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terça-feira, 24 de março de 2020

Soothing



And today,

If I could only

Make a wish,

I would have only one:

To be quiet

In your arms,

Cuddled, tightly,

By your loving embrace,

And hearing you,

Whisper in my ear

That everything

Is going to be alright…

(E, se hoje,
Eu pudesse
Fazer
Um desejo somente,
Este seria:
Estar em teus braços,
Quieto
E sendo cingido
Por um abraço apertado
E te ouvir
Sussurrar,
Em meu ouvido,
Que tudo,
Tudo mesmo,
Vai ficar bem...)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Outros Estudos em Vermelho e Azul... (Parte 4)


- A senhora sabe porque está aqui?

A mulher, com aspecto um tanto lívido, sentada à frente do homem de branco, balançou a cabeça, positivamente.

- Teve uma síncope: uma forma de ataque de pânico, ocasionado pelo excesso de trabalho, provavelmente compulsivo. A senhora tem trabalhado demais, não tem? Provavelmente não se alimenta, nem dorme direito… A senhora sabe as consequências disso?

O médico de plantão já conhecia o diagnóstico, sem precisar fazer mais que uns simples exames à paciente à sua frente. Os sintomas eram evidentes demais, para quem já estava acostumado a ver, repetidamente, as pessoas terem comportamentos indecentemente obsessivos em relação ao trabalho.

- Sei, mais ou menos… mas o ‘SENHOR’ (ela usou uma dose de ironia ao pronunciar a palavra, fazendo uma pausa quase imperceptível) vai dizer-me de todo o jeito, não vai?

O médico fingiu não perceber o sarcasmo e disparou:

- Se não procurar ajuda profissional especializada, imediatamente, vai ter que voltar aqui e com certeza será muito pior… Além de alguns exames médicos e um acinético, vou-lhe passar o nome de uma óptima psicóloga, mas a senhora vai ter que se comprometer, sem desculpas, a seguir a terapia à risca…

(Se ele me chamar de ‘senhora’ mais uma vez, juro que, no mínimo, furo-lhe os olhos!!!)

- Ok, doutor. Eu vou seguir suas instruções à risca… Prometo!

- Já falei com seu superior e ele concorda comigo. A senhora VAI seguir a terapia à risca.

(Aaarrrghh!!! Agora ele pediu. E ainda teve a audácia de colocar a ênfase no verbo… Vou-lhe directo ao pescoço… sem dúvida alguma! Alguém me segure, senão ele não me escapa das unhas…)

Levantou-se, estendeu-lhe a mão, com educação fingida e, com um sorriso forçado, virou-se e saiu pela porta afora, com a prescrição médica de um forte calmante dentro do bolso da calça…

***

Um rapaz com profundos olhos azuis entrou no Café. Avistou a mulher sentada, sozinha, à janela e aproximou-se.

-‘Posso sentar-me aqui?’

Ela olhou-o, visivelmente pasmada ante a ousadia do rapaz que acabara de chegar. Ele acomodou-se, antes mesmo que ela tivesse tempo de responder. Sua acção não passou despercebida de todo. Ele observou com cuidado o ambiente e o desconforto dela. Viu também que um dos atendentes de mesas que estava de pé, próximo ao balcão do Café, não tirava os olhos de cima deles. Uma veia perversa inundou-se o sangue com sede de vingança, mas ele soube permanecer impassível. Precisava de mais certeza. 

Chamou o rapaz para pedir um café, mas com um intuito bem mais específico. Percebeu o nervosismo de ambos. Suas dúvidas dissiparam-se, imediatamente, assim que viu a troca de olhares entre os dois. Misha sorriu-lhe e seu sorriso foi o mais encantador que ele conseguiu produzir. Ela retribuiu, meio desajeitadamente, sem saber exactamente o que fazer. O rapaz, que os servia, franziu o cenho.

(Bingo!)

 A semente da dúvida havia sido plantada. Agora era somente uma questão de tempo… e, este, ele tinha à sua inteira disposição… e mais que de sobra. Misha não precisou, entretanto, de um segundo assédio.

