domingo, 28 de agosto de 2016

Código de Barras (Final)


Um vento agradavelmente refrescante soprou forte contra os dois rapazes, assim que a porta de saída do aeroporto abriu-se e eles viram-se do lado de fora, onde os táxis enfileiravam-se e partiam com os passageiros e suas bagagens, num ritmo frenético e praticamente constante.

Um homem de cabelos escuros e fartos e estatura normal, aparentando cerca de pouco mais de trinta anos, aproximou-se e perguntou para onde eles iam, mas os rapazes estavam apenas preocupados em procurar por uma cabeça conhecida, entre as tantas que por ali estavam. O homem insistiu, mas os dois disseram que esperavam por alguém, dando-lhe menos importância que ele queria.

A porta de saída do prédio do aeroporto abria-se e fechava-se a cada poucos segundos, mas eles não viam quem esperavam a sair por ela.

- Vou voltar lá dentro. Pode ter acontecido algo...

- Vais nada! Achas que, no meio desta confusão, vais encontrar alguém? Vamos é embora daqui, antes que seja tarde. Chega desta história e desta gente estranha.

O homem, que não havia saído de perto, voltou a insistir com eles, oferecendo-lhes um serviço de transporte, mais barato que o dos táxis. Eles tentaram descartá-lo, mas ele era mesmo insistente. Os rapazes perceberam que se fossem tomar um táxi normal, teriam que esperar numa longa fila, que parecia aumentar conforme os minutos passavam e os carros já começavam a escassear, por isso decidiram ir com o tal motorista.

- OK. Ok. Onde está o carro?

- Logo ali, senhor, no estacionamento. Não posso parar aqui, se não estiver cadastrado nesta ‘máfia’ de táxis do aeroporto.

Ele fez uma cara de descontentamento com o sistema existente e seguiu em frente, com os dois a seguirem-no, até onde o carro deveria estar.

O rapaz de óculos ainda deu uma última olhada para trás, para certificar-se que não via a moça, mas, em meio ao tumultuoso vai-e-vem de pessoas na calçada, seria impossível distinguir a cabeça dela, entre tantas outras. O outro puxou-o pelo braço.

- Vamos! Esquece isso. É hora de voltar à base e à nossa vida normal. Parece que nem nas férias conseguimos ficar longe destas enrascadas!

Balançando a cabeça desconsoladamente, o rapaz cruzou a rua e entrou no parque de estacionamento, onde o motorista já esperava junto ao carro, uma ‘van’ preta, de aspeto comum, mas a brilhar muito, de tão bem encerada que estava. Alguém havia caprichado na aparência, ao contrário do que eles esperavam. Os vidros tinham película escura, que era o padrão de uso nos carros de transporte da segunda maior cidade do país.

O homem vestia-se como um motorista particular, com um fato preto e camisa branca. A gravata era em padrões de riscas de giz, inclinadas em ângulo à direita e muito fininhas, com diferentes tons de azul, variando entre o celeste e o cobalto, sobre um fundo azul-marinho.

Ele abriu o bagageiro e tomou as mochilas dos dois, acomodando-as com cuidado. Os dois entraram pelas portas traseiras, afivelaram os cintos de segurança e disseram para onde iam. O homem girou a chave na ignição e as travas das portas foram automaticamente acionadas. Ele contornou, passou pela cancela, que levantou automaticamente e seguiu para fora do parque.

Ao virar à direita, na rua paralela à avenida principal, diminuiu a marcha e encostou junto à calçada. A porta de passageiros, ao lado dele, na frente, foi aberta e uma moça, com os cabelos arranjados em uma longa trança negra, entrou e sentou-se. Ela afivelou o cinto e disse, sem olhar para trás:

- Vamos… depressa!

Os dois passageiros praticamente perderam a fala. O motorista acelerou e foi só então que eles perceberam que, por baixo dos fartos cabelos escuros, na parte de trás da cabeça, surgia a ponta de uma tatuagem que eles conheciam bem e que causou-lhes, não somente espanto, mas também um certo receio.

***

O carro, parado numa região quase deserta de um grande parque de ‘containers’, passava incógnito naquele local apropriado para um encontro quase insuspeito. O homem, que passara-se por motorista, estava parado em frente ao carro, a falar com a moça. Os dois rapazes estavam trancados dentro do carro, sem poder sair ou ouvir a conversa, mas conseguiam perceber que havia um conflito qualquer entre eles.

Um outro carro, também preto, aproximou-se e parou à frente ao primeiro. Dele saltou um homem grandalhão, com a cabeça rapada, vestido com uma ‘t-shirt’ preta bem justa, a evidenciar-lhe os músculos dos braços e torso. Era o personagem que faltava e que eles já haviam visto antes, em várias outras ocasiões.

O homem trocou umas poucas palavras com os colegas e veio na direção do outro carro, onde os dois rapazes estavam presos.

- Quem são vocês, afinal? Alguma seita maluca ou um grupo terrorista? O que vocês querem de nós?

O rapaz de óculos estava impaciente e irritado. Aquela história parecia estar indo longe demais e, até aquele momento, completamente incompreensível. Seu amigo, ainda quieto, começava a temer pelas vidas dos dois, mas não comentou nada. Esperou que o homem de cabeça rapada, que parecia ser o líder deles, falasse.

- Não. Não somos de nenhuma seita maluca. Assim como vocês, nós somos soldados treinados.

- Soldados? Como assim? Soldados treinados para a batalha? Alguma guerra?

A moça respondeu.

- Não exatamente. Antes, mais pelo contrário… para impedir uma...

- Que guerra?

- Uma guerra estúpida e silenciosa: a autodestruição da humanidade…

- Só faltava essa. Isso é de loucos! E por que estamos envolvidos nisso, afinal?

- Não era suposto que a nossa presença fosse percebida. Julgávamos que estávamos sendo o mais insuspeitos possível, até que vocês começaram a seguir-nos. A interferência de vocês poderia colocar em risco o sucesso do que viemos fazer… e isso poderia ter consequências bastante graves no futuro.

- No futuro? Essa conversa está cada vez mais sem sentido. Vocês não podem ser levados a sério. Isto é uma insanidade.

O rapaz de óculos julgava que estava diante de um grupo de fanáticos, nos quais foi executada uma estranha lavagem cerebral, tornando-os terroristas perigosos e destemidos, com propósitos homicidas e, provavelmente, também, suicidas.

- E foram enviados por quem, pelo amor de Deus?

- A pergunta correta não é: ‘por quem?’ Mais adequadamente, deveria ser: ‘de onde?’… ou, talvez, melhor ainda: ‘de quando?’.

