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sábado, 2 de setembro de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 3)


Era tarde da noite, no subúrbio da cidade. As silhuetas de duas pessoas, com aparências muito dissimilares, moviam-se em meio às sombras, por entre as ruelas e os becos. Algumas pessoas ainda caminhavam na rua, outras conversavam alegremente, dentro dos bares e restaurantes. Estava uma perfeita noite de Outono, sem ser fria e até bastante agradável. Ao homem mais forte, aquela temperatura era ideal, porém o seu companheiro estava desconfortável, sentindo seu corpo pálido e frágil tremer de frio.

- Vamos por ali. Não devemos estar longe, agora. Só espero não dar um susto demasiadamente grande ao velho.

O outro olhou para ele, sem perceber muito bem o que aquilo, realmente, significava e continuou seguindo ao seu lado, por trás de uma grande casa, que cobria um quarteirão inteiro, na parte mais afastada da vila. Atrás dela, havia um parque com brinquedos e, depois, um grande pátio.

Quando atravessavam uma área bastante arborizada, o movimento que fizeram para afastar os galhos das árvores provocou um efeito surpreendente em alguns dos moradores temporários do bosque. Um farfalhar colorido impressionou o clone, mas irritou o homem que o conduzia, por aqueles caminhos obscuros, na noite fresca de Outono.

- Oh! O que é isso?

- São borboletas. Monarcas, mais especificamente…

- Que interessante… São tão…

Faltaram-lhe palavras. Não conseguia, com seu pouco tempo de vida, dizer o que sentia, em relação à beleza, uma das poucas coisas que o impressionaram.

- … irritantes, quando voam assim à nossa volta. Não devemos fazer muitos movimentos, pois qualquer coisa pode levantar suspeitas e nos colocar em perigo. Temos que manter nossa presença a mais discreta possível.

O clone olhou o homem, que se irritava com tamanha beleza e não compreendeu a razão dele não apreciar aquele momento incomum. O rapaz puxou-o pelo braço, sussurrando, irritado.

- Vamos! Cada minuto que perdermos é precioso demais e vai-nos fazer falta. Ainda vais saber mais sobre as Monarcas, se tiveres tempo… Agora vamos!

Chegarem, finalmente, à entrada de um túnel, escondida na parte de baixo de um edifício. Dali, após passarem por outra série de túneis, emaranhados numa rede bastante intrincada, chegaram, finalmente, a um pequeno e velho galpão, construído nas traseiras de uma casa comum.

Uma luz acesa mostrava que havia alguém dentro da casa. Os dois tiveram o cuidado de manter-se nas sombras, até que tivessem certeza que ninguém os via. O silêncio deu-lhes a certeza que não havia perigo. Os dois avançaram e foram até a porta. O homem mais forte deu uma batida na porta, com os nós dos dedos. Depois, uma parada e, a seguir, duas outras batidas, seguidas de um curto espaço. Era o código que havia sido combinado. Ao ouvir o som de passos, no lado de dentro, ele sentiu uma apreensão esquisita.

Um homem de meia-idade abriu a porta, mas sua expressão logo mudou, para um misto de preocupação e medo. O que aqueles dois estranhos faziam ali à sua porta, usando o código combinado, era uma incógnita. O homem mais forte lembrava-lhe alguém conhecido, mas ele não conseguia saber quem.

- Em que posso ajudá-los?

O homem mantinha a porta meio aberta, tentando controlar a situação. Percebia que estava em desvantagem, mas tinha que tentar intimidar os visitantes, que mantinham-se, um pouco, à sombra da noite.

- Podemos entrar? É importante.

- Não. Não podem, sem dizer-me quem são e o que querem.

 O rapaz avançou um passo e o homem agarrou a porta, tentado fechá-la, antes que perdesse o controlo, mas sua força nem se comparava à daquele jovem.

- Pai?

O homem arregalou os olhos. Não contava com aquela. Ele não tinha nenhum filho daquela idade, com certeza absoluta. Os olhos do rapaz, porém, quando foram atingidos pela luz de dentro da casa, mostraram-se tão verdes quanto os do filho, mas ele refutou aquela característica comum, de imediato.