Naquela noite, quando estavam juntos, após amarem-se como dois náufragos desesperados, em busca de uma tábua de salvação, enquanto o calor arrefecia seus corpos, o rapaz rolou para o lado e ficou, em silêncio, a olhar o teto. Ela percebeu que ficou um clima algo estranho a pairar no ar.  Mesmo assim, falou, com cuidado:

- Eu gosto tanto de estar aqui…

Mas o rapaz parecia estar muitas milhas distante dela. Uma lágrima de tristeza rolou-lhe pelo lado da face, quando ele deu um longo e angustiado suspiro…

***

Misha passou a observar, de perto, os passos da mulher. Viu que suas idas ao Café da esquina cessaram após aquela ocasião em que esteve presente. Certificou-se, primeiro, que estava certo, depois decidiu aproveitar-se da situação. Deixou passar um tempo e voltou ao Café, dirigindo-se ao funcionário de mesa que já conhecia.

Perguntou, como se fosse a coisa mais natural do mundo, como estava a namorada. Apesar das tentativas do rapaz em afirmar que não havia nada entre ele e a investigadora de polícia, o outro não pareceu convencido.

Após uns poucos minutos, Misha então, desafiou o rapaz. Apostou que conseguia levar a mulher para cama.

- Se não há nada entre vocês, não há porque se preocupar, não é mesmo?

-‘Por que estás fazendo isso?’

- ‘Para provar que as coisas não são o que aparentam ser’

O verdadeiro intuito, porém, estava longe de ser tão simples.

***

-Tenho percebido que andas muito sozinha. Cada vez que te vejo, tenho a impressão que estás mais triste. O menino deixou-te?

- Que menino?

- Achas que eu não sei o que se passa? Só porque não frequentas mais o ‘Templo’, não quer dizer que passas despercebida… Tu és uma mulher atraente, mesmo por trás desta fachada séria de policial durona. E eu sei que me achas interessante.

(‘E arrogante’ - pensou ela, fazendo um leve muxoxo…)

- Vejo o jeito que me olhas e sei que também me deves desejar...

- Se alguma vez te olhei com algum desejo, deve ter sido há muito tempo atrás. Essa atracção já não existe. Agora eu estou interessada em outro homem, muito diferente de ti.

- O menino do Café…

Ela meio que entristeceu. Ele riu, vitorioso.

Ela não negou, nem confirmou. A afirmação tinha um grande fundo de verdade. Estava-se apaixonando pelo outro rapaz, embora, naquela ocasião, estivessem separados, depois do incidente em que ele lhe pedira um tempo para pensar. Seus olhos encheram-se de lágrimas a recordar a estranheza do último encontro que tiveram. Já haviam-se passado vários dias…

Ele percebeu o estado dela e aproveitou-se da situação e fragilidade demonstrada no momento. Chegou-se mais perto, olhou-a nos olhos e sorriu. Ela não conseguiu desviar o olhar. Ele tocou-lhe, com delicadeza, a face morna e ela, em reacção, fechou os olhos…

***

Misha era um mestre na arte. Sabia todos os segredos da sedução, como preparar um ambiente sensual e conhecia os pontos sensíveis do corpo da mulher. Deu-lhe prazeres que ela não sabia que existiam, mesmo quando estava com seu jovem amante. Era evidente que ele era um profissional do ramo e sabia muito bem como agradar.

- Agora vais ter que mentir ao menino…

- Eu não minto; só não preciso falar toda a verdade… Nunca prometemos fidelidade, nem tampouco exclusividade, um ao outro…

Sabia, porém, que o que acabara de dizer não era bem uma verdade incontestável… e sentia muito que assim fosse.

Como se numa encenação bem ensaiada, o telefone dela tocou…

domingo, 11 de agosto de 2013

Um Frio Deserto


A grande onda de calor veio, de repente, como se fosse por mágica… ou por maldição. Para os mais desavisados, nem as lojas estavam preparadas para suprir a repentina demanda de ventoinhas ou aparelhos de ar condicionado.

Deitados no chão da sala, com as persianas baixas e as luzes apagadas, em frente à única ventoinha que havia sobrado na loja e que teria de servir, para o momento, ficamos quietos, lado a lado, como se soubéssemos que, qualquer movimento desnecessário, só nos iria trazer mais desconforto.

Havia, por sugestão da doutora, borrifado sua barriga e peito com água fria, para tentar refrescá-lo um pouco. Ele, assim como eu, já não sentia apetite algum… apenas sede; muita sede. 

Menos de uma semana depois, quando as temperaturas começaram a voltar ao normal, ainda não havíamos recuperado a rotina. Apenas nos forçávamos a comer o mínimo e continuávamos a ingerir muito líquido. Ele, porém, começou a enfraquecer e perder peso. Preocupado, voltei à clínica e o submetemos a uma série de exames e análises mais minuciosos.

