O sol nasceu como
que por encanto. Não que fosse uma coisa inesperada, mas a tensão do momento,
pareceu fazer os guardiães esquecerem que o nascer do dia não era a coisa mais
natural do mundo. Era como se tivessem tido um lapso de tempo entre a espera e
aquele momento, quando um verdadeiro caos se instalou no laranjal.
Em seu caminho, porém,
o guerreiro encontrava um pai protetor e disposto a tudo para ter o filho do
seu lado e um velho cavaleiro, disposto a sacrificar a vida para derrotar o
senhor de todo o mal.
A investida do
guerreiro loiro, entretanto, foi tão violenta, que os homens foram jogados para
o lado, como se fossem crianças desajeitadas, quando ele abriu seu caminho para
a entrada da caverna, onde seu pupilo estava preso ainda.
A espada do senhor
de todo o mal partiu a porta da caverna com um golpe só. O rapaz saiu
imediatamente e, apanhando sua própria espada, que estava do lado de fora, tomou
lugar ao lado de seu senhor, numa batalha que teria um inevitável e único final.
Por mais que
estivessem em vantagem de número, o pai e o amigo estavam, todavia, em evidente
desvantagem, tanto pela força e violência dos ataques, quanto pelo treinamento que
os dois guerreiros possuíam, bem diferente deles.
Os dragões avançaram
contra o pardo, tentando imobilizar seus movimentos, mas sabiam o quão perigoso
e poderoso aquele animal era, pois além de ser superior em tamanho e força, era
também mais bem preparado que eles, em batalhas contra homens e animais, desde
há muito tempo.
O caçador e o velho
retomaram suas posições e a verdadeira luta começou. Nem um nem outro podia
antecipar a força com que seus contendores iam atacá-los, mas não foi pouca e,
por conseguinte, difícil de segurar por muito tempo. Viram, logo, que estavam
em desvantagem e aquela consciência deixou-os, de certa forma, amedrontados.
Os adversários
perceberam a fraqueza e, mesmo sem falarem nada, usaram suas forças e habilidades
contra os dois homens, que foram derrubados com facilidade.
O tirano ocupou-se
do pai do rapaz, enquanto aquele estava a lutar contra o velho cavaleiro. As
forças eram praticamente incomparáveis, mas a resistência e o instinto de
sobrevivência eram maiores que eles podiam imaginar, por isso tentavam, pelo
menos, defender-se. Mas o velho não tinha mais a mesma força de antes e caiu.
O dragão
verde-azulado foi em socorro do velho.
O dragão pardo, usando sua habilidade e vigor, logo conseguiu libertar-se, aproveitando a oportunidade e a quebra do círculo de força que os sete mantinham, quando estavam juntos.
Ao chegar perto, o
verde-azulado empurrou o rapaz de cima de seu amigo, com uma violência a que
ele não era acostumado, de modo a livrar o velho da ponta da espada do outro.
O rapaz caiu de
frente, com sua arma na mão. Mesmo com o golpe violento, ele apenas ficou meio
atordoado, mas não o suficiente para sentir-se derrotado. Era forte e robusto,
muito bem treinado e disposto.
Quando tentou
levantar-se, porém, ele sentiu a pressão da garra no seu braço e não teve
dúvidas. Agarrou a espada com muita força e desferiu um golpe na pata do
dragão, que ficou seriamente ferida, esguichando sangue em grande volume. O
guerreiro levantou-se rapidamente, disposto a acabar com o animal, que urrava
de dor.
O dragão
verde-azulado estava com os olhos arregalados a olhar a cena, de longe, tão
surpreso quanto o velho, que erguia-se do chão, um tanto desajeitado.
O guerreiro negro
vinha correndo em sua direção com a espada em punho, soltando imprecativos em
alta voz, ao ver o dragão pardo seriamente ferido, por engano, quando tentava
ajudar o jovem protegido. O homem na armadura negra avançou contra o rapaz, com
todo seu ódio afluindo para a arma em suas duas mãos.
