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sábado, 17 de dezembro de 2016

Revisitando Dragões (Parte 4 - Crescer e Lutar)



Ante o olhar incrédulo do velho amigo, o menino falou, com voz muito baixa, quase inaudível.

- Este é o homem que me tem aparecido nos sonhos, nos últimos dias…

- Então sabes porque estou aqui. Nós temos um acordo. Eu cumpro a minha parte, na condição que tu cumpras a tua! Tu sabes os termos e as consequências do nosso acordo, portanto não há o que decidir….

O menino acedeu, balançando a cabeça afirmativamente e deu um passo adiante.

- Eu tenho que ir com ele, ou eles destroem tudo e matam a todos vocês.

- O quê?

- O mal sempre encontra seus próprios meios de superar as expectativas inocentes do bem… Para uma criança nesta idade, ele sabe negociar muito bem. Deves ter muito orgulho dele.

O velho, numa reacção normal de lutador, tentou alcançar a arma, que estava apoiada na sua antiga armadura, mas o guerreiro, bem mais jovem e preparado que ele, foi mais rápido e impediu-o com um golpe de sua própria espada, derrubando o homem e imobilizando-o completamente.

O guerreiro loiro e vestido de negro, então, tomou o menino pelo braço e saiu com o mesmo até o lado de fora, onde o grande dragão pardo os aguardava. Ao seu lado, o dragão verde-azulado jazia desacordado. Havia sido surpreendido pelo outro animal, que sendo maior e mais forte, vencera-o com facilidade, deixando-o inconsciente, por tempo suficiente de saírem sem serem importunados ou impedidos de escapar.

Diante do olhar do pai, manietado e sem poder de acção, o homem de negro partiu, levando o menino consigo, os dois montados no grande dragão pardo. Quando o velho conseguiu chegar ao lado de fora, para acudir o outro homem e seu amigo alado, já era tarde demais e já não havia sinal dos três à vista. 

- Temos que ir atrás deles!

- Não sei se vai adiantar. Nunca chegaremos antes deles… e duvido que estejam indo para o lugar mais óbvio que existe. Não os encontraremos tão facilmente.

- Mas temos que tentar… já!!!

- E nós vamos… mas precisamos de toda a ajuda que pudermos, nesta difícil tarefa… É uma certeza que sete dragões farão uma busca mais eficiente que um, somente.

***

A busca, realmente, não foi nada fácil, como eles já pressentiam. Foram até ao extremo norte, nos confins da região mais gelada, mas não encontraram quem buscavam. A terra parecia modificar-se magicamente, de modo a impedir que fossem achados, cada vez que eles a percorriam. Por mais que tentassem, não conseguiam encontrar nenhum dos personagens que partiram juntos naquele dia.

No ponto mais extremo do Pólo Norte, onde a curvatura da terra ilude o olhar, abre-se uma cratera, que leva ao reino secreto, onde vive o senhor de todo o mal e seu fiel e gigantesco animal de companhia, o dragão pardo. O paradeiro exacto do seu reino é impossível de ser detectado, a não ser por quem tem permissão para tal.

Quando levou o pequeno guardião para o seu reino, a intenção do guerreiro de negro era treiná-lo, para ser um dos seus. O homem sabia que o poder contido naquela criança era imenso e só aumentaria com o tempo. Ao invés de pensar em destruir, o que não seria uma tarefa muito fácil, ele conjecturou que, se aquela capacidade pudesse ser utilizada para combater as forças opostas, ele teria, lutando ao seu lado, o ser mais poderoso do planeta e, talvez, com o tempo, eliminasse a carga da profecia. Os opostos poderiam unir-se, ao invés de combaterem um contra o outro, evitando, assim, a destruição de um ou do outro… ou de ambos... Aquele era o princípio do equilíbrio.

O menino sabia, instintivamente, que não deveria ser libertado tão cedo, por isso mostrou-se aberto a colaborar, antevendo os benefícios de um treinamento com o lado oposto ao que já havia iniciado a aprender, quando estava com seus amigos. Se conseguisse distinguir as forças e, também, as fraquezas do mal, poderia aproveitar-se daquele conhecimento, quando fosse necessário combatê-lo. Embora fosse apenas um menino, sentia que já havia dentro de si um guerreiro em rápida formação. Não tinha ideia, porém, de quão exímio poderia tornar-se.

Ele tinha a protecção do pequeno amuleto, dado pelos dragões, que só usava à noite, quando estava a sós em seus aposentos. Além de ser seu único contacto com a vida que deixou para trás, não por desejo, mas por falta de opção, era também seu consolo e esperança de um dia poder voltar aos seus amigos e família.

As forças do mal, porém, são poderosas e muito atraentes. Muitas vezes sentiu- se tentado a abandonar a esperança e cumprir a sina que o destino redesenhara para ele. O guerreiro de negro satisfazia-se com o progresso do rapaz, cada vez mais, com o passar dos tempos. Os dias tornaram-se semanas e, estas, transformaram-se em sequências de meses… longos meses…

Os mesmos longos meses tornaram-se, então, estações completas.

Veio o Outono, trazendo seus ventos frios e fortes, proporcionando a limpeza da natureza. Seguiu-se o impiedoso Inverno, a bela Primavera e o lânguido Verão… Depois a sequência foi-se repetindo até o dia em que ele recebeu uma espada verdadeira como presente de seu novo mentor. Era uma prova de imensa confiança do poderoso guerreiro de negro. A lâmina da espada fora forjada no fogo das profundezas da terra e havia sido temperada com o fogo do dragão pardo. Era uma arma poderosa e praticamente invencível, sendo uma versão mais actual daquela que o guerreiro e senhor de todo o mal portava. Três Invernos haviam-se passado e o rapaz tornara-se um adolescente, com o corpo e a mente em rápida mudança. 
 
