Da penumbra da escada onde estava
escondido, o homem podia observar bem o que acontecia no piso térreo, mas ao
mesmo tempo tinha dúvidas se estava mesmo a ver ou se estaria imaginando
coisas.
O velho homenzinho estava de pé,
próximo a uma porta quase imperceptível, quase camuflada, na parede oposta à
saída principal, por trás do lance de
escadas, onde o outro espreitava, com interesse e espanto. Ele, então, levantou
a machadinha à altura do rosto e segurou-a, concentradamente, próximo à boca.
Em seguida, abriu a boca, que
alargou-se enormemente, como o homem nunca havia visto ninguém fazer antes,
abocanhou a lâmina da machadinha, por completo e, quando retirou-a, aquela estava
limpa, já sem nenhum sinal do inseto que nela jazia há poucos segundos atrás.
- (Que diabos está acontecendo ali? Como é que ele conseguiu fazer... Aquilo não pode ser nada normal...)
O homem deixou aquela reflexão
formar-se em silêncio e sufocou sua admiração, tentando não gritar, mas deixou escapulir
um som abafado. O estranho levantou a cabeça e olhou para onde ele estava
semiescondido, mas já não incógnito.
Ele saiu da sombra da escada e
deixou-se ser visto, sem falar nada. O homenzinho, então, disse, sorrindo e com
um genuíno ar benevolente, ao perceber que o outro parecia bastante perplexo:
- Ah! Eu sentia que não estava sozinho...
Mas o homem teve um certo medo do
estranho homenzinho, que tinha uma característica tão incomum. As coisas não
estavam correndo muito bem para o seu lado. Sem saber o que dizer, ele
desculpou-se, mais por temor do que por educação.
- Eu sinto muito. Não quis ser indiscreto. O que vi, foi, realmente, um
acidente...
- Não te preocupes. Não há realmente um problema em conheceres o meu
segredo!
Aparentemente o velho não estava
nada preocupado em haver-se revelado ao estranho que o mirava, sem realmente
compreender. O que aquela aparente tranquilidade significava, entretanto, o homem
de cabelos castanhos não sabia exatamente. Começava a desconfiar que podia não
ser nada bom para si.
Secretamente, lá no fundo de sua
mente, o homem perguntou-se que novo personagem seria aquele.
- (Que tipo de criatura seria aquele homenzinho estranho? Será que estava
imaginando coisas? Teria sido, de alguma maneira, o efeito do vinho?... E eu
nem bebi mais que uma taça daquele vinho verde, nem sinto-me minimamente bêbado...).
O velho ainda sorria, olhando para ele,
com ar interessado e, provavelmente, ainda a estudar as suas reações.
Um ruído, vindo do topo da escada, porém,
desviou-lhe os pensamentos e a atenção da cena ainda a desenrolar-se à sua
frente. Alguém, com passos bastante pesados, começava a descer o primeiro lance
de degraus. O homenzinho olhou o outro e disse, com a voz calma e baixa, mas em
tom de aviso, antes de sair pela porta lateral, quase escondida por trás de uma
pilha de barricas.
- Tome bastante cuidado... tenha muito cuidado mesmo! Eles não são,
definitivamente, o que parecem ser. De alguma estranha maneira, creio que ainda
nos voltaremos a encontrar…
Para falar bem a verdade, o homem de
cabelos castanhos já nem tinha certeza do que realmente era e do que apenas
parecia, naquele momento.
Quis seguir o velhinho, mais para
proteger-se do que propriamente ir atrás dele, mas a abertura, pela qual o
bizarro personagem passou, não tinha maçaneta e fechou-se muito rapidamente. Ficou
sem saber o que fazer, a não ser esconder-se, para não ser visto. Esgueirou-se por
trás das prateleiras e das barricas - umas de azeite, outras de vinho - no
fundo do piso, por trás da pesada e escura escada e esperou, com os olhos
atentos à porta da saída principal.
Sabia que sua presença ali só poderia
levantar suspeitas e uma série de questionamentos, para os quais ele não tinha explicação
plausível, além de sua curiosidade fora do normal e da sua tendência de meter-se
em situações confusas e complicadas, inadvertidamente.
