sábado, 19 de agosto de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 2)


Leona caminhou até o fundo do corredor e abriu a porta, com cuidado. O homem que lá estava, ocupava-se com o arquivamento dos últimos processos de análises de ADN. Havia muito tempo que não entrava ninguém, além dele e do chefe do laboratório, naquela parte do edifício. O rapaz levantou a cabeça e deparou com a figura conhecida da mulher, sua irmã. Ele falou no idioma oficial daquele mundo, para o Anno Domini de 4697.

- Ora, ora. Que fazes aqui, neste lugar tão pouco frequentado pelo povo das áreas quentes? Deve ser uma coisa muito grave, para ter-te tirado do conforto da tua vida e feito esta deslocação tão incomum.

- Não sejas irónico. As coisas já não são como eram antigamente. Tivemos muitas mudanças, desde que foste tirado de lá. Devias estar agradecido por ter-te poupado a vida.

- Eu nunca te pedi nada. Era melhor ter morrido…

Leona fez que não ouviu aquela última parte e ignorou a ironia do irmão.

- Preciso de tua ajuda. É mesmo sério.

- Deve ser mesmo. Mas não sei se estou disposto a meter-me com teus problemas. Não conte comigo, nem com minha ajuda…

- Em nome do nosso pai…

- Não fale do pai. Ele morreu por tua causa. O que eu passei foi, também, por tua causa. E estar aqui, assim, nesta vida, também é culpa tua, por isso, não envolva o nome do nosso pai nisso e nem peça nada em nome dele. Tu não tens este direito.

- Nós já falamos sobre isso. Eu sei que a impressão que eu deixei foi que fugi, quando era mais útil ao pai, mas não foi isso…

- Eu não quero saber. Podes voltar de onde vieste, que não há nada que ainda reste em mim, que possa ser considerado como vestígio de solidariedade… nem contigo, nem com ninguém. Vá embora daqui.

- Eu não posso ir embora sem dizer-te o que se passa.

- Eu já te disse que não quero ouvir. Vá embora. Eu atravessei o tempo para te salvar e o que eu ganhei com isso? Exílio e desprezo! Achas que eu tenho motivos para te ajudar?

- Salvar-me, matando o homem que eu amava? Essa é a tua ideia de salvação?

- Era a forma de te salvar daquele encantamento, por um homem muito diferente de nós: uma aberração! Eu não me arrependo do que fiz e faria de novo, se necessário fosse…

A mulher ficou pálida e engoliu sua decepção e angústia, em seco. Virou-se e saiu da sala, parando na porta e dizendo, baixo, quase como a justificar-se.

- Ele apresenta a mesma reação que tu tiveste, quando o pai começou a testar as primeiras vacinas em nós… Pensei que pudesses ser solidário com isso, para podermos resolver o caso, mas estava enganada... para variar…

Ela saiu, sem olhar para trás. O homem ficou a olhar o vazio, pensando num tempo que existiu em seu passado e em outra época, em outro lugar e em outra circunstância.

Levantou-se devagar e saiu pelo corredor afora, na direção do laboratório principal. A irmã já não estava à vista.

***

- Já devias saber que não ia ser diferente. O que tu querias que ele fizesse?

- Esperava que, pelo menos, me ouvisse… ou ajudasse a resolver…

- Não é função dele ajudar, nem resolver nenhum problema. Ele está bem onde está. Tem aprendido outras coisas, além do trabalho dele. Nós temos que lidar com isso, sem a ajuda dele ou de quem quer que seja…

- Eu sei disso, agora. Foi um erro estúpido…

- Talvez não. Foi apenas ingenuidade ou, talvez, esperança de resolver as coisas, de uma maneira pouco prática. Esse romantismo já não cabe nessa era e nem nesse lugar… Temos coisas mais prementes a resolver.

A mulher abaixou a cabeça. Reconhecia que estava a ser pouco prática. Admitia, também, que estava a ter um comportamento romântico e pouco adequado. Pensou em como havia chegado a aquele lugar e na pessoa mais importante que passou pela sua vida, além do pai e do irmão. Estava prestes a desabar em lágrimas, mas tinha que ser forte. 