Os dois rapazes se entreolharam. 

- Nós viemos do futuro. Nossa missão é impedir o crescimento descontrolado da população, antes que seja tarde demais.

O soldado tentou manter a calma, já sabendo que aquelas pessoas estavam completamente dementes e, para piorar as coisas, acreditavam naquilo que diziam. Ele, todavia, tinha que fazer uma pergunta, que no momento pareceu-lhe crucial.

- E como vão fazer isso?

- Usando um método contraceptivo mais eficaz e mais definitivo. Na verdade, o objetivo é esterilizar mais de sessenta por cento da humanidade.

- Mas isso é uma loucura! Como poder ser humanamente possível?

- Esta é, apenas, uma medida preventiva, como tantas outras que já aconteceram na vossa e na nossa história. As pessoas não perceberão que o objetivo é muito mais profundo. A esterilização é só uma parte do plano e é para um bem maior.

- Castrar mais da metade da população é um bem maior? Vocês não sentem um peso na consciência?

- Na verdade, não! Nós, no futuro, somos desprovidos de uma série de fraquezas que esta época possui. São consideradas comportamentos de risco. Esta medida é necessária, para o avanço da ciência. Ninguém perceberá nada, porque o efeito não será evidente. Até que os cientistas deem-se conta de que a humanidade foi, de certa forma, envenenada, demorará um certo tempo. Quando os responsáveis perceberem, será quase tarde demais. A terra estará com uma população envelhecida, estéril e com o crescimento demográfico em acelerada decadência. A ciência terá que apressar as ações de controlo e de refrear o inevitável declínio da raça. A clonagem será a única saída… e o mal necessário… Já nos encarregamos de plantar uma ténue semente na cabeça dos pesquisadores de um certo laboratório, aplicando dinheiro e investindo na biotecnologia. Precisamos que seja levado mais a sério e em menor prazo, para ajudar-nos a ajudar o futuro…

- Nós mesmos fomos produzidos em uma série controlada, do melhor material genético possível, cientificamente manipulado, para sermos livres de falhas, de vulnerabilidades físicas e de dúvidas, por este mesmo laboratório. Somos marcados com códigos de barras, não temos nomes e, no nosso caso, temos uma missão a cumprir e tempo de vida pré-determinado. Nenhum de nós existe há mais de um ano, a não ser…

A moça olhou para o ‘motorista’ que, até então, mantinha-se calado, mas não pode concluir a frase, diante do olhar fulminante que recebeu do homem de cabeça rapada.

Um dos jovens soldados não percebeu a sutileza do que se passou naquele momento. Apesar de ainda em dúvida, ele tinha que explorar todas as possibilidades de compreender aquela história. Será que aqueles seres eram, mesmo, soldados enviados do futuro? O discurso era, de certa forma, bastante credível, embora extremamente fantástico.

- E o resto do planeta vai continuar intocado? O que vai acontecer, no futuro, com os animais, as plantas, o mar, essa beleza toda?

- Já não existirá nada disso, se deixarmos as coisas como estão. O descontrolo no crescimento demográfico resultará em um gravíssimo problema, com efeitos exponenciais e uma grande falta de sustentabilidade, o que levará à uma consequente crise mundial. A fome vai criar o caos e o desespero. Consequentemente, a destruição também será exponencial. Mesmo o dinheiro e as riquezas não terão valor, já que não haverá o que comprar e a produção será deficiente para suprir todas as necessidades. É por isso que fomos enviados, para tomar uma ação urgente, antes que fosse tarde demais. Aliás, já é bastante tarde e o próprio laboratório está em grande perigo…

- O processo, agora, porém, já foi iniciado. Já não há tempo para desfazer. É impossível voltar atrás…

- Como assim? Já começou? De que forma?

- Em vários pontos do mundo, os nossos soldados já seguiram as ordens recebidas, à risca, despoletando um processo calculadamente eficiente e efetivo. Os efeitos disto serão percebidos tarde demais. Não haverá como reverter o que foi desencadeado nestes últimos dias. Nossa missão aqui está concluída. Agora só temos que voltar para o tempo de onde viemos.

- Então por que nos trouxeram para cá?

- Para impedir que interferissem ou espalhassem o pânico. Quando vocês começaram a seguir-nos, ficamos com receio que pusessem a operação a perder. Ao nos separamos, criamos uma necessária distração e garantimos que o plano seguisse, sem que houvesse qualquer intromissão. 

- Mas nós podemos boicotar esse vosso plano. Isso ainda pode dar muito errado…

- Vocês acham que têm alguma hipótese? Vocês nem saberão por onde começar. Não conhecem o procedimento, nem o que foi iniciado. Se quiserem nos denunciar, como se isso fosse possível, que provas teriam para apresentar? Serão tomados por loucos ou drogados. Tudo parecerá um sonho distante ou um delírio esquizofrénico qualquer… Além do mais, já não estaremos por cá...

O homem de cabeça rapada olhou para o outro, que se havia passado por motorista e calou-se.

O rapaz de óculos logo percebeu que havia uma mensagem subliminar naquela parada, mas não perguntou nada. O que poderia, aquele homem, aparentemente inofensivo, ter, que importunava os outros?

***

- Temos que voltar. Resta-nos muito pouco tempo, agora.

Um telefone tocou. O homem atendeu, com o cenho franzido.

- Mas isso não estava nos planos!

Ouviu-se uma voz bastante alterada, do outro lado da linha. O homem calou-se, ouviu e, finalmente, cedeu.

- OK. Assim será!

Ao desligar, ele caminhou, em silêncio, até o carro parado. De lá, voltou, dentro de poucos segundos, com uma arma automática na mão. Os soldados perceberam que o cano tinha um silenciador…

Antes que alguém sequer expressasse qualquer reação, ele apontou a arma e disparou, sem pestanejar, para surpresa de todos.

A moça caiu, com um buraco de bala na cabeça e um largo fio de sangue a escorrer, como um riacho espesso e rubro, sobre a relva.

O homem, então, virou-se e apontou para o motorista, pressionando o gatilho, mais uma vez.

O motorista, num gesto inesperado e desesperado, jogou-se contra ele e os dois começaram uma luta estranha, diante dos dois jovens soldados, que acorreram imediatamente, para ajudar a imobilizar o assassino, derrubando-o ao chão.

