- A minha é mais
bonita.
- Sem dúvida.
Foi uma bela escolha.
- É mais
moderna, pelo menos.
- Pois é. Ficou
muito bem-feita mesmo. Um lindo efeito…
Desta vez era eu quem beijava a tatuagem,
estrategicamente gravada, entre as duas covinhas, na parte mais baixa das suas costas.
A pele estava morna e reagiu, quando meus lábios tocaram, de leve, aquele ponto
estratégico, tatuado na base da sua coluna.
- Eu adoro tuas
curvas. Estas duas covinhas são tão sexy… E, agora, há também, este dragão tão
bem feitinho e significativo…
Curvou-se um pouco, como se oferecesse o corpo para
mais bem-vindas demonstrações de carinho.
Aquilo foi como um gatilho, que disparou uma reacção quase involuntária e quase irreversível, mas eu já não me preocupava com
controlo sobre nada, de toda forma. Deitei-me sobre seu corpo, sentindo o
sangue a correr-me, quente e acelerado, nas veias e a encher-me o corpo de
desejo.
- Uhm… O que foi
isso?
Não respondi. Apenas comecei a beijar cada pedacinho
de seu atraente corpo. Encolheu-se quando rocei os lábios atrás da orelha e sua
pele arrepiou-se de imediato. Era minha deixa…
***
- Nossas peles
estão marcadas para sempre.
- Como se fossem
almas gémeas…
- Ahaha! Lá vens
tu, outra vez, com isso…
- Somos
complementares, então.
- Somos pessoas
que gostam de estar uma com a outra e nossos corpos sabem disso. Não é o bastante?
- “Que seja
eterno enquanto dure”?
- Talvez isso seja
suficiente…
Riu-se. Parecia satisfazer-se com aquilo, naquele
momento, pelo menos. Nisto éramos tão diferentes.
Eu sempre tentava manter as coisas sob um descontrolo
controlado. Sabia que nada na vida seria eterno. Sabia que ter muitas
expectativas podia levar a grandes decepções e não queria que aquela “amizade”,
por assim dizer, levasse a nada além das boas coisas, que já tínhamos, embora sentisse
que estava sendo cruel com ambos, enquanto pensasse daquele jeito.
Eu havia perdido um bocado daquele romantismo que alguma
vez tivera. Aquele não era seu caso. Sua cabeça estava sempre nas nuvens, seu
corpo sempre pronto, quando estávamos juntos.
- Deixa-te
levar. Solta-te. Não te reprimas. Não tenhas medo.
E lá ia eu. Levando-me por uma onda de calor, sabia os
riscos do envolvimento. Sabia os riscos da entrega total. Sabia os prazeres que
aquilo trazia… e gostava… mas não ousava admitir em alta voz.
***
- Gostas?
- Gosto.
- Mais para cima,
um pouquinho.
- Aqui?
- Isso.
Examinou-me, cuidadosamente, com olhos oportunamente lascivos,
as faces afogueadas pelo desejo e cantarolou baixinho, junto ao meu ouvido:
“Eu quero ficar
no teu corpo, feito tatuagem”…
Passou os dedos, de leve, sobre o desenho, que havia
sido gravado, e com muita dor, na lateral esquerda da minha cintura. Chegou-se
mais perto e beijou, não só ali, mas em várias outras partes do meu corpo, como
costumava fazer, quando o desejo ultrapassava o controlo.
Nossas tatuagens eram quase casadas. Dois dragões tão dissemelhantes,
com dois significados tão distintos, impressos nas peles de duas pessoas tão diferentes.
Mas, mesmo assim, eram dois dragões: duas figuras da mesma espécie… ou não…
***
- Abraça-me. De
verdade…
- Que houve?
- Shhh.
Seu corpo estava quente, como se fosse brasa acesa. Eu
não tinha ideia do que se passava, por isso limitei-me a ficar ali, sem dizer
palavra alguma, ouvindo sua respiração arquejante e sentindo o coração a bater
forte contra meu peito. Algo parecia estar errado, mas eu não sabia o que era.
- Diz-me o que
se passa.
- Shhh. Fica só assim,
um pouco mais…
Ficamos, o que pareceu-me um tempo interminável,
naquele abraço apertado. Quando, por fim, libertou-me, disse, somente, num
sussurro quase desesperado:
- Faz amor
comigo.
Não respondi, apenas deixei-me levar... completamente…
como um bote insuflável, descendo as corredeiras, sem remos e sem leme.
Avançamos como se uma loucura tivesse tomado conta de
nós. Nossos corpos ardiam como se acometidos por uma febre alta e tivéssemos o
sangue a correr, como lava quente nas nossas veias, pronto a entrar em erupção
a qualquer momento. Procurávamos satisfazer uma sede insaciável, enquanto bebíamos
de um mesmo veneno, ou seu antídoto, misturado erraticamente em nossas bocas e buscávamos
um conforto que não existia. Deixamo-nos tomar pela insanidade que tornava
aquele momento único e intenso, em ondas que iam e vinham dentro de nós, como o
mar a atirar-se nas areias da praia, naquele vai-e-vem ritmado, ora lânguido,
ora enérgico. Navegamos em águas escuras e profundas, como um barco sem
timoneiro, que corre o perigo de arrebentar o casco nos arrecifes e nos afiados
bancos de corais multicoloridos.
