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terça-feira, 31 de julho de 2018

Tatuagem (Parte 2 de 2)



- A minha é mais bonita.

- Sem dúvida. Foi uma bela escolha.

- É mais moderna, pelo menos.

- Pois é. Ficou muito bem-feita mesmo. Um lindo efeito…

Desta vez era eu quem beijava a tatuagem, estrategicamente gravada, entre as duas covinhas, na parte mais baixa das suas costas. A pele estava morna e reagiu, quando meus lábios tocaram, de leve, aquele ponto estratégico, tatuado na base da sua coluna.

- Eu adoro tuas curvas. Estas duas covinhas são tão sexy… E, agora, há também, este dragão tão bem feitinho e significativo…

Curvou-se um pouco, como se oferecesse o corpo para mais bem-vindas demonstrações de carinho.

Aquilo foi como um gatilho, que disparou uma reacção quase involuntária e quase irreversível, mas eu já não me preocupava com controlo sobre nada, de toda forma. Deitei-me sobre seu corpo, sentindo o sangue a correr-me, quente e acelerado, nas veias e a encher-me o corpo de desejo.

- Uhm… O que foi isso?

Não respondi. Apenas comecei a beijar cada pedacinho de seu atraente corpo. Encolheu-se quando rocei os lábios atrás da orelha e sua pele arrepiou-se de imediato. Era minha deixa…

***

- Nossas peles estão marcadas para sempre.

- Como se fossem almas gémeas…

- Ahaha! Lá vens tu, outra vez, com isso…

- Somos complementares, então.

- Somos pessoas que gostam de estar uma com a outra e nossos corpos sabem disso. Não é o bastante?

- “Que seja eterno enquanto dure”?

- Talvez isso seja suficiente…

Riu-se. Parecia satisfazer-se com aquilo, naquele momento, pelo menos. Nisto éramos tão diferentes.

Eu sempre tentava manter as coisas sob um descontrolo controlado. Sabia que nada na vida seria eterno. Sabia que ter muitas expectativas podia levar a grandes decepções e não queria que aquela “amizade”, por assim dizer, levasse a nada além das boas coisas, que já tínhamos, embora sentisse que estava sendo cruel com ambos, enquanto pensasse daquele jeito.

Eu havia perdido um bocado daquele romantismo que alguma vez tivera. Aquele não era seu caso. Sua cabeça estava sempre nas nuvens, seu corpo sempre pronto, quando estávamos juntos.

- Deixa-te levar. Solta-te. Não te reprimas. Não tenhas medo.

E lá ia eu. Levando-me por uma onda de calor, sabia os riscos do envolvimento. Sabia os riscos da entrega total. Sabia os prazeres que aquilo trazia… e gostava… mas não ousava admitir em alta voz.

***

- Gostas?

- Gosto.

- Mais para cima, um pouquinho.

- Aqui?

- Isso.

Examinou-me, cuidadosamente, com olhos oportunamente lascivos, as faces afogueadas pelo desejo e cantarolou baixinho, junto ao meu ouvido:

“Eu quero ficar no teu corpo, feito tatuagem”…

Passou os dedos, de leve, sobre o desenho, que havia sido gravado, e com muita dor, na lateral esquerda da minha cintura. Chegou-se mais perto e beijou, não só ali, mas em várias outras partes do meu corpo, como costumava fazer, quando o desejo ultrapassava o controlo.

Nossas tatuagens eram quase casadas. Dois dragões tão dissemelhantes, com dois significados tão distintos, impressos nas peles de duas pessoas tão diferentes. Mas, mesmo assim, eram dois dragões: duas figuras da mesma espécie… ou não…

***

- Abraça-me. De verdade…

- Que houve?

- Shhh.

Seu corpo estava quente, como se fosse brasa acesa. Eu não tinha ideia do que se passava, por isso limitei-me a ficar ali, sem dizer palavra alguma, ouvindo sua respiração arquejante e sentindo o coração a bater forte contra meu peito. Algo parecia estar errado, mas eu não sabia o que era.

- Diz-me o que se passa.

- Shhh. Fica só assim, um pouco mais…

Ficamos, o que pareceu-me um tempo interminável, naquele abraço apertado. Quando, por fim, libertou-me, disse, somente, num sussurro quase desesperado:

- Faz amor comigo.

Não respondi, apenas deixei-me levar... completamente… como um bote insuflável, descendo as corredeiras, sem remos e sem leme.

Avançamos como se uma loucura tivesse tomado conta de nós. Nossos corpos ardiam como se acometidos por uma febre alta e tivéssemos o sangue a correr, como lava quente nas nossas veias, pronto a entrar em erupção a qualquer momento. Procurávamos satisfazer uma sede insaciável, enquanto bebíamos de um mesmo veneno, ou seu antídoto, misturado erraticamente em nossas bocas e buscávamos um conforto que não existia. Deixamo-nos tomar pela insanidade que tornava aquele momento único e intenso, em ondas que iam e vinham dentro de nós, como o mar a atirar-se nas areias da praia, naquele vai-e-vem ritmado, ora lânguido, ora enérgico. Navegamos em águas escuras e profundas, como um barco sem timoneiro, que corre o perigo de arrebentar o casco nos arrecifes e nos afiados bancos de corais multicoloridos.