De onde estava, observou que o homem
que passara era bastante forte e vestia um casaco feito de uma espécie de couro
muito escuro de réptil, talvez crocodilo, mas ele não tinha certeza, já que não
era adepto daquele tipo de material para casacos ou, mesmo, para roupas de
qualquer espécie. O tal brutamontes era o mesmo homem que o havia encarado e
não tinha ares de bons amigos. Desejou, secretamente, que o estranho de pele
azeitonada e ar hostil não o visse.
O homem, porém, ao chegar à porta principal, empurrou-a, olhou
para os dois lados, como se procurasse por alguém e saiu. Atrás de si, desceram
os outros três e, sem falar, saíram para fora, seguiram o líder e foram pela
calçada afora, provavelmente na direção do carro.
O homem, assustado, esperou ainda
alguns minutos até certificar-se que já haviam-se afastado bastante, com os
ouvidos muito atentos ao som dos passos, que desvanecia na distância. Saiu com cautela
e, já do lado de fora, decidiu que tinha tido aventura demais por uma noite e
sentiu um certo receio de ser confrontado pelos homens estranhos, uma vez mais.
Apressou-se a dirigir-se ao seu carro, que estava um pouco distante. Procurou,
mas já não viu o veículo preto, dos homens estranhos, no estacionamento. Ainda olhou, com atenção, à
volta, para certificar-se que estava mais a salvo e seguiu, pronto a sair dali
o quanto antes.
Estava com a chave na mão, quando
ouviu o som de passos apressados atrás dele. Seu sangue gelou, mas ao virar-se
viu apenas uma mocinha, com olhos verdes muito claros, a vir na sua direção. Ela
disse, apontando para o bosque:
- Entra no carro, depressa. Aquele homem tem respostas e a indicação de como
podemos sair daqui.
Reagiu meio por instinto, antes de
pensar que já a havia visto antes. Era a mesma que havia esbarrado em sua
cadeira e sorrido, há uns minutos antes, na esplanada na ribeira. Ele não tinha
a mínima ideia do que ela queria dizer com ‘sair
daqui’, quando entrou e sentou-se ao seu lado, no banco da frente, mas não
perguntou nada. Contornou o estacionamento e foi na direção onde haviam
avistado o tal homem, que parecia ter estado a procurar alguma coisa nos galhos
dos pinheiros. Parou, no espaço entre o complexo de lojas e o estranho bar e
esquadrinhou o local perto das árvores, com cuidado, pois já não o via. A
mocinha fazia o mesmo.
Uma batida no vidro de sua janela deu-lhe um susto descomunal. Um homem, com olhos de um tom azul-acinzentado, estava ao seu lado, fazendo uns gestos, pedindo para entrar. Ele abriu, instintivamente, a porta traseira e deixou-o acomodar-se no banco atrás de si.
Uma batida no vidro de sua janela deu-lhe um susto descomunal. Um homem, com olhos de um tom azul-acinzentado, estava ao seu lado, fazendo uns gestos, pedindo para entrar. Ele abriu, instintivamente, a porta traseira e deixou-o acomodar-se no banco atrás de si.
O estranho, realmente, tinha
informações a dar. Além de reafirmar-lhe para ter cautela, repetindo o que já dissera,
anteriormente, o homenzinho da roupa castanha, ele mostrou-lhe um item muito
interessante, que tirou do bolso do velho casaco cinzento, que vestia. O homem
teve a leve impressão que, apesar do calor, aquela devia ser a 'noite dos casacos', mas não mencionou
nada.
O tal item era uma caixinha
metálica, decorada com delicados arabescos de prata batida, que continha um velho
pergaminho amarelado. Nele estava impresso um antigo mapa, que mostrava uma
marca muito característica, bem onde havia um desenho, representando uma velha
árvore, aparentemente oca, no meio de um bosque. Ao lado do desenho do centro,
haviam uns números escritos a lápis, em vermelho. Aquelas últimas anotações deviam
ter sido acrescentadas recentemente, pois estavam bastante vivas no papel visivelmente
envelhecido e amarelado.