Para conservar o poderoso amuleto sempre junto a si, sem perder o contacto com o mesmo, o rapaz abriu uma cavidade no cabo da espada e introduziu o pequeno objecto protector dentro dela, cobrindo, a seguir, o espaço com cera de abelhas e uma faixa de couro negro. Assim mantinha-se em contacto indirecto com o mesmo, pois percebeu que as forças do mal eram extremamente poderosas e ele começou a sentir-se muito atraído pelo lado obscuro. Com aquele gesto, tentava não afastar-se totalmente o talismã, mas sabia que o tempo poderia fazê-lo esquecer do que representava.

Mais quatro longas sequências de quatro estações completas passaram-se. Ele conheceu o lado mais perverso do mal e foi sábia e extenuadamente treinado para tanto. Aprendeu a distinguir as fraquezas e as forças do lado de lá, bem como a combater todo o bem.

Naquele Inverno, o sétimo desde que chegara, o rapaz foi presenteado com uma armadura negra, para usar no seu primeiro combate contra as tribos no norte. Era mais uma prova de que seu mentor confiava nele. E ele não decepcionou seu mestre.

Na luta, os inimigos foram dizimados facilmente. O jovem guerreiro combatia com a fúria e a destreza de um adulto enlouquecido e movido pelo mal. Vestido na armadura negra, ele empunhou a espada dada por seu antigo algoz - agora protector -, com toda a habilidade de um adulto. Seus pouco mais de dezasseis anos escondiam, debaixo da camada de músculos desenvolvidos e dos longos cabelos e barba, a antiga face da inocência, já totalmente irreconhecível, naquele momento. A força e o poder que habitavam no rapaz haviam aumentado sem precedentes. A ideia de trazer aquela força e poder para o lado do mal havia sido a perfeição, o que muito comprazia o senhor de todo o mal, que, agora, tornara-se o único mentor e protector do guerreiro mais poderoso da terra.

O menino de outrora já não existia e nem voltaria a ser o mesmo. Tornara-se um vigoroso jovem e devia voltar para a terra donde nasceu e viveu até ter sido levado por longos sete anos. A prova de fogo havia sido designada por seu treinador, para garantir seu reconhecimento definitivo. Era seu rito final de passagem e a missão mais importante a ser ultimada.

Ele devia voltar ao laranjal.

Montado num enorme dragão pardo, ao chegar à clareira, ele foi confrontado pelo dragão verde-azulado, mas a fera alimentada pelo mal era bem mais forte e, no ataque, deixou o outro gravemente ferido, com golpes de suas garras afiadas e envenenadas.

O dragão da esperança caiu contra o chão da clareira, desfalecendo imediatamente. Um velho homem, desesperado, correu para acudir o amigo, sem reconhecer o guerreiro que atacou-o, montado no grande animal alado e vestido com uma pesada armadura negra, a observá-los do alto.

O homem amaldiçoou aos dois, jurando que não ia descansar enquanto não os destruísse. Mal sabia ele que fazia uma promessa que jamais teria forças ou poderes para cumprir.

O jovem guerreiro deu instruções ao dragão para pousar, apeou e veio para perto do homem, empunhando a espada. O dragão pardo ficou a observar, de longe.

O rapaz tocou o corpo do animal inconsciente com a ponta da espada e sentiu que algo em seu punho estremeceu, impedindo-o de ferir, ainda mais, o pobre animal caído. Ele, então, arrancou a proteção que lhe cobria a cabeça e mostrou a face de um jovem maltratado pelo tempo e pelo frio, com longos cabelos emaranhados e barba arruivada e bastante crescida.

Uma lufada de vento soprou-lhe os cabelos para longe dos olhos e ele observou o velho homem, com cuidado. O outro percebeu uma familiaridade no olhar do rapaz, levantou-se de onde estava e encarou-o, incrédulo.

- Não pode ser! Isso é realmente incrível!

***

- Passamos tanto tempo a procurar e nunca conseguimos encontrar-te. Nós pensávamos que havias morrido. É um verdadeiro milagre!

O homem adiantou-se para abraçar o rapaz, mas aquele manteve-se impávido e deu um passo atrás, como se a repudiar o gesto do velho. O rapaz, então, falou, muito pausadamente.

- Sete longos anos… é muito tempo…

- Eu sei. Nós procuramos por tudo, por longos anos…até que, finalmente, desistimos.

- Pensei que eu fosse digno do esforço… não achei que iriam desistir.

- Sempre foste digno, meu jovem amigo. Mas nunca tivemos um mínimo sinal de vida, depois que foste embora. Nós tivemos que…

O rapaz interrompeu, bruscamente.

- Também não tiveram nenhum sinal de que havia morrido, portanto não era motivo para desistirem. Eu esperei por anos excessivamente longos, dia após dia… Eu era apenas uma criança. Mas já não sou mais. Nem voltarei a ser…

Havia muita mágoa nos olhos do rapaz. Havia muita decepção na sua mente. Havia muito ódio em seu coração… e havia muita força concentrada em seus músculos, tornando-o um jovem extremamente perigoso.

Junto ao dragão verde-azulado, ainda desacordado, o velho homem mantinha-se de pé, com a expressão facial um tanto confusa, flutuando entre os sentimentos de culpa e o de verdadeiro assombro.  

O jovem guerreiro, então, levantou a espada e avançou contra os dois.