O homenzinho fingiu não perceber que Leona travava uma luta interna. Ela era, agora, uma mulher muito diferente daquela que chegara à aquela época e lugar, há muito tempo atrás.

Respirou fundo e decidiu deixar o assunto com quem podia tratar dele. Era hora de voltar ao seu posto e lugar. Entrou no terminal de transporte e esperou pela abertura do portal. Ainda deu uma última olhada ao chefe dos cientistas, que olhava, sério, para onde estava a desmaterializar-se.

Não percebeu que a porta do laboratório foi aberta, naquele exato momento, e que um homem, muito diferente daquele com quem esteve a falar, entrava na grande sala.

***

Leona chegou à Estação Estelar poucos segundos após partir da Glacial. Estava séria e cansada. A conversa não havia sido nada de acordo com o que tinha pensado e planejado e ela se sentia enganada pela sua própria ingenuidade.

Passados alguns minutos entrava em contacto com os dois cientistas, para reportar sobre o que havia conseguido, como resultado da sua viagem.

Os dois chegaram em poucos minutos. Estavam ansiosos para saber o que havia de novidade, sobre a conversa com o chefe dos cientistas, mas não contavam que teriam que esperar até o relatório ser enviado da Estação Glacial. Haveriam de controlar a aflição, até saberem mais.

Leona não lhes contou tudo o que foi fazer, nem quão mal correu a conversa com o irmão. Resolveu que tinha que manter aquele assunto em família, somente.

Ela sabia, também, que o Supremo iria querer falar com ela… Se não resolvesse aquele assunto logo, não iria ficar em paz… nem dormir… mas não ia conseguir falar com ele naquele momento.

Já era tarde e ela resolveu esperar até o dia seguinte. Teria que pensar no que iria dizer. Naquele caso, talvez fosse melhor falar a verdade… apenas a parte que interessava, obviamente. Já havia-se exposto demais e não queria ouvir nenhuma reprimenda sobre sua atitude ou sua parvoíce.

Embora o Supremo não fosse muito dado a passar sermões, pelo respeito que tinha por ela, bastava um olhar dele, para saber que ela não havia conseguido chegar a bom termo com o irmão e ela teria que manter a frieza diante dele, ou poria outras coisas a perder. Se ele fizesse muitas perguntas, ela não sabia se ia conseguir manter em segredo o teor da conversa que havia tido na Estação.

A mulher, de intensos olhos verdes, dirigiu-se ao seu aposento para tentar descansar. Em sua mente ainda pairava uma dúvida, que não a deixava sossegada.

Como é que, depois de tanto tempo, aquele efeito foi aparecer num clone aleatório, que foi criado na linha normal? De onde viera aquela mutação, após tantas gerações terem sido produzidas?

***

- Eu sei que não é normal. Será que poderá ser revertido? Historicamente sabemos que é possível.

- Sabemos que em humanos normais foi possível. Não sabemos se podemos fazer o mesmo em clones.

- Nós somos cientistas. Temos que tentar.

- Já estamos tentando, Leona. Já estudei, já desenvolvi um protótipo e também já o testei.

- E como ele reagiu?

- Ainda não vi nenhum efeito, mas é cedo. Segundo consta, a cura não foi imediata no organismo humano puro…

- Meu irmão…

- Sim. Ele me está ajudando com isso. Estamos trabalhando juntos desde aquele dia em que vieste… O protótipo da nova vacina foi trabalhado a partir do sangue e ADN dele… Pelo menos sabemos que funcionou com ele, no passado. Se tivermos sorte, o sangue dele já tem anticorpos naturais, desenvolvidos para corrigir o efeito de uma futura ocorrência. Mas já tivemos outra ocorrência reportada do laboratório: outro clone com a mesma reacção…Temos que apressar a solução.