- Meu filho é mais jovem e eu tenho certeza absoluta que nunca tive outro. Não sei quem tu és e nem o que tu queres, mas não vais conseguir nada comigo.

- Eu sei que parece inacreditável, mas se eu puder explicar… Deixa-nos entrar, por favor. Todos nós corremos perigo.

O homem ficou muito sério. O rapaz tentou uma última cartada.

- Olha isso! Acreditas em mim, agora?

O homem puxou a porta, abrindo-a com cuidado, de modo a deixar os dois visitantes entrarem. Até então, mal havia notado as características do homenzinho, que ele agora observava, com cuidado. Ele era extremamente pálido, jovem, muito longilíneo e parecia ter a cabeça desproporcionalmente maior do que aqueles com quem ele costumava estar. Sua pele parecia muito fina. Os olhos verdes faziam-no lembrar de alguém, mas ele não percebeu bem, no início. Estava, agora, mais ocupado em poder examinar a anomalia que o outro mostrou naquele ser estranho e que ele já havia visto antes, em seu próprio filho.

- Como isso pode ser possível?

- Eu acredito que a resposta esteja aqui, neste tempo. Por isso precisamos de sua ajuda.

Os três voltaram-se para um ponto na sombra, atrás do velho homem, de onde veio a voz feminina.

- Leona? O que aconteceu contigo? Estás tão diferente…

- Todos nós estamos, pai, mas…

- Tu não devias ter vindo.

- E deixar-te causar uma catástrofe? Este teu comportamento intempestivo já nos colocou em problemas… Nós temos que interferir o mínimo possível com este tempo e lugar. Tudo o que nós fizermos aqui, vai interferir naquele mundo, com toda certeza.

- Que mundo? Alguém pode explicar-me esta confusão toda?

Antes que o irmão começasse com verdades impróprias, Leona adiantou-se. Ela teve mais cuidado em usar as palavras e dizer apenas o que não fosse mudar, muito, o curso dos acontecimentos, mas o pai tinha que saber o que aconteceu… ou ia acontecer…

O cientista ouviu, calado, mas não sem deixar de impressionar-se.  Nunca iria imaginar quão importantes suas pesquisas se tornariam no futuro. Na sua modéstia e simplicidade, por trás de toda a genialidade, ele não anteviu que seu trabalho traria tanto benefício à humanidade… ou pelo menos à uma parcela dela…

***

- Pai, o chefe dos cientistas, que é um homem muito experiente e competente, não conseguiu descobrir o que causou aquela anomalia no clone. A preocupação é que ela seja grave e que coloque em risco uma boa parte dos que vierem a nascer, como se fosse uma epidemia, difícil de controlar. Algum elemento na vacina deixou de fazer efeito, ou houve uma mutação qualquer.

- Eu trouxe uma amostra da nova vacina, que está em teste, para analisar. Quando aconteceu comigo, como foi que o pai reverteu o efeito? Não foi encontrada nenhuma anotação sobre isso nos dados de registos existentes no futuro.

- Eu sei. Eu nunca deixei nada disso escrito nos registos oficiais. Fiz apenas umas poucas anotações no meu diário, que mantenho longe das vistas de todos. Mas eu sei o que fazer… Não faz tanto tempo assim que eu lidei com isso. Mas vamos ter que ir ao laboratório da Universidade, fazer uns testes. Nós já havíamos eliminado a… err… Não sei se vai resultar com um clone, cujo ADN já deve ter sofrido muitas mutações, nem sei que tipos de reações podem ocorrer, mas temos que tentar.

Antes de saírem, porém, o homem olhou os três visitantes e, franzindo o cenho, perguntou, com ingenuidade de criança.

- Para que são criados os clones, afinal?

Os três olharam para o velho cientista, como se ele tivesse dito um impropério. Leona riu, com ternura e disse-lhe:

- Eu tento explicar a caminho…

***

- O que é isso? É tão agradável…

- É música. Vamos.

- De onde vem?

- Ora, vamos! Depressa! Não temos tempo para isso.

