domingo, 26 de abril de 2015

Um Pacto (In Pactus)


Por favor, não te apaixones por mim. Tu prometeste que não irias...

- Eu sei. Não te preocupes. Eu sei muito bem onde estou pisando. Já passei por isso antes e não vou-me apaixonar outra vez.

- OK. Lembra que tu prometeste.

- Sim. Eu sei. Podes deixar... Quando vens de novo? Já faz algum tempo, desde a última vez.

- Talvez na próxima semana. As coisas não estão fáceis do meu lado. A esposa está exigindo atenção. Anda meio desconfiada, mas eu estou apenas sobrecarregado de trabalho e sentindo-me muito cansado.

- Tu precisas é de uma massagem, um forte abraço e descansar tua cabeça no meu colo. Eu afago-te até que durmas em meus braços, relaxado e feliz.

- Soa como o paraíso, mas longe de ser viável em um curto espaço de tempo. Eu não posso escorregar agora ou posso perder tudo. Precisamos ter paciência.

Eu desisti de discutir. Não havia nada que eu pudesse fazer, de qualquer maneira. Desejei que a vida fosse diferente. Desejei que eu fosse diferente. Eu queria que ele fosse diferente. Mas a vida não é feita de desejos...

- OK. Leva o tempo que precisares, descansa um pouco... ou descansa muito... Quando estiveres pronto, novamente, por favor, me avise.

- OK. Adeus por agora.

- Até mais, meu querido. Vou sentir tua falta.

- Dorme bem.

- Tu também.

A conversa fora bastante superficial, simples e quase impessoal. Ambos estávamos tendo muito cuidado, tentando evitar o inevitável. Ambos acreditávamos que era fácil manter nossas emoções sob controlo. Homens casados ​​são, realmente, muito complicados.

Fechei a sessão, desliguei o computador e voltei à minha vida, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Nós costumávamos conversar on-line todos os dias, à mesma hora, dizendo quase as mesmas coisas e prometendo nunca nos apaixonarmos ou teríamos que deixar de vermo-nos, para o bem de nossas sanidades. Ele era um homem casado com mulher e filhos. Um par deles. Eu havia sobrevivido a um divórcio e queria continuar assim, sem mais ninguém. Não havia nada de novo naquilo.

A maioria das pessoas que eu conhecia também estavam divorciadas e gostariam de permanecer naquela condição, de qualquer maneira, durante o tempo mais longo que pudessem. Alguns deles, no entanto, tinham medo de envelhecer sozinhos.

Eu tinha a minha vida, meu passado, minhas crenças sobre o amor, relacionamentos e solidão. E eu gostava tanto da minha vida, quanto da minha liberdade.

Estar com ele era como ter alguém e não ter nada, nem ninguém, ao mesmo tempo. Mas eu não tinha medo de envelhecer, nem de solidão... absolutamente...

Decidi preparar algo para comer, descansar um pouco, talvez assistir um pouco de TV e ir para a cama cedo. Tentei não pensar sobre a conversa que tivera, por mais tempo que o necessário. Tendo minha mente e as mãos ocupadas, por algum tempo, seria perfeito para o momento.

O gato entrou na cozinha, sentou-se no tapete azul e ficou à espera de seu jantar e eu comecei a cozinhar um macarrão com molho de cogumelos, logo que o bichano foi servido. Meu único e verdadeiro companheiro estava OK com sua pequena porção de atum para o jantar e mostrou sua satisfação, esfregando a cabeça nas minhas pernas, assim que terminou. Brinquei com ele, afaguei-lhe a cabeça e voltei a cozinhar, depois de lavar minhas mãos pela milionésima vez, naquela noite.

Fui para a cama como planejado, após a refeição simples de massa, acompanhada de um bom e encorpado vinho tinto e tentei relaxar, esvaziando a mente, antes de adormecer.

Sonhei que estava em seus braços. Seus lábios eram quentes na minha fronte, minhas pálpebras, meu rosto e meus lábios. Seu gosto era doce e amargo ao mesmo tempo. Ele sempre havia sido doce, mas o acordo que fizemos trouxe uma espécie de amargura na minha alma, que não era novidade para mim. Ele estava repetindo aquelas palavras, que eu já não podia ouvir mais, mas, infelizmente, só se pode desejar que as coisas fossem diferentes. A verdade é, às vezes, muito difícil de suportar.

"Por favor, não te apaixones por mim."

Quão abstrato e estúpido um pacto daqueles poderia ser? Quão imprevisível pode ser um coração, antes que se perceba que já é tarde demais, para voltar atrás?

E eu conhecia meu coração muito bem. Eu poderia dizer todas as palavras e fazer todas as promessas e ainda permanecer longe de problemas, se eu quisesse, mas era isso que eu realmente queria? Se eu não sentisse aquela paixão, como eu poderia estar inteiramente presente naqueles encontros íntimos?