Leona ficou ali, olhando muito séria para o chefe do laboratório. O último comentário não ficou retido em sua perceção. Estava mais preocupada com a informação sobre seu irmão. Não tinha ideia que, afinal, sua conversa com ele havia surtido algum efeito. Ela, que havia saído da Estação com a sensação de impotência, diante da situação, agora sentia-se injusta.

Precisava falar com o irmão e dizer-lhe que estava agradecida. Sentia que devia ter sido mais paciente, confiante e, talvez, mais justa. Ainda havia algo de bom, talvez uma herança do pai, nele, afinal.

Ela saiu do laboratório e dirigiu-se à sala no fundo do corredor. Estava feliz, como há muito tempo não se sentia. Abriu a porta com energia e entrou na sala, com um sorriso nos lábios.

O vazio da sala tomou-a de surpresa. Onde poderia ter ido? O chefe disse que ele estaria na sala, a trabalhar com os arquivos de pesquisa e com as análises do sangue do clone. Mas ele não estava.

Ela voltou, apressada, ao laboratório principal, para falar com o chefe, mas a meio do corredor encontrou o homem, que vinha com uma expressão agitada no semblante. Parecia desconcertado e extremamente preocupado.

- O Décimo-Terceiro clone e as novas vacinas sumiram…

- Meu irmão também…

Os dois se entreolharam. Não precisavam de muito para deduzir o que havia acontecido.

- O que faremos agora?

- Temos que verificar a programação do terminal de transporte. Eles devem ter ido por lá, já que outras rotas seriam facilmente detetáveis….

Os dois entraram na sala de teletransporte e constataram, imediatamente, que os dados de memória do terminal haviam sido apagados, provavelmente de propósito. A programação não estava disponível.

Para poder ter acesso aos dados, teriam que fazer uma solicitação à Central, mas isso iria acarretar uma série de perguntas, gerando procedimentos especiais de segurança.

Leona olhou para o chefe do laboratório e decidiu.

- Temos que saber. Não importa o que isso possa acarretar.

O homem, embora bastante preocupado, acedeu. Era o melhor a fazer.

- Eu vou falar com o Supremo. Ele tem que saber a verdade.

- Isso vai colocar-nos a todos nós em um grande problema. Tu sabes disso.

- Eu sei. Mas precisamos fazer o que é certo. Aliás, foi um erro não ter feito desde o começo. Eu enfrento as consequências, se for necessário…

***

O Supremo deu ordens para verificar o banco de dados imediatamente após ser informado, por Leona, acerca do que havia acontecido. Ele ficou irritado e decepcionado com a atitude tomada por ela e pelos cientistas, mas, agora, tinha que ser prático e agir rápido.

Quando o relatório foi-lhe entregue, ele levantou os olhos, com uma evidente preocupação, estampada no rosto sério e, quase sempre, desprovido de emoções. Suas faces estavam menos pálidas que de costume.

- Eles voltaram ao passado. Isto é muito grave!

- Mas todos sabem que isso é proibido! As consequências podem ser terríveis e irreversíveis…

- E desde quando teu irmão se importa com o que é certo ou errado? Olha esta data. Isto diz alguma coisa?

Leona olhou para o homem com uma expressão preocupada e ficou sem saber o que falar. O Supremo tinha razão. Aquilo era bastante grave e, com certeza, ia ter perigosas consequências. De uma maneira ou de outra, ela se sentia responsável pelo que acontecera. Tinha que remediar a situação urgentemente.

- Eu tenho que ir atrás deles. Tenho que impedir que uma catástrofe aconteça, por causa desta atitude inconsequente.

- Não posso permitir! De jeito nenhum.

- Eu sinto-me responsável pelo que aconteceu. Tenho que tentar, pelo menos. É nossa única hipótese. Se enviarmos outro, ele vai-se defender e tornar-se imprevisível e perigoso. Eu posso, pelo menos, tentar controlar a situação, antes que ele faça algum outro grande erro.

- Ele sempre foi imprevisível, mas talvez tenhas razão. Vamos programar a tua ida, da maneira mais apropriada, mas não terás muito tempo para remediar esta situação. Qualquer minuto em que estiveres no passado será extremamente perigoso para o futuro.