O pai, bem mais paciente que o filho, tentou explicar de uma maneira mais ou menos coerente:

- A música é a linguagem com a qual as almas dos homens conversam com as dos deuses. Ela é capaz de tocar o mais intangível ser. Existem muitas formas e muitos estilos diferentes. Essa, que tu ouves, é de um artista famoso, que já não caminha nesta terra.

- Não? Onde ele caminha, agora?

- Está morto. Chamava-se David Bowie. Vem do bar do clube ali na frente, mas devemos evitar passar por lá. Não podemos levantar suspeitas…

- Temos que arranjar um nome para ti. Se alguém nos abordar, será a maneira mais conveniente… e apropriada. Não devemos correr riscos desnecessários.

- Eu sou o Décimo-Terceiro.

- Mas isso não é um nome decente, para este lugar. Temos que arranjar outro; mais comum e adequado…

- Pode ser David Bowie?

Leona riu alto.

- Pode ser David. Esquece o Bowie. Vai levantar mais suspeitas, se for usado aqui.

***

O campus da universidade estava praticamente deserto, quando eles chegaram. Havia, na entrada, uma carrinha branca, parada, próximo à área de pesquisa, onde o laboratório ficava localizado. As letras N. M. E., pintadas em vermelho, nas laterais, não levantaram suspeitas, quando os quatro personagens desceram o lance de escadas, que os levava ao seu destino. Assim que o cientista tirou a chave do bolso e girou na fechadura da estreita porta metálica, ouviu-se um silvo e uma marca profunda ficou gravada acima de sua cabeça, no duro metal, pintado de cinza claro. Eles se jogaram para dentro, fechando a porta, em seguida, para ganhar tempo, e foram, correndo, para o Laboratório Principal.

- Quem são esses? Estamos a ser atacados por armas de fogo. Temos que fugir e tentar chegar de volta ao terminal. Vamos todos. Corram!

Ao entrar no laboratório, apressaram-se a arrastar um grande armário e bloquear a porta.

- Temos que usar a saída de emergência, que fica no fundo do laboratório. Vou mostrar-lhes o caminho. Vocês apressem-se, depois que passarem e vão em frente, até o fim do corredor. Entrem pela porta onde está escrito “Para o telhado” e, ao invés de subir, passem por baixo das escadas. Há uma outra porta lá, no fundo do depósito de vassouras e materiais de limpeza, pintada da mesma cor das paredes, para dificultar ser encontrada. Eu tenho que pegar minhas anotações.

Naquele momento ouviram um grande estrondo. A porta da frente havia sido arrombada com explosivos. Os sons de passos, a correrem pelo corredor, muito próximo deles, fê-los entrar em pânico e imaginarem um apressado plano de fuga.

- Não há tempo para voltar. Temos que sair daqui, o quanto antes. Eles já estão vindo atrás de nós…

- Mas é extremamente importante… está mesmo na gaveta da escrivaninha…

O rapaz sabia que o pai tinha razão. Era extremamente importante buscar as informações, para cumprir o objetivo da viagem no tempo, que acabaram por fazer. Sem pensar muito, ele dispôs:

- Eu volto. Sou mais rápido e mais forte. Posso defender-me melhor e, além do mais, quando chegarmos ao terminal, não podemos voltar os quatro, ao mesmo tempo. A programação estará feita para três, somente…

- Nós podemos mudar a programação.

- Se tivermos tempo… Melhor nos apressarmos. Eu saio e, depois, volto pela frente. Não esperem por mim. Deixem, que eu dou um jeito. Se o portal não estiver aberto, eu espero por um sinal.

- Nós mandamos um, assim que chegarmos, programando o terminal para um passageiro, somente… Assim, ele fecha quando tu passares e não trazemos mais perigo junto connosco.

- OK. Agora, vamo-nos separar.

Leona sentiu um aperto no peito. As coisas haviam saído fora do controlo. Toda a operação ficara arriscada demais e, agora, lutavam por manter-se vivos. Eles tinham a dianteira e sabiam o caminho, mas tinham que ser rápidos e insuspeitos, até atingir o terminal.