Fechei os olhos, tentando conter a aflição que tomava conta de mim e deixei escapar um grito, como de um animal na floresta, quando aquela explosão vermelha culminou, de um crescendo de sensações já, então, incontroláveis. Meu corpo todo convulsionou, em espasmos repetidos. 

Teoristas poderiam chamar aquele momento de “a pequena morte”. Eu chamava de “a grande queda”. 

Depois, veio aquela sensação de abandono e relaxamento. Nossos corpos ficaram inertes por uns momentos, vencidos pelo cansaço.

Seguiu-se um silêncio, pontilhado, apenas, pelo pulsar de nossas respirações, que iam voltando ao seu ritmo natural.

Perdi a noção do tempo e mergulhei num sono profundo, com sonhos coloridos em matizes vibrantes. Sentia que estava com o corpo e a mente retidos entre o firmamento e a terra… ou entre o céu e o inferno… para quem acreditasse naquilo.

Quando acordei, estava só. A cama parecia enorme e fria, apesar do calor lá fora.

Algo parecia fora do sítio. Havia uma atmosfera estranha e, por um momento, senti-me entristecer. Uma angústia torturava-me o peito.

Minha boca estava muito seca. Precisava de água fresca. Levantei-me e fui até a cozinha. Já era noite e havia uma agradável aragem a entrar pela porta aberta para a varanda. Um movimento do lado de fora chamou minha atenção. Pousei o copo vazio sobre a pia e fui até lá.

***

- Hey.

- Hey.

Minha voz era quase um sussurro. Meu peito, em desconforto, quase me fazia berrar de desespero, por alguma razão que eu não conhecia ainda. Tentei manter a calma.

- Que fazes?

- Penso…

- Atrapalho?

- Claro que não.

Aproximei-me e beijei-lhe as costas e o pescoço, com suavidade. Rocei os lábios, muito de leve, descendo até a tatuagem, quase invisível naquela penumbra. Sua pele arrepiou-se e senti o corpo curvar-se na minha direcção, numa reacção de anuência. Fechei os olhos e inspirei profundamente.

- Eu adoro teu cheiro.

- Hmm…

- És um vício… Tenho a impressão que não posso ficar sem ti.

Virou-se para mim, com o rosto convenientemente escondido pela penumbra.

- Vou-me embora.

- Como assim? Por quê?

- Tem que ser. Tens toda razão. Isso virou um verdadeiro vício. Chego a perder o controlo.

- Mas isso é bom, não é?

- Não sei. Estou sufocando. Não posso continuar assim… Preciso de espaço para mim… tenho muito que pensar…

- Eu não entendo…

- Nem sei se eu entendo, na verdade… mas tenho que fazer algo… e tem que ser urgentemente… Se eu ficar, vou-te fazer infeliz…

- Infeliz? Como?

Não respondeu.

Como podia ser infeliz, se tudo o que tinha era aquele relacionamento? Aquela era minha ideia de felicidade, até o momento, em que tudo caía por terra, com uma sentença incompreensível e inaceitável por minha razão.

Olhou-me com um misto de tristeza e expectativa na expressão.

Fiquei uns minutos, em silêncio, sem saber como reagir. Não sabia o que pensar. Minha mente buscava razões e mais razões, para justificar aquela decisão e não conseguia encontrar nenhuma.

- Sei que tenho que respeitar a tua vontade. Não há nada que eu possa fazer, para mudar isso, não é mesmo?

- Não. Eu tenho mesmo que ir.

- Ok, então, mas isso tudo é muito triste...

- Vamos guardar lindas recordações, não é mesmo?

- Muitas… Sempre teremos as nossas tatuagens, vívidas em nossas peles, para trazê-las à memória.

- Os dragões sempre voltam na Primavera…

- É?

- Uh-hum… Com a primeira lua cheia...

- Nunca havia pensado nisso.

Aqueles seus olhos enormes e a ausência de um simples sorriso eram sinal de uma coisa somente. Já não havia nada mais a ser dito. Aquele era, definitivamente, um adeus.

 ***

Quando entrei no estúdio, minha decisão já estava tomada. Aquela ia ser uma operação angustiante, sob vários pontos de vista. Quando a agulha do mecanismo começou a perfurar minha pele, reavivando os pigmentos com a tinta especial, eu senti lágrimas a me brotarem nos olhos e deixei que caíssem livremente, sabendo que não eram, realmente, devido àquela aflição física…

A tatuagem foi refeita, mudando um pouco a face do dragão e acentuando as linhas e cores da figura original. Aquela era uma pequena mudança, não somente na minha pele, mas era definitiva…

***


sábado, 15 de julho de 2017

Contradições (Parte 1 de 2)


- Estás acordada?