Eu adorava seu cheiro, seu sabor, seu toque e sua abertura em receber minhas carícias. Adorava a forma como ele sentia prazer com a minha presença; do jeito que ele dizia que era todo meu e eu tinha pleno acesso a tudo o que eu quisesse; a maneira que dava o seu corpo para mim e a forma como ele usava o meu corpo para seu próprio prazer e para o meu, também, é claro. Gostava de como ele me olhava no fundo dos olhos e como ele fechava as pálpebras ao ser tocado por meus dedos; o modo como ele segurava meu corpo perto do seu, enredava as pernas nas minhas, deixando a impressão de que nunca iriamos separar-nos novamente; a maneira como ele me beijava com paixão genuína e, também, do jeito que ele me amava.

Sim. A maneira como ele fazia amor comigo. Aquilo era mais do que o contato apenas físico, eu poderia garantir. Eu já tivera outros homens antes dele e ninguém tinha-me deleitado com tal paixão. Ele era apaixonado, gentil, atencioso e presente. Mas não era meu.

Ou, melhor dizendo: ele era. Por alguns minutos apenas, por vezes, um par de horas, ele era inteira e abertamente meu, como ninguém havia sido antes.

Eu tinha orgulho de suas realizações e de sua vida. Ele me dissera, certa vez, que eu era a única pessoa que sabia tudo sobre sua vida e seus desejos secretos. A maioria deles eram tão secretos, que quase escondia de si mesmo, mas, no entanto, haviam sido compartilhados comigo.

Que tipo de homem faria isso, sem ter uma confiança cega na pessoa com quem estava?

- Quando tu pensas em mim, no que tu pensas?

Ele corou. Não era bom em falar sobre seus pensamentos ou sentimentos, especialmente quando se referia ao nosso não-chamado "relacionamento".

Eu ri. Como ele podia ser tão docemente teimoso?

Ao dizer nada e corando assim, ele estava-me dizendo tudo, sem pronunciar uma única palavra. Ele não admitia o óbvio, nem aceitava a verdade. O que estava acontecendo entre nós era algo a ser seriamente considerado, mas ele nunca diria nada em alta voz. No fundo, entretanto, sabíamos... e muito bem... o que havia entre nós.

O que são as palavras, afinal? Por que uma pessoa precisa dizer o que acontece, em alta voz, quando os sentimentos não precisam de vocábulos, para serem, expressamente, expressados? Eu podia ver em seus olhos. Eu podia sentir em seu corpo. Eu podia ler seus pensamentos, só de olhar para ele e perceber a expressão terna em seu bonito rosto. Sua boca nunca iria pronunciar as palavras, mas eu podia ouvi-las sendo gritadas por seus doces olhos.

Eu olhei para ele e pensei: ‘tu não precisas admitir, mas eu sei que tu és, de fato, o meu homem’.

- E tu? Em que tu pensas, quando pensas em mim?

- Eu penso em anjos e percebo quão forte tu és. Eu gosto tanto de ti...

- Tu estás caindo em tentação e apaixonando-te, embora tenhas prometido que não irias. O que vais fazer agora?

- Eu não vou fazer nada. Não há nada que eu possa fazer, mas deixar minhas emoções correrem livres. Eu gosto muito de ti e eu não quero perder isso. És importante... muito importante para mim...

- Eu sei. Eu sei muito bem, mas tu prometeste...

Beijei seus lábios. Ele, então, respondeu-me com ternura, abrindo suas enormes asas e segurando-me em um caloroso abraço.

- Deixe a vida guiar-nos, por favor. Não lute contra isso, ou então vamos perder o melhor de nós...

- Eu não vou lutar... não vou lutar...

Acordei no meio da noite, sentindo-me feliz, sob a calorosa proteção de um anjo, que não existia de fato. Ele não era nada mais que uma doce ideia. Era o meu conceito de perfeição. Não era impecável fisicamente, embora eu gostasse de olhar para ele o tempo todo, mas era perfeito como um homem com quem se podia envelhecer, exceto que ele nunca seria meu, afinal... Nem eu seria dele, além da condição de estarmos completamente ligados por aqueles breves momentos, em que o mundo poderia parar de girar ao nosso redor e todos os problemas de nossas vidas complicadas nunca iriam passar da porta do quarto.

Não consegui dormir de novo até que o sol da manhã atingiu a janela do quarto e abriu caminho através das cortinas, dizendo que era hora de levantar-me e voltar à vida normal.

Os dias passavam muito lentamente e de forma muito aborrecida quando não nos víamos. Alguns dias depois, quando a campainha tocou, finalmente, meu corpo e mente estavam prontos para recebê-lo.