Na confusão, como sempre acontece quando se disputa a posse de uma arma carregada, ouviu-se o som de um tiro abafado. E, então, o grupo parou de lutar…

***

O homem que havia-se feito passar por motorista e que foi ferido segundos antes de começar a lutar, estava caído de costas, desacordado, com a cabeça ensanguentada, um pouco atrás dos dois rapazes. O homenzarrão de cabeça rapada, que teve a arma disparada contra seu próprio corpo, durante a luta, tinha uma mancha escura e húmida crescendo do meio de seu peito e tingindo o chão de vermelho, quase ao lado do corpo da moça assassinada. A arma ainda estava em sua mão e seu dedo, ainda no gatilho...

Os dois jovens soldados, levantaram-se e começaram a caminhar, ligeiros, na direção dos dois automóveis pretos. O motorista, porém, moveu-se, assim que eles passaram. Ele passou a mão na cabeça e gemeu, ao tocar a ferida que ainda sangrava. Os dois rapazes abaixaram-se e, sem pensar muito, carregaram-no junto deles, até o carro em que estiveram antes, ajeitando-o no banco de trás e saindo em alta velocidade. 

***

O mar estava calmo, como se todas as tempestades, de todos os tempos, houvessem passado de vez e como se as ondas e o movimento das águas fossem somente os acordes de uma suave cantiga de ninar, ou de um mantra repetitivo e tranquilizante.

Os três homens estavam de pé, lado a lado, cada qual com seus próprios pensamentos, a olhar o mar a movimentar-se e a ver umas poucas pessoas passarem, sem dar-se conta do que acontecia nos bastidores da vida, sem que tivessem qualquer noção e que poderia colocá-las em perigo. O rapaz de óculos quebrou o silêncio.

- Nós ainda não decidimos o que vamos fazer com a informação que nos foi dada…

- Não vamos fazer nada. Aquilo não pode ser levado a sério. Foi uma loucura… Nunca saberemos a verdade…

Os dois jovens soldados olharam para o outro homem, que manteve-se impávido, sem esboçar nenhuma reação ao comentário deles. Sua vida havia sido salva pelos dois e ele devia-lhes mais do que um simples obrigado. O homem deu um longo suspiro, como se quisesse absorver o iodado e salino ar do oceano, como se fosse por uma última vez. Ele fechou os olhos por uns instantes, depois falou, calmamente.

- Nós evitamos falar sobre este assunto por muito tempo…

- Talvez seja hora de falarmos, mesmo.

- Já não há muito o que falar. Não lembro de muita coisa antes do incidente… acidente… fosse lá o que fosse…

- Grande! Que bela história! E nunca vamos poder confirmar nada…

- Eu lembro de ter participado de um treinamento militar bastante árduo… de ter sido enviado antes deste grupo… da introdução do fármaco nos abastecimentos de água… depois é tudo um pouco confuso…

- O fármaco na água? Então foi assim que a esterilização foi executada? Que loucura…

- Era necessário. Foi para isso que fomos enviados. O laboratório estava sob pressão e a invasão era iminente… Engraçado que eu não lembro de nada, antes do treinamento… como se nunca houvesse acontecido…

- Ou como se tivesse sido apagado…por alguma razão…

O homem parou de falar e fechou, novamente, os olhos, apoiando-se no metal de proteção do passadiço, em frente à praia, com a cabeça baixa.

Os dois soldados não sabiam o que pensar, dizer, ou fazer… Aqueles fragmentos de memória contavam uma história absurdamente convincente e descabida, ao mesmo tempo, mas que não fazia conexão com qualquer tipo de realidade.

Treinamentos militares, laboratório secreto, viajantes do tempo… que sentido poderiam fazer?

Se a história era real e aconteceu mesmo, ficou perdida na lembrança de um soldado ferido e com problemas de memória. E como saber o que fazer?

***

- Eu não entendo. Se  os soldados nunca voltaram e se tudo o que aconteceu não foi mesmo um delírio em massa, como os cientistas irão saber se o plano funcionou?

- A explicação é, até, bem simples. Se nós mudarmos o passado, não existirá o mesmo futuro que nos enviou a ele… Para todos os efeitos, na verdade, eles nunca existiram… Eles não poderiam voltar para um futuro que já não existirá… pelo menos não da maneira que eles viram!

- E por mais assustador que possa parecer, nós nunca saberemos se o plano funcionou, porque nunca chegaremos a aquele futuro… É um beco sem saída!

- Oh, meu Deus! Que loucura!

O rapaz de óculos tirou-os e passou as mãos no rosto, parecendo completamente confuso.

Um homem aproximou-se e perguntou se eles tinham lume para acender o cigarro. Eles disseram que não e o estranho agradeceu e continuou a caminhar, sem olhar para trás. Ele passou os dedos pelos cabelos e ajeitou a gola do casaco. 

Só não foi a tempo suficiente de esconder uma pequena tatuagem na parte de trás do pescoço... um código de barras...

domingo, 14 de agosto de 2016

The Barcode (Part 2)


- How did they disappear like that?

- I don’t know. But it seems to me this is not a very good sign. Who are they, anyway?

- I don’t know either, but I'd love to find out...

- I don’t think we will meet them again. Unless…


A disturbing thought crossed the mind of the boy wearing glasses, interrupting the flow of words. The other young man soon realized what he meant and shook his head negatively.


- No... no... no... I can’t believe it. It cannot be…

He scratched his head, as if looking for a way to get rid of his bad thoughts.


- Or can it?

- We both know very well that everything is possible... every and anything!

- We won’t have time to find out anyway. We’ve got to go back to the Army tomorrow... Thankfully...

- Or not…

- What do you mean by “or not”?


***


- Be quiet and still and I'll let you go free. Promise you will not scream. I don’t want to hurt you... unless it is really necessary... and if it is, you know I will really hurt you.


She agreed. He loosened the hand and arm slowly, allowing her to be freed, but under his careful vigilance.


- Are you insane? You cannot expose yourself like that. Have you realized you’d be risking ourselves, running through the crowd like that? Do you know the danger in which we have been placed?

- Apparently the one who was too exposed was not me. Look at you. Why were those two guys following us? It did not seem to me it was merely by chance...

- They're just a pair of nosy young men. We can handle it, but not now. We have more important things to deal with. Our task is more vital now. Time is not standing still and we are running out of any left very fast.

- This is really essential or is it in fact a big mistake? Or perhaps it is just a whim, not wanting to accept the inevitable?

- Whim? Survival is a whim, now? And where does this doubt came from, like this, out of the blue?


She looked at the big man, seriously and firmly. Her face was grave and somewhat challenging. Deep in her eyes there were traces of a sad awareness. The right seemed no longer so right and the obvious was not so obvious anymore...

Her eyes seemed to defocus and her expression changed suddenly, from defiant to wistfully anguished.


- I still cannot say for sure. Something tells me that this sacrifice will not bring the expected result.