- Mmm... não... na verdade, não...

Ele riu.

- Esse sorrisinho me diz que tu estás...

Eu estava acordada, é claro, mas havia ficado com os olhos fechados, enquanto me deliciava com a maneira como ele brincava com os dedos, muito de leve, a descer pelas minhas costas, acariciando-me como se não me quisesse acordar daquele misto de sono e delírio. Eu havia despertado quando ele me beijou os ombros e pescoço, tão suavemente, que parecia o roçar de uma pluma na minha pele. Talvez ele não me quisesse, realmente, acordar... Talvez ele estivesse apenas se divertindo... Talvez estivesse se aproveitando a situação... Talvez eu também estivesse...

Eu me virei um pouco e encarei-o, sorrindo e dando boas-vindas às suas delicadas carícias. Segurei-lhe a mão na minha e beijei seus preciosos dedos.

- Bom dia, madrugador.

- Bom dia, bela adormecida.

Ele descansou a cabeça na palma da mão, olhando-me com um sorriso doce e olhos genuinamente amorosos. Pensei comigo mesma: "que maneira adorável de acordar".

Ele cingiu meu corpo com os braços e puxou-me para mais perto do peito, com as pernas entrelaçadas nas minhas. Descansei minha cabeça naqueles suaves pelos dourados e fechei os olhos, ouvindo o ritmo das batidas de seu coração, como uma suave percussão em meus ouvidos. Ele beijou o topo da minha cabeça e sussurrou.

- Gosto tanto de ti…

Gemi baixinho e aninhei-me um pouco mais em seu abraço, quase ronronando, como uma gata feliz, numa cama aconchegante e fofa. Não senti vontade de abrir os olhos novamente... e tornei a adormecer.

Quando acordei, ele não estava por perto. Ouvi o som de louça e talheres na cozinha e pensei que ele deveria ter esperado muito tempo que eu acordasse e decidiu fazer algo para comer sozinho. O cheiro de café fresco e de alguma outra coisa era extremamente convidativo.

Eu não quis que a bondade daquele homem passasse por não apreciada, então levantei-me e fui para a cozinha, a fim de fazer-lhe companhia, como se aquilo fosse a minha maior intenção.

Ele estava em pé, descalço, tão sublime e bonito, a sorrir, do alto de seus quase dois metros, com uma xícara de café puro e forte na mão. Embora não estivéssemos acostumados a gostar de fazer o café da manhã, ele estava ocupado com uma omelete que cheirava tão bem, que meu estômago reagiu imediatamente. Aquilo certamente serviria bem para uma manhã preguiçosa de sábado.

- Ei…

- Bom dia de novo, doce campo de trigo. O que estás cozinhando?

Ele sorriu para mim. Eu costumava chamá-lo de "campo de trigo" por causa da cor de seus cabelos e pelos. Ele ria disso, satisfeito com a alcunha que eu lhe havia dado. O homem loiro e bem apessoado olhou-me nos olhos e mentiu, sem corar.

- Não estou cozinhando nada de especial. Vamos sentar e comer. Estou com uma fome...

Ainda olhando para ele, eu obedeci, enquanto ele despejou o café quente na minha xícara e serviu-me uma porção daquela omelete perfeita de tomates, queijo e cogumelos. O sabor era simplesmente divino e me fazia lembrar de uma certa ocasião, em algum lugar do meu passado.

***

Já era tarde em uma manhã de um indolente domingo e eu havia decidido comer um brunch, sozinha, em um Café no centro da cidade. Sempre amei o cheiro de café preto forte e aquele estava realmente bom. Como estava morrendo de fome, eu havia decidido pelo prato do dia, para poder ter a minha refeição servida mais rápido. O gosto daquela omelete especial do Menu estava-me saciando com um prazer peculiar.

De onde eu estava, podia ver a clientela atravessando a porta da frente e sendo direcionada para as mesas, pela equipe de serviço. Sentada ao lado da janela, observando as pessoas a entrar, eu tentava não olhar para ninguém muito diretamente.

Um homem, provavelmente lá pelos seus quarenta e poucos anos, atravessou a porta e olhou em volta, tentando encontrar uma mesa vazia. O que chamou minha atenção foi a cor de seus incríveis cabelos loiros brilhantes e sua postura de caminhar. Bem mais alto do que eu, forte e bonito, aquele homem era como um guerreiro vencedor de uma batalha nas terras altas. Eu senti como se o lugar tivesse esvaziado imediatamente e todas as luzes desaparecido na minha frente, exceto pela que estava em cima da sua cabeça.

Quando o garçom o acompanhou, senti-me estranhamente interessada. Em minha mente, eu podia ouvir uma voz, dizendo sem parar e com vontade:

"Por favor, sente-se perto de mim... por favor"...

E foi o que aconteceu. Por algum motivo, ele escolheu uma mesa muito próxima da minha e sentou-se bem na minha frente. Apanhou o menu e fez seu pedido muito rapidamente.