Os resultados não foram animadores. Os rins estavam gravemente afetados. Parecia sentir dor nas articulações das patas traseiras também. A medicação, especialmente preparada, iria apenas sustentar seu corpinho, que ia definhando aos poucos e que preocupava-me sobremaneira. Meu grande amigo e companheiro, de tantas aventuras e alegrias, havia adoecido gravemente e eu não sabia o que fazer.

Aquele gato ativo e superinteligente, manipulador, desastrado e brincalhão, que não deixava passar, sem seu controle, nenhum horário das refeições ou de ir para a cama, de apagar as luzes ou fechar as portas, tornara-se um bichinho sofrido e apático, que apenas deitava-se ao meu lado, ainda, como dantes, porém já sem conseguir fazer-me rir. Apenas ficava a olhar-me, com seus olhinhos tristes, como se aconselhasse, com aquele olhar, a preparar-me para o que vinha, rapidamente, a seguir.

Pouquíssimas semanas passaram-se, frustrando todas as minhas tentativas de fazê-lo animar-se e reagir. Ele não reclamava. Não gemia. Não miava. Mal andava e, quando o fazia, era com um esforço imenso. Por fim, até mesmo o peso da cabeça impedia-o de beber água sozinho. Havia necessidade de segurá-lo pelos ombrinhos, para que pudesse atingir a água sem que o nariz pendesse e ele se afogasse.

Ele passou de cem por cento a zero, em menos de três semanas. Completamente dependente de mim para todas as funções, sendo alimentado e medicado por seringa e aplicações de soro subcutâneo, ele entregou-se ao destino.

Desesperado e despreparado, ainda tentei até o fim.

Na madrugada de uma quinta-feira (ah! Como eu ainda odeio quintas-feiras!), dormindo, como de costume, ao meu lado, na grande cama de casal, ele gemeu. Levantei-me, com ele no colo e levei-o à cozinha, onde tentei dar-lhe água e levá-lo à caixa de areia. Foi em vão, todavia. Ele recusou ambas as ações.

Deitado sobre meu peito, no sofá da sala, ele deu seu quase último suspiro, avisando-me que estava próximo do inevitável fim. Partiu, plácido e calado, poucos minutos depois, ainda sob os meus cuidados e meu carinhoso e suave abraço, a volta de seu corpinho debilitado. Minhas lágrimas pousaram, mornas e inúteis, sobre seu dorso sem vida.

Meu grande amigo e companheiro, de mais de treze anos, foi-se embora para sempre. (Para onde vão os gatos, afinal, quando morrem? Existe um Paraíso para eles? Existe um, para nós, humanos?) Fiquei sozinho, triste e desconsolado, sem saber como viver - sem a sua tão forte presença.

Acredito que tenha sido a situação mais desesperante da minha vida. E porque amei-o total e incondicionalmente, como nenhuma outra criatura antes dele, eu chorei. Admito, sem vergonha, que nunca havia chorado tanto, como fiz naquele dia (e, também, nos subsequentes)...

Na noite daquele dia, a grande cama de casal parecia um deserto. Estéril e desolado. A sensação era de um verdadeiro, imenso e frio deserto... glacial demais… a sufocar-me o fôlego, a comprimir meu peito. Afiadíssimas lâminas de um gelo frígido e ácido perfuravam, corroíam  e congelavam meu pobre coração.

A casa ficou quieta… vazia… enorme… como o enorme e amargo vazio deixado na minha vida e na minha alma…



domingo, 3 de março de 2013

O Que Passar Pelo Meu Coração… (Whatever Walks In My Heart)1








A conexão perdida, por atraso e irresponsabilidade de uma companhia aérea, dias perdidos em fila de espera, até finalmente conseguir lugar em um voo cheio, mas garantido, haviam dado cabo de qualquer sinal de tolerância e educação que ele alguma vez tivera. 

O homem de meia-idade - cabelos castanho-claros, levemente ruivos, cortados curtos e cuidadosamente penteados – ajustou os óculos de aro de metal, que escorregavam lentamente de seu nariz. Aparentemente alheio aos outros expectantes sentados à sua volta, no movimentado hall do aeroporto internacional, aguardando a hora de, finalmente, viajar de volta ao bem-vindo conforto de seu pequeno lar, nunca pensara que fosse desejar tanto estar em outro lugar, que não ali, naquele momento. Ele só queria mesmo que aquele dia passasse o mais rápido possível… 

Seu humor estava pior a cada hora que passava. Além de abominar as infindáveis horas entre as conexões, considerava cada viagem intercontinental, em si, uma verdadeira perda de tempo e um teste à sua parca tolerância. Até chegar de volta à casa, cerca de vinte e quatro horas ter-se-iam passado, numa situação normal. Aquela jornada, porém, já gastara praticamente mais de meia semana de seu tempo… e sua paciência já havia passado do limite aceitável. 

