A minha história com Thomas
começou há pouco mais de um ano atrás.
Ele havia sido uma das vítimas de um
infortunado destino, daqueles que são enganados facilmente pela aparência das coisas.
Se bem percebi a situação, ele havia sido oferecido como presente à alguma
criança, quando ainda era pequenino, mas ao crescer, naturalmente, deixou de
ter o mesmo aspecto engraçadinho e brincalhão que os gatinhos pequenos têm.
Como deixou de ser interessante, por haver mudado, como tudo e todos, o pobre
bichinho foi maltratado, adoeceu, chegou a desenvolver uma infecção urinária,
provavelmente causada pela situação de stress
a que esteve exposto e foi, finalmente, abandonado pela família que o tinha.
Talvez tudo o que ele pudesse ter desejado, fosse ser amado e respeitado, mas
tal fato não aconteceu. Teve azar, como tantos outros animaizinhos que são
maltratados e/ou abandonados... o que não é incomum, especialmente nesta terra.
Sua situação havia sido, enfim, reportada
e ele recolhido da rua, pelas voluntárias da ‘Bichanos do Porto’, para ser oferecido para adoção, em caráter de
urgência. Três meses haviam-se passado, desde então. Neste tempo, ele havia
sido devidamente tratado da infecção e vencido aquela batalha. Parecia estar
bem.
Meu Tiger partiu desta vida no auge do verão do ano de 2013. Eu tinha o
coração bastante entristecido pela dor e pelo vazio causado por aquela perda. Sabia
que precisava de tempo para aplacar o pesar que minha alma sofria, mas o
destino, por vezes, é bastante brincalhão e atropela minhas decisões, de
maneiras que eu não compreendo totalmente… pelo menos no início.
Não foi exatamente por acaso que
eu vi aqueles seus olhos verdes, tão tristes e assustadiços, numa foto no blog da ‘Bichanos do Porto’. Por alguma razão estranha, eu senti meu coração
comover-se pronta e especificamente por aquela criaturinha.
Racionalmente eu acreditava qua
ainda era muito cedo para ter outro companheiro de quatro patas mas,
emocionalmente, eu sabia que estava apenas sendo teimoso ou, mesmo, desnecessariamente
cuidadoso. Pensei, seriamente, por uns dias e decidi que era hora de assumir
uma postura radical em relação àquela infeliz condição a que ele estava
submetido. Em menos de uma semana, após uns poucos contactos com a pessoa que
estava responsável pelo bichinho, ficou acertado que eu iria conhecê-lo
pessoalmente e, talvez, servir de família de acolhimento temporário – uma
operação paliativa, criada para ajudar as pessoas e as associações que fazem
este trabalho, voluntariamente.
Ele chegou numa caixa de
transporte flexível e estava bastante assustado e tenso pela viagem. Pelo
jeito, não gostava nada de passear de carro.
Quando saiu da caixa e ficou mais
à vontade no hall de entrada do meu apartamento, eu vi que ele estava muito bem
tratado e demonstrava uma confiança incomum ao ingressar no novo ambiente. Tinha
um porte bastante robusto e sua pelagem apresentava um brilho saudável, apesar
do que havia passado.
Eu deixei-o avaliar-me e
perceber, sozinho, que era bem-vindo ao seu novo lar e à minha vida. Ele, então,
aproximou-se, inclinando-se para que eu o tocasse. Fiquei feliz em ver que ele
me aprovava e dava uma demonstração enorme de confiança, especialmente para uma
pessoa com a qual entrava em contato pela primeira vez.
Formou-se, naquele momento, uma
conexão única entre nós e eu soube que jamais o deixaria sair de perto de mim, se
dependesse da minha vontade. Aquele primeiro contacto transformou-se numa ligação
cada vez mais forte entre nós, dois seres tão diferentes um do outro, mas com
necessidades tão similares. Éramos como duas almas solitárias, um servindo de
apoio ao outro, para tentar amenizar a carência de companhia e, talvez, também
de afeto. O que era para ser um lar de acolhimento temporário nunca assim o
foi.