Aquilo pareceu-me um bom sinal. Ele demonstrava ser um homem que sabia muito bem o que queria e era rápido a tomar decisões. Perguntei-me se ele faria isso com todas as outras coisas em sua vida.

Enquanto esperava, ele naturalmente olhou em volta, mostrando apenas um interesse geral nos outros clientes, que estavam acomodados na mesma sala, conversando discretamente e tomando suas refeições. Então, de repente, ele pousou aqueles lindos e radiantes olhos azuis em mim.

Surpreendentemente, o efeito foi absolutamente inesperado. Eu corei imediatamente e tentei voltar a minha atenção para o meu prato e xícara, tentando parecer natural e à vontade. Minhas mãos tremiam e a faca caiu no chão com um barulho alto demais, para os meus ouvidos. Eu sou realmente desajeitada, quando nervosa, então abaixei-me para juntar a faca e já ia chamar o garçom para me trazer uma outra, limpa, quando percebi que o rapaz já vinha a caminho, provavelmente acostumado a lidar com esse tipo de coisas, muitas vezes por dia. Eu lutava para não olhar à mesa bem na minha frente, mas meus olhos me traíram. Ele estava olhando para mim, novamente. Nossos olhos se cruzaram. Meu rosto e orelhas estavam queimando, como se fossem pedaços de carvão em brasa. Tentei evitar seu olhar, mas não consegui.

Então ele sorriu e sussurrou um "olá" claro e distinto, embora nenhum som pudesse ser ouvido de onde eu estava.

‘Meu Deus, o que foi isso? Isso é incrivelmente assustador. Eu não esperava sentir borboletas a se debaterem no meu estômago! ‘

Eu sorri de volta para ele, mas devo ter parecido tão estranhamente fora do lugar, que ele riu. Corei de novo e senti vontade de sumir dali, de tão sem jeito que fiquei.

Fui convenientemente salva pelo garçom, trazendo a refeição e colocando-a na frente dele. Sua atenção de repente se desviou para uma xícara de café preto e para o prato do dia: a omelete especial de tomates, queijo e cogumelos.

Não pude deixar de rir ...

***

- Tu ainda lembras?

- Como eu poderia esquecer? Fiquei em completo transe...

Ele riu. Simplesmente amava o jeito que ele parecia relaxar completamente e parecer tão juvenil, quando ria. Ele costumava me provocar com seus encantadores olhos azuis claros e aquele sorriso aberto, antes de tudo. Perguntei-me como um homem podia ser tão sexy, sem ser abertamente sexual ou indecentemente malicioso. Ele sempre foi tão elegante... tão controlado... tão encantador... tão bom e tão gentil... e ainda assim, tão desejável... tudo isso, no pacote mais adorável que eu pudesse, algum dia, desejar.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo som irritante da campainha.

- Quem poderia ser?

***

- O que tu estás fazendo aqui?

- Vais-me convidar para entrar ou não?

- Sim. Claro. Desculpa.

- E quem é esse?

- Um amigo muito caro.

Ele sorriu e estendeu a mão para o meu amigo.

- Sei. Muito prazer em conhecê-lo.

- Igualmente..., mas quem é você?

- Um velho conhecido...

Estava claro, para meu actual companheiro, que apenas um "velho conhecido" não agiria daquela maneira, então olhou para mim, tentando ler as minhas reacções, antes de fazer qualquer movimento.

Era como se o rei esperasse que o peão fizesse sua jogada, para que ele, então, pudesse pensar em uma estratégia para continuar. Mas a rainha não estava ansiosa para deixar o flanco aberto e aquele homem tinha intenções de provar algum ponto, todo seu, por isso eu resolvi tomar a dianteira e dei o primeiro passo.

***

O ar não estava pesado, mas também não era totalmente confortável. Sentada à beira-mar, deixei minha mente vagar até alguns anos antes daquela data, quando o peso da idade era-me tão mais leve e até mais suportável. Aquele rosto costumava ser tão querido e aquele homem tão gentil.

O que nos aconteceu? Onde perdemos a sensação de respeito e bondade entre nós? O que o passado fazia de volta no meu presente? Meu receio era que as intenções não fossem nada boas…

Deixá-lo afastado e longe da minha vida havia sido difícil, na primeira vez, mas agora parecia que alguns fantasmas haviam decidido voltar para me assombrar. E eu que só queria recuperar o meu equilíbrio…

Por enquanto, tratei de tirá-lo de perto do meu parceiro e da minha casa, para que eu pudesse resolver aquela situação, sem envolvimento desnecessário de ambos os lados.

