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sexta-feira, 28 de julho de 2017

Contradições (Parte 2 de 2)


- Tu o quê?

- Eu deixei que ele me beijasse... e eu o beijei de volta.

- Estás louca? Por quê? Tu disseste que o odiavas...

- E é verdade. Eu ainda o odeio e a mim, mais ainda, por deixá-lo fazer isso comigo. Foi um momento de fraqueza... e foi só um beijo…

- Fraqueza? Só um beijo? E quanto a nós?

Olhei aquele seu rosto atraente, exibindo a expressão de uma triste incredulidade e me senti, mesmo, muito mal e culpada. Ele não merecia aquilo, especialmente de mim.

Que idiota eu fui! Eu não havia sido apenas fraca, também estivera completamente fora de mim, sem pensar na extensão do que tinha feito. E, agora, era muito tarde para voltar atrás. Eu conhecia aquele homem e também sabia que sua confiança em mim seria muito difícil de manter, depois de um comportamento inconsistente daqueles.

- Eu sinto muito. De verdade.

Eu podia ver o desencanto cobrir, rapidamente, seu rosto, como uma nuvem pesada e escura e não pude deixar de me sentir severamente responsável por aquilo. Eu também estava devastada, confusa e totalmente desapontada comigo mesma.

Ele não disse mais nada, apenas virou as costas e saiu.

Eu me perguntei se, algum dia, poderia consertar aquela situação e, mesmo se pudesse, sabia que ele nunca mais confiaria em mim, tão cegamente.

Ah! Se eu pudesse fazer o tempo voltar atrás...

***

Um pequeno vaso de Miosótis foi entregue, pelo florista, na minha porta. Eu não precisava de nenhum cartão para descobrir quem teria sido o remetente, mas procurei, no meio das delicadas pétalas azuis, de qualquer maneira. Uma mensagem simples, não assinada, estava escrita em um pequeno cartão. Senti uma fisgada no estômago.

"Não consigo te esquecer... Não me esqueças..."

Eu conhecia o nome popular daquelas flores. A mensagem era clara, em ambos os sentidos. Eu me perguntava por que ele estava fazendo aquilo e o que ainda queria de mim.

Após aquele incidente, já havia passado algumas semanas sozinha e eu tentava não colocar mais stress na minha mente. Já havia assumido meus erros e sabia que alguns actos são imperdoáveis, especialmente em termos de relacionamentos. Dei, ao meu amante, o tempo necessário para pensar em nós e à mim mesma, para me acostumar a viver por minha própria conta, novamente. Por outro lado, estava evitando o homem que me enviava mensagens directas, tentando, de alguma forma, voltar para minha vida e para o meu coração.

Quão complicada pode ser a vida, com todas aquelas coisas a acontecerem, como se fossem tempestades, umas após as outras? Era justo ou era apenas uma maneira que a vida encontrava de me tornar mais forte e rígida, sem perder a leveza do meu coração?

Peguei o vaso de flores e coloquei do lado de fora, na varanda, para não ter que olhar para elas. Aquelas flores não eram responsáveis ​​por nada e, como seres vivos, mereciam sobreviver. Resolvi que iria, apenas, regá-las uma vez por dia, antes de decidir o que fazer, a seguir.

Quando voltei para dentro, o telefone tocava.

- Recebeste as flores? Eles significam muito, sabias? Espero que não te tenhas esquecido...

- Esquecido do quê?

- Estás tentando enganar-me. Eu te conheço muito bem. Tu nunca esquecerias coisas como essas...

- Mesmo?

Ele riu. Ele me conhecia muito bem. Claro que eu ainda me lembrava. Ninguém jamais poderia acreditar como minhas memórias ainda estavam tão vívidas e, no entanto, eu desejava, tanto, que elas já não estivessem.

***

"Estou quase aí. Cerca de três minutos, aproximadamente. Qual o número do quarto, mesmo?"

Enviei uma mensagem de texto com as informações e esperei. Cinco minutos depois eu abria a porta do quarto 308 e deixava entrar o belo homem ruivo.