That evidence of a doubtful mind, her speech and her behaviour were not normal and neither showed a good sign to the man...

They were not actually trained or programmed to question the purpose of a task assigned to them. Either they would go ahead to full completion or they would jeopardize much more than the simple conclusion of a considered too important mission.

To ensure survival at any cost was definitely a great responsibility... and not just for the two of them... only perhaps it would never be seen as such... unfortunately...

That was the heroic and sad fate of the anonymous soldiers.


***


- Our flight is only late this afternoon. Let's put our things together and spend the afternoon at the Public Marketplace, one last time. From there we’ll go straight to the airport.


Although it was not his favourite place, the young man wearing glasses agreed with the friend’s plans. He was hoping to meet the girl with braided hair, but did not express his desire aloud. The other thought his lack of protest was unusual, but kept quiet. He wanted to enjoy the last few hours on the island before heading back to their normal hard lives. Maybe they would not come back so soon ... maybe they would not come back ever again...


- Let's 'check out' and leave so we can make good use of the time we have left here.


Shortly after, the two friends went out with rucksacks on their backs toward the Public Market. In the minds of the two there were different purposes, mixed with some authentic concerns.


***


- It's almost time to go back. We have to leave here and complete our task as soon as possible. The two most populous cities of the country are already prepared. We just need to 'pull the trigger', so to speak. Also we no longer need to come back here. We will be taken back from there... the two of us... apart from each other...

- I don’t want to go. I do not believe we will succeed in this crazy enterprise...

- And since when you have this option?

- And what if it does not work? What if…


The man interrupted irritated.


- If this... If that... too many IF’s! We’ll only know IF we finish what we've come here for... This is the only IF that really matters! Now, stop this nonsense and let's go!


***

- Don’t you turn around now. Pretend you are interested in something else right there in front of you.

- Okay, but tell me what's going on...

- Barcode is enough of a hint to you?


The boy wearing glasses stopped, as if frozen. His disappointment for not having seen the girl at the Public Marketplace disappeared immediately. For some strange reason he felt a shiver going up and down his spine.


- They are going to different doors. I think they will split. She is coming to this side, closer to this door. You can look now… but just turn around very carefully…


The boy wearing glasses pretended to be distracted and looked toward the door, where passengers began queuing in response to the call that had just been heard from the speakers of the small airport waiting room. The two friends rose and followed the line, showing little interest in almost everything except to the girl with very black hair, a dozen steps ahead of them.

Soon the door opened and the passengers moved ahead, crossing it after showing their documents and proceeding to the aircraft that had just been prepared to take off in minutes. The shaven-headed man drove a last stare at the girl, who walked through the door and proceeded forward, without looking back. The man was probably making sure that she would not give up.

The two young men crossed the sliding door soon after, with their eyes fixed on the girl wearing the hair arranged in a long dark braid, who could hardly hide an unusual and intriguing tattoo. They quickened their pace to get closer and observe where she would sit. Maybe they could get in touch somehow...

When they reached the small door of the large airplane, the slow agglomeration of passengers organising their hand luggage and looking for seats distracted them.


- Good afternoon. Welcome. Seats, please... that side, please.


The flight attendant directed the passengers through and separated them in two rows, in order to expedite the boarding. The two young men were then more concerned with allocating their own luggage above the seats. The boy wearing glasses hastened to leave the backpack in the overhead compartment and to seek, quickly, for a known figure more in the background, before taking his own seat.


- Excuse me. Excuse me, please…


The flight attendant went on with hurried steps in the direction of the rear of the aircraft. The hair tied neatly in a bun behind her head barely hid a small dark mark... a tattoo...


The boy wearing glasses was livid when he saw her approach the dark haired girl and give her a small package. The girl looked at her with an uncertain air and sat down, very serious. The other woman was positioned in the back row, where she could watch that specific female passenger very closely...


- Sir, please sit down and fasten the seat belt. We are ready to take off...


The young man sat down and whispered to his friend:


- There is something very wrong here.


Then he told his mate what he had just seen and they both agreed that they were witnessing a strange sequence of events. Halfway through the flight, when things looked more controlled, although still intrigued and when returning from the toilet, the boy wearing glasses felt someone walked past, bumping him the moment he bent over to ward off the seat seatbelt before sitting back down. He moved his body to the front and let a girl pass by.


- What's that falling out of your pocket?


The boy pulled a piece of folded paper from his pocket, which was not there before. He unfolded it and saw a small note written with a not very common lettering, almost too farfetched.


“Wait outside the airport, at the arrival gate, where the taxis are. I need help.”


At then end and right below the strange note, there was a small mark he soon recognized and which caused him a lot more of a usual concern. He handed the paper in to his friend and the two looked at each other without saying anything, recognizing a small bar code placed as a signature to that unusual message...


domingo, 7 de agosto de 2016

Código de Barras (Parte 2)


- Como é que eles desapareceram daquele jeito?

- Não sei. Mas a mim pareceu-me que não é muito bom sinal. Quem são eles, afinal?

- Também não sei, mas gostaria muito de descobrir…

- Não acho que vamos voltar a encontrá-los. A não ser que…

Um pensamento perturbador passou pela mente do rapaz de óculos, interrompendo o fluxo das palavras. O outro logo percebeu o que ele queria dizer e balançou a cabeça, negativamente.

- Não… não… não… Não acredito. Não pode ser…

Coçou a cabeça, como quem procura uma razão para desfazer-se do mau pensamento.

- Ou pode?

- Nós dois estamos cansados de saber que tudo é possível… tudo mesmo!

- Só que não teremos tempo para descobrir. Temos que voltar à base amanhã... felizmente…

- Ou não…

- Ou não o quê?

***

- Fica quieta que eu vou soltar-te, devagar. Promete que não vais gritar. Não quero machucar-te... A não ser que seja necessário… e se for…

Ela acedeu. Ele afrouxou, devagar, a mão e o braço, deixando-a livre, mas sob sua cuidadosa atenção e vigilância.

- Estás maluca? Tu não podes expor-nos desta forma. Queres colocar-nos em risco, correndo no meio da multidão, daquele jeito? Sabes o perigo em que nos colocaste?

- Aparentemente quem expôs-se demais não fui eu. Olha bem para ti. Por que aqueles dois rapazes estavam a seguir-nos? Não pareceu-me que fosse ao acaso…

- Não passam de uns intrometidos. Nós podemos lidar com isso, mas não agora. Temos coisas mais importantes para tratar. A nossa tarefa é mais premente, neste momento. O tempo que nos resta é muito curto.

- Isto é mesmo essencial ou é, de facto, um grande engano? Ou, talvez, seja apenas um capricho, por não querermos aceitar o inevitável?