O homem voltou da casa de banho e sentou-se bem na minha frente. Ele ainda adorava sua cerveja gelada, enquanto eu estava acostumada com o vinho verde fresco, no calor do verão. Ele ainda parecia bem, embora seu cabelo ruivo tivesse rareado, evidentemente. Seu rosto estava um pouco mais redondo, mas ainda era bonito e adorável. Seu sorriso era quase o mesmo. Lembrei-me do dia em que me senti atraída por aquelas pequenas curvas nos cantos de seus lábios, quando ele me abriu o sorriso, pela primeira vez. Seus olhos tinham linhas de expressão, marcadas profundamente ao redor deles. Eu observei seu rosto cuidadosamente, estudando seus movimentos e tentando descobrir o que ele queria de mim... desta vez...

- Eu senti tua falta, sabias disso?

- Não. Não sabia. O que queres de mim, agora?

- Não sejas assim. Nós costumávamos ser tão bons juntos. Nós éramos verdadeiros amigos.

- Exatamente. Nós éramos amigos..., mas então tu deixaste a nossa amizade de lado por uma situação, que nem mesmo deixou-me nenhuma margem para lutar.

- E como tu sabes que eu também não lutei?

- Ainda poderíamos ter mantido nossa amizade... Algumas vez pensaste em como foi difícil escrever aquelas coisas, para que tu pudesses ter a tua vida perfeita?

- Tu disseste que nunca tínhamos sido amigos de verdade...

- Pelo bem do teu relacionamento. O que mais eu poderia dizer? Que costumávamos ser grandes amigos, mas, então, já não queríamos mais brincar de sermos amigos de verdade? Por favor! Me poupe!

Ele segurou minha mão. Eu estava tão chateada, que estava tremendo, visivelmente. Ele esperou até eu parar de discutir e disse com uma voz muito baixa:

- Eu realmente senti a tua falta. Foi tão difícil...

Ele parou quando percebeu que eu estava pálida e meus olhos estavam húmidos.

- Eu sinto muito.

- O que tu ainda queres de mim? Tiraste tudo o que eu tinha e agora achas que tudo volta a ser como antes? Voltas, como se nada tivesse acontecido e queres que eu te receba de braços abertos?

- Ela estava grávida. Era nosso bebê que ela iria ter. Eu nunca poderia deixá-la. Tu me conheces.

- Não, eu não te conheço. Eu realmente não tenho a mínima ideia de quem tu, realmente, és.

- É justo.

Ele parou por um tempo e depois falou, como se fosse a coisa mais natural de se dizer.

- Nós já não estamos juntos. Nós nos separamos como pessoas civilizadas, mas não podemos mais viver como um casal. O menino está com ela.

- E ele se parece tanto contigo...

- Como é que tu sabes?

Eu parei. Aquilo não deveria ter acontecido. Corei, imediatamente, e ele percebeu.

- Tu és tão surpreendente. Nunca quis  fazer-te sofrer, mas tenta entender...

Fiquei tão cansada de repente. Lembrei-me de como eu tentei, com todas as minhas forças, entender, aceitar e esquecer, mas nunca consegui fazê-lo. Tentei sufocar todas as coisas que sentia, mas não tinha ideia de que seria tão difícil. Não disse mais nada. Já não havia nada a dizer…

Ele segurou a minha mão nas dele e beijou meus dedos. Tentei libertar-me, mas ele era forte e firme. Virou a minha mão e beijou-me a palma, suavemente e com aparente ternura.

Minha cabeça estava dando voltas...


domingo, 23 de outubro de 2016

Pássaros Azuis


- Acho que estou apaixonada.

- A sério?

Ela corou. Para mim, era ainda a menininha que eu vi crescer, que corria pela casa e que cantava as letras das canções inventadas por ela mesma, cada vez de um modo diferente e que nos deixava atônitos e a dar risadas, diante da esperteza dela…

- Bem sério!

- Ele é bom para ti? Te respeita e faz-te sentir bem?

Ela olhou-me séria, hesitou por um milésimo de segundo e respondeu.

- Sim.

- Então só posso apoiar-te, obviamente, meu amor.

Ela sorriu e me abraçou, sussurrando um ‘obrigada’ ao pé do ouvido, como se o meu apoio fosse fazer alguma diferença no que ela sentia ou queria. Certamente aliviaria uma carga emocional enorme, pela aprovação que ela queria, mas não poderia alterar seus sentimentos.

Ela beijou-me a face e saiu correndo pela porta afora, a caminho de ‘sei-lá-para-onde’… Fiquei a olhar a forma como ela parecia radiante. Quase flutuava, de tanta felicidade. Antes de sair pelo portão, ainda voltou-se e acenou-me um adeus engraçado, com um sorriso enorme estampado na face jovial. Eu sorri e acenei-lhe de volta, dando-me conta que ela havia, definitivamente, crescido e desabrochado. A juventude é mesmo uma fase maravilhosa da vida.

Fiquei a olhar o vazio no portão, depois que ela desapareceu na distância e a pensar na minha própria vida.

Atrás de mim, as palavras de uma canção conhecida a tocar, pareceu cutucar meu coração com uma certa crueldade, quase intencional. Minhas memórias estavam sempre tão associadas à música e às muitas canções significativas, que eu mal conseguia controlar minhas emoções, cada vez que ouvia alguma que havia, de alguma forma, marcado minha vida.