Quando abri a porta e vi-o, ali na minha frente, com seu sorriso irresistível, meu coração deu uma batida em falso. Ele não disse nada, até que eu fechei a porta atrás de suas costas e abracei-o com força, beijando-lhe os lábios.

- Senti tua falta.

- Eu também…

Nós tivemos uma das mais notáveis noites, desde que começamos a sair juntos. Ele foi todo meu e eu dele. Não me lembro onde nossas roupas caíram, a caminho do quarto. Não me lembro o que aconteceu entre a porta de entrada e minha cama. Eu só lembro que estávamos tão emaranhados, que éramos quase um corpo só.

Eu tinha necessidade física dele. Aspirei o seu perfume viril, tentando mantê-lo na minha pele e memória. Não fechei meus olhos porque eu queria mantê-lo no meu campo de visão. Eu queria apreciar a sua beleza e perfeição. Toquei cada centímetro de sua pele nua, com cuidado e suavidade. Ele respondeu a cada toque dos meus dedos no corpo no dele. Nunca disse uma palavra. Apenas respirou fundo e gemeu baixinho.

Em seguida, beijou-me com uma intensidade tão grande, que parecia ter fome. Ele tocou-me os lábios e o corpo com imensa paixão e desejo. Eu sentia-me como se um anjo de asas muito largas estivesse conduzindo-me ao céu. Em seguida, fizemos amor. Eu tinha certeza que aquilo não era apenas luxúria ou sexo: estava muito mais perto do sentido real de amor. Ele era completamente meu, assim como eu era dele.

- Eu não consigo deixar de pensar em ti o tempo todo. Achas isso normal? Eu fico pensando quando e como eu posso estar contigo... Se isto não for um sinal de paixão, não sei o que possa ser. Eu não tenho nenhuma dúvida sobre isso tudo e morro de medo do que sinto.

- Como é que algo tão bom e prazeroso possa causar-te algum tipo de medo? Não valorizas o nosso tempo juntos?

- Aí é que está. Eu aprecio muito e até acho que estou irremediavelmente apaixonado por ti, mas isso não está certo. Vou acabar machucando-te a ti e às outras pessoas, que não merecem, e isso não é justo, nem para ti, nem para elas. Temos que parar com isso, urgentemente!

- Meu amigo, se é isso que tu pensas e estás a deixar-me, por medo de machucar-me, não o faças... Agora, se o facto de estares apaixonado por mim, prejudica a vida de outras pessoas, então deves ir-te agora, antes que seja tarde demais.

Ele não disse nada, quando levantou-se e começou a vestir-se, saindo em seguida, sem dizer uma única palavra a mais.

Era estranho ver partir aquele homem, que deu-me seu tudo, naquela noite e tirou tudo de mim, apenas alguns minutos depois. Eu senti-me como se estivesse afogando em um mar de desesperança. Deixar-me assim, por estar muito envolvido comigo, além de ser um peso demasiado pesado para suportar, era também de uma injustiça e crueldade inconcebíveis.

Depois daquele último encontro, fomo-nos separando cada vez mais. Nossos contatos escassearam, exceto pelas mensagens de "bom dia", que tornaram-se cada vez menos frequentes, pois ele foi deixando de respondê-las, aos poucos, até deixá-las no vazio, completamente. Eu sabia que ele estava evitando-me daquela forma, para que pudesse ter certeza que eu poderia viver longe dele. 

Ele estava errado, mas não havia nada que eu pudesse fazer para convencê-lo do contrário. Ele deixava-me porque estava preocupado em envolver-se mais do que estávamos. Eu nunca temi nada daquilo. Deixou-me porque me amou… pelo menos foi o que disse... Eu tinha certeza, no meu coração, que ele havia sido sincero...

Os dias passaram uns após os outros, em sua sequência impiedosa e aborrecida. Algum tempo depois, quando passeava pelo Shopping Center, eu o vi, parado em frente à uma loja, olhando para uma moderna jaqueta de couro, exposta na montra. Meu primeiro impulso foi de correr até onde ele estava e surpreendê-lo, abraçando-o e beijando-o, na frente da multidão, que passava à nossa volta, absolutamente incógnita.

Comecei a andar em sua direção, mas parei, sentindo algo estranho, quando uma mulher, de repente, aproximou-se e beijou-o no pescoço. Um rapaz e uma menina, pré-adolescentes, também acercaram-se do casal e eles foram-se embora, andando pelos corredores, de mãos dadas e sorrindo um para o outro. Ele parecia estar bastante feliz.

Senti uma estranha pontada de dor, mas reconheci que ele, afinal, merecia aquela sua vida. Se ele estava feliz, eu deveria estar feliz também. Voltei-me, sentindo um peso enorme na alma, sabendo que ele não era, nem seria meu. Nunca havia sido, de qualquer maneira e eu tinha que viver com aquilo... infelizmente...