Chegar em casa… aquele era um conceito estranho. “Home is where your heart is”2 (Lar é onde teu coração está)… E onde estava seu coração, afinal? Entre dois países, entre aquilo que parecia como se fossem duas vidas diferentes, separadas por um imenso oceano, ele já não sabia mais exactamente onde ficava o lugar que pudesse chamar de lar

Sentado à desconfortável cadeira plástica, por muito tempo, ele estava inquieto e se irritava com qualquer coisa que ouvia ou lia. Ao invés de ficar contente por finalmente ter as coisas alinhadas, ainda remoía os dias passados e as dificuldades que tivera para chegar ao ponto em que estava. A certa altura, mesmo a música a tocar nos fones de ouvido tivera que ser desligada e devidamente guardada, pois ao invés de acalmá-lo, estava a deixá-lo mais tenso. Seu único consolo, naquele momento, era o vôo ser nocturno, o que se constituía uma vantagem, pois tencionava dormir durante boa parte do tempo.

Até então, não percebera que também era alvo dos olhares e da curiosidade de outros viajantes, acomodados ali à sua volta, à espera do mesmo que ele: entrar no grande avião, que os levaria, por mais de dez horas, ao destino comum - um pequeno país da velha Europa. 

Passou os olhos à volta, esquadrinhando as faces dos desconhecidos vizinhos, já que não havia muito mais a fazer e ainda tinha muitos minutos de sobra, até a hora do embarque. Sua atenção voltou-se, por uma fracção de segundos, para um rapaz de cabelos e olhos claros, sentado ali perto, ainda que sem causar mais que um simples interesse momentâneo - daqueles que se tem por uma pessoa que considera agradável e sabe que nunca mais encontrará em nosso caminho - aquelas pequenas distracções que a gente tem, ao encontrar estranhos, de passagem, em lugares igualmente desconhecidos. 

Às vezes, generalizar os eventos simples que se sucedem em nossas vidas, pode levar a um grande engano. E ele ia perceber isso naquela mesma situação, apenas um pouco mais tarde. 

‘Nada acontece por acaso’, havia-lhe sido dito, naquela mesma tarde, em conversa informal com o motorista do táxi - um visionário, provavelmente - quando iam a caminho do aeroporto.

Em triste consequência da paranóia deixada pelos atrasos e confusão até então acontecidos naquela viagem, perdeu o interesse em praticamente tudo – a não ser o de alojar-se na sua poltrona - do momento em que entrou na fila de embarque, até sentar-se, finalmente, no seu lugar. A partir dali, já menos preocupado, ficou a observar as pessoas passarem, à procura de seus assentos. Algumas pareciam meio perdidas - provavelmente marinheiros de primeira viagem; outras vinham a caminhar, indiferentes, ao longo da grande nave - com certeza os chamados “frequent flyers”

Quando estava inspirado, em viagens normais, enquanto observava, fazia análises mentais rápidas, tentando construir uma pequena história para um e outro passageiro, que lhe parecessem mais singulares. Pessoas constituíam-se materiais interessantes para um espectador imaginativo como ele. Naquele dia, contudo, nada lhe era muito atractivo. Estava cansado…

Um jovem que aproximava-se pelo lado esquerdo, a procurar, com os olhos, o número de seu lugar, parou ao lado do homem sentado junto ao corredor, na mesma fileira que ele. Acomodou sua pequena mochila de lona parda no compartimento acima das poltronas, abriu um largo e simpático sorriso e pediu licença para sentar-se a seu lado. Reconheceu-o como o tal rapaz que havia-lhe chamado a atenção um pouco antes, na sala de espera do aeroporto. Daquela vez, observou-lhe, detalhadamente, cada pormenor. 

Tinha estatura mediana, penetrantes olhos azuis, cabelos claros cortados curtos e um corpo vigoroso, em contraponto às mãos quase pequenas, não exactamente delicadas. Ele, que tinha um interesse acima do normal por mãos – esteticamente - observou-as tão longamente quanto pode. Eram firmes, pareciam um pouco calejadas pelo trabalho árduo e tinham, ao mesmo tempo, forma e graça genuínas. Passaram-lhe a ideia de uma força generosa e destemidamente disponível.  