O rapaz tentou
afastar-se, mas não foi bem-sucedido. O outro foi muito rápido. O impacto foi grande
e ele perdeu o equilíbrio, caindo de costas no chão, tentando, com sua espada e
com toda a sua força, segurar a ira de seu tutor. Espada contra espada, ele sentiu
que começava a perder espaço e a sentir a lâmina afiada quase a tocar-lhe a
pele.
O homem estava
irascível. O dragão era parte dele e feri-lo seria o mesmo que ferir ao senhor
dele. O rapaz nem conseguia dizer nada, apenas tentava conter a força extraordinária
do homem, mesmo sabendo que ia perder.
No meio do esforço
descomunal que fazia para conter a ira do seu tutor, o rapaz balbuciou o que
pode, tentando redimir-se.
- Eu sinto muito! Pensei que fosse o outro dragão…
- Tua missão era destruir os dragões… aqueles sete
dragões! Eliminá-los completamente! Não era para ferir o grande dragão pardo,
rapaz estúpido!
Mas o guerreiro de
negro não era um páreo fácil, nem desistia sem conseguir o que queria.
Rapidamente levantou-se e, com a espada em riste, avançou contra o pai e o
filho.
Ambos
prepararam-se, quase sem ter muito tempo para voltar a reagir, antes que a arma
do homem loiro cortasse o ar com velocidade e violência, atingindo o cajado e a
espada, ao mesmo tempo, destruindo o primeiro e fragmentando o metal da
segunda, como se fosse feito de material extremamente frágil. O rapaz ficou sem
ação. O pai caiu de lado, ao ser empurrado com os pés, pelo homem tomado de
fúria combativa.
Sem o cajado e sem
poder defender-se propriamente, o homem, mesmo assim, partiu para cima do
guerreiro loiro, que desviou-se facilmente, deixando o outro a abraçar o ar e
perder o equilíbrio. O senhor de todo o mal voltou-se e partiu para cima do
rapaz, que já havia levantado, mas estava desarmado. Ao aproximar-se, ouviu um
grito atrás de si e viu que o velho trazia uma espada em sua mão e atirava ao
rapaz, que agarrou-a com destreza de um bom e bem treinado guerreiro.
O ato foi apenas em
tempo suficiente para defender-se, ainda que mal defendido. O rapaz e seu tutor
lutavam um contra o outro com violência, mas o primeiro sabia que estava em
desvantagem. Quando aproximaram-se a forçar as espadas, uma contra a outra, o
rapaz falou:
- Por que lutamos? Estamos ambos do mesmo lado.
O guerreiro de
negro empurrou o rapaz e voltou à carga com mais violência, tentando atingir e
exterminar seu concorrente.
O jovem estava
confuso. Fez o que pode para satisfazer os desígnios de seu tutor, foi-lhe fiel
e um exímio aluno e, via-se sendo atacado pelo mesmo, como se fosse um inimigo.
O velho, percebendo
o perigo, acudiu o pai do rapaz. Ambos partiram para cima do senhor de todo o
mal, juntos e dispostos a morrer para salvar o filho e amigo. Com a atenção
desviada da luta contra seu pupilo, o guerreiro loiro voltou-se à sua própria
defesa, mas percebendo que os atacantes vinham sem armas, tratou de avançar
contra os dois, derrubando-os imediatamente, um sobre o outro, e posicionando a
espada no pescoço do caçador, de modo que se trespassasse um, atingiria o que
estava por baixo. O rapaz percebeu que tinha que fazer algo e partiu para cima,
mas o homem gritou:
- Se chegares mais perto, eu mato os dois. Eu posso morrer,
mas, antes, eles vão comigo.
Sentia-se só,
abandonado e enganado, mas algo queimava seu peito, com o calor de um estranho
fogo. A espada em sua mão tremeu. O amuleto pendurado em seu pescoço e tocando
seu jovem peito ardia como se estivesse fervente. O rapaz, então, parou e
percebeu que os dragões haviam-se aproximado.
O grande dragão
pardo, ferido gravemente, não conseguia ter forças para atacar. Alguns dos
dragões, incluindo o verde-azulado, mantinham a vigília sobre a fera
ferida.