- Capricho? Sobreviver é um capricho, agora? E de onde vem esta dúvida, assim, do nada?

A moça olhou o homenzarrão, séria e firmemente. Seu semblante estava sombrio e um tanto desafiador. No fundo de seus olhos, porém, pairava uma triste dúvida. O certo já não lhe parecia tão certo e o óbvio já não era tão óbvio…

Seus olhos pareceram perder o foco e sua expressão mudou, de repente, de desafiadora para melancolicamente angustiada.

- Ainda não sei dizer, ao certo. Algo me diz que o sacrifício não dará o resultado esperado.

Aquela evidência de dúvida… na mente, no discurso e no comportamento da jovem mulher não eram normais e nem indicavam bons sinais…

Eles, na verdade, não estavam treinados ou programados para questionarem o propósito de uma tarefa que lhes fosse atribuída. Ou iam em frente e até a conclusão, ou colocariam em risco muito mais que o simples desígnio de uma missão considerada importante demais.

Garantir a sobrevivência, a qualquer custo, era, definitivamente, uma grande incumbência… e não somente para eles dois… só que, talvez, nunca chegasse a ser vista como tal… infelizmente…

Aquele era o heróico e triste destino dos soldados anónimos.

***

- Nosso voo é ao final da tarde. Vamos arranjar as coisas e passar no Mercado Público, uma última vez. De lá vamos direto ao aeroporto.

Embora não fosse o lugar predileto do rapaz de óculos, ele concordou. Tinha esperança de reencontrar a moça da trança negra, mas não manifestou seu desejo em alta voz. O outro estranhou a falta de protesto do amigo, mas ficou quieto. Queria aproveitar as últimas horas na ilha, antes de partirem de volta. Talvez não voltassem tão cedo… talvez nem sequer voltassem…

- Vamos fazer o ‘check out’ e sair em seguida, para aproveitar bem o tempo que nos resta aqui.

Pouco tempo depois, os amigos saíam com as mochilas às costas, em direção ao Mercado Público. Nas mentes dos dois haviam propósitos distintos, misturando-se a uma série de preocupações.

***

- É quase hora de voltarmos. Temos que partir daqui e concluir nossa tarefa o quanto antes. As duas cidades mais populosas do país já estão preparadas. Resta-nos ‘apertar o gatilho’, por assim dizer. Também já não precisaremos voltar para cá. Vamos ser levados de volta, de lá mesmo… cada um de uma delas… separados…

- Eu não quero ir. Não acredito que vamos ser bem-sucedidos numa loucura dessas...

- E desde quando tu tens esta opção?

- E se não der certo? E se…

O homem interrompeu-a, irritado.

- Se isso... Se aquilo… chega de se’s! Nós só saberemos, SE terminarmos aquilo a que viemos… Esse é o único SE que importa! Agora, vamos!

***

- Não te vires agora. Finge que estás interessado em alguma coisa lá na tua frente.

- Ok, mas diz-me o que está acontecendo…

- Código de barras diz-te alguma coisa?

O rapaz de óculos parou, como se estivesse congelado. A decepção que sentiu antes, por não  encontrar a moça no Mercado Público, desapareceu instantaneamente. Por alguma razão estranha, porém, um arrepio subiu-lhe pelas costas.

- Estão indo para portas diferentes. Acho que vão separar-se. A moça veio para o lado de cá…. Está caminhando para perto da porta. Já podes olhar, agora.

O rapaz de óculos disfarçou um pouco e olhou na direção da porta, onde os passageiros começavam a enfileirar-se, em resposta ao chamado que acabara de ser ouvido pelos altifalantes da sala de espera do pequeno aeroporto. Os dois levantaram-se e seguiram a fila, mostrando desinteresse em quase tudo, exceto na moça de cabelos muito negros, uma dezena de passos à frente dos dois.

Em pouco tempo a porta de correr abriu-se e os passageiros passaram por ela, depois de mostrar os documentos, a dirigir-se para a aeronave que acabara de preparar-se para descolar. O homem de cabeça rapada dirigiu um último olhar para a moça, que atravessava a porta e avançava em frente, sem olhar para trás. Provavelmente certificava-se que ela não desistia.  

Os dois cruzaram a porta logo em seguida, com os olhos na dona da trança negra, que mal conseguia esconder uma tatuagem incomum e intrigante. Apressaram o passo para chegarem mais perto e observarem onde ela ia sentar. Quem sabe pudessem entrar em contacto…

Ao chegarem à pequena porta do grande avião, a aglomeração lenta dos passageiros a arranjarem as bagagens de mão e à procura dos assentos, distraiu os dois.

- Boa tarde. Sejam bem-vindos. Assento, por favor… Por este lado, por favor.

A comissária orientava os passageiros e separava-os nas duas fileiras, de modo a agilizar o embarque. Os dois, agora, estavam mais preocupados em alocarem as bagagens por cima dos assentos. O rapaz de óculos apressou-se a deixar a mochila e a procurar, rapidamente, antes de sentar-se, por uma figura conhecida mais ao fundo.

- Desculpe. Com licença…

A comissária passou pelos dois a passos apressados, na direção dos fundos da aeronave. O cabelo amarrado num coque atrás da cabeça mal conseguiu esconder uma pequena marca escura… uma tatuagem…

O rapaz de óculos ficou lívido quando viu-a aproximar-se da moça de trança e entregar-lhe um pequeno pacote. A moça olhou-a com um ar incerto e sentou-se, muito séria. A outra posicionou-se na fileira de trás, de onde podia observar a passageira, bem de perto…

- Senhor, sente-se, por favor e afivele o cinto de segurança. Já vamos partir…

O rapaz sentou-se a falou, em voz baixa, ao amigo:

- Há algo muito errado aqui.

Ele contou o que viu e ambos concordaram que estavam presenciando uma estranha sequência de acontecimentos. A meio do voo, quando as coisas pareciam mais controladas, embora ainda intrigado e quando voltava do toilete, o rapaz sentiu que alguém passou por ele, esbarrando, no momento em que curvava-se para afastar o cinto de segurança do assento, antes de sentar-se. Ele chegou-se para a frente e deixou uma moça passar.

- O que é isso saindo do teu bolso?

O rapaz puxou um pedaço de papel dobrado do bolso, que não estava ali, antes. Ao desdobrar, viu uma pequena mensagem escrita com uma letra não muito comum, quase rebuscada demais.

