domingo, 7 de agosto de 2016

Código de Barras (Parte 2)


- Como é que eles desapareceram daquele jeito?

- Não sei. Mas a mim pareceu-me que não é muito bom sinal. Quem são eles, afinal?

- Também não sei, mas gostaria muito de descobrir…

- Não acho que vamos voltar a encontrá-los. A não ser que…

Um pensamento perturbador passou pela mente do rapaz de óculos, interrompendo o fluxo das palavras. O outro logo percebeu o que ele queria dizer e balançou a cabeça, negativamente.

- Não… não… não… Não acredito. Não pode ser…

Coçou a cabeça, como quem procura uma razão para desfazer-se do mau pensamento.

- Ou pode?

- Nós dois estamos cansados de saber que tudo é possível… tudo mesmo!

- Só que não teremos tempo para descobrir. Temos que voltar à base amanhã... felizmente…

- Ou não…

- Ou não o quê?

***

- Fica quieta que eu vou soltar-te, devagar. Promete que não vais gritar. Não quero machucar-te... A não ser que seja necessário… e se for…

Ela acedeu. Ele afrouxou, devagar, a mão e o braço, deixando-a livre, mas sob sua cuidadosa atenção e vigilância.

- Estás maluca? Tu não podes expor-nos desta forma. Queres colocar-nos em risco, correndo no meio da multidão, daquele jeito? Sabes o perigo em que nos colocaste?

- Aparentemente quem expôs-se demais não fui eu. Olha bem para ti. Por que aqueles dois rapazes estavam a seguir-nos? Não pareceu-me que fosse ao acaso…

- Não passam de uns intrometidos. Nós podemos lidar com isso, mas não agora. Temos coisas mais importantes para tratar. A nossa tarefa é mais premente, neste momento. O tempo que nos resta é muito curto.

- Isto é mesmo essencial ou é, de facto, um grande engano? Ou, talvez, seja apenas um capricho, por não querermos aceitar o inevitável?

- Capricho? Sobreviver é um capricho, agora? E de onde vem esta dúvida, assim, do nada?

A moça olhou o homenzarrão, séria e firmemente. Seu semblante estava sombrio e um tanto desafiador. No fundo de seus olhos, porém, pairava uma triste dúvida. O certo já não lhe parecia tão certo e o óbvio já não era tão óbvio…

Seus olhos pareceram perder o foco e sua expressão mudou, de repente, de desafiadora para melancolicamente angustiada.

- Ainda não sei dizer, ao certo. Algo me diz que o sacrifício não dará o resultado esperado.

Aquela evidência de dúvida… na mente, no discurso e no comportamento da jovem mulher não eram normais e nem indicavam bons sinais…

Eles, na verdade, não estavam treinados ou programados para questionarem o propósito de uma tarefa que lhes fosse atribuída. Ou iam em frente e até a conclusão, ou colocariam em risco muito mais que o simples desígnio de uma missão considerada importante demais.

Garantir a sobrevivência, a qualquer custo, era, definitivamente, uma grande incumbência… e não somente para eles dois… só que, talvez, nunca chegasse a ser vista como tal… infelizmente…

Aquele era o heróico e triste destino dos soldados anónimos.

***

- Nosso voo é ao final da tarde. Vamos arranjar as coisas e passar no Mercado Público, uma última vez. De lá vamos direto ao aeroporto.

Embora não fosse o lugar predileto do rapaz de óculos, ele concordou. Tinha esperança de reencontrar a moça da trança negra, mas não manifestou seu desejo em alta voz. O outro estranhou a falta de protesto do amigo, mas ficou quieto. Queria aproveitar as últimas horas na ilha, antes de partirem de volta. Talvez não voltassem tão cedo… talvez nem sequer voltassem…

- Vamos fazer o ‘check out’ e sair em seguida, para aproveitar bem o tempo que nos resta aqui.

Pouco tempo depois, os amigos saíam com as mochilas às costas, em direção ao Mercado Público. Nas mentes dos dois haviam propósitos distintos, misturando-se a uma série de preocupações.

***

- É quase hora de voltarmos. Temos que partir daqui e concluir nossa tarefa o quanto antes. As duas cidades mais populosas do país já estão preparadas. Resta-nos ‘apertar o gatilho’, por assim dizer. Também já não precisaremos voltar para cá. Vamos ser levados de volta, de lá mesmo… cada um de uma delas… separados…

- Eu não quero ir. Não acredito que vamos ser bem-sucedidos numa loucura dessas...