Segundos depois que ele entrou, estávamos abraçados e eu pude sentir quão entusiasmado ele estava, assim que nos beijamos. Ele era apaixonado, intenso e viril, apesar do toque delicado e suave de seus dedos em minha pele. Suas mãos encontraram seu caminho por toda a extensão do meu corpo e minhas roupas, espalhadas pelo pequeno quarto, passaram a ser, apenas, como insignificantes peças da decoração.

Passamos o dia inteiro e a noite juntos, saboreando cada momento daquele encontro de fim-de-semana. Depois de deixar o hotel, na manhã seguinte, a caminho da estação de comboio, ele disse que adorava aquelas florzinhas, que estavam expostas numa montra de floricultura. As pétalas azuis chamavam sua atenção e o nome popular era uma mensagem directa para mim. As delicadas Miosótis eram popularmente conhecidas como 'não-me-esqueças'.

Ele, então, comprou-me um vasinho daquelas frágeis flores, para que eu pudesse mantê-las comigo e lembrar dos nossos breves, mas intensos, momentos. Dei-lhe meu cachecol como lembrança, quando nos despedimos. Combinamos de vermo-nos, pelo menos, uma ou duas vezes ao mês, pois vivíamos em cidades diferentes, separados por cerca de pouco mais de cem milhas.

Tivemos alguns outros apaixonados fins-de-semana juntos. Entrementes, costumávamos conversar por telefone, praticamente todos os dias.

Por algum motivo estranho, depois de alguns meses, no entanto, aqueles contactos começaram a esfriar e a diminuir e, então, ele ficou em silêncio por uns tempos. Eu pensei que estivesse aborrecido com aquela situação e havia decidido parar de me ver. Coisas como essas acontecem o tempo todo e eu não estava realmente surpresa, embora um pouco desapontada. A distância entre nós tornara-se um impedimento de aprofundar nosso relacionamento. Eu ainda tentei manter as chamas acesas, deixando-lhe mensagens íntimas e apaixonadas, mas ele nem se incomodou em respondê-las.

Imaginei que haveria um bom motivo para a falta de contacto e tentei entender as razões por trás das acções. Talvez ele não me quisesse preocupar. Talvez estivesse cansado e não quisesse ficar-me chateando com explicações. Talvez... talvez... talvez...

Tantas possibilidades a considerar e nenhuma delas parecia ser suficientemente forte, para sustentar e explicar o silêncio e a falta de contacto.

Um sábado de manhã, quando eu estava voltando do supermercado, o telefone tocou. Sua voz parecia estranhamente diferente. Pensei que havia algo errado, mas esperei até ele dizer-me o que se passava.

Ele disse que tentou, mas que não pôde entrar em contacto comigo, por mais que quisesse. Havia outra pessoa em sua vida e, então, havia ligado porque precisava de um favor muito especial, da minha parte. Queria que eu enviasse uma curta mensagem de correio electrónico, afirmando que nunca houvera nada, além de uma branda amizade, entre nós. Ele precisava daquilo para mostrar, à sua mulher, que éramos apenas conhecidos e nada mais, pois ela havia encontrado uma das minhas mensagens no telefone dele e ficara furiosa.

Aquilo me atingiu como se fosse uma punhalada nas costas. Eu me senti traída, abandonada e solitária, de repente.

Ainda tentei parecer cordata e pouco afectada, mas estava tão triste, chateada e ofendida, que decidi que tinha que parar aquela situação para sempre e esquecê-lo, de uma vez, para o bem da minha sanidade. Ele não merecia minhas lágrimas ou minhas preocupações.

Ele receberia sua mensagem, sim, como precisava e, então, eu poderia voltar para minha maçante rotina solitária, enquanto ele voltaria para sua vida apaixonada e apaixonante com sua outra mulher.

Como ele nunca me enviou outra palavra desde então, considerei que estava tudo acabado entre nós.

Alguns anos se passaram, desde o dia em que tivemos aquele último contacto e eu já estava acostumada com minha vidinha simples e caseira. Ocupava-me com minhas aventuras na cozinha e, depois, longas horas no ginásio, a tentar compensar o exagero da gula. Que mais podia desejar da vida?

Um domingo de manhã, eu havia decidido tomar um brunch num Café, no centro da cidade. Estava distraída a observar os outros clientes, quando vi um homem alto e loiro entrar no recinto. Os cabelos dourados brilhavam sob a luz do ambiente e seus olhos, de um intenso azul, cruzaram os meus, quando ele sentou à mesa em frente à qual eu estava.