Por um instante pensou haver visto
uma troca de olhares entre o homem e a mocinha sentada ao seu lado, mas poderia
ter sido somente sua usual paranoia e desconfiança, causando-lhe uma estranha impressão.
Ele estava completamente tomado pela curiosidade acerca do objetivo daquela
estranha situação e queria saber até onde o tal mapa poderia levá-lo.
Mas o mapa tinha um preço,
obviamente. O homem ficou bastante surpreso
quando o estranho lho disse.
Aquela, porém, era apenas uma das
razões que o traziam ali…
***
Estavam no meio do bosque, procurando
seguir as indicações contidas no mapa. O homem tinha o GPS de mão e procuravam
a tal árvore oca que, no pergaminho, estava marcada com as coordenadas de
localização, que haviam sido anotadas à mão, recentemente. Não deveria ser
difícil chegar ao nosso destino em breve, pois a aparelho indicava que estava localizado
há poucos metros, bem à frente deles.
A árvore, uma velha figueira, erguia-se
sobre um pequeno elevado, coberto de relva e folhas secas, numa linha á
esquerda de onde estavam, fora de uma trilha quase nunca usada, por onde haviam
seguido. De onde estavam, não viam nada demais, mas ao contornarem, viram uma
abertura, quase não suficientemente grande para um homem do seu tamanho passar.
Estava coberta por umas lianas e muito musgo, tornando-a quase impercetível.
Afastou a cortina natural com as mãos e passou pela abertura, sendo seguido
pela mocinha.
O tronco era realmente todo oco e,
por dentro, parecia bem maior que percebido por fora. A cerca de uns 45 graus
à esquerda, via-se um pequeno declive, com uma abertura para um pequeno portal,
bem no final do mesmo. Uma outra mocinha, também de olhos verdes muito claros, aguardava-os,
logo que atravessaram o limiar do portal. Ela tomou-lhe a mão e disse-lhe que o
Mestre precisava falar com ele. O
homem não sabia quem era o tal Mestre,
nem o que ele poderia querer, mas tentou convencer quem o havia trazido até ali
a continuar aquela estranha jornada consigo até o fim.
- Vem comigo, por favor.
- Não posso, ainda… Deves ir com ela.
Havia uma longa caverna, que ia
abrindo e ficava um pouco mais alta à medida que desciam. O homem percebeu que
a mocinha devia conhecer muito bem o local, pois sabia exatamente em quais
galerias entrar. Sacudiu a cabeça, como se tentasse apagar o pensamento, pois
era mais que evidente que ela sabia para onde estava a conduzi-lo. Depois de
caminharem por muitos minutos, entraram por uma das pequenas aberturas
laterais.
Após uma leve curva na caverna, num nicho quase imperceptível, havia um velho baú, depositado no chão, escondido num canto. Era de madeira castanho-escura e tinha um trinco de metal batido, representando o que
pareceu-lhe ser alguma espécie desconhecida de réptil, em alto-relevo. A
mocinha puxou o ferrolho para cima e levantou a tampa do mesmo.
Antes que o
homem se aproximasse o suficiente para inspecionar o que havia lá dentro, ela
segurou-lhe a mão com firmeza e, com uma força descomunal, para uma miúda daquela aparente delicada compleição física, puxou-o para dentro da arca, com ela.
Foi então que ele percebeu que a tal arca não tinha
fundo...
***
Parte 2 está pronta. Mais mistérios... mais loucura...
ResponderEliminarBem sou apenas um mero leitor mas quero dar os parabéns ao escritor que consegui fazer-me transportar e a viver como ator desta historia. Consegui que eu me sentisse mais um no enredo e isso motivou-me sempre a sua leitura e vivência.
ResponderEliminarObrigado pelas palavras sempre de apoio e incentivo. Eu tenho me esmerado em fazer o leitor sentir-se parte do que lê. O que vem ainda neste história é muito mais louco... Lol...
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