- E desde quando tu tens esta opção?

- E se não der certo? E se…

O homem interrompeu-a, irritado.

- Se isso... Se aquilo… chega de se’s! Nós só saberemos, SE terminarmos aquilo a que viemos… Esse é o único SE que importa! Agora, vamos!

***

- Não te vires agora. Finge que estás interessado em alguma coisa lá na tua frente.

- Ok, mas diz-me o que está acontecendo…

- Código de barras diz-te alguma coisa?

O rapaz de óculos parou, como se estivesse congelado. A decepção que sentiu antes, por não  encontrar a moça no Mercado Público, desapareceu instantaneamente. Por alguma razão estranha, porém, um arrepio subiu-lhe pelas costas.

- Estão indo para portas diferentes. Acho que vão separar-se. A moça veio para o lado de cá…. Está caminhando para perto da porta. Já podes olhar, agora.

O rapaz de óculos disfarçou um pouco e olhou na direção da porta, onde os passageiros começavam a enfileirar-se, em resposta ao chamado que acabara de ser ouvido pelos altifalantes da sala de espera do pequeno aeroporto. Os dois levantaram-se e seguiram a fila, mostrando desinteresse em quase tudo, exceto na moça de cabelos muito negros, uma dezena de passos à frente dos dois.

Em pouco tempo a porta de correr abriu-se e os passageiros passaram por ela, depois de mostrar os documentos, a dirigir-se para a aeronave que acabara de preparar-se para descolar. O homem de cabeça rapada dirigiu um último olhar para a moça, que atravessava a porta e avançava em frente, sem olhar para trás. Provavelmente certificava-se que ela não desistia.  

Os dois cruzaram a porta logo em seguida, com os olhos na dona da trança negra, que mal conseguia esconder uma tatuagem incomum e intrigante. Apressaram o passo para chegarem mais perto e observarem onde ela ia sentar. Quem sabe pudessem entrar em contacto…

Ao chegarem à pequena porta do grande avião, a aglomeração lenta dos passageiros a arranjarem as bagagens de mão e à procura dos assentos, distraiu os dois.

- Boa tarde. Sejam bem-vindos. Assento, por favor… Por este lado, por favor.

A comissária orientava os passageiros e separava-os nas duas fileiras, de modo a agilizar o embarque. Os dois, agora, estavam mais preocupados em alocarem as bagagens por cima dos assentos. O rapaz de óculos apressou-se a deixar a mochila e a procurar, rapidamente, antes de sentar-se, por uma figura conhecida mais ao fundo.

- Desculpe. Com licença…

A comissária passou pelos dois a passos apressados, na direção dos fundos da aeronave. O cabelo amarrado num coque atrás da cabeça mal conseguiu esconder uma pequena marca escura… uma tatuagem…

O rapaz de óculos ficou lívido quando viu-a aproximar-se da moça de trança e entregar-lhe um pequeno pacote. A moça olhou-a com um ar incerto e sentou-se, muito séria. A outra posicionou-se na fileira de trás, de onde podia observar a passageira, bem de perto…

- Senhor, sente-se, por favor e afivele o cinto de segurança. Já vamos partir…

O rapaz sentou-se a falou, em voz baixa, ao amigo:

- Há algo muito errado aqui.

Ele contou o que viu e ambos concordaram que estavam presenciando uma estranha sequência de acontecimentos. A meio do voo, quando as coisas pareciam mais controladas, embora ainda intrigado e quando voltava do toilete, o rapaz sentiu que alguém passou por ele, esbarrando, no momento em que curvava-se para afastar o cinto de segurança do assento, antes de sentar-se. Ele chegou-se para a frente e deixou uma moça passar.

- O que é isso saindo do teu bolso?

O rapaz puxou um pedaço de papel dobrado do bolso, que não estava ali, antes. Ao desdobrar, viu uma pequena mensagem escrita com uma letra não muito comum, quase rebuscada demais.

- Espere do lado de fora do aeroporto, na chegada, junto aos táxis. Preciso de ajuda…


Por baixo, havia uma marca, que ele logo reconheceu e que o deixou mais preocupado. Ele estendeu o bilhete ao amigo e os dois se entre-olharam, sem dizer nada, ao reconhecer um pequeno código de barras como assinatura…


1 comentário:

  1. A Parte 2 traz a revelação de um mistério e aumenta o emaranhado de intrigas... Enjoy it!

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