- Eu sei. E estou preparada para isso. É melhor irmos para o terminal de transporte, agora.

sábado, 12 de agosto de 2017

The Thirteenth (Part One)


- This is the thirteenth.

- Thirteenth? I did not think there were so many...

- See this spectacular specimen! It is stronger than the others.

- Should we work better on it? Their useful life is not very long, as far as we know.

- Yes, it's true. But this one seems to have more than the others do. Let's look at it more carefully. It is our responsibility to select only the best of the best and this one seems to be one of them. It will need more careful attention.

- The Supreme must know. Are we calling him or reporting directly?

- Neither. We're not going to do anything yet. We have to be absolutely sure before anything else. If we make a mistake now, the Supreme annihilates us and you know what happens next.

- I know and I do not like the thought of it. But we have to keep this secret just between us. We must separate it from the others or it will be discovered, before we can be sure of anything. It calls too much attention. If someone sees it…

- I have an idea. Let's take him to the Stellar Station. There it will be well analyzed and we will be able to check better all the details before it is ready. I know very well who will take great pleasure in helping us evaluate, investigate some details and even take care of him…err…it, in the meantime.

He looked seriously at the other man, who soon realized who he was speaking of.
- And what do we do with the others?

- The same as always. Soon they will be prepared, but they will have the same use of so many others, that were produced before them.

- We'd better hurry then, before somebody comes in here.

Better wait till everyone leaves. Meanwhile, we segregate these others and send them forward. We cannot arise any suspicions. If we take too long to dispatch them, the others will think there is something wrong happening in here. We must also complete the reports and confirm the count.

- I'll do that, so we can handle the rest of the things later.

- OK. I'm going to close the lab to make sure we have no inconvenient surprises. We'll be back later.

***

The day had begun normally, like every other, in a routine without surprises. The Stellar Station was virtually deactivated, with just a few features still working and had not been visited by many people so often, so it was easy for the two scientists to go unsuspected.

The Thirteenth was safe. They did not know for how long, however. They had to be steadfast before presenting it to the Supreme, or they knew they could be sent to one of the least significant lines. 

They had reached their positions within the structure because they were wise. They also knew that others before them, who had gone wrong in the selection, had been forgotten in the Glacial Station, on the other side of the planet, where the anomalies were studied and the vaccines for the next generations developed. Although it was an important job in the application, the conditions were restricted and uncomfortable. It was a rather cruel fate with a very short prospect for the future. It was the reward for the errors. A second error would be punished more severely.

The Supreme was rigid and devoid of feelings. Things had to work perfectly. As in a vintage wine, the selection was very judicious. Only the best could be sent to him, who would then approve, classify and define their destinies.

The two of them came together and went straight to the depressurizing room. After changing their uniforms for sterilized clothing, they went to the Council room where their hostess was awaiting. She received them with evident satisfaction.

- Well? What do you say about it?

- He's practically perfect. I've never seen one so well done and vigorous.

- Then we got it right. We can take him to the Supreme.

- You were right, yes. But there is a small, but workable, problem.

- Small…?

- Problem…?

They both looked at the woman, who smiled at them and as she got up, she asked them to accompany her.

***

- Workable? How can this be a workable problem? We will be damned...

- Calm down. I said it was workable, did not say he was presentable to the Supreme.

- And now? What will we do? If we are discovered, we will be in a dreadful trouble!

-
Dreadful? Is that word still used?

The man laughed. The other looked confused. He had no idea where the colleague had taken that term from and was not going to ask. He was more concerned with how to solve their little “workable” problem.

The woman, with deep green eyes, spoke before being asked.

- We must get him out of this station, before anyone finds out we have him here. It will not be easy to hide him for long.

- And where can we take it to? We do not have many alternatives.

- Him… He’s not a thing… We have but a few alternatives. One is the Glacial Station. Someone who is there owes me a big favor.

- Oh. No. We cannot accept it.

- And what are you going to do? Take him to the Supreme? Leave him here?

- It's a very high risk. And we will not have guarantees that we will be successful.