Mas ainda havia uma componente
muito grande de medo a assombrar-lhe e esta era mais forte que qualquer outro
sentimento. Ele ainda demonstrava ser um gato assustadiço e inseguro, que havia
perdido aquela tranquilidade que seria de se esperar de um ser nascido e criado
em ambiente doméstico. Muitas vezes reagia de maneira incomum ao ouvir-me
sacudir sacos plásticos, ou usar o ‘spray’
de água para molhar as plantas, ou até mesmo quando ouvia crianças a falar no corredor do prédio.
Estas e outras coisas deixavam-no em estado de alerta, pronto a correr e
esconder-se, se necessário fosse. Eu não compreendia suas razões, mas aceitava
que tinha de ser paciente e dar-lhe tempo para ambientar-se e ganhar confiança,
para poder viver serenamente no seu novo território.
Por isso mesmo, aquela
demonstração de confiança que deu, ao conhecer-me, foi surpreendente e
inesperada. Talvez houvesse sentido, no ar, que estava mais bem protegido, de
alguma forma, ali naquele novo meio, com aquele novo amigo de coração tão mole,
que tinha os olhos cheios de lágrimas, cada vez que pensava no que aquele pobre
ser poderia haver passado até ali.
Eu prometi-lhe, secretamente, que
faria de tudo ao meu alcance para que jamais voltasse a sofrer ou sentir
qualquer tipo de insegurança ou medo novamente. Não fosse o seu azar com os
seus primeiros donos, eu não teria a sorte de comover-me com sua triste e
trágica situação anterior e de trazê-lo para viver comigo, modificando, assim,
a sua... e também a minha... história a partir do primeiro instante em que nos
conhecemos.
Até o presente momento, tenho
cumprido minha parte daquele secreto pacto de amor e tenho certeza que ele reconhece
meu esforço, pela forma como dá demonstrações de confiança, de afeição e de
respeito pelo meu espaço, assim como eu tenho pelo dele. Hoje, sinto que o
conforto que sente e a amizade que demonstra são evidências claras que está,
definitivamente, sentindo-se perfeitamente ambientado na casa que é, agora,
também, sua. Dou-lhe atenção, carinho, companhia e espaço para sentir-se seguro
e nunca mais pensar que sua história precisa de um outro final, de alguma
forma, mais feliz, como se espera em contos de fadas ou em grandes romances.
Nossa convivência tem, agora, um
ano e uns poucos dias. Com certeza, terá bem mais que isso, no que depender de
mim. Eu assumi, secretamente, para meu coração e, para ele, em voz alta, que
faria tudo ao meu alcance para que tivesse uma vida digna, confortável e tão
longa e saudável quanto possível.
Ele, entretanto, não precisa prometer-me
nada. Já dá-me mais do que preciso. Tê-lo presente em minha vida é muito mais
que eu podia esperar. E que não se pense que ele ‘é só um gato’. Somente quem nunca teve um animal de estimação pode
achar que ‘é só um gato’. Ele é uma parte
bastante importante da minha vida. A confiança que tem manifestado, ao longo do
tempo, dá-me boa convicção de que eu tomei a decisão certa ao adotá-lo. Claro
que tenho cuidado excessivo em relação ao seu bem-estar, às suas necessidades e
também ao tempo que ele necessita, tanto para ficar só, quanto para conviver,
especialmente nos fins-de-semana e quando chego em casa, após o trabalho.
Thomas é um gato de constituição
bastante forte, com o dorso de pelagem malhada de cinza e preto e a parte de
baixo, bem como as patas, de um branco muito puro. Aqueles seus olhos verdes
estão sempre atentos a tudo que se passa à sua volta.