Naquele momento, o que eu precisava era de um café bem forte e quente… e com urgência... As coisas, na minha vida, teriam que, paulatinamente, voltar ao normal e eu sabia disso.

Só, novamente e como já era de costume, eu tinha que continuar a existir, embora sentisse que estava, lentamente, afogando-me em grande mágoa e decepção.

Não havia nada de novo ou surpreendente naqueles últimos acontecimentos, entretanto. Não era nenhuma novidade que minha existência continuasse a ser, assim, solitariamente desajeitada…



domingo, 19 de abril de 2015

Falling


- Please do not fall in love with me. You promised you wouldn't…

- I know. Don’t worry. I know very well where I'm treading on. I have been there before and I won’t fall in love again.

- OK. Remember you promised.

- Yeah. I will. You know that… When are you coming over again? It’s been quite a while since you last did.

- Maybe next week. Things are not easy from my side. Wife is demanding attention and she thinks I’m eating out, but I'm just overworked and feeling a lot tired.

- You need a massage, a hug and resting your head on my lap. I would cuddle you until you sleep in my arms, relaxed and happy.

- Sounds like paradise, but far from achievable in a short time. I must not slip right now or I will lose everything. We need to be patient.

I gave up. There was nothing I could do, anyway. I wished life was different. I wished I was different. I wished he was different. But life is not made of wishes…

- OK. Have your time, rest a little… or a lot… and when you’re ready again, please let me know.

- I will. Bye for now.

- Bye, sweet man. I’ll miss you.

- So will I. Sleep well.

- You too.

The conversation was quite shallow, simple and almost impersonal. Both sides were being too careful, trying to avoid the unavoidable. Both believed it was easy to keep their emotions under control. Married men are, oh, so complicated. 

I closed the session, switched the computer off and went back to normal life. We used to chat every day, at the same time, saying almost the same things and promising never to fall in love or we would have to stop seeing each other, for the sake of our sanities. He was a married man with wife and children. A couple of them. I was divorced and alone. Nothing new about that. 

Most of the people I knew were divorced and would like to remain in that condition, anyway, for as long as they could. Some of them, however, were scared to grow old alone. I had my life, my past, my beliefs about love, relationships and solitude. And I enjoyed my life and my freedom. 

Being with him was like having someone and having nothing and no one to be attached to. But I was not afraid of being alone when I was old... not at all...

I decided to prepare something to eat, rest a bit, maybe watch some TV and go to bed early. I tried not to think about the conversation any longer. Having my mind and hands busy for some time would be perfect for the time being. 

The cat got into the kitchen, sitting on the blue carpet and waiting for his dinner and I started cooking some pasta with mushroom sauce as soon as I fed him. My only companion was OK with his small portion of canned tuna for dinner and showed his satisfaction by rubbing his head on my legs, as soon as he finished. I spoke to him, pat his head and went back to my cooking, after washing my hands for the millionth time that evening.

I went to bed as planned after the simple meal of pasta and wine and tried to switch my thoughts off before falling asleep.

I dreamed I was in his arms. His lips were warm on my front, my eyelids, my face and my lips. His taste was sweet and bitter at the same time. He was always sweet, but that agreement we made brought a kind of bitterness to my soul that was not news for me whatsoever. He was repeating those words I could not hear anymore, for as long as I existed, but, alas, one can only wish. The truth was too hard to bear.

"Please don’t fall in love with me".

How careless and dim-witted could that agreement be? How unpredictable can a heart be before it is too late? 

I knew my heart very well. I could say all the words and make all the promises and still remain away from trouble, if I wanted to, but did I really want it? If I were not in love, how could I be entirely his, when we were together, in those close encounters? 

I loved his smell, his taste, his touch and his openness to my caresses. I loved the way he let himself pleasure my presence with his own; the way he said he was all mine and I had full access to everything that I wanted; the way he gave his body to me and the way he used my body for his own pleasure and for mine, as well, of course. I enjoyed the way he looked at me deep in the eyes and how he closed his eyes when being touched by my fingertips; the way he held my body close to his, entangling his legs in mine, so we had the impression we would never fall apart again; the way he kissed me with genuine passion and the way he loved me. 

Yes. The way he loved me. That was more than just physical contact, I could guarantee. I had other men before and no one had pleased me with such a passion. He was passionate, kind, attentive, gentle. But he was not mine. 

Or better saying, he was. For some minutes only, sometimes a couple of hours, he was entirely and openly mine, like no one had ever been before. 

I was proud of his achievements and his life. He told me once I was the only one who knew everything about his life and his secret desires. Most of them were so secret he almost hid them from himself, but they had been shared with me. 