- Espere do lado de fora do aeroporto, na chegada, junto aos táxis. Preciso de ajuda…


Por baixo, havia uma marca, que ele logo reconheceu e que o deixou mais preocupado. Ele estendeu o bilhete ao amigo e os dois se entre-olharam, sem dizer nada, ao reconhecer um pequeno código de barras como assinatura…


domingo, 31 de julho de 2016

The Barcode (Part 1)


- How did he get into our photo, like this, out of the blue?

- I don’t know. He must have been sitting there for a while... but we never noticed it...

- What's that mark over there, on the back of his head?

- It looks like a tattoo... Zoom it, please... I think it's a barcode!

- Ugh!!! What kind of people would do that? I’m not saying that’s not original... but he looks more like a soldier or a scientific experiment, than a normal man. A bar code is not a beautiful picture anyway to be tattooed on someone’s head...

- He is pretty scary, actually and not the type you want to meet when you are alone in a dark alley...

- He’s not that scary, I think... or is he?

They both laughed. They had been scrutinizing the details of a "selfie” just taken on the terrace of the Café, where they were relaxing for a while. A stranger was clearly seen in the background for their own surprise. He was a big man, with shiny shaved head and was sitting half back to them. A weird tattoo was engraved on the back of his head, almost where the neck began. A black T-shirt, tightly fit to the body and arms, evidenced hard muscles worked out for long hours in the gym and weight lifting or perhaps even military training. The skin was very tanned, but in a natural and permanent way, as of a person living in the tropics, used to the outdoor life and the effects of many hours of skin exposure to the sun.

An uneasy feeling went through the minds of the two friends, who slowly turned around, without saying anything. The place where the stranger was, however, was already empty and there was no one around with similar-looking, to their frustration.

- I had a bad feeling.

- Weird. Me too…

***

- Let’s go to the public marketplace. I’d love to have something nicer to eat and drink.

- It smells like fish. And there’s too many people...

- Stop being fussy and let’s move. There’s also a lot of people here on the boardwalk and you don’t complain. I don’t like to stay so long in the sun and I'm making you company anyway. I would rather sit on a bench, underneath the fig tree and see the passers-by or go to some cooler place, like those corridors in the Marketplace...

The Public Marketplace was an old building that had been restored to have some modern features introduced, but keeping the original architectural pattern of over two centuries ago. The last reconstruction had rescued both the style and the initial colors standard.

The moss-green Roman arched doors and windows contrasted harmoniously with the yellow walls of the building. The very high ceilings kept the building cool and pleasant throughout the warm season, without the need of air conditioning.

Two separate structures, the north and the south wings, were connected by Roman arches on the extremities, with one lookout tower on each extremity and, in the central part, there was a little square that housed the terraces of a food court, frequented both by locals and tourists.

Open corridors ran over the heads of passers-by, facing the inside of the small square. Stair accesses, one on each side, at the entrance and exit, completed the harmonious and simple frame, but with a strong presence in the old city center.

At the time when it had been built, the south wing was closer to the port, to facilitate the unloading and avoid unnecessary expenses on transportation of various goods and the fish that came fresh from the open seas, in numerous fishing boats of the island's companies. It was the place where the best, most abundant and fresher fish was sold. 

Later on, the bay was dredged up and the sand taken from the bottom of the channel filled part of the area where the quay was initially, causing the need of the docks to be moved to the other side. The building of the marketplace, however, remained in its original place, with its traditional trade, tailored to the needs of the local people, tourists and merchants.


The two entered the south wing, which still held the trade of fish and seafood, but had also evolved to a series of 'boxes', closer to the entrance, where they served typical and traditional dishes of the island. They ate some crab and shrimp fried balls, the local delicacies, while sipping a cold draught beer and watched the passers-by coming and going with their loud talk, trying to make themselves understood in the midst of a Babel of strange and familiar accents.

At the other end, the 'boxes' were in a frenzy trade and the scent of fresh fish, because of the wind, came towards them.

- I said this place stank...

- Of course. This is the fish marketplace after all...

A young woman dressed in very dark clothes walked in with quick steps. She had very black and shiny hair arranged in a braid that fell down along her back, leaving the white skin of her neck at sight.

For a second, the boy wearing glasses had the impression he saw a small mark on the back of her neck, on the base of her braided hair, as he watched the woman haste up and disappear through the center exit door which led to the north wing. The young man looked at his friend with a strange expression and an unexpected paleness to his face.

- What is it? It looks like you're going to pass out... You all right?

- I think the bar code tattoos are in fashion around here…

- What? This is nonsense...

- I think I saw someone else with the same kind of marking... Come with me... I want to be sure of something...

The two rose and went toward the exit. 

Someone pushed them briskly to the side, moving quickly ahead and without apologizing. It was a big, muscular man with a shaved head, dressed in a black t-shirt. Behind the head, on top of the neck, there was a small tattoo, depicting a bar code.

- Let's go!

The two followed the man with quick steps. That could not be a mere coincidence. At the other end, amongst the passersby who walked lighthearted, a dark-haired woman with a long braid, also dressed in black, walked very fast, without looking back. The man was very close to her and somewhat away from the two, at that time.

The two boys walked forward when she turned left, after passing the arch over the east entrance, with the shaved head man following her very closely.

They turned left when they reached the portal, but could not see the two characters they were chasing without even knowing why, amid the people walking up and down the busy streets. They looked around, but did not see that man or the woman. They ran up the street behind the Customs building, but no one who looked like them walked with fast or slow steps...

They had simply disappeared in the midsummer afternoon buzz.

The two young men finally gave up and went on, without even talking, following the striders who walked around and ahead over the cobblestone mosaics of the boardwalk floor.

A street musician played an old guitar and sang a known song to a tiny audience.


Behind the Venetian door of the lookout tower entrance of the public market, a big man with tanned skin, kept a hand covering tightly the mouth of a girl with black hair and pale skin. The other arm held her fragile body very firmly, preventing her from moving... 

On the outside, life was going on still and normal with tourists and locals walking by, oblivious to what was happening behind the venetian blinds of the green painted door...


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Código de Barras (Parte 1)


- Como é que ele apareceu ali, do nada, dentro da nossa foto?

- Sei lá. Devia estar sentado ali há algum tempo…só que não o vimos…

- O que é aquilo ali, atrás da cabeça dele?

- Parece uma tatuagem… Olha no zoom… acho que é um código de barras!

- Uff!!! Cada tipo que aparece por cá! Não quer dizer que não seja original, até… mas parece mais um soldado ou um experimento científico, que um homem normal. Um código de barras não é uma figura tão bonita assim, para ser tatuada na cabeça...

- Ele é bastante assustador, na verdade. Não é do tipo para encontrar-se quando estiver sozinho.

- Também não precisas exagerar. Nem é tao assustador assim… ou é?