- Let me handle this. He can never be brought back here, anyway, unless we find a way to sort this out. I’ll speak to the Supreme.

The two men did not know what to say. The woman had put them in check and they had no better alternatives.

***

- I cannot accept that, Leona. You know he's unpredictable and no less dangerous.

- He's my brother. I spared his life in the face of a crime punishable by death… or, at least, a life sentence. He will not hurt me. I need to talk to him.

- We have not heard of him in years... Why the urgency now?

- It's a personal reason.

- However personal it may be, he must not be brought back here.

- I will not bring him back here.

The Supreme did not like the idea, but he had a lot of respect and affection for the woman. He knew she was coherent and very responsible. He had endured her decisions and spared the life of her brother, who had murdered her lover, in front of her. He was sent to the Glacial Station, along with the scientists, who developed the vaccines created from the development of a prototype studied by their father.

- You know I do not like this idea at all. If anything happens to you, I'll be responsible.

- No. I'll be the only one to blame. I'm going to prepare for the transport.

Leona took the experiment with her and went where she was meant to solve the small problem, which was caused by another small problem. At the Glacial Station's transportation terminal, the alarm went off, announcing the arrival of visitors. A man with very deep blue eyes approached the room and waited a couple of seconds to see the woman he knew well materialize. Only she was not alone.

- Leona! What a great surprise! What good winds bring you here?

The chief scientist was still the same as he had been when he was in the main building. It had been his choice to move to the Glacial Station, so he would have time, distance from problems and inadequate questions, as well as space for his research, development and production of the vaccines.

Besides the young scientists who came with him, he had, under his wing, some workers brought from the cloning center and, to his agony, the only outcast he knew in that world. 

The man at the Station, by exile, was very different from the other individuals of that base and time. He seemed completely out of context and functions. But at least he was alive. The chief scientist kept him under constant surveillance, but the initial rebellion behavior had diminished over time. The man seemed much calmer than when he had been sent to the base and had adapted to the duties assigned to him. As time went on, he achieved the level of trust and confidence necessary to work in the logistics of shipping and storing the vaccines for the inhabited stations.

The chief scientist turned off the power field at the transport terminal and stepped forward.

- I see you brought someone over.

Leona smiled and greeted him, but there seemed to have a cloud upon her head and face.

- Look at this specimen. We first thought he was the most perfect sampling to be proud of, but look at this.

- Ah! I see.

- We could not take him to the Supreme, until we were absolute sure he was presentable and now we can no longer do it for this obvious reason. And leaving him there would be the same as admitting we had made a big mistake.

- And what can we do?

- I hoped you could help me decide. I have an idea and I need your help to put it into practice.

***

- I cannot accept it, Leona. It's very dangerous.

- But it's our only option… besides...

-The chief scientist's eyes widened. He could not admit the other alternative. He was trapped. Either he accepted one thing or another. In any case he was in check.

- I cannot take care of him. I have too much work to do. I'll have to find a way...

- I think that might be easy to deal with. The logistics manager owes me a favor.

- Oh. No. No. No.

The little man was afraid of the consequences. He could not accept such a responsibility.

- Let me handle this.

- Leona, that's very risky. If anything happens, we'll be both responsible.

- I know. But what can happen? We are dealing with something that does not exist, after all...

The man looked at the visitor with a little concern. She seemed too cold in the face of that problem. That was not the Leona he knew.

For some reason it seemed to him that there was something behind that mystery. He just hoped it was not a problem for him and his future at the Station. He considered his work and his position with great appreciation. He was not at the Glacial Station because he was banned or because of demerit, but by choice. The legacy of Leona's father, which had been improved throughout the ages, was his greatest pride. He was living proof that the vaccine was effective. 

And so was she.

The scientist, Leona and her brother, before all the others, have been the ones to test new versions of the vaccines voluntarily...

Now there was a mutation... a problem to be studied; a riddle he still did not know how to solve.

The old scientist looked at the clone and set it on the laboratory table. He unwrapped it completely from the sheet that housed it and said.

- Let us then try to unravel this mystery.