What kind of men would ever do that, without having a blind trust in his lover that way?

- When you think of me, what do you think of?

He blushed. He was not good at talking about his thoughts or feelings, especially when referred to our not so called “relationship”. 

I laughed at him. How could he be so sweetly stubborn? 

By saying nothing and blushing like that, he was telling me everything without uttering a single word. He neither admitted the obvious, nor accepted the truth. What was going on between us was something to be seriously considered, but we would never speak it out loud. Deep inside, however, we knew it very well. 

What are words, anyway? Why would one person need to say what was going on in words, when the feelings were absolutely wordless? I could see it in his eyes. I could feel it in his body. I could sense it in his thoughts, just by looking at him and noticing the tender expression of his lovely face. His mouth could never pronounce the words, but I could hear them being shouted out loud by his sweet and dark eyes. 

I looked at him and thought to myself: you don’t need ever to admit, but I know you are, indeed, my man.

- And you? What do you think of, when you think of me?

- I think of angels and realize how strong and kind you are. I like you very much.

- You are falling in love. You promised you wouldn't. What are you going to do now?

- I'm not going to do anything. There is nothing I can do, but let my emotions run free. I like you very much and I don’t want to lose this. It is important… too important…

- I know, my dear. I know very well, but you promised…

I kissed his lips. He then responded tenderly, by opening his wide wingspan and holding me in a warm embrace.

- Let life guide us, please. Don’t fight it or else we will lose the best of it...

- I won’t, my beloved... I won’t.

I woke up in the middle of the night, feeling warm and happy, satisfied and protected by an angel who did not exist in fact. He was nothing but a sweet idea. He was my concept of perfection. Not flawless in body or physical attractiveness, although I liked looking at him all the time, but perfect like a real tender man to grow old with, except that he would never be mine, after all... Nor I would be his… other than that condition of being unattachedly attached to each other for those brief moments when the world could stop turning around and all the problems of our complicated lives would never come across the bedroom door.

I could not sleep again until the morning sun hit the bedroom window and made its way through the curtains, telling me it was time to get up and go back to normal life.

Days went on very slowly and in a very dull way when we were apart from each other. Some days afterwards, when the doorbell finally rang, I was all ready for him. 

When I opened the door and saw him standing in front of me with an irresistible smile, my heart missed a beat. I welcomed him with a grin and flushed cheeks. He said nothing until I closed the door behind his back and held him tightly in my arms and kissed his lips.

- I missed you.

- Missed you too, my dear…

It was our most remarkable night together. He was all mine and I was all his. I can’t recall where our clothes fell upon on our way to my bedroom. I can’t recall what happened from the door to my bed. I just remember we were so close and entangled to each other that we were almost one. 

I tasted him with hunger. I smelled his manly scent keen for much more. I never closed my eyes for I wanted to keep him in my sight and memory forever. I wanted to appreciate his beauty and perfection. I touched every little inch of his bare skin… carefully and softly, plainly, lustily, intensily… He responded to every touch of my fingertips and body on his. He never said a word. He just breathed deeply and moaned lightly.

He then kissed me. It was not just a kiss but a warm and intensely hungry kiss. He touched my lips and body with passion and desire. I felt I was so close to heaven I was being touched by an angel with very broad wings. Then we made love. That was not just lust or sex: it was so much closer to real love. He was mine and I was his... completely.

- I can’t help but thinking of you all the time. Do you think it is normal one person having his thoughts directed to another one, all the time, as I'm doing lately? I keep on pondering when and how I can be with you… this is certainly a sign of passion… to my understanding. I have no doubt about that whatsoever… and it scares the hell out of me…

- How come something so good and pleasurable scare you? Don't you value our time together?

- This is the thing. I do appreciate it so much, I think I am hopelessly falling for you and this is not right. I am going to hurt you and other people who I must not and this is not fair either to you or them. We must stop seeing each other... urgently!

- My friend, if this is what you think and you are rather leaving me because you're going to hurt me, don't... Now, if you're going to harm someone else by being with me or because you're falling for me, then just leave... now... before it is too late.

He did not say anything when he got up and started dressing up. He left without a word. 

I felt weird and left aside by the man who gave me his everything that night and took everything out of me just some minutes afterwards. I felt like I was all worn out and drowning in a sea of hopelessness. Being left for giving myself too openly and by being too much involved to someone who was falling for me was too much to bear... Was that unfair or what?

After that last meeting we grew apart from each other. Our contacts became almost gone, except for the 'good day' messages which became rarer and rarer, for he never responded to them. I knew he was avoiding me that way so he would be sure I could live away from him. He was wrong, but there was nothing I could do to convince him of the opposite. He was leaving me because he was concerned of getting more involved than we were. I had never been. He left me because he loved me... or so he said... and I was sure in my heart he was sincere...

