazidos do centro de
clonagem e, para sua agonia, o único exilado daquele mundo que ele conhecia.
O homem que estava na Estação,
por exílio, era muito diferente dos outros indivíduos daquela base e tempo.
Parecia completamente fora de contexto e funções. Mas, pelo menos estava vivo.
O chefe dos cientistas mantinha-o sob constante vigilância, mas a rebeldia
inicial havia diminuído com o passar dos tempos. O homem parecia muito mais calmo
do que quando haviam-no enviado para a base e havia-se adaptado às funções que
lhe haviam sido atribuídas. Com o tempo, ganhou confiança e tratava da
Logística de envio e armazenagem das vacinas para as estações habitadas.
O chefe dos cientistas desligou o
campo de força do terminal de transporte e adiantou-se.
- Vejo que trouxeste algo.
- Veja este espécime. Primeiramente pensávamos que era o mais perfeito
e digno de orgulho da amostragem, mas veja isto.
- Ah! Já percebi.
- Não podíamos apresentá-lo ao Supremo, até termos certeza absoluta e,
agora, já não podemos fazê-lo, pelas razões óbvias. E deixá-lo lá seria o mesmo
que admitir que cometemos um grande erro.
- E o que podemos fazer?
- Esperava que pudesse ajudar-me a decidir. Tenho uma ideia e preciso
de sua ajuda para colocá-la em prática.
***
- Não posso aceitar, Leona. É um perigo muito grande.
- Mas é nossa única opção, além de…
O chefe dos cientistas arregalou
os olhos azuis. Não poderia admitir a outra alternativa. Estava encurralado. Ou
aceitava uma coisa ou outra e em ambos os casos, estava em xeque.
- Eu não tenho como cuidar dele. Vou ter que arranjar um meio…
- Acredito que isso poderá ser fácil de tratar. O responsável pela
Logística me deve um favor.
- Oh. Não. Não. Não…
O homenzinho tinha receio das
consequências. Não podia aceitar uma responsabilidade daquelas.
- Deixe que eu trato disso.
- Leona, isso é um risco muito grande. Se acontecer alguma coisa,
seremos ambos responsáveis.
- Eu sei. Mas o que pode acontecer? A princípio estamos lidando com
algo que não existe…
O homem olhou a visitante com um
pouco de preocupação. Ela parecia fria demais, diante do problema. Não era a
Leona que ele conhecia.
Por algum motivo, pareceu-lhe que
havia algo por trás daquele mistério todo. Só esperava que não fosse um
pequeno-grande problema para si e para o seu futuro na Estação. Considerava seu
trabalho e sua posição com grande apreço.
Ele não estava na Estação Glacial
por haver sido banido ou por desmérito e, sim, por opção. O legado do pai de
Leona, que vinha sendo melhorado através dos tempos, era seu maior orgulho. Ele
era a prova viva de que a vacina era eficaz. Ela também.
Ele, Leona e o irmão, antes de
todos os outros, usavam as novas versões das vacinas, voluntariamente…
Agora, havia uma mutação… um
problema a ser estudado; um enigma que ele ainda não sabia como resolver.
O velho cientista olhou o clone e
colocou-o sobre a mesa do laboratório. Desembrulhou-o completamente do lençol
que o abrigava e disse:
- Vamos então tentar desvendar este mistério.
Leona sorriu e disse que ia ver o
irmão. Tinha coisas a tratar. Ela sabia que havia uma outra alternativa, mas
ainda não era a hora de mencioná-la.
O velho cientista acedeu e voltou
ao objeto de sua atenção. Já não estava mais interessado na conversa que Leona
ia ter com o irmão.
- Então, meu rapaz, como é que isso foi acontecer contigo? Será que foi
efeito dos medicamentos sobre o corpo?
O pálido ser olhou o homenzinho,
com olhos tranquilos. O homem começou a examinar o experimento e resolveu
colher amostras de sangue para analisar as mutações em seu ADN. Antes de tomar
qualquer decisão, precisava saber com o que estava lidando.
Do outro lado do edifício, no fim
de um longo corredor, Leona tinha uma ideia muito firme em mente…