Já devidamente acomodado no assento a seu lado, apresentou-se polidamente e começaram a conversar. Muito inversamente ao que lhe era de costume em viagens como aquela, a prosa fluiu livre a noite inteira, como se fossem conhecidos de longa data. Esqueceu o sono e outras distracções habituais - os filmes, revistas e livros - naquela noite e dormiu o mínimo possível… A jornada, afinal, acabara transcorrida rápida demais. 

Apesar da tenra idade, o rapaz apresentava uma maturidade incomum para um homem tão jovem e, quando ria, parecia uma criança – tão aparentemente inocente e livre de qualquer preconceito… tão cheio de um frescor sem igual e tão aberto para a vida. Era como se vivesse num mundo muito diferente do seu – o mundo de um razoavelmente bem sucedido executivo de meia-idade - o que era, de certa forma, a mais pura verdade.

Quando se olharam, quase acidentalmente, um nos olhos do outro, o homem sentiu-se quase desconfortável e fora de contexto, como um menino que experimentava as estranhas emoções do primeiro dia na escola. O rapaz exibia uma postura, perante à vida, que o fez sentir-se bastante mesquinho e materialista. Ele ficara encantado com aquela visão de mundo e com outras prioridades existenciais - absolutamente tão díspares das suas próprias. Sentia-se como se fosse uma desengonçada, lenta e sombria lagarta a contemplar, invejoso, aquele ser já tão completamente provido de asas… e que asas enormes ele tinha!!!  

Dizer adeus, foi mais difícil que ele poderia alguma vez sequer imaginado. Suas vidas tomavam destinos bastante separados a partir dali. Por algum estranho motivo, porém, aquele aperto de mãos, na despedida, mostrou-lhe que sua emoção havia sido seriamente afectada por aquele encontro que pareceu tão casual - no início - mas na verdade, abriu-lhe os olhos para realidades que ele não estava acostumado a vislumbrar.

Não chegou a questionar-se o que acontecia com suas emoções. Aceitou de peito aberto aquela sensação nova, que se apossava dele, com a celeridade, o carinho e o aconchego de um bem-vindo e forte abraço. Era o Universo fazendo-o contradizer as impressões que tivera apenas algumas horas atrás.

Quando saiu pela porta giratória do aeroporto, o ar fresco da manhã esfriou seu corpo e sua alma, numa cruel onda de choque, que lhe fez vir, imediatamente, lágrimas aos olhos. 

Estava de volta ao mundo real, que passava em alta velocidade pela janela do táxi e o levava de volta à sua vidinha medíocre que, de repente, pareceu-lhe extremamente fria, melancólica e até um tanto obscura. No bolso, guardado como um pequeno tesouro, um pedacinho de papel trazia, escrito numa letra miúda e singular, o que parecia uma frágil âncora com a esperança: um endereço de e-mail. 

O despojamento que invejou naquele homem – provavelmente vinte anos mais jovem que ele - detectado numa conversa breve, de apenas algumas horas, passou a assumir instintiva e gradualmente em sua vida, a partir daquele momento. 

Sentia necessidade daquela transformação – natural -, motivado por influência da exuberância e da forte presença daquela criatura, que não pareceu ter noção do profundo e extremo efeito que causara em sua vida e em seu comportamento. 

Era como se fosse um filho que houvesse ensinado, com o seu simples exemplo, uma grande lição de vida a seu pai que, mais agradecido que surpreso, decidira mudar seu próprio comportamento, tentando ser um homem melhor dali para diante. 

Não somente por educação, uma mensagem de contacto fora imediatamente respondida, para sua completa surpresa. A cortesia foi retribuída com pedaços desastrados de emoção – pequenos poemas, escritos com exclusividade. Iniciava-se ali um período de contactos bastante frequentes, apesar da grande distância física que os separava.

Quando conversavam, por e-mail, Messenger ou telefone, ele perdia a noção do tempo e abria completamente sua alma. Falavam sobre assuntos que ele não costumava discutir com qualquer outra pessoa. Percebeu também que não era o único a sentir-se tão à vontade. De sua parte, teve a certeza que seu coração havia-se transformado num lugar melhor. 

