- Onde ele está? Não adianta vocês o esconderem, porque
eu vou achá-lo, mais cedo ou mais tarde. Se não me disserem onde ele está, eu
vou matar a todos.
- Como assim? Então ele não está…?
A pergunta saiu num
ímpeto incontrolado, mas o homem parou a frase no meio, como se a verdade
tivesse sido percebida justa e somente naquela hora. Arrependeu-se, porém, de
ter-se deixado levar pela euforia de saber que o filho não era, afinal, refém
do representante do mal.
Os seus
companheiros, porém, logo preocuparam-se, por não saber onde poderia estar o
guardião, mas só por saber que não estava em poder do grande dragão pardo,
sentiram-se, de uma maneira estranha, esperançosos.
O grande réptil, obviamente,
percebeu o ingénuo erro e, demonstrando satisfação, deu uma espécie de assobio,
levantou o focinho ao ar e meneou a cabeça, como se a desafiar os outros personagens
ali, à sua volta.
- Só se passar por cima do meu cadáver!
O dragão abaixou a
cabeça e, aproximando-se muito do homem, disse-lhe, com uma voz baixa, calma e grave,
num tom bastante irônico:
- Será, mesmo, um prazer extra! Dois, ao invés de um…
Perfeito!
O dragão
verde-azulado tomou a dianteira e enfrentou o grande animal, mesmo sabendo que aquele
era mais forte que ele.
- Saia daqui! Não há nada mais aqui para ti…
- Ainda não. Mas haverá…
E dizendo isso, o
dragão saiu, não por medo ou respeito, mas por saber que, tanto ele quanto os
outros tencionavam procurar o mesmo, mas nenhum deles sabia por onde começar.
Seria mais fácil se
estivesse no ar, ao invés de na terra, onde seus movimentos eram mais
limitados. O enorme animal pardo abriu as asas e levantou voo, diante dos
olhares preocupados de todos.
- Onde ele poderá estar? Temos que encontrá-lo e tirá-lo
daqui antes que seja descoberto pelo nosso inimigo!
O dragão verde-azulado
dirigiu-se ao pai e perguntou se o menino costumava esconder-se em algum lugar,
em particular. Diante da negativa do outro homem, o velho disse:
- Talvez ele esteja mais perto que pensamos… Tive uma
ideia.
E, dizendo isso, atravessou
a clareira, a bater com o cajado fortemente no chão, a cada passo que dava.
***
- Eu sabia que não podias estar longe.
- Eu vi que ele andava por perto, porque ouvi os passos e
escondi-me… O primeiro lugar que eu encontrei, onde ele não podia entrar, foi a
caverna…
- E fizeste muito bem! Mas, agora, temos que proteger-te
a todo custo.
- Com todo o cuidado e com o respeito que tenho, não vejo
melhor alternativa que tirá-lo daqui o quanto antes. Temos que levá-lo para um
lugar onde seja mais difícil ser localizado. Eu tive uma ideia, mas vamos
precisar de toda ajuda que conseguirmos…
O dragão precisava
convencer o pai do menino a aceitar a triste realidade do perigo e da
necessidade do plano de emergência, mas diante do que havia acontecido poucos
minutos antes, pareceu-lhe mais fácil argumentar.
O homem, embora a
contragosto, sabia que o filho precisava ser protegido. Uma tragédia estava
iminente, mas ele não ia entregar o filho ao inimigo, mesmo que para isso
tivesse que abrir mão de tê-lo por perto. A vida era, agora, mais importante
que os laços de família.
***
Cada um dos sete dragões acrescentou um pequeno detalhe ao presente que deram ao menino, para servir-lhe de proteção contra todo o mal. Como cada um representava uma virtude, todas elas somadas faziam do pequeno amuleto um poderoso artefacto.
Com excertos da simplicidade
do dragão albino, do amor apaixonado do vermelho, da paciência do castanho, da
generosidade do dourado, da compaixão do prateado, da força de espírito do dragão
negro e da esperança do verde azulado, o guardião tornava-se não somente o mais
protegido, mas também o mais poderoso ser de toda a região.
Agora precisava ser
treinado com muita urgência. Para confundir as forças do mal, caso o dragão
pardo desconfiasse, o menino era preparado em um lugar diferente a cada lua,
por um protetor diferente. Assim, às vésperas da sétima lua nova, o dragão
verde-azulado tomou sua parte do treinamento, com o auxílio do velho
companheiro.
Com o cajado em
punho, o menino aprendeu a lutar para defender-se, após aprender tudo sobre os
pontos fortes e as fraquezas do inimigo pardo, com os outros virtuosos
personagens de cores diversas. Não era o treinamento perfeito, mas era
essencial conhecer os pontos vulneráveis da força, já que o pequeno guardião tinha
forças bastante limitadas, devido à sua juventude e ao seu reduzido tamanho.
Tanto o dragão verde-azulado
quanto o velho homem, que outrora havia sido um exímio cavaleiro campeão de
muitas contendas, estavam bastante preocupados e faziam de tudo para evitar o
confronto entre as duas forças opostas. Sabiam, entretanto, que estavam apenas
a adiar o inevitável.
Mas o inevitável
pode ser apenas adiado, nunca impedido de acontecer.
O dragão pardo
percebeu que estava sendo enganado e passou a vigiar o local onde o velho e o
dragão, que representava a esperança, costumavam encontrar-se. No laranjal, por
mais que tentassem, não conseguiriam deixar de estarem expostos. Tinham que
mudar de estratégia a cada dia, para confundir o algoz, por isso o menino nunca
deveria aparecer junto dos dois, quando estivessem por lá. O pai do menino era
informado dos progressos do filho, sempre que possível, pelo velho amigo.
O menino, porém,
sentiu saudades de casa. Sabendo que corria perigo, consultou seus protectores e
combinaram um encontro com a família, numa das noites sem lua, para diminuírem
os riscos.
A caverna estava às
escuras, os personagens escondidos e em silêncio, no fundo da mesma, onde nunca
poderiam ser tocados por uma fera do tamanho daquela que os vigiava
constantemente. Num canto de um dos compartimentos mais próximos da entrada da
caverna, a armadura parecia um vigia em atalaia, pronto a lutar para defender
quem viesse com más intenções, com a espada apoiada ao lado.
O som de passos a
aproximar-se deixou-os bastante tensos, mas como eram curtos e ligeiros, a
tensão era mais por ansiedade que por medo. Os passos extremamente cuidadosos e
um tanto hesitantes, dentro da caverna, pareciam antecipar o encontro entre os
personagens, mas todo cuidado era pouco. Um sussurro. Silêncio. Depois outro
sussurro. Estava na hora de saírem do esconderijo.
O velho e o menino
caminharam cuidadosamente até a sala improvisada. No centro daquela, a silhueta
conhecida do homem surgiu contra a abertura da caverna e eles mostraram-se,
finalmente, com alegria e entusiasmo, abraçando o visitante, mas este não os
pode retornar o entusiasmo e o abraço, pois tinha os braços amarrados às costas
e a boca amordaçada.
Atrás dele, um
outro homem, bem mais alto, vestido de negro e com cabelos longos e loiros, apareceu com uma espada em punho.