segunda-feira, 25 de julho de 2016

Código de Barras (Parte 1)


- Como é que ele apareceu ali, do nada, dentro da nossa foto?

- Sei lá. Devia estar sentado ali há algum tempo…só que não o vimos…

- O que é aquilo ali, atrás da cabeça dele?

- Parece uma tatuagem… Olha no zoom… acho que é um código de barras!

- Uff!!! Cada tipo que aparece por cá! Não quer dizer que não seja original, até… mas parece mais um soldado ou um experimento científico, que um homem normal. Um código de barras não é uma figura tão bonita assim, para ser tatuada na cabeça...

- Ele é bastante assustador, na verdade. Não é do tipo para encontrar-se quando estiver sozinho.

- Também não precisas exagerar. Nem é tao assustador assim… ou é?

Os dois riram. Olhavam uma ‘selfie’ que haviam tirado na esplanada do Café e, ao fundo, aparecia um homenzarrão de cabeça rapada, sentado meio de costas para eles, com uma tatuagem estranha, gravada na parte de trás da cabeça, quase onde o pescoço começava. Uma t-shirt preta, bastante justa ao corpo e braços, evidenciava músculos extenuadamente trabalhados por longas horas de ginásio e musculação ou, talvez até, treinamento militar. A pele era muito bronzeada, mas de uma maneira natural e permanente, como de uma pessoa que vive nos trópicos, acostumado com a vida ao ar livre e com os efeitos de muitas horas diárias de exposição da pele ao sol. 

Uma sensação incómoda passou pelas mentes dos dois, que sem dizerem nada, viraram-se lentamente, na direção de onde o homem se encontrava. O lugar onde ele esteve, porém, já estava vazio e não havia ninguém, com aspeto semelhante, por perto, para frustração dos dois.

- Tive um mau pressentimento.

- Estranho. Eu também…

***

- Vamos ao Mercado Público. Eu adoro aquele lugar.

- Tem cheiro a peixe. E tem muita gente…

- Deixa-te de histórias e vamos. Aqui no calçadão também tem muita gente e não reclamas. Também não gosto de ficar tanto tempo ao sol e estou a fazer-te companhia. Preferia ficar sentado em um banco, em baixo da figueira e ver o pessoal passar, ou em algum lugar mais fresco, como naqueles corredores do Mercado…


O Mercado Público era uma construção antiga, que havia sido restaurada, para dispor de algumas modernidades, mas mantendo o padrão arquitetónico original de mais de dois séculos atrás. A última reconstrução havia resgatado tanto o estilo, quanto o padrão de cores inicial. 

As portas e janelas, em arco romano e pintadas de verde musgo contrastavam harmoniosamente com o amarelo das paredes do edifício. Por ter um pé direito bastante alto, mantinha-se fresco e agradável durante toda a estação quente, sem necessidade de ar condicionado. 

Era construído em formato de um retângulo vazado, contendo dois edifícios separados, a ala norte e a sul e, na parte central, abria-se uma praceta que abrigava as esplanadas de uma praça de alimentação, bastante frequentada, tanto pela população local, quanto pelos turistas. 

Duas torres de atalaia apontavam para o leste e duas para o oeste, por cima de dois pares de arcos romanos, que davam entrada para o mercado e uniam as duas alas. Corredores corriam por cima da cabeça dos transeuntes, pelo lado de dentro da praceta, fechando o retângulo. Escadarias de acesso, uma de cada lado, na entrada e na saída, completavam o quadro harmonioso e simples, mas com uma presença forte no centro da velha cidade.  

Na época em que fora construído, a ala sul ficava junto ao porto, para facilitar a descarga e evitar gastos desnecessários com o transporte de mercadorias diversas e do pescado que chegava fresco do alto-mar, nos inúmeros barcos pesqueiros das companhias da ilha. Era o local onde o melhor, mais abundante e mais fresco pescado era comercializado. 