Os dois riram. Olhavam uma ‘selfie’ que haviam tirado na esplanada do Café e, ao fundo, aparecia um homenzarrão de cabeça rapada, sentado meio de costas para eles, com uma tatuagem estranha, gravada na parte de trás da cabeça, quase onde o pescoço começava. Uma t-shirt preta, bastante justa ao corpo e braços, evidenciava músculos extenuadamente trabalhados por longas horas de ginásio e musculação ou, talvez até, treinamento militar. A pele era muito bronzeada, mas de uma maneira natural e permanente, como de uma pessoa que vive nos trópicos, acostumado com a vida ao ar livre e com os efeitos de muitas horas diárias de exposição da pele ao sol. 

Uma sensação incómoda passou pelas mentes dos dois, que sem dizerem nada, viraram-se lentamente, na direção de onde o homem se encontrava. O lugar onde ele esteve, porém, já estava vazio e não havia ninguém, com aspeto semelhante, por perto, para frustração dos dois.

- Tive um mau pressentimento.

- Estranho. Eu também…

***

- Vamos ao Mercado Público. Eu adoro aquele lugar.

- Tem cheiro a peixe. E tem muita gente…

- Deixa-te de histórias e vamos. Aqui no calçadão também tem muita gente e não reclamas. Também não gosto de ficar tanto tempo ao sol e estou a fazer-te companhia. Preferia ficar sentado em um banco, em baixo da figueira e ver o pessoal passar, ou em algum lugar mais fresco, como naqueles corredores do Mercado…


O Mercado Público era uma construção antiga, que havia sido restaurada, para dispor de algumas modernidades, mas mantendo o padrão arquitetónico original de mais de dois séculos atrás. A última reconstrução havia resgatado tanto o estilo, quanto o padrão de cores inicial. 

As portas e janelas, em arco romano e pintadas de verde musgo contrastavam harmoniosamente com o amarelo das paredes do edifício. Por ter um pé direito bastante alto, mantinha-se fresco e agradável durante toda a estação quente, sem necessidade de ar condicionado. 

Era construído em formato de um retângulo vazado, contendo dois edifícios separados, a ala norte e a sul e, na parte central, abria-se uma praceta que abrigava as esplanadas de uma praça de alimentação, bastante frequentada, tanto pela população local, quanto pelos turistas. 

Duas torres de atalaia apontavam para o leste e duas para o oeste, por cima de dois pares de arcos romanos, que davam entrada para o mercado e uniam as duas alas. Corredores corriam por cima da cabeça dos transeuntes, pelo lado de dentro da praceta, fechando o retângulo. Escadarias de acesso, uma de cada lado, na entrada e na saída, completavam o quadro harmonioso e simples, mas com uma presença forte no centro da velha cidade.  

Na época em que fora construído, a ala sul ficava junto ao porto, para facilitar a descarga e evitar gastos desnecessários com o transporte de mercadorias diversas e do pescado que chegava fresco do alto-mar, nos inúmeros barcos pesqueiros das companhias da ilha. Era o local onde o melhor, mais abundante e mais fresco pescado era comercializado. 

O aterro fez a terra crescer e o porto ser extinto, mudando para o outro lado da baía. O mercado, porém, permaneceu no local, com seu comércio tradicional, adaptado às necessidades do povo local, turistas e comerciantes.

Os dois entraram na ala sul, que ainda mantinha o comércio de peixes e frutos do mar, mas também havia evoluído com uma série de 'boxes', mais próximos à entrada, onde serviam pratos típicos e tradicionais da ilha. Comeram uns bolinhos de siri e camarão, enquanto bebericavam um chope gelado e observavam os transeuntes a passarem e a conversarem alto, para tentar fazerem-se entender no meio daquela Babel de sotaques estranhos e familiares. 

Na outra extremidade estavam os 'boxes' de peixe e o aroma, por causa do vento, vinha na direção deles.

- Eu disse que esse lugar cheirava mal…

- Claro. É o mercado de peixe…

Uma moça, vestida com roupas pretas, passou por eles, a passos ligeiros. Tinha os cabelos muito negros  e brilhantes arrumados em uma trança que descia-lhe pelas costas, deixando a pele muito branca do pescoço à mostra. 

Por um segundo, o rapaz de óculos teve a impressão que viu uma pequena tatuagem por baixo da trança, enquanto observava a mulher apressar o passo e desaparecer na saída central, que dava para o lado norte. O rapaz olhou o outro com uma expressão estranha e uma palidez inesperada, para o calor que fazia.

- O que foi? Parece que vais desmaiar… Estás bem?

- As tatuagens de códigos de barra estão em moda por cá?

- O quê? Que bobagem…

- Acho que vi outra pessoa com o mesmo tipo de marca... Vem comigo… Quero certificar-me de uma coisa…

Os dois levantaram-se e foram na direção da saída. Alguém passou por eles a passos largos e empurrou-os para o lado, passando ligeiro, sem pedir desculpas. 

Era um homem grande e musculoso, de cabeça rapada, vestido com uma t-shirt preta. Atrás da cabeça, no alto do pescoço, havia uma pequena tatuagem, representando um código de barras.

- Vamos!

Os dois seguiram o homem, com passos apressados. Aquilo não podia ser uma mera coincidência. Na outra extremidade, entre os transeuntes, que passeavam despretenciosamente, uma mulher de cabelos negros, com uma longa trança, vestida também de negro, andava muito rápido, sem olhar para trás. O homem estava muito próximo dela e um tanto longe dos dois, à aquela altura.

Os dois rapazes adiantaram-se, quando a moça virou à esquerda, depois de passar o arco da entrada leste, com o homem de cabeça rapada seguindo-a muito de perto.

Viraram à esquerda, quando chegaram ao portal, mas no meio do povo não conseguiam ver os dois personagens que perseguiam, sem nem ao menos saber porquê. Olharam à volta, mas não avistaram o homem, ou a moça. Correram até a rua atrás do prédio da Alfândega, mas ninguém que se parecesse com eles caminhava a passos rápidos ou lentos… 

Haviam desaparecido no meio do burburinho da tarde de verão.

Os dois rapazes, finalmente, desistiram e continuaram, em frente, pensativos e sem conversar, no meio dos pedestres que caminhavam, em direções diversas, pelas pedras dispostas em mosaico, no chão do calçadão. 

Um músico de rua tocava guitarra e cantava uma velha e conhecida canção, para um público diminuto.