Fechei os olhos, tentando conter a aflição que tomava
conta de mim e deixei escapar um grito, como de um animal na floresta, quando
aquela explosão vermelha culminou, de um crescendo de sensações já, então, incontroláveis.
Meu corpo todo convulsionou, em espasmos repetidos.
Teoristas poderiam chamar
aquele momento de “a pequena morte”. Eu chamava de “a grande queda”.
Depois, veio
aquela sensação de abandono e relaxamento. Nossos corpos ficaram inertes por
uns momentos, vencidos pelo cansaço.
Seguiu-se um silêncio, pontilhado, apenas, pelo pulsar
de nossas respirações, que iam voltando ao seu ritmo natural.
Perdi a noção do tempo e mergulhei num sono profundo,
com sonhos coloridos em matizes vibrantes. Sentia que estava com o corpo e a mente
retidos entre o firmamento e a terra… ou entre o céu e o inferno… para quem
acreditasse naquilo.
Quando acordei, estava só. A cama parecia enorme e fria,
apesar do calor lá fora.
Algo parecia fora do sítio. Havia uma atmosfera
estranha e, por um momento, senti-me entristecer. Uma angústia torturava-me o
peito.
Minha boca estava muito seca. Precisava de água fresca.
Levantei-me e fui até a cozinha. Já era noite e havia uma agradável aragem a
entrar pela porta aberta para a varanda. Um movimento do lado de fora chamou
minha atenção. Pousei o copo vazio sobre a pia e fui até lá.
***
- Hey.
- Hey.
Minha voz era quase um sussurro. Meu peito, em
desconforto, quase me fazia berrar de desespero, por alguma razão que eu não
conhecia ainda. Tentei manter a calma.
- Que fazes?
- Penso…
- Atrapalho?
- Claro que não.
Aproximei-me e beijei-lhe as costas e o pescoço, com
suavidade. Rocei os lábios, muito de leve, descendo até a tatuagem, quase
invisível naquela penumbra. Sua pele arrepiou-se e senti o corpo curvar-se na
minha direcção, numa reacção de anuência. Fechei os olhos e inspirei
profundamente.
- Eu adoro teu
cheiro.
- Hmm…
- És um vício…
Tenho a impressão que não posso ficar sem ti.
Virou-se para mim, com o rosto convenientemente escondido
pela penumbra.
- Vou-me embora.
- Como assim? Por
quê?
- Tem que ser.
Tens toda razão. Isso virou um verdadeiro vício. Chego a perder o controlo.
- Mas isso é
bom, não é?
- Não sei. Estou
sufocando. Não posso continuar assim… Preciso de espaço para mim… tenho muito
que pensar…
- Eu não entendo…
- Nem sei se eu
entendo, na verdade… mas tenho que fazer algo… e tem que ser urgentemente… Se
eu ficar, vou-te fazer infeliz…
- Infeliz? Como?
Não respondeu.
Como podia ser infeliz, se tudo o que tinha era aquele
relacionamento? Aquela era minha ideia de felicidade, até o momento, em que
tudo caía por terra, com uma sentença incompreensível e inaceitável por minha
razão.
Olhou-me com um misto de tristeza e expectativa na
expressão.
Fiquei uns minutos, em silêncio, sem saber como reagir.
Não sabia o que pensar. Minha mente buscava razões e mais razões, para
justificar aquela decisão e não conseguia encontrar nenhuma.
- Sei que tenho
que respeitar a tua vontade. Não há nada que eu possa fazer, para mudar isso,
não é mesmo?
- Não. Eu tenho mesmo
que ir.
- Ok, então, mas
isso tudo é muito triste...
- Vamos guardar
lindas recordações, não é mesmo?
- Muitas… Sempre
teremos as nossas tatuagens, vívidas em nossas peles, para trazê-las à memória.
- Os dragões
sempre voltam na Primavera…
- É?
- Uh-hum… Com a
primeira lua cheia...
- Nunca havia
pensado nisso.
Aqueles seus olhos enormes e a ausência de um simples
sorriso eram sinal de uma coisa somente. Já não havia nada mais a ser dito. Aquele
era, definitivamente, um adeus.
***
Quando entrei no estúdio, minha decisão já estava
tomada. Aquela ia ser uma operação angustiante, sob vários pontos de vista.
Quando a agulha do mecanismo começou a perfurar minha pele, reavivando os
pigmentos com a tinta especial, eu senti lágrimas a me brotarem nos olhos e
deixei que caíssem livremente, sabendo que não eram, realmente, devido àquela aflição
física…
A tatuagem foi refeita, mudando um pouco a face do
dragão e acentuando as linhas e cores da figura original. Aquela era uma
pequena mudança, não somente na minha pele, mas era definitiva…
***