O aterro fez a terra crescer e o porto ser extinto, mudando para o outro lado da baía. O mercado, porém, permaneceu no local, com seu comércio tradicional, adaptado às necessidades do povo local, turistas e comerciantes.

Os dois entraram na ala sul, que ainda mantinha o comércio de peixes e frutos do mar, mas também havia evoluído com uma série de 'boxes', mais próximos à entrada, onde serviam pratos típicos e tradicionais da ilha. Comeram uns bolinhos de siri e camarão, enquanto bebericavam um chope gelado e observavam os transeuntes a passarem e a conversarem alto, para tentar fazerem-se entender no meio daquela Babel de sotaques estranhos e familiares. 

Na outra extremidade estavam os 'boxes' de peixe e o aroma, por causa do vento, vinha na direção deles.

- Eu disse que esse lugar cheirava mal…

- Claro. É o mercado de peixe…

Uma moça, vestida com roupas pretas, passou por eles, a passos ligeiros. Tinha os cabelos muito negros  e brilhantes arrumados em uma trança que descia-lhe pelas costas, deixando a pele muito branca do pescoço à mostra. 

Por um segundo, o rapaz de óculos teve a impressão que viu uma pequena tatuagem por baixo da trança, enquanto observava a mulher apressar o passo e desaparecer na saída central, que dava para o lado norte. O rapaz olhou o outro com uma expressão estranha e uma palidez inesperada, para o calor que fazia.

- O que foi? Parece que vais desmaiar… Estás bem?

- As tatuagens de códigos de barra estão em moda por cá?

- O quê? Que bobagem…

- Acho que vi outra pessoa com o mesmo tipo de marca... Vem comigo… Quero certificar-me de uma coisa…

Os dois levantaram-se e foram na direção da saída. Alguém passou por eles a passos largos e empurrou-os para o lado, passando ligeiro, sem pedir desculpas. 

Era um homem grande e musculoso, de cabeça rapada, vestido com uma t-shirt preta. Atrás da cabeça, no alto do pescoço, havia uma pequena tatuagem, representando um código de barras.

- Vamos!

Os dois seguiram o homem, com passos apressados. Aquilo não podia ser uma mera coincidência. Na outra extremidade, entre os transeuntes, que passeavam despretenciosamente, uma mulher de cabelos negros, com uma longa trança, vestida também de negro, andava muito rápido, sem olhar para trás. O homem estava muito próximo dela e um tanto longe dos dois, à aquela altura.

Os dois rapazes adiantaram-se, quando a moça virou à esquerda, depois de passar o arco da entrada leste, com o homem de cabeça rapada seguindo-a muito de perto.

Viraram à esquerda, quando chegaram ao portal, mas no meio do povo não conseguiam ver os dois personagens que perseguiam, sem nem ao menos saber porquê. Olharam à volta, mas não avistaram o homem, ou a moça. Correram até a rua atrás do prédio da Alfândega, mas ninguém que se parecesse com eles caminhava a passos rápidos ou lentos… 

Haviam desaparecido no meio do burburinho da tarde de verão.

Os dois rapazes, finalmente, desistiram e continuaram, em frente, pensativos e sem conversar, no meio dos pedestres que caminhavam, em direções diversas, pelas pedras dispostas em mosaico, no chão do calçadão. 

Um músico de rua tocava guitarra e cantava uma velha e conhecida canção, para um público diminuto.


Por trás da porta em veneziana, na entrada da torre de atalaia do mercado público, um homem grande e de pele bastante bronzeada, mantinha uma mão a tapar, firmemente, a boca de uma moça de cabelos negros e pele muito alva, que tinha os olhos arregalados e o corpo preso pelo outro braço do seu algoz, impedida de gritar ou mover-se…

No lado de fora, a vida continuava normal, com os turistas e locais a caminharem, alheios ao que acontecia por trás das tabuinhas da porta pintada de verde…


***

1 comentário:

  1. Uma nova aventura e uma homenagem à minha terra natal e um dos seus mais conhecidos cartões portais...

    ResponderEliminar