… I wish you, I wish you, I wish you all the best
    I’ll miss you, I’ll miss you, I’ll miss you not the least…*

***
- Pai?

- Diz…

- Quem foi o grande amor da tua vida?

A pergunta pegou-me desprevenido. Brinquei com a resposta, para ganhar algum tempo.

- Foi Ginger.

Ela deu uma gargalhada.

- Eu já devia esperar por esta resposta, mas falo sério. Ginger foi, sem dúvida um grande amor, mas eu falava de uma pessoa, não do gatinho.

- Ginger foi mais que um gatinho. Foi um grande companheiro, meu amor…

- Pai?

Eu sorri. Sabia que ela não ia desistir, sem receber uma resposta aceitável. Seus olhos pareciam duas grandes bolas de vidro escuro. Fingi que não percebi…

- Diz.

- Quem foi? De verdade, mesmo!

- Não sei se houve ‘o grande amor’ da minha vida…

- Oh! Mesmo? E a mãe?

Eu olhei a face séria da minha menina e respondi com sinceridade.

- Ela foi uma grande paixão, é verdade e deu-me a ti, que és o meu maior presente de vida. É certo que tive muitas outras paixões, mas para ser o grande amor, não pode ser uma coisa unilateral, não é mesmo?

- Não necessariamente. Se te fez sentir amado; se foi intenso; se te fez sonhar; se te fez sentir especial e, de alguma forma, uma pessoa melhor… Se soube trazer à tona o melhor de ti...

- Quanta sabedoria em uma criatura tão jovem…

Ela riu, meio sem jeito, com as faces enrubescendo ligeiramente. Eu reconheci que o tempo havia transformado aquela menininha em uma jovem e sábia mulher e agradeci aos céus por aquilo. Ela estava radiante e aquela felicidade fazia-a refulgir e contagiava a mim também.

Mas ela estava certa. Quem, além de nós mesmos, pode-nos fazer felizes, mesmo que por uns breves momentos? Não é este a verdadeiro sentido do amor: brotar e desabrochar de dentro para fora?

Havia aprendido, contudo, que nem os pequenos, nem os grandes amores sobrevivem à distância, ou à falta de reciprocidade, ou à mentira. Mais cedo ou mais tarde estas coisas vêm à tona e destroem o que de bom os sentimentos ainda possuem. As máscaras caem, as verdades aparecem, o tempo e a distância esfriam as ligações e os afetos vão-se desvanecendo, até o ponto em que o fio da ternura parte-se, para sempre e aquilo, que era tudo, passa a ser, apenas, mais uma ilusão destruída e convertida em dura e triste realidade e em uma quebra nas expectativas…

Pior ainda é quando o tal amor transforma-se em ódio ou desprezo, ou outro sentimento tão negativo quanto estes. Ao invés de nos sentirmos felizes pelo que foi, nos sentimos mal pelo que deixou de ser.
 
Como eu ia dizer à ela que meu coração teve muitas paixões muito intensas, mas que eu jamais poderia revelar que alguma vez existiram? Para todos os efeitos, foram ‘affairs’ que nunca aconteceram. Para todos os efeitos, foram paixões que só disseram respeito a mim e a mais ninguém… assim unilateralmente. Sad but true…

- Pois eu acho que este é o grande amor da minha vida.

- Fico feliz por ti, meu amor. Tenho certeza que só pode fazer-te bem. Parece até que viste um passarinho azul!

- É verde, pai! Passarinho verde!

Eu ri. Ela também. Aquela era uma piadinha que nós fazíamos. Uma ‘private joke’ só nossa.

- Meu amorzinho, nunca deixes as pessoas, que não sabem a tua história, interferirem na tua vida amorosa. A vossa vida só interessa a vocês e a mais ninguém…

- Eu sei, pai.

- E tenha cuidado para não te machucar. O coração vê através de óculos que a razão não usa.

Mesmo sabendo melhor que ninguém que uma pessoa apaixonada não ouve conselhos daqueles, por mais coerentes que possam ser, eu não pude furtar-me de dá-los.

Sabia que o que importava, realmente, era ouvir a voz do coração e viver intensamente… “Que seja eterno enquanto dure”, como dizia o poeta…

E como eu poderia saber se ela estava certa ou não, em definir aquele como “o” amor da sua vida, se não estava vivendo o que ela sentia? No fundo eu só queria que ela fosse feliz.

***
- Estás nervoso?

- Não! Tu?

- Um pouco preocupada.

- Eu compreendo. Mas não te preocupes. Ninguém vai notar se alguma coisa sair fora do teu plano. Faz parte do processo.

Ela pareceu absorver aquelas palavras com tranquilidade. O que acontecesse, não ia estragar o brilho daquele dia. Apenas as pessoas mais íntimas estavam presentes e não havia motivos para apreensões. A simplicidade e o carisma dela eram suficientes para fazê-la brilhar, mas ela talvez tivesse menos consciência daquilo, que eu mesmo tinha.