A partir daquela manhã especial de domingo, meu coração restabeleceu-se, lentamente, da ferida anterior e senti que tivera muita sorte em encontrar meu loiro amante, que passou, sempre, a iluminar minha vida com seu bom humor e sua figura tão atraente e masculinamente sexy. Ele mudou-se para a minha casa, umas poucas semanas depois de começarmos a namorar e eu nunca me arrependi daquela decisão. Ele era um homem bom e sempre me tratou com generosidade e respeito, além de ser um amante atencioso e sensato.

Quando a campainha tocou, naquela manhã, enquanto tomávamos o pequeno-almoço, não podia imaginar quem poderia ser. Era difícil acreditar que eu estava, novamente, frente a frente com o homem que me machucara tanto, no passado. Ele estava parado, de pé, na soleira da porta, agindo como se nada tivesse acontecido entre nós...

***

- É outra das minhas contradições tentando fazer sentido... Talvez elas, realmente, não façam nenhum...

- Ao contrário. Elas, realmente, fazem muito sentido para mim. Podes acreditar que sim. Este teu ir e vir, entretanto, não é bom para mim e não acho que seja bom para ti também... Só nos causa mais sofrimento.

- Eu entendo o que dizes, mas podemos tentar mais uma vez. Podemos fazer com que funcione desta vez.

- Tentei-me convencer de que eu deveria ser paciente e compreensiva. Tentei-me convencer que havíamos sido feitos um para o outro, já que encaixávamo-nos tão bem. Agora eu sei que estava errada... e, podes acreditar, esta não é nenhuma das minhas contradições. Eu fui injusta com o homem que sempre foi amável e fiel comigo e lamento minha estupidez, profundamente. Tu não és ele e nunca serás... Tu és, de fato, um homem mimado e sem consideração e não mereces minhas lágrimas, nem meu amor, ou meu carinho.

E aquela foi a última vez que tive contacto com aquele homem ruivo, que embora houvesse sido um amante excepcional, não tinha nenhuma apreciação verdadeira pelos meus sentimentos.

***

Eu tinha que tentar fazer algumas compensações, caso contrário me sentiria culpada pelo resto da minha vida, então entrei em contacto com meu bom amigo e pedi-lhe que me viesse encontrar, para uma conversa, em um determinado Café, no centro da cidade. Pelo tom de sua voz, eu podia sentir que ele ainda estava incerto e chateado, mas eu insisti e ele, finalmente, desistiu e aceitou.

Eu estava sentada no mesmo lugar que nos vimos pela primeira vez. Quando entrou, todo esbelto e bonito, lembrei da mesma sensação que tive na primeira vez. As borboletas bateram asas em meu estômago, mas, desta vez, por uma razão completamente diferente. Eu estava extremamente ansiosa.

Ele caminhou na minha direcção, com passos firmes, e encontrou seu caminho, assim que me viu sentada, mas não sorriu. Fiquei ainda mais apreensiva do que antes.

- Como tens estado?

- Estou bem. Meu trabalho absorve mais do meu tempo do que eu preciso, mas posso lidar bem com isso.

- Certo. Queres um café? Eu, definitivamente, preciso de um.

- Sim. Claro. Vou chamar o empregado.

Sem intimidade. Sem sorrisos. Sem esperança. Mas eu ainda tinha que fazer um esforço extra. Não estava conformada em perder, sem tentar, pelo menos, uma vez mais. O rapaz trouxe nossos cafés e nós bebemos, em silêncio. Para duas pessoas que costumavam ser amantes, aquilo era bastante estranho. Eu decidi que tinha que quebrar o silêncio, pelo bem da minha sanidade.

- Vamos ser justos um com o outro. Precisamos resolver isso, ou então...

- Não. Não há mais nada para resolver. O tempo de justiça e paciência já se foi. Agora é muito tarde... É realmente muito tarde para nós.

Daquela vez, quem ficou sem palavras, fui eu. Ele havia contido sua decepção e raiva por um tempo demasiadamente longo e doloroso. Era o momento e a ocasião certa para expressar o que ainda se passava pelo seu coração, antes tão terno e paciente. Eu tinha que dar, ao homem, a hipótese de falar, o mais livremente possível. E ele o fez. Ouvi no silêncio mais difícil que eu, alguma vez, tivera de suportar.