Days passed on again and again, dully and sulky. One day, when strolling around in the shopping mall, I saw him. He was standing by a shop window, looking at a smart leather jacket. My first impulse was to run towards him and surprise him, hugging and kissing him in front of the crowd moving around us. 

I started walking to him but was held by some strange feeling, when a woman suddenly came closer and kissed him on the neck. A boy and a girl approached the couple and they left, walking down the aisles, hand in hand and smiling to each other. He seemed to be happy. 

I felt a sting of a strange pain, but thought to myself he deserved his life. If he was happy, I should be happy too. I turned around feeling heavy, but knowing he was not mine. He had never been anyway and I had to live with that... unfortunately...  

I felt  I needed a hot and very strong coffee urgently… Life would have to slowly go back to normal and I knew it. 

I was alone again, as usual, and although totally hurt inside, I was not surprised at all…

domingo, 29 de março de 2015

Os Oito Guerreiros (Última Parte: A Grande Batalha)

Alter-egos e a Grande Batalha


- Temos que correr. As coisas estão mesmo a arder!

- Como assim: a arder? Explica isso, pelo amor de Deus.

- Vem comigo, depressa! Conto os detalhes a caminho…

A psicóloga entrou no elevador, seguida pela estagiária e começou a contar-lhe a conversa que havia tido na noite anterior, com Joe, o último personagem da lista mais estranha que ela havia conhecido em toda sua carreira. Acabara de receber um telefonema e tinha que ser rápida.

***

A mulher olhou o homem, que adormecera ao seu lado, com distinta afeição. Ele virou-se para o lado e ela viu, em suas costas nuas, duas pequenas tatuagens, uma de cada lado. Compreendeu, de imediato, porque Phil, sua personalidade favorita, havia mencionado que tinha asas às costas e que esperava voar. Ele, realmente, as tinha...

‘As alucinações também alucinam’, pensou.

Abraçou o corpo desacordado do amante e fechou os olhos…

***

- Eu tenho muitas personalidades diferentes. Somos sete guerreiros que se revezam, conforme a situação se coloca e um oitavo, que é um pacifista e que sempre aparece para completar a cena. Cada um tem um carácter e uma tática distinta, escolhendo seus momentos de se manifestar, conforme a conveniência deles próprios, fazendo de mim um sério caso para estudo de grandes psicanalistas.

Nos primeiros tempos, eu tinha dificuldade em entender o que me acontecia. Lutava contra as manifestações de meus muitos alter-egos* e assim, ficava dias e noites em disputa interna, até que o cansaço me vencesse e eu desistisse de lutar, proporcionando, a algum deles, uma exteriorização qualquer. Com o tempo, aprendi a lidar com todos eles, permitindo que cada um pudesse ter seu tempo e sua oportunidade de se expor. Minha maior dificuldade passou a ser a manutenção de reminiscências do que cada personagem viveu. Muitas vezes tinha lapsos de memória, que duravam muito mais que alguns simples minutos, como era no início. Passei a sentir muito medo de perder o controlo de minhas ações. Numa das ocasiões perdi, mesmo, e fui parar no consultório de uma especialista em multiplicidade e desmembramento de personalidades. Foi uma coincidência e acabou sendo uma das poucas esperanças que me restavam.

***

- Ele é maduro e experiente, para a idade dele. Tem boa cabeça. É extremamente sexy, o corpo é desejável, existe uma boa química entre nós e, além de tudo, sua conversa é agradável, deixando-me muito à vontade, quando estamos juntos. É muito diligente e responsável. Dá-me vontade de ir adiante e avançar, embora saiba que deva ter bastante cuidado. Na verdade, estou entre a cruz e a espada, pois posso estar a meter-me com uma verdadeira bomba-relógio.

- Química? Com todo o respeito e consideração que lhe tenho, química, física ou biologia não são suficientes. É loucura ir adiante com isso, não só pelo profissionalismo e ética, como pelo perigo que pode correr. Quem nos garante que ele não vá fragmentar as personalidades ainda mais?

- Eu sei e tenho que considerar também que estou envolvida demais… Mas estás certa. Tenho que usar a razão e deixar o coração de lado. Ele terá que compreender que a recuperação de sua sanidade e personalidade é mais importante. Mas, e se a cura for justamente essa?

- Não recordo haver lido sobre qualquer caso reportado em que a personalidade dominante tenha-se curvado à uma paixão, mesmo em casos de manipulação mental.

- Tens razão. Preciso manter o foco nele como paciente, não como amante… Oh, Deus!

- Melhor assim, pode acreditar…

***

- Professor, preciso de sua ajuda. É importante. Tenho um paciente bastante complexo e não sei como enfrentar a situação. Preciso de uma luz...