Foi a primeira vez que as palavras de carinho fizeram-lhe algum sentido. Acreditou piamente no significado e valor delas e na sinceridade do interlocutor. Absorvido pela simpatia e afeição que recebia, não pensava em futuro: só queria estar naquele momento presente, naquele estado e, com certeza quase absoluta, em outro lugar – desde que fosse mais perto do jovem que lhe abrira os olhos. No conforto de um abraço, onde nunca esteve, ele se imaginava aquecido e protegido.

Foi tomando conhecimento, aos poucos, de sua história de vida e de algumas de suas maiores angústias e desilusões. Seu espírito estilhaçou-se em milhares de pedaços, quando o rapaz lhe disse, certa vez que, no começo de sua vida, procurava alguém que amasse, depois contentou-se apenas em ser amado e, mais tarde, ficava feliz em ter alguém que não o fizesse sofrer… 

Aquela triste constatação - vinda de uma alma tão jovem - atingiu, como um tiro certeiro, seu pobre e frágil coração - distante demais para ajudá-lo ou ampará-lo… Ouvir seu desabafo era o melhor que ele podia fazer. Não era por ele que o rapaz sofria, mas era a ele que recorria. Que mais podia-se esperar da vida?
 
Separados por mais de um continente, embora desejasse, de alguma forma, protegê-lo de qualquer sofrimento, o máximo que conseguia oferecer-lhe era sua disponibilidade para ouvir seus lamentos e chorar junto com ele, ao telefone, por minutos incontáveis...

Sabe quando a gente gosta tanto de alguém, que chega a doer?

Ele rezava, todas as noites, para que o jovem fosse feliz e para que os céus lhe enviassem anjos protectores, cada vez que ele se sentisse só ou triste. Seu maior desejo passou a ser de defendê-lo de todos os perigos que pudessem aparecer. “Almost hope you’re in heaven, so no one can hurt your soul”3 (Quase desejo que estivesses no Paraíso, de modo que ninguém pudesse machucar tua alma) …
 
Mas, como já devia esperar, os contactos começaram a escassear. Não era exactamente por culpa de nenhum deles. As circunstâncias de suas vidas, tão separadas e tão distantes, bem como os pequenos – e também os grandes - problemas diários, não os favoreceram…

A distância aumentava com o passar de semanas sem as notícias - que ele procurava insistentemente - dia após dia, quando chegava em casa. O silêncio tornara-se profundo e sombrio, como os mistérios do mar. O tempo dilacerava-lhe as entranhas e turvava-lhe a memória, com seu punhal lento e perverso, a cortar-lhe a alma, sem piedade nenhuma, enquanto um veneno corria-lhe pelas veias, intoxicando-lhe o discernimento e causando-lhe delírios de insegurança.

Mesmo assim, sem forma de favorecê-lo com sua espontânea protecção, ele continuava a rezar, insistentemente, para que o outro se encontrasse… que fosse feliz… que não sofresse… Seus primeiros pensamentos do dia e também os últimos da noite eram, invariavelmente, dirigidos para ele. 

Para compensar a ausência e a distância que os separava, ele procurava aqueles olhos em outros rostos, tentando reacender a memória e resgatar pedaços perdidos dele mesmo, sabendo que estava se iludindo, para diminuir a dor da saudade que sentia. Tentava convencer-se que aquilo tudo era uma outra realidade, criada em sua mente, para manter-se vivo, enquanto finíssimos grãos de areia dourada corriam, incessantes, na grande - e rebuscadamente decorada - ampulheta da existência. 

Decidiu que tinha que dar-se espaço e tempo, para que aquela espécie de obsessão não sufocasse seu incomum relacionamento. Temia, porém, que estivesse cometendo suicídio ou compensando sua débil paixão, com uma falsa esperança. 

Para apaziguar seu coração e dirimir todas as dúvidas e incertezas, convenceu-se que precisavam se reencontrar. Não seria uma tarefa fácil. Tentou organizar-se de muitas maneiras, em várias ocasiões. Alguma coisa sempre dava errado, na última hora, para seu grande desespero. Ou o Universo - ou o rapaz - estavam lutando contra sua vontade.

Desconfiado que fosse uma combinação de ambos, quase desistiu, mas por uma feliz coincidência, foi surpreendido pelo acaso do destino, mais uma vez. Acabaram por combinar almoçarem juntos, num domingo de verão. Pegou a estrada bem cedo pela manhã, enquanto o sol ainda não castigava demais o longo caminho de asfalto. A viagem devia levar cerca de três horas. Estava ansioso… e inseguro, ao mesmo tempo. 

