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quinta-feira, 7 de julho de 2016

As Duas, Às Duas


Está atrasada.

Prefiro quando elas veem juntas. As duas. Como todos os dias... Às duas.

A outra já chegou. Costuma usar um uniforme branco, de uma peça só, abotoado na frente, mas o primeiro botão, na altura do peito, parece provocar-me.

Como sempre, àquela hora, ela abre as cortinas e deixa o sol entrar… como ela… cheia de luz e de vida, pelo quarto adentro. E eu que nunca gostei muito de ficar ao sol, agora espero por este momento, só para ter um prazer tão simples…

É a hora do meu chá. Levando em conta que o almoço vem muito cedo, para o meu gosto, trazer-me o chazinho, às duas é, mesmo, uma dádiva, por vários motivos.

Ela entra, finalmente. Elegante e tranquila, apesar de um bocadinho atrasada. Sempre bem vestida. Adoro a forma como arranja os cabelos e como veste-se com aquele ’tailleur’, que lhe cai tão bem. A cintura bem marcada. Os ombros muito aprumados. 

Tudo nela é muito… 

Os lábios sempre tão vermelhos. A pele sempre tão pálida. Será que aquilo é maquiagem? As pernas sempre tão firmes sobre aqueles saltos altos e finos, a marcar o compasso com seu toc-toc intermitente. Imagino como seus pés devam sofrer dentro daqueles sapatos, tão finos, tão na moda. Um sacrifício, certamente, em nome da ‘finesse’.

Lembra a figura da minha tia, sempre empertigada, mantendo a aparência e uma vaidade quase sem limites…

- Bom dia, tio.

Adoro quando elas me cumprimentam assim, como os espanhóis o fazem, chamando-me de tio.

Considero que seja uma forma carinhosa, pelo sorriso tão espontâneo. Eu retribuo o sorriso. É o melhor que posso fazer. Ela respeita minha vontade. Não afasta o gato que dorme tranquilo aos meus pés. Sabe que eu gosto de tê-lo por perto… assim como à ela... e à outra. Enquanto eu tiver a atenção delas e a presença dele, sinto-me vivo.

Ela lê meu olhar. Sabe o que há dentro da minha mente. Sabe que eu entretenho-me a olhá-las, já que não há mais muito que eu possa fazer.

Gosto de observar as duas, em movimento contínuo no quarto, a dizer gracejos, a sorrir, como duas andorinhas a fazer meu último verão…

Será que dariam a mesma atenção, se as circunstâncias fossem diferentes?

Imagino que sintam certa pena de mim… da minha condição…

Eu odeio este maldito câncer! Odeio esta doença que, agora, prende-me à esta cama… meu último leito… antes do inevitável…

Embora odeie, também, que sintam pena de mim, do jeito que as coisas estão, não posso condená-las. Não hoje. Não agora. Não mais…

Hoje eu só quero olhar estas duas belas andorinhas a voarem dentro do meu quarto e fazerem a minha última alegria, antes que todas as luzes apaguem de vez…

Amanhã, às duas, as duas - a loira enfermeira, em seu impecável uniforme branco e a bem vestida psicóloga morena, em seu justo ’tailleur’ azul-marinho - já não mais terão que vir cá…