- Pode ser amanhã, por volta das dez da manhã? Tenho um horário vago e podemos conversar.

- Pode sim. Estarei lá.

A psicóloga desligou o telefone e pensou no seu professor e orientador, com o qual havia conversado. Se alguém poderia ajudá-la, naquela hora, ele seria a pessoa certa. Na hora combinada, ela estava na Universidade, para discutir o caso dos oito guerreiros.

O professor ouviu-a e disse-lhe que, talvez, pudesse ajudar. Apresentou-lhe um jornal do Departamento de Pesquisa da Universidade, onde vinha um relatório sobre uma nova droga, para tratamento de pacientes com múltiplas personalidades, que vinha sendo testada com relativo sucesso, em voluntários. Ela ficou interessada em contactá-los e experimentar.

Na sua cabeça, porém, uma coisa inda não estava clara: era Joe, a chave, ou Gabriel, o invólucro original, que tinha que ser tratado e preservado?

O professor disse-lhe que ela saberia, quando a hora chegasse. Ela concordou, embora sentisse que não cabia a si aquela decisão.

Ela lembrou que na noite em que Joe visitou-a e contou-lhe como funcionava o processo.

***

Ela ouvia o homem com muita atenção, enquanto ele explicava-lhe como perceber que todas as personalidades podiam ser controladas pelo pacificador, se ele assim o quisesse, mas ele tinha que estar à frente, para poder fazê-lo. Naquela noite perguntou-lhe se ela queria falar com Phil, já que ele percebia o que estava acontecendo entre eles.

- Como é possível, Joe, que eu possa estar com ele, assim?

- Confia em mim. Queres estar com ele? Tens que ser rápida, antes que seja tarde, pois a batalha está muito próxima. Quando acontecer, não sei como as coisas poderão ser, de alguma maneira, controláveis. Tem que ser já, antes que eu perca o controle.

Ela concordou e, Joe saiu de cena, enquanto ainda segurava as mãos da mulher, que, atónita, tentava absorver todo aquele processo. Levara meses a estudar e não conseguira nada. Agora Joe revelava aquilo que ela não fora capaz. O olhar do homem e sua expressão mudaram ali, na sua frente e ela logo reconheceu aquela ternura, na forma com que ele a olhava.

Ela sentiu-se completamente vulnerável, desimpedida... e apaixonada... perigosamente apaixonada. Com lágrimas nos olhos, disse-lhe:

- Olá, meu querido amigo. Quanto tempo eu não te via. Tive muitas saudades de ti.

- Eu também, mas não é muito fácil estar disponível. Também tive saudades tuas. A coisa está cada vez mais descontrolada. Podemos ter muito pouco tempo juntos.

- Eu não compreendo tudo isso... De que forma esta tal batalha vai acontecer... mas espero que termine, de alguma forma, bem para nós. Estou tão apreensiva.

- Saberás na hora certa. Joe se encarregará de avisar. Não tenhas medo do que possa acontecer. Ele e eu, especialmente, gostamos muito de ti...

Ela olhou-o com os olhos cheios de água. Estava com medo, mas sentia-se vulnerável, ali, em frente daquele homem. Fechou os olhos e suspirou.

Ele aproveitou a oportunidade e beijou-a. Ela não fugiu; não correu; não rejeitou-o. Ao contrário: correspondeu aos carinhos dele de forma aberta e, sem dúvida alguma, com paixão.

Ele foi o amante perfeito. Explorou cada centímetro do corpo dela, cada pedacinho de pele e cada sensação e reação do corpo dela.  Ela sentiu-se especial. Sentiu que estava a ser amada e desejada. Sentiu que, com aquele homem, ela podia ser completa e entregou-se integralmente a ele.

***
- Ele está em perigo. Depressa.

- Ele quem?

- Gabriel. Phil. Joe. Sei lá que nome devo usar... mas ele está em perigo! Temos que correr...

As duas saíram do elevador e entraram no carro, escoltadas pelo segurança, que havia sido requisitado acompanhá-las, e saíram pela avenida, em alta velocidade. Só torciam para não serem  paradas pelo polícia ou pelo trânsito. Não havia tempo a perder.

Quando chegaram à porta do apartamento indicado por Joe, um ou dois segundos de silêncio foi logo interrompido por uma série de outros sons, muito mais assustadores que o próprio silêncio. O som de vidros a quebrarem foi o sinal para se apressarem.

Joe havia dado uma chave à psicóloga, caso fosse necessário, ou se ocorresse uma emergência. Aquela era uma emergência... e das grandes. Ela girou a chave e empurrou a porta.