Leona smiled and said she was going to see her brother. She had things to deal with. She knew there was another alternative, but it was not time to mention it.

The old scientist came and went back to the object of his attention. He was no longer interested in the conversation Leona was going to have with her brother.

- So, my boy, how did this happen to you? Was it a side effect of the medications in your body?

The pale creature looked at the little man with quiet eyes and almost no expression shown on his face. The man began to examine the experiment and decided to take blood samples to analyze the mutations in his DNA. Before making any decision, he had to know what he was dealing with.

On the other side of the building, at the end of a long corridor, Leona had a very firm idea in mind, hoping it would work properly...


sábado, 5 de agosto de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 1)


- Esse é o décimo-terceiro.

- Décimo-terceiro? Não pensei que houvessem sobrevivido tantos…

- Veja que espécime espetacular! Ele é mais forte que os outros.

- Será que devemos trabalhar melhor nele? A vida útil deles não é muito longa.

- Sim, é verdade. Mas este parece ter mais que os outros. Vamos analisar com mais cuidado. É nossa responsabilidade selecionar somente os melhores dos melhores. Este parece ser um deles.

- O Supremo tem que saber. Vamos chamá-lo ou reportar diretamente?

- Ainda não vamos fazer nem uma coisa, nem outra. Temos que ter algumas certezas antes. Se nós errarmos, o Supremo nos massacra e sabes o que acontece depois.

- Sei e não gosto do pensamento. Mas temos que manter este segredo entre nós. Temos que separá-lo dos outros ou ele será descoberto, antes que possamos ter todas as certezas.

- Tive uma ideia. Vamos levá-lo para a Estação Estelar. Lá, ele será bem analisado e teremos condições de verificar melhor todos os detalhes, até que esteja pronto. Sei bem quem terá o máximo prazer em nos ajudar a avaliar, investigar alguns detalhes e, até, cuidar dele, entrementes.

Ele olhou sério para o outro, que logo percebeu de quem se falava.

- E o que fazemos com os outros?

- O mesmo de sempre. Logo estarão preparados, mas terão o mesmo uso de tantos outros, que foram produzidos antes deles.

- Melhor nos apressarmos, então, antes que alguém chegue.

- Não. Melhor esperar até todos saírem. Enquanto isso, segregamos estes outros e os mandamos para a frente. Não podemos levantar suspeitas. Se demorarmos demais a despachá-los, os outros desconfiarão. Temos, ainda, que preencher os relatórios e confirmar a contagem.

- Já vou fazer isso, para poder tratar do resto, em seguida.

- OK. Vou fechar o laboratório, para garantir que não teremos surpresas. Voltamos depois.

***

O dia havia começado normalmente, como todos os outros, de uma rotina sem surpresas. A Estação Estelar estava praticamente desativada, com poucas funcionalidades ainda a trabalhar e não era visitada pelos cientistas, tão frequentemente, por isso era fácil para os dois passarem insuspeitos.

O décimo-terceiro estava a salvo. Não se sabia por quanto tempo. Eles tinham que ter toda a firmeza, antes de apresentá-lo ao Supremo, ou sabiam que poderiam ser mandados para uma das linhas de menor valor. Eles haviam atingido suas posições dentro da estrutura, por serem sensatos e sabiam que outros, antes deles, que erraram na seleção, haviam sido esquecidos na estação glacial, do outro lado do planeta, onde as anomalias eram estudadas e as vacinas para as próximas gerações criadas. Apesar de ser um trabalho importante na aplicação, as condições eram restritas e pouco confortáveis. Era um destino um tanto cruel e com uma previsão de futuro muito reduzida. Era a recompensa pelo erro. Um segundo erro seria punido com mais rigor.

O Supremo era rígido e desprovido de demonstrações de sentimentos. As coisas tinham que trabalhar na perfeição. Como num vinho de safra espetacular, um vintage, a seleção era muito criteriosa. Somente os melhores poderiam ser enviados a ele, que os aprovava, classificava e definia seus destinos.