Por trás da porta em veneziana, na entrada da torre de atalaia do mercado público, um homem grande e de pele bastante bronzeada, mantinha uma mão a tapar, firmemente, a boca de uma moça de cabelos negros e pele muito alva, que tinha os olhos arregalados e o corpo preso pelo outro braço do seu algoz, impedida de gritar ou mover-se…

No lado de fora, a vida continuava normal, com os turistas e locais a caminharem, alheios ao que acontecia por trás das tabuinhas da porta pintada de verde…


***

quinta-feira, 14 de julho de 2016

The Two, At Two


She is late.

I like it better when they come together. The two. As every day... At two.

The other one has arrived already. She wears that almost too tight white uniform fastened up the front except for that top button, which opens over her breast and draws my eye involuntarily to it every time I glance at her, attracting me like a strange magnet that defies me to look away.

As soon as she got in the room, she opened the curtains and let the sun in, like she always does, at this time of the day. The place immediately seems to be filled up with life and light…. Just like her… just like a bright sunshine day…

Since I was very young I’ve never really appreciated to stay out in the sun, but now, under different circumstances, things have changed… I have changed… I have really changed...

Now I wait for this moment of the day, just to have this unfamiliar and simple pleasure...

It's my tea time. Taking into account that lunch comes too early, half an hour before noon, bringing me some tea, at two, is a gift for several reasons. One of them is to have them both giving me attention and care…

She comes at last, so stylish and serene, though a bit late. She is always so well dressed. I love the way she arranges her hair and how she wears that ‘tailleur', which suits her so well… The well-marked waist… The very upright shoulders…

Everything in her is so awesomely remarkable...

Her lips are always so red. Her skin, always so pale. I wonder if that's the effect of the makeup she wears… Those legs are always so firm on the high ‘stiletto’ heels, marking the beat with that intermittent toc-toc on the wooden floor. I wonder if her feet suffer in those so fine and so fashionable shoes. A sacrifice, certainly, on behalf of the elegance.

She reminds me of an aunt of mine, always standing so straight, keeping her looks in an almost limitless vanity…

- Good morning, sweet uncle.

I love it when they greet me like the Spanish do, calling me ‘uncle’.

I consider it a caring and loving way, as it is always followed by a spontaneous and sweet grin. I reciprocate the smile. It's the best I can do, under the current situation.

She respects my will and leaves the cat, which sleeps quietly at my feet, alone. She knows I like having him around and close to me... as well as her... and the other one. Having a bit of their attention and their gaudy presence in the room makes me feel so alive and joyful, besides the condition I’m in…

She reads my eyes. She knows what's going on in my mind. She is aware that I entertain myself observing them, since there is not much else I can do…

I like to watch them both in continuous movement in the room, telling me jokes, smiling and giggling, just like two swallows flying around and making my last summer still so warm and so bright...

Would they pay me the same attention, if circumstances were different?

I suppose they feel sorry for me... and my current state...

Oh, God! I hate this damn cancer! I hate this cursed sickness that now keeps me manacled, subdued and doomed to this bed... my last one... before the inevitable finally comes...

I truly loathe the ones who are overwhelmed by the sight of this sick man in his bed, but taking into consideration the way things are now, I just could never judge these two amazing creatures… nor would I criticize anyone else. Not today. Not now. Not anymore…

Today I just want to look at these two beautiful summer forecasting swallows flying in my room and making my last joy before all the lights are turned off for once and forever...

Tomorrow, at two, the two - the blonde nurse, in her impeccable and well-dressed white uniform and the brunette psychologist, in her especially designed navy-blue 'tailor-suit' - will no longer have to come back here... ever again…


quinta-feira, 7 de julho de 2016

As Duas, Às Duas


Está atrasada.

Prefiro quando elas veem juntas. As duas. Como todos os dias... Às duas.

A outra já chegou. Costuma usar um uniforme branco, de uma peça só, abotoado na frente, mas o primeiro botão, na altura do peito, parece provocar-me.

Como sempre, àquela hora, ela abre as cortinas e deixa o sol entrar… como ela… cheia de luz e de vida, pelo quarto adentro. E eu que nunca gostei muito de ficar ao sol, agora espero por este momento, só para ter um prazer tão simples…

É a hora do meu chá. Levando em conta que o almoço vem muito cedo, para o meu gosto, trazer-me o chazinho, às duas é, mesmo, uma dádiva, por vários motivos.

Ela entra, finalmente. Elegante e tranquila, apesar de um bocadinho atrasada. Sempre bem vestida. Adoro a forma como arranja os cabelos e como veste-se com aquele ’tailleur’, que lhe cai tão bem. A cintura bem marcada. Os ombros muito aprumados. 

Tudo nela é muito… 

Os lábios sempre tão vermelhos. A pele sempre tão pálida. Será que aquilo é maquiagem? As pernas sempre tão firmes sobre aqueles saltos altos e finos, a marcar o compasso com seu toc-toc intermitente. Imagino como seus pés devam sofrer dentro daqueles sapatos, tão finos, tão na moda. Um sacrifício, certamente, em nome da ‘finesse’.

Lembra a figura da minha tia, sempre empertigada, mantendo a aparência e uma vaidade quase sem limites…

- Bom dia, tio.

Adoro quando elas me cumprimentam assim, como os espanhóis o fazem, chamando-me de tio.

Considero que seja uma forma carinhosa, pelo sorriso tão espontâneo. Eu retribuo o sorriso. É o melhor que posso fazer. Ela respeita minha vontade. Não afasta o gato que dorme tranquilo aos meus pés. Sabe que eu gosto de tê-lo por perto… assim como à ela... e à outra. Enquanto eu tiver a atenção delas e a presença dele, sinto-me vivo.

Ela lê meu olhar. Sabe o que há dentro da minha mente. Sabe que eu entretenho-me a olhá-las, já que não há mais muito que eu possa fazer.

Gosto de observar as duas, em movimento contínuo no quarto, a dizer gracejos, a sorrir, como duas andorinhas a fazer meu último verão…

Será que dariam a mesma atenção, se as circunstâncias fossem diferentes?

Imagino que sintam certa pena de mim… da minha condição…

Eu odeio este maldito câncer! Odeio esta doença que, agora, prende-me à esta cama… meu último leito… antes do inevitável…

Embora odeie, também, que sintam pena de mim, do jeito que as coisas estão, não posso condená-las. Não hoje. Não agora. Não mais…

Hoje eu só quero olhar estas duas belas andorinhas a voarem dentro do meu quarto e fazerem a minha última alegria, antes que todas as luzes apaguem de vez…

Amanhã, às duas, as duas - a loira enfermeira, em seu impecável uniforme branco e a bem vestida psicóloga morena, em seu justo ’tailleur’ azul-marinho - já não mais terão que vir cá…