Ele estava no seu direito de dizer o que tinha guardado em sua mente, por tanto tempo e eu tive que beber e digerir suas palavras, como um remédio muito amargo. Eu simplesmente não sabia se aquilo me proporcionaria alguma cura, entretanto.

Meus sentimentos e emoções estavam destroçados e espalhados por todo o lugar. Eu me senti como se fosse sufocar. Um nó na garganta impedia-me de respirar. Precisava de ar, com muita urgência. Pedi a conta, paguei e levantei-me, indo directo para a porta. Ele me seguiu, em silêncio.

Enquanto caminhávamos para a praia, sentia-me tão triste, que não podia ver, nem pensar com clareza. O dia estava pesado, assim como meu coração e minha alma. Sobre nossas cabeças, as nuvens cinzentas e escuras anunciavam o mau tempo, para muito breve.

Ficamos lado a lado, por um longo tempo, observando o mar a ir e vir, naquele movimento monótono e constante. Minha mente estava vazia, ou totalmente confusa... Eu já nem sabia o que pensar. Sentia, somente, uma tristeza imensa, tentando engolir-me, como se fosse um gigantesco buraco negro.

Ele não disse nada o tempo todo, mantendo seu olhar na distância, ou em um ponto além do horizonte.

Eu me virei um pouco, para poder olhar melhor o rosto do homem, que eu ainda amava tanto. Ele parecia ter a mente e o corpo tão vazios e distantes dali. Perguntei-me se ainda poderia trazê-lo de volta daquela terra de decepção, onde se encontrava totalmente imerso.

Achei que precisava fazer alguma coisa, como minha última hipótese e, então, num arrojo desesperado, beijei-lhe num dos ombros, apoiando as minhas mãos em seus braços e tentando mostrar-lhe que ainda havia muito carinho e amor em mim, mas ele, somente, estremeceu um pouco e, então, ficou tenso, imediatamente.

Foi quando eu senti que ia ser difícil engolir meu orgulho e não chorar. Tentei manter-me plácida, para poder afastar-me dele, sem dizer nada. Já não havia nada a dizer. Já não havia mais nada nele, que pudesse ser meu, outra vez.

Ele nunca virou-se para me olhar partir, daquela forma, da vida dele, nunca disse nada, nem tentou impedir-me de ir embora. Aqueles braços e peito, onde antes eu me sentia tão segura e abrigada num abraço, já não estavam mais lá, para me proteger ou segurar.

O homem que eu tanto amei, já não podia confiar em mim e eu sabia que nunca poderia haver qualquer relacionamento saudável, se não houvesse confiança. O nosso tempo havia-se acabado e, infelizmente, tive que aceitar que fora somente por minha culpa. Eu tinha que aprender a viver com aquilo, para o resto da minha vida.

Não me virei, enquanto caminhava de volta para o carro. Era hora de encarar a realidade e afastar-me, enquanto ainda havia um fino vestígio de orgulho em mim. Eu teria que enfrentar a solidão, como meu único companheiro, novamente.

A praia pareceu-me um imenso deserto. Por trás das minhas costas eu ouvi o ribombar dos trovões e os clarões dos relâmpagos, e percebi o que vinha logo a seguir...

Em segundos, a tempestade começou e eu não fui totalmente surpreendida por um repentino banho de água fria, que jorrava, sem piedade, sobre minha cabeça e meu corpo, encharcando minhas roupas e causando-me uma inundação súbita e incontrolável, vindo dos meus olhos. Não senti nenhuma vergonha por chorar, deixando as gotas de chuva misturarem com o meu choro. Quão clichê era chorar na chuva, mas não estava preocupada com o quão comum ou quão idiota podia parecer... Também estava chovendo dentro de mim... torrencialmente...

Eu não tive vontade de correr. Só queria que a chuva lavasse minha dor, por um momento... e foi o que aconteceu... por um segundo, ou dois... Depois, a aflição multiplicou-se exponencialmente e eu solucei, alto, como uma criança abandonada…

No meu coração, eu sabia que nunca mais tornaríamos a nos ver, depois daquele dia tão triste e tempestuoso... e eu estava certa...