Ouviram uma série de tiros. Que forma mais eficiente e perigosa de apressar as coisas e os passos…

sábado, 19 de agosto de 2017

O Décimo-Terceiro (Parte 2)


Leona caminhou até o fundo do corredor e abriu a porta, com cuidado. O homem que lá estava, ocupava-se com o arquivamento dos últimos processos de análises de ADN. Havia muito tempo que não entrava ninguém, além dele e do chefe do laboratório, naquela parte do edifício. O rapaz levantou a cabeça e deparou com a figura conhecida da mulher, sua irmã. Ele falou no idioma oficial daquele mundo, para o Anno Domini de 4697.

- Ora, ora. Que fazes aqui, neste lugar tão pouco frequentado pelo povo das áreas quentes? Deve ser uma coisa muito grave, para ter-te tirado do conforto da tua vida e feito esta deslocação tão incomum.

- Não sejas irónico. As coisas já não são como eram antigamente. Tivemos muitas mudanças, desde que foste tirado de lá. Devias estar agradecido por ter-te poupado a vida.

- Eu nunca te pedi nada. Era melhor ter morrido…

Leona fez que não ouviu aquela última parte e ignorou a ironia do irmão.

- Preciso de tua ajuda. É mesmo sério.

- Deve ser mesmo. Mas não sei se estou disposto a meter-me com teus problemas. Não conte comigo, nem com minha ajuda…

- Em nome do nosso pai…

- Não fale do pai. Ele morreu por tua causa. O que eu passei foi, também, por tua causa. E estar aqui, assim, nesta vida, também é culpa tua, por isso, não envolva o nome do nosso pai nisso e nem peça nada em nome dele. Tu não tens este direito.

- Nós já falamos sobre isso. Eu sei que a impressão que eu deixei foi que fugi, quando era mais útil ao pai, mas não foi isso…

- Eu não quero saber. Podes voltar de onde vieste, que não há nada que ainda reste em mim, que possa ser considerado como vestígio de solidariedade… nem contigo, nem com ninguém. Vá embora daqui.

- Eu não posso ir embora sem dizer-te o que se passa.

- Eu já te disse que não quero ouvir. Vá embora. Eu atravessei o tempo para te salvar e o que eu ganhei com isso? Exílio e desprezo! Achas que eu tenho motivos para te ajudar?

- Salvar-me, matando o homem que eu amava? Essa é a tua ideia de salvação?

- Era a forma de te salvar daquele encantamento, por um homem muito diferente de nós: uma aberração! Eu não me arrependo do que fiz e faria de novo, se necessário fosse…

A mulher ficou pálida e engoliu sua decepção e angústia, em seco. Virou-se e saiu da sala, parando na porta e dizendo, baixo, quase como a justificar-se.

- Ele apresenta a mesma reação que tu tiveste, quando o pai começou a testar as primeiras vacinas em nós… Pensei que pudesses ser solidário com isso, para podermos resolver o caso, mas estava enganada... para variar…

Ela saiu, sem olhar para trás. O homem ficou a olhar o vazio, pensando num tempo que existiu em seu passado e em outra época, em outro lugar e em outra circunstância.

Levantou-se devagar e saiu pelo corredor afora, na direção do laboratório principal. A irmã já não estava à vista.

***

- Já devias saber que não ia ser diferente. O que tu querias que ele fizesse?

- Esperava que, pelo menos, me ouvisse… ou ajudasse a resolver…

- Não é função dele ajudar, nem resolver nenhum problema. Ele está bem onde está. Tem aprendido outras coisas, além do trabalho dele. Nós temos que lidar com isso, sem a ajuda dele ou de quem quer que seja…

- Eu sei disso, agora. Foi um erro estúpido…

- Talvez não. Foi apenas ingenuidade ou, talvez, esperança de resolver as coisas, de uma maneira pouco prática. Esse romantismo já não cabe nessa era e nem nesse lugar… Temos coisas mais prementes a resolver.

A mulher abaixou a cabeça. Reconhecia que estava a ser pouco prática. Admitia, também, que estava a ter um comportamento romântico e pouco adequado. Pensou em como havia chegado a aquele lugar e na pessoa mais importante que passou pela sua vida, além do pai e do irmão. Estava prestes a desabar em lágrimas, mas tinha que ser forte. 