Os dois chegaram juntos e foram diretamente até a sala de despressurização. Após trocarem os uniformes por roupas esterilizadas, foram até a sala do Conselho, onde sua anfitriã já esperava. Ela os recebeu com satisfação evidente.

- Então?

- Ele é praticamente perfeito. Nunca vi nenhum tão bem feito e vigoroso.

- Então acertamos. Já podemos levá-lo ao Supremo.

- Acertaram, sim. Mas há um pequeno, porém contornável, problema.

- Pequeno…?

- Problema…?

Os dois olharam a mulher, que sorriu-lhes e levantando-se, pediu-lhes que a acompanhassem.

***

- Contornável? Como pode ser este um problema contornável? Nós seremos condenados…

- Calma. Eu disse que era contornável, não disse que ele era apresentável ao Supremo.

- E agora? O que faremos? Se formos descobertos, estaremos em uma grande alhada!

- Alhada? Ainda se usa essa palavra?

O homem riu. O outro exibia uma expressão confusa. Não tinha a mínima ideia de onde o colega havia tirado aquele termo e nem ia perguntar. Estava mais preocupado em como resolver o pequeno problema.

A mulher, de olhos profundamente verdes, falou, antes de ser perguntada.

- Temos que tirá-lo desta estação, antes que alguém descubra que o temos aqui. Não vai ser fácil escondê-lo por muito tempo.

- E para onde podemos levá-lo. Não temos muitas alternativas.

- Temos umas poucas. Uma delas é a Estação Glacial. Alguém que está lá deve-me um favor bem grande.

- Oh. Não. Não podemos aceitar.

- E vão fazer o quê? Levá-lo ao Supremo? Deixá-lo cá?

- É um risco muito grande. E não teremos garantias se seremos bem-sucedidos.

- Deixem que eu trate disso. De todas as formas, ele nunca poderá ser trazido de volta para cá… pelo menos até resolvermos isso. Eu mesma falo com o Supremo.

Os dois homens ficaram sem saber o que dizer. A mulher os havia colocado em xeque e eles não tinham alternativas melhores.

***

- Não posso aceitar isso, Leona. Tu sabes que ele é imprevisível e não menos perigoso.

- Ele é meu irmão. Poupei-lhe a vida diante de um crime punível com a morte ou prisão pela eternidade. Ele não me fará mal. Eu preciso falar com ele.

- Não temos ouvido falar dele há anos… Por que essa urgência agora?

- É um motivo pessoal.

- Por mais pessoal que seja, ele não poderá ser trazido para cá.

- Eu não o trarei. Prometo.

O Supremo não gostava da ideia, mas tinha muito respeito e carinho pela mulher. Sabia que ela era coerente e muito responsável. Ele havia suportado as decisões dela e poupado a vida do irmão, que assassinara seu amante, bem à sua frente. O assassino fora enviado para a Estação Glacial, distante de todos, junto apenas dos cientistas que desenvolviam as vacinas, criadas a partir do desenvolvimento de um protótipo estudado pelo pai deles.

- Fique sabendo que eu não gosto desta ideia. Se te acontecer algo, eu serei responsável.

- Não. Eu serei a única responsável. Vou-me preparar para o transporte.

***

Leona tomou-o consigo e partiu para onde estava destinada, com o intuito de resolver o pequeno problema, gerado por outro pequeno problema. No terminal de transporte da Estação Glacial, o alarme disparou, anunciando a chegada de visitantes. Um homenzinho de olhos azuis muito intensos aproximou-se da sala e esperou um par de segundos a ver a mulher conhecida materializar-se. Só que ela não estava sozinha.

- Leona! Que bela surpresa! Que bons ventos a trazem?

O chefe dos cientistas continuava o mesmo de tempos atrás, quando ainda estava no edifício Principal. Havia sido sua opção a mudança para a Estação Glacial, pois assim teria tempo, distância de problemas e perguntas inadequadas e, ainda, espaço para as suas pesquisas, desenvolvimento e produção das vacinas. Além dos cientistas novos, que vieram consigo, ele tinha, sob sua alçada, alguns operários trazidos do centro de clonagem e, para sua agonia, o único exilado daquele mundo que ele conhecia.