É um animal muito bonito,
brincalhão, carinhoso e superinteligente. Aprende as coisas com rapidez e
percebe facilmente o ambiente à sua volta. Sua confiança nas pessoas, porém,
está mais ligada a mim, que a qualquer outro fator. Ele só a demonstra, se
perceber a minha aprovação. Exemplo disso foi com a empregada, que faz a
limpeza no apartamento onde vivemos. Como ela não foi “apresentada” a ele, por
mim, cada vez que entrava no apartamento, o bichano corria e escondia-se por
trás da cortina do quarto, para não ser perturbado. Ele não se deixava tocar
por ela, de maneira alguma, por isso era considerado muito desconfiado e
arisco, o que não deixava de ser a mais pura verdade. Somente no dia em que
cheguei cedo à casa e a empregada ainda lá estava, foi que ele chegou perto e
deixou-se tocar, não sem antes ter a certeza que eu conversava amigavelmente
com a mulher.
Posso afirmar, com toda certeza,
que a evolução no relacionamento que tivemos, dentro destes mais de 365 dias, é
manifesta e salta aos olhos. Ele reconhece muito bem as minhas palavras e as
intenções por trás delas. Coisas como: ‘Vamos
comer?’; ‘Venha cá’; ‘Vem comigo’; ‘Senta’; ‘Bom dia’; ‘Dá-me um cheiro’; são todas bem
compreendidas e geram uma ação, de sua parte.
Thomas mia muito raramente e,
quando o faz, é baixinho, quase imperceptivelmente. Seu ronronar também é
discreto e quando quer atenção, ele torna-se insistente e bastante carinhoso,
como quem dá algo, mas que quer também uma justa parcela em troca. Hoje está
muito mais tranquilo, dentro do ambiente familiar em que está inserido. Não se
assusta facilmente, nem se comporta de maneira mais estranha que qualquer outro
felino. Está confortável. Tem seus gostos e suas preferências. Gosta de ouvir
música comigo. Gosta de comer quando estou na cozinha, fazendo-me companhia. É
também meu ‘controller’. Quando passa
das onze da noite, hora oficial de dormir, ele vem até onde estou e fica a
rodear, até que eu desligue a TV ou o computador, apague as luzes e vá
deitar-me. Na maioria das vezes, segue-me e aninha-se aos meus pés,
especialmente se a temperatura estiver mais fresca.
Neste momento está a brincar com
uma das 19 bolinhas de papel alumínio amassado que gosta de esconder em baixo
do sofá da sala. Sim, eu contei, enquanto as resgatava. Em pouco tempo todas elas lá estarão de volta e ele virá
pedir-me para levantar o móvel e retirá-las novamente, para o processo, então,
repetir-se, até ele cansar-se… ou não.
Minha vida é mais tranquila
porque ele faz parte dela. Eu o observo com muito cuidado e atenção e copio
alguns de seus comportamentos também. Tenho tido mais estabilidade e
equilíbrio, aprendi a melhorar minha postura, a fazer alongamento, a espreguiçar-me,
a ser mais carinhoso e a olhar sempre por onde ando, para não esbarrar,
inadvertidamente, nele…
Também aprendi a reservar um
tempo para dar-lhe atenção total. Suas
exigências são muito poucas e muito simples. Posso muito bem diminuir o ritmo
frenético que sempre estou, para dar-lhe carinho, conversar com ele, ficar à
varanda ao seu lado, olhando as pessoas passarem, ou, então, sentado no tapete
da sala, a coçar-lhe o queixo, alisar-lhe o pelo, acariciar-lhe atrás das
orelhas… Estes pequenos gestos não me custam nada e a satisfação que recebo, em
troca, é impagável.
Ele ensina-me que, por vezes, é
importante parar um pouco e simplesmente ouvir música, brincar por uns
instantes ou relaxar despreocupadamente. E que a vida passe por nós, sem que sintamos qualquer
coisa que não seja o prazer simples da companhia um do outro, por uns breves
momentos.
Thomas tornou-se, neste pouco
mais de um ano, um companheiro excepcional e um grande suporte para mim. Já não
sei ver a vida longe dele. Estou sinceramente apaixonado pelo meu pequeno...
Ele é um presente, sempre presente, no meu presente!
Ele é um presente, sempre presente, no meu presente!
Este video mostra apenas uma pequena parte de como ele é adorável!