Os três dragões
mais jovens, o negro, o dourado e o albino colocaram-se à volta do grupo, mas
sem mostrar quaisquer formas de ameaça.
O dragão negro fez
um sinal com a cabeça, olhando o rapaz. Este não percebeu imediatamente o
gesto, mantendo os olhos firmes nos animais e nos homens, que formavam um grupo
bizarro à sua frente. O amuleto queimava sua pele. Ele passou a mão no peito e
sentiu-se estranhamente diferente. Olhou todos,
aproximou-se dos três homens e falou, baixando a espada e deixando-a cair aos
seus pés.
- Deixa-os ir. Eu me entrego no lugar deles. Vou lutar ao
teu lado até os fins dos meus dias, mas deixa-os viver! Tens a minha palavra de
honra.
O guerreiro ficou
tão surpreso quanto o pai e o velho amigo.
O dragão negro
acedeu com a cabeça. Ele sabia por qual razão o rapaz havia tomado aquela
atitude. Era necessário ter muita força de espírito e caráter para tomar uma
decisão daquelas, no meio daquela confusão de personagens, de sentimentos e de
atitudes contraditórias.
O rapaz baixou os
braços e aproximou-se. O guerreiro de negro ainda hesitou um pouco e então,
levantando-se lentamente, mostrou que aceitava a oferta.
- Eu dei minha palavra. E ela foi dada em troca das
vossas vidas. Não vou voltar atrás. Ajudem-me a acudir o dragão pardo, que está
ferido. Nós partimos assim que ele recuperar suas forças.
Seu tutor, mesmo
estando entre estar desconfiado e acreditar na honra do rapaz, afastou-se, mantendo-se
de frente, enquanto o grupo acudia a fera ensanguentada. O pobre dragão estava
com a pata bastante cortada e precisou de um torniquete e umas bandagens, mas a
não ser por um certa fraqueza causada pela perda de sangue, não estava impedido
de voar.
Os dois guerreiros
passaram a noite a vigiar, para terem certeza que não iam ser surpreendidos e
prepararam-se para partir ao amanhecer, sem se despedir de ninguém.
O dragão negro,
entretanto, aproximou-se do rapaz e fez um aceno com a cabeça, numa demonstração
de afeto e de aceitação daquele destino, mas, ao mesmo tempo de apoio. De uma
forma muito discreta, transmitia a mensagem de que estava disponível, se
necessário fosse.
O rapaz passou a
mão à volta do pescoço e retirou o amuleto que ali estava pendurado e
estendeu-o ao dragão, mas este não aceitou, empurrando a mão do rapaz de volta
ao seu pescoço. Este percebeu o que a animal quis traduzir.
O amuleto era seu
por direito. Era o único vínculo que ficaria vivo entre os dois lados – o bem e
o mal – a lembrar que não há um lado sem o outro e que mesmo o mal precisa do
bem para equilibrar-se no Universo.
O rapaz repôs o
amuleto à volta do pescoço e foi de encontro ao seu mentor e ao dragão pardo,
que estava pronto a partir. Deu uma última olhada para trás e fez um aceno com
a cabeça, que foi repetido pelo jovem dragão negro.
Um aperto nos
corações dos dois foi, também, compartilhado pelos sete dragões.
Todos os personagens
sentiram que aquele não era um fim definitivo, mas sabiam que aquela decisão
tinha consequências graves no futuro de todos.
Lá longe, no alto
do azul cerúleo da manhã, sobre as costas largas do dragão pardo, o rapaz
mantinha seus olhos à frente, tentando não deixar que aquelas lágrimas que
inundavam seus olhos, sua mente e seu coração, fossem percebidas pelo seu
mentor, que sentara-se no dorso do grande animal, um pouco à sua frente.
A viagem para o
extremo norte ia ser longa. Também ia ser muito fria, como o coração do senhor
de todo o mal…
O guerreiro loiro
esboçou um leve sorriso. Havia ganho mais uma batalha. Aquela era uma das mais
importantes que ele travara, mas a guerra não estava terminada…