O homem que estava na Estação, por exílio, era muito diferente dos outros indivíduos daquela base e tempo. Parecia completamente fora de contexto e funções. Mas, pelo menos estava vivo. O chefe dos cientistas mantinha-o sob constante vigilância, mas a rebeldia inicial havia diminuído com o passar dos tempos. O homem parecia muito mais calmo do que quando haviam-no enviado para a base e havia-se adaptado às funções que lhe haviam sido atribuídas. Com o tempo, ganhou confiança e tratava da Logística de envio e armazenagem das vacinas para as estações habitadas.

O chefe dos cientistas desligou o campo de força do terminal de transporte e adiantou-se.

- Vejo que trouxeste algo.

- Veja este espécime. Primeiramente pensávamos que era o mais perfeito e digno de orgulho da amostragem, mas veja isto.

- Ah! Já percebi.

- Não podíamos apresentá-lo ao Supremo, até termos certeza absoluta e, agora, já não podemos fazê-lo, pelas razões óbvias. E deixá-lo lá seria o mesmo que admitir que cometemos um grande erro.

- E o que podemos fazer?

- Esperava que pudesse ajudar-me a decidir. Tenho uma ideia e preciso de sua ajuda para colocá-la em prática.

***

- Não posso aceitar, Leona. É um perigo muito grande.

- Mas é nossa única opção, além de…

O chefe dos cientistas arregalou os olhos azuis. Não poderia admitir a outra alternativa. Estava encurralado. Ou aceitava uma coisa ou outra e em ambos os casos, estava em xeque.

- Eu não tenho como cuidar dele. Vou ter que arranjar um meio…

- Acredito que isso poderá ser fácil de tratar. O responsável pela Logística me deve um favor.

- Oh. Não. Não. Não…

O homenzinho tinha receio das consequências. Não podia aceitar uma responsabilidade daquelas.

- Deixe que eu trato disso.

- Leona, isso é um risco muito grande. Se acontecer alguma coisa, seremos ambos responsáveis.

- Eu sei. Mas o que pode acontecer? A princípio estamos lidando com algo que não existe…

O homem olhou a visitante com um pouco de preocupação. Ela parecia fria demais, diante do problema. Não era a Leona que ele conhecia.

Por algum motivo, pareceu-lhe que havia algo por trás daquele mistério todo. Só esperava que não fosse um pequeno-grande problema para si e para o seu futuro na Estação. Considerava seu trabalho e sua posição com grande apreço.

Ele não estava na Estação Glacial por haver sido banido ou por desmérito e, sim, por opção. O legado do pai de Leona, que vinha sendo melhorado através dos tempos, era seu maior orgulho. Ele era a prova viva de que a vacina era eficaz. Ela também.

Ele, Leona e o irmão, antes de todos os outros, usavam as novas versões das vacinas, voluntariamente…

Agora, havia uma mutação… um problema a ser estudado; um enigma que ele ainda não sabia como resolver.

O velho cientista olhou o clone e colocou-o sobre a mesa do laboratório. Desembrulhou-o completamente do lençol que o abrigava e disse:

- Vamos então tentar desvendar este mistério.

Leona sorriu e disse que ia ver o irmão. Tinha coisas a tratar. Ela sabia que havia uma outra alternativa, mas ainda não era a hora de mencioná-la.

O velho cientista acedeu e voltou ao objeto de sua atenção. Já não estava mais interessado na conversa que Leona ia ter com o irmão.

- Então, meu rapaz, como é que isso foi acontecer contigo? Será que foi efeito dos medicamentos sobre o corpo?

O pálido ser olhou o homenzinho, com olhos tranquilos. O homem começou a examinar o experimento e resolveu colher amostras de sangue para analisar as mutações em seu ADN. Antes de tomar qualquer decisão, precisava saber com o que estava lidando.

Do outro lado do edifício, no fim de um longo corredor, Leona tinha uma ideia muito firme em mente…