A educação e gentileza que o jovem lhe dirigiu foram sem precedentes e ele deixou-se ficar à vontade desde o primeiro instante em que se viram. Passaram o dia a conversar, rir, almoçaram juntos e contaram histórias, como dois grandes amigos de longa data. Com um forte abraço de despedida, o encontro acabou… assim, educadamente.

Enquanto tuas asas
De luz
Refrescavam a febre
Que eu sentia
Em minha alma,
O calor
De teus braços
Aquecia o frio
No meu coração...6

O homem mais velho ficou um pouco preocupado, ao voltar mais uma vez à sua vida. Embora tivesse sido extremamente controlado, pensou que talvez sua ansiedade acabara por decepcioná-lo. Na viagem de volta, ao final da tarde, em meio aos imensos congestionamentos de fim de praia, foi pensando no que acontecera, revivendo os momentos, os sorrisos, as palavras… vezes e vezes incontáveis…

Reflectiu, por muito tempo, sobre o que aconteceu naquele dia. Ele, que tinha tantas expectativas, viu-se um tanto perdido, tendo percebido que tudo passou-se tão serena e educadamente. Não fora, de maneira alguma, decepcionante. Fora, somente, morno demais… certinho demais…

Teria ele esperado mais que realmente merecia? Teria o outro cedido a encontrar-se, apenas por educação, para que o deixasse, finalmente, em paz – pelo menos por uns tempos? 

Ele nunca iria ter respostas para aquelas questões… e talvez não as quisesse respondidas, de qualquer forma…

O tempo confirmou que estava certo em preocupar-se. Teve que aprender a aceitar que a condição de se ter de estar longe aniquila os relacionamentos, mesmo com a proximidade que a tecnologia ‘on line’ traz hoje em dia. Ele achava que a distância diminuiria, mas estava enganado, pois nada resiste à força do tempo, associada à frieza cruel do afastamento. 

O objecto da sua autêntica afeição foi espaçando as notícias, mais que anteriormente. Talvez ele tenha, mesmo, sido apenas educado e cedido aos seus apelos de revê-lo, afinal…

Sentia que ia, aos poucos, abandonando seu pobre coração que, aconselhado pela razão, foi-se conformando com aquela ausência, aceitando a distância e o silêncio, com uma naturalidade que, em outras épocas, até seria fora do normal. 

Aqueles olhos, porém, seguiram-no por mais tempo que esperava. Eram muitas feridas que fechavam demasiadamente vagarosas, deixando profundas cicatrizes, daquelas que não se apagam jamais. Ele ainda mantinha uma palhinha de esperança, embora soubesse, desde o começo, que não acreditava em milagres. Sentia como se não quisesse - ou devesse - preencher aquela lacuna deixada em seu coração.

Procurava, entrementes, aqueles olhos e sorriso nos rostos de outras pessoas, tentando compensar uma tão sentida ausência. Tudo o fazia lembrar daquele jovem… Algumas vezes era aquela curvinha nas extremidades do sorriso largo, às vezes os olhos, extremamente azuis. Seus pequenos detalhes decoravam outras faces, outras personagens que cruzavam seu caminho. Até mesmo o rapaz que trabalhava no prédio ao lado, com seus olhos cor de safira, cabelos claros e corpo semelhante, faziam seu coração pular de alegria, quando passava pela janela, a caminho do restaurante.

Por um bom tempo ainda, suas orações foram para que o rapaz fosse feliz, mesmo que não tivesse mais quase nada com a sorte do outro. Ele queria, mas sabia que não devia, procurar mais contactos, pois acreditava que todas as pessoas têm o direito de ter sua privacidade assegurada. Têm também o direito de não se comunicarem com quem não desejem. 

Era assim que via aquela falta de contacto: sua muito pouca vontade de falar, comunicar, ver…. Uma preservação da espécie. E neste caso, ele se sentia como um verdadeiro predador. E que sensação estranha era!

Embora nunca houvesse sequer falado sobre isto, outras pessoas sempre lhe diziam que nenhum relacionamento resiste à distância, por muito tempo… nem ao silêncio. Ele não queria aceitar o óbvio: que as pessoas tinham razão, afinal de contas. Perguntava-se, porém, por que seu coração não se conformava de vez e tocava a vida adiante, sem sofrer mais que o necessário. Sabia que era o único responsável pela sua própria aflição. 