- Vai lá. Agora é encarar e ir em frente!

Ela ia, por assim dizer, marcar o dia de seu aniversário com uma decisão bastante importante e muito corajosa.

Quando ela voltou, vestida como se fosse para a ocasião mais marcante de sua vida, até então, parecia deslumbrante e nervosa, ao mesmo tempo. Tinha um brilho no olhar que não deixava dúvidas sobre o propósito daquela decisão.

Ao seu lado, o amor de sua vida sorria, com os dedos entrelaçados nos dela, tão deslumbrante quanto a minha menina.

As duas formavam um par excepcionalmente suave, belo e, ao mesmo tempo, forte e destemido.

Eu sorri, abri os braços e as duas encaixaram-se no meu abraço. Ao pé dos ouvidos delas, eu disse, baixinho:

- Vocês são duas deusas guerreiras! Sejam muito, muito felizes!

As duas me abraçaram e beijaram-me as faces. Estavam abençoadas.

O que viesse, dali, para frente, eram batalhas para as duas travarem juntas...


*( Benjamin Clementine's "The Movies Never Lie")


domingo, 16 de março de 2014

Hate Me (And The Big Lie)



Hate me, please.

Don’t pity me

Don’t patronize me,

Don’t look at me like that.

I just can’t stand the way

Your gaze burst

My heart into fierce

Smouldering flames...

Don’t hold my hand

That tightly,

As if you were afraid

Of letting me go;

Don’t look me in the eye,

As if you intended

To read my soul;

Don’t embrace my body,

As if I was running

Away from you...

Because if you look

Deep in my eyes,

Hold my hand,

Or hug me,

Like you usually do,

I will have no escape

But to keep you

In my life

For as long as I can...

(Oh, do not ever consider

Kissing me like that

Once again)...

So, please, my dearest friend,

For the sake of our sanities,

Just hate me

And let me go...

...Before I change

My mind…




Odeia-me (E a Grande Mentira)


Odeia-me, por favor.

Não tenha pena de mim,

Não me proteja,

Não me olhe desta forma.

Eu não posso suportar o modo

Com que o teu olhar

Faz meu coração arder

Em chamas.

Não segure minhas mãos

Tão firmemente,

Como se tivesses medo

De deixar-me partir.

Não me olhe nos olhos,

Como se pretendesses

Ler minha alma.

Não abrace meu corpo,

Como se eu fosse

Fugir de ti...

Porque se tu me olhas,

Assim fundo em meus olhos,

Seguras minha mão,

Ou abraças-me,

Como normalmente fazes,

Não terei escusa alguma,

Além de manter-te,

Em minha vida,

Por tanto tempo quanto eu conseguir...

(Oh e nunca consideres a hipótese

De beijar-me

Uma outra vez, sequer)...

Então, por favor,

Pelo bem da nossa amizade

E pela nossa sanidade,

Odeia-me

E deixa-me ir...

Antes que eu mude

De ideia...

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Semestrados...


- Senta, Thomas.
Ele olhou-me com seus olhos grandes e magnificamente verdes. Não tinha dúvidas sobre o que eu queria, mas esperava que lhe confirmasse. Eu repeti:
- Senta, Thomas.
Ele sentou-se sobre o tapete aos meus pés, enquanto eu preparava o nosso desjejum. O som do pequeno pires de porcelana sendo colocado sobre o granito da pia havia chamado sua atenção. Aquela era parte de sua rotina matutina. Ao ouvir o tilintar da porcelana contra a pedra, ele muda a atenção de sua tigela de ração e vai até o tapete, a esperar pelo miminho, que sempre ganha. Sentado a ouvir o som conhecido da colher a mexer o iogurte, ele não move os olhos de mim, sabendo que uma pequena porção vai ser-lhe dada no pratinho branco, decorado com o símbolo conhecido de um galo português. Ele recebe com satisfação, come até não restar nenhum vestígio e volta à sua ração habitual.
Ninguém diria que em apenas seis meses, estaria tão ambientado à minha vida e aos meus hábitos, como se fizesse parte dos mesmos desde sempre. Aquele gato, cuja triste história comoveu-me no princípio, havia-me cativado completamente, fazendo-me perceber que fora mais fácil que eu esperava, tornarmo-nos parceiros de luta. No fim-de-semana passado havia dado um sinal de confiança que não fizera antes. Deitara-se sobre minha barriga, comodamente, enquanto eu lia, deitado no sofá.
Vindo da criatura que, aos poucos, tivera que ultrapassar alguns traumas que eu desconhecia completamente, aquela era uma demonstração de progresso na relação que vinha sendo construída aos poucos, com muita paciência e perseverança.