O homenzinho fingiu não perceber que Leona travava uma luta interna. Ela era, agora, uma mulher muito diferente daquela que chegara à aquela época e lugar, há muito tempo atrás.

Respirou fundo e decidiu deixar o assunto com quem podia tratar dele. Era hora de voltar ao seu posto e lugar. Entrou no terminal de transporte e esperou pela abertura do portal. Ainda deu uma última olhada ao chefe dos cientistas, que olhava, sério, para onde estava a desmaterializar-se.

Não percebeu que a porta do laboratório foi aberta, naquele exato momento, e que um homem, muito diferente daquele com quem esteve a falar, entrava na grande sala.

***

Leona chegou à Estação Estelar poucos segundos após partir da Glacial. Estava séria e cansada. A conversa não havia sido nada de acordo com o que tinha pensado e planejado e ela se sentia enganada pela sua própria ingenuidade.

Passados alguns minutos entrava em contacto com os dois cientistas, para reportar sobre o que havia conseguido, como resultado da sua viagem.

Os dois chegaram em poucos minutos. Estavam ansiosos para saber o que havia de novidade, sobre a conversa com o chefe dos cientistas, mas não contavam que teriam que esperar até o relatório ser enviado da Estação Glacial. Haveriam de controlar a aflição, até saberem mais.

Leona não lhes contou tudo o que foi fazer, nem quão mal correu a conversa com o irmão. Resolveu que tinha que manter aquele assunto em família, somente.

Ela sabia, também, que o Supremo iria querer falar com ela… Se não resolvesse aquele assunto logo, não iria ficar em paz… nem dormir… mas não ia conseguir falar com ele naquele momento.

Já era tarde e ela resolveu esperar até o dia seguinte. Teria que pensar no que iria dizer. Naquele caso, talvez fosse melhor falar a verdade… apenas a parte que interessava, obviamente. Já havia-se exposto demais e não queria ouvir nenhuma reprimenda sobre sua atitude ou sua parvoíce.

Embora o Supremo não fosse muito dado a passar sermões, pelo respeito que tinha por ela, bastava um olhar dele, para saber que ela não havia conseguido chegar a bom termo com o irmão e ela teria que manter a frieza diante dele, ou poria outras coisas a perder. Se ele fizesse muitas perguntas, ela não sabia se ia conseguir manter em segredo o teor da conversa que havia tido na Estação.

A mulher, de intensos olhos verdes, dirigiu-se ao seu aposento para tentar descansar. Em sua mente ainda pairava uma dúvida, que não a deixava sossegada.

Como é que, depois de tanto tempo, aquele efeito foi aparecer num clone aleatório, que foi criado na linha normal? De onde viera aquela mutação, após tantas gerações terem sido produzidas?

***

- Eu sei que não é normal. Será que poderá ser revertido? Historicamente sabemos que é possível.

- Sabemos que em humanos normais foi possível. Não sabemos se podemos fazer o mesmo em clones.

- Nós somos cientistas. Temos que tentar.

- Já estamos tentando, Leona. Já estudei, já desenvolvi um protótipo e também já o testei.

- E como ele reagiu?

- Ainda não vi nenhum efeito, mas é cedo. Segundo consta, a cura não foi imediata no organismo humano puro…

- Meu irmão…

- Sim. Ele me está ajudando com isso. Estamos trabalhando juntos desde aquele dia em que vieste… O protótipo da nova vacina foi trabalhado a partir do sangue e ADN dele… Pelo menos sabemos que funcionou com ele, no passado. Se tivermos sorte, o sangue dele já tem anticorpos naturais, desenvolvidos para corrigir o efeito de uma futura ocorrência. Mas já tivemos outra ocorrência reportada do laboratório: outro clone com a mesma reacção…Temos que apressar a solução.

Leona ficou ali, olhando muito séria para o chefe do laboratório. O último comentário não ficou retido em sua perceção. Estava mais preocupada com a informação sobre seu irmão. Não tinha ideia que, afinal, sua conversa com ele havia surtido algum efeito. Ela, que havia saído da Estação com a sensação de impotência, diante da situação, agora sentia-se injusta.