Mas era um homem maduro com espírito de menino e este, na sua simplicidade, entregava-se sem restrições às emoções a que se via enfrentar. Era difícil aceitar as perdas e ele não queria sentir-se derrotado. Pelo caminho, ia-se enganando de foco, tentando ajustar suas miras, procurando acertar o ritmo da sua vida, que não se conformava em se manter prático e gostar somente de quem gostasse dele. Pelo caminho, ia tentando não sofrer, dançando com seus fantasmas e sua dor, na tentativa de confortar sua razão, com pedaços alquebrados de emoção. 

What is love, but the strangest of feeling? A sin you swallow for the rest of your life? You´ve been looking for someone to believe in and love you until your eyes run dry…”4 (O que é o amor, senão o mais estranho dos sentimentos? Um pecado que tu engoles pelo resto da tua vida? Tens procurado por alguém em quem acreditar e que te ame até teus olhos secarem) …

Depois de vários meses de silêncio, como por encanto ou brincadeira do destino, o jovem voltou a aparecer no messenger. Parecia ser a mesma pessoa de sempre, com os mesmos problemas e a mesma conversa adorável de tempos atrás - a mesma pessoa que havia ganho seu coração e sua atenção, sem restrições. Daquela vez, todavia, sua emoção reagiu diferente da sua razão. Alguma coisa no fundo de sua lógica gritou em estado de alerta.

A dor da solidão, a decepção e o abandono amadurecem e enrijecem a alma de uma pessoa de uma maneira um tanto desumana. Sentiu que já não era mais o mesmo que havia sido… infelizmente. Seu coração passara a ansiar por uma reconciliação consigo mesmo e, para alcançá-la, precisava ficar longe de novas… e também de velhas… desilusões. Ele se preparava para que outras emoções pudessem tomar o espaço que fora deixado aberto em sua alma ainda não completamente cicatrizada... 

Há não muito tempo, estaria de cabeça baixa e procurando vestígios da presença do outro, em cada espaço e tempo, em cada olhar que cruzasse com o seu. Naquela ocasião, porém, seu peito abria-se e permitia-se querer ser independente, libertando-se - com desprendimento, mas deixando marcas de um carinho imenso, que sentira desde sempre por aquele airoso personagem - que invadiu sua vida, sem querer - e que ensinou-o a ser melhor que alguma vez já houvesse sido. 

 Never mind I’ll find someone like you… I wish nothing but the best for you too… Sometimes it lasts in love, but sometimes it hurts instead…”5 (Não tem problema, eu encontrarei alguém como tu… Eu desejo nada mais que o melhor para ti também… Algumas vezes o amor permanece e, outras, entretanto, dói) …

Ele passara a esperar que outras pessoas pudessem tomar sua atenção, de uma maneira mais leve... e tencionava poder divertir-se com aquilo. Embora anteriormente suas emoções fossem como as águas do oceano, num vai e vem infinito, à beira da praia, agora ele precisava estabilizar as marés e ser como um lago de águas mais calmas, ainda que, mesmo assim, profundas e um tanto obscuras… Seu espírito ansiava por alguma paz e, talvez, independência. 

Tinha necessidade de ser um novo homem – original e mais leve – que não revivesse sofrimentos e que lembrasse apenas das coisas boas que ficaram gravadas no seu coração, para seu bem e para a preservação da sua estimada sanidade. 

Apesar de sentir falta das palavras que nunca mais ouvira, tinha, definitivamente, que seguir adiante. Era sua vida e ele estava disposto a enfrentar o que viesse pela frente.

- Me abandonar,
Me deixar levar –
Ser um pensamento
Solto
No vento;
Ser sempre uma lembrança
Daqueles pequenos momentos,
Que nunca duram
O suficiente,
Para ser demais:
As pequenas eternidades
Do coração…6

Desejou-lhe felicidades, em alta voz, como se falasse ao vento do mar e abriu-se para o mundo.

Atravessou, então, a rua e o destino, com as mãos nos bolsos do casaco, sentindo uma brisa refrescante a desalinhar-lhe os cabelos e pensou, enquanto esboçava um sorriso um tanto triste: é tão bom estar vivo… e livre… mas desta vez, “Whatever walks in my heart will walk alone*…” 1 (O que passar pelo meu coração, passará sozinho) …



Notas:
1. *De Nightwish: “Forever Yours”
2. De “ O Mágico de Oz”;
3. De Within Temptation: “Somewhere”;
4. De Razorlight: “Wire to Wire);
5. De Adele: “Someone Like You; 
6. De. Em Anjos… (http://aquarelasdepalavras.blogspot.pt/2010/01/em-anjos.html)