Thomas é um gato excepcionalmente inteligente e tem uma percepção bastante aguçada do ambiente que o rodeia. Sabe bem que confiança tem de ser conquistada e precisa estar muito seguro de que não corre nenhum perigo, antes de deixar-se levar por quaisquer demonstrações de afecto.
Desde o dia em que entramos em contacto, pela primeira vez, o gato de aproximadamente dois anos, havia sido respeitado e tratado como um hóspede da casa. E como tal havia-se comportado, pelo menos no começo. O tempo deu-lhe segurança e confiança, mas como fora adoptado já adulto, reagia de maneira desconfiada, cada vez que enfrentava uma situação nova. Não consigo imaginar o que sofreu, antes de ter seu lugar na minha vida, mas garanti-lhe que estava totalmente a salvo, comigo, dali para frente.
Eu, agora, já não troco, distraidamente, seu nome. Um sonho que tivera deu-me um sinal que eu precisava. Tiger deitava-se numa sala separada, confortavelmente, enquanto Thomas estava em outra, também deitado confortavelmente.
‘Somos dois animais bastante diferentes e, portanto, nos comportamos diferentemente’.
É como uma relação nova. Muitas vezes há a inevitável comparação, mas os indivíduos não são os mesmos, nem se comportarão da mesma forma. Era isso que Tiger vinha me dizer no sonho.

Thomas é muito diferente do seu antecessor. Desde a forma física, cor da pelagem e dos olhos, até a forma como se acomodou na minha rotina e eu na dele. Ele não é melhor, nem pior; é diferente e é, também, único. E eu tenho que reconhecer que estou muito feliz de tê-lo comigo... sem nenhum tipo de comparações desnecessárias.
Seus hábitos são simples e fáceis de perceber. Ele espera-me, todos os dias, à porta, ao final do dia. Segue-me ao quarto, onde deleita-se com os carinhos que lhe dou, uma, duas, três… sete vezes... a passar de um lado para o outro, em cima da cama, assim que desfaço-me dos sapatos e do casaco. Depois cheira-me a cabeça, o rosto, o pescoço e dá-me sua cabeça para cheirar.
- Vamos comer, filhote?
Ele percebe logo a mensagem. Segue-me à cozinha, onde recebe a sua porção de ração, come enquanto eu preparo minha refeição e, logo em seguida, fica disputando atenção com minhas tarefas. Por cerca de uma hora, ele corre, brinca com umas bolinhas de papel alumínio amassado, revira os tapetes, sobe na mesa da sala, para beber água do frasco que lá é posto, propositadamente, desloca o rato do computador para o lado, de modo a sentar-se sobre meu braço, ou fica a provocar-me de uma das cadeiras, espiando por baixo do tampo transparente da mesa e dando-me patadas nas mãos, para ganhar carinho, um cumprimento, ou alguma conversa.
Passado o frenesi diário do reencontro e do dispêndio de energia acumulada, ele acalma-se e deita-se no tapete ou no sofá, especialmente se estiver a ouvir música. Estes rituais repetem-se nos dias de semana e, muitas vezes, aos sábados também. Aos domingos, como já era de esperar, sente falta do sono que não usufruiu no dia anterior e dorme a tarde inteira, em algum lugar quieto e escuro, como dentro do armário, em baixo da cama ou outro nicho qualquer, que ele encontra ou cria.
Geralmente não mia, não reclama, não faz sons estranhos. Excepção se dá quando tem de ir à clínica veterinária, pois não gosta de viajar de carro. Algum trauma anterior? Não tenho a mínima ideia...
Seu ronronar é muito suave e quase imperceptível. Seus olhos, porém, estão sempre muito atentos, assim como as orelhas. Às vezes, quando tudo está em silêncio, ouço um ressonar baixinho vindo de onde ele dorme profundamente. Dou uma risada discreta, feliz por saber que está tão relaxadamente confortável no ambiente que lhe é, agora, tão familiar e que é, também, sua casa.
Como um bom animal de companhia, Thomas normalmente está perto de onde estou, como se quisesse ter a certeza que estou protegido por sua presença. Como um pai adoptivo, eu preocupo-me em saber se ele está bem aconchegado, alimentado e tranquilo, ou se as suas inúmeras bolinhas de brinquedo já não estão acumuladas em baixo do sofá da sala.
Recentemente aprendeu a responder convenientemente, quando eu digo:

-‘Bom dia, gato. Estás bem?’

Ele levanta a patinha direita em altura suficiente para que eu o cumprimente com um ‘aperto de mãos’ e olha-me com uma carinha engraçada.
Thomas dá-me suporte. Dá-me alegria. Dá-me companhia e ensina-me a ser paciente, condescendente e, ainda por cima disto tudo, tornou-me extremamente emocional.
Neste momento, está deitado no sofá, 'envelopado' no cobertor, como se fosse uma chamuça de gato, a ouvir música e a dormitar confortavelmente, sem saber que estou a escrever uma homenagem/agradecimento à sua presença nesta casa e na minha vida, sentindo meu coração leve e aquecido, por tê-lo aqui comigo.

Vê-lo assim, faz-me ter certeza que adoptá-lo foi a melhor coisa que eu fiz por nós dois... sem dúvida nenhuma.