Precisava falar com o irmão e dizer-lhe que estava agradecida. Sentia que devia ter sido mais paciente, confiante e, talvez, mais justa. Ainda havia algo de bom, talvez uma herança do pai, nele, afinal.

Ela saiu do laboratório e dirigiu-se à sala no fundo do corredor. Estava feliz, como há muito tempo não se sentia. Abriu a porta com energia e entrou na sala, com um sorriso nos lábios.

O vazio da sala tomou-a de surpresa. Onde poderia ter ido? O chefe disse que ele estaria na sala, a trabalhar com os arquivos de pesquisa e com as análises do sangue do clone. Mas ele não estava.

Ela voltou, apressada, ao laboratório principal, para falar com o chefe, mas a meio do corredor encontrou o homem, que vinha com uma expressão agitada no semblante. Parecia desconcertado e extremamente preocupado.

- O Décimo-Terceiro clone e as novas vacinas sumiram…

- Meu irmão também…

Os dois se entreolharam. Não precisavam de muito para deduzir o que havia acontecido.

- O que faremos agora?

- Temos que verificar a programação do terminal de transporte. Eles devem ter ido por lá, já que outras rotas seriam facilmente detetáveis….

Os dois entraram na sala de teletransporte e constataram, imediatamente, que os dados de memória do terminal haviam sido apagados, provavelmente de propósito. A programação não estava disponível.

Para poder ter acesso aos dados, teriam que fazer uma solicitação à Central, mas isso iria acarretar uma série de perguntas, gerando procedimentos especiais de segurança.

Leona olhou para o chefe do laboratório e decidiu.

- Temos que saber. Não importa o que isso possa acarretar.

O homem, embora bastante preocupado, acedeu. Era o melhor a fazer.

- Eu vou falar com o Supremo. Ele tem que saber a verdade.

- Isso vai colocar-nos a todos nós em um grande problema. Tu sabes disso.

- Eu sei. Mas precisamos fazer o que é certo. Aliás, foi um erro não ter feito desde o começo. Eu enfrento as consequências, se for necessário…

***

O Supremo deu ordens para verificar o banco de dados imediatamente após ser informado, por Leona, acerca do que havia acontecido. Ele ficou irritado e decepcionado com a atitude tomada por ela e pelos cientistas, mas, agora, tinha que ser prático e agir rápido.

Quando o relatório foi-lhe entregue, ele levantou os olhos, com uma evidente preocupação, estampada no rosto sério e, quase sempre, desprovido de emoções. Suas faces estavam menos pálidas que de costume.

- Eles voltaram ao passado. Isto é muito grave!

- Mas todos sabem que isso é proibido! As consequências podem ser terríveis e irreversíveis…

- E desde quando teu irmão se importa com o que é certo ou errado? Olha esta data. Isto diz alguma coisa?

Leona olhou para o homem com uma expressão preocupada e ficou sem saber o que falar. O Supremo tinha razão. Aquilo era bastante grave e, com certeza, ia ter perigosas consequências. De uma maneira ou de outra, ela se sentia responsável pelo que acontecera. Tinha que remediar a situação urgentemente.

- Eu tenho que ir atrás deles. Tenho que impedir que uma catástrofe aconteça, por causa desta atitude inconsequente.

- Não posso permitir! De jeito nenhum.

- Eu sinto-me responsável pelo que aconteceu. Tenho que tentar, pelo menos. É nossa única hipótese. Se enviarmos outro, ele vai-se defender e tornar-se imprevisível e perigoso. Eu posso, pelo menos, tentar controlar a situação, antes que ele faça algum outro grande erro.

- Ele sempre foi imprevisível, mas talvez tenhas razão. Vamos programar a tua ida, da maneira mais apropriada, mas não terás muito tempo para remediar esta situação. Qualquer minuto em que estiveres no passado será extremamente perigoso para o futuro.

- Eu sei. E estou preparada para isso. É melhor irmos para o terminal de transporte, agora.