***

O apartamento estava todo revirado e várias coisas quebradas, como se houvesse tido luta. Haviam também marcas de respingos de sangue, em alguns pontos nas paredes e no tapete. Enquanto olhavam as coisas à volta, a psicóloga pediu à assistente que chamasse a polícia. Só esperava que não tivessem chegado tarde demais. O quarto estava trancado por dentro, por isso pediu ao segurança que forçasse a porta ou a arrombasse e foi o que ele fez.

No quarto-suite, o quadro não era melhor, muito pelo contrário. A janela havia sido arrombada. Lá também haviam sinais de luta e de sangue, mas não viram ninguém. A mulher começou a ficar desesperada. Entrou na casa de banho e gritou. Os dois acudiram-na logo.

O homem que jazia, desacordado no chão, com marcas da batidas na face e em algumas partes dos braços, era conhecido de todos. Gabriel parecia ter levado uma surra das grandes. Eles haviam chegado tarde, mas talvez, não tarde demais. A doutora pediu ajuda e colocaram-na na cama. Com uma toalha molhada, limpou-lhe os ferimentos onde conseguiu. A polícia chegou logo em seguida. O oficial já era conhecido seu e logo reconheceu o rapaz, como o que fora recolhido na rua, completamente perdido, há alguns meses atrás e que havia sido entregue aos cuidados da psicóloga.

- Não esperava por essa, mas não estou surpreso. Esse homem é uma bomba-relógio.

A mulher não concordou, nem discordou. Apenas voltou sua atenção ao homem inconsciente, deitado na cama de casal da suite. Olhou à volta e avaliou o estilo sóbrio e quase minimalista na decoração. Nada de frescuras, nenhum excesso, nada que pudesse parecer desnecessário. Um quarto de dormir, apenas. Nenhuma TV, nenhum computador, nem mesmo um discreto aparelho de som. Tudo isto estava na sala. Na mesinha de cabeceira havia apenas um pequeno abat-jour e um livro.

- O que é aquilo no bolso dele? Parece um papel dobrado.

- E é... tem uma mensagem para si.  

- O computador...

Os quatro entreolharam-se e correram para a sala.

***

Na sala de espera do hospital, um grupo de pessoas esperava o médico vir para dizer como estava o paciente, que havia dado entrada, inconsciente e com sinais de luta, marcados no corpo todo. Quando ele apontou, no fim do corredor, os três levantaram-se, ao mesmo tempo.

- Ainda está inconsciente, mas não há nenhum osso quebrado e as feridas não são profundas demais. Está sob o efeito de sedativo, por ora, porque tivemos que fazer uma pequena cirurgia na cabeça, onde havia uma concussão. Deve ter batido contra qualquer coisa, quando caiu... Havia também um corte no corpo, que pode ter sido feito por uma faca ou coisa similar. Tivemos que suturar. Vai ficar uma bela cicatriz. Mas ele ficará bem. Em pouco tempo podem vê-lo.

- Ótimo. É o que precisamos.

***

- Gabriel. Estás melhor? Consegues falar?

- Olha, não te preocupes. Nós escondemos o espadim. Ninguém vai chegar até ele. Está bem guardado.

O homem olhou o segurança, com olhos de quem não compreendeu bem o que ele dissera.

- Nós vimos a mensagem no teu bolso e também no computador. Eu recebi o arquivo que enviaste para o meu computador pessoal. O que estava lá foi destruído. Foi muito esperto, mas muito arriscado, o que fizeste. Assim a polícia já está atrás de quem te fez isso. Juro que, na minha cabeça, a batalha era com todas aquelas personalidades dentro de ti. Não sabia que corrias perigo, por estares sendo perseguido por um bandido. E ele esteve no consultório, naquela noite... Eu também corria perigo. Por sorte o segurança ainda estava por lá, por isso ele fugiu, antes de ser apanhado... ou de fazer algo contra mim. E tudo por causa do trabalho de investigação de Alex, tua personalidade de repórter. Que caso complicado, homem.

O homem olhou as duas mulheres e o segurança, com uma expressão muito estranha. Parecia que havia lutado muito, num campo de guerra verdadeiro e que agora precisava de um pouco de paz, finalmente.  

- Estou cansado.

- É compreensível. depois do que passaste. Se não fossem todas aquelas personalidades a lutarem juntas contra um inimigo comum, tu não estarias aqui, neste momento. Foi sorte nós chegarmos, pois os nossos ruídos também serviram para afugentar o teu perseguidor. Olha, vamos iniciar o tratamento com aquele medicamento experimental. Vai ficar tudo bem.

Ele não respondeu. Só olhou a mulher e fechou os olhos, lentamente.

***

Meses depois de começar a usar a droga, as coisas estavam bem mais controladas e eles cada vez mais próximos. Gabriel estava completamente ao controlo de sua vida e as pouquíssimas manifestações de outras personalidades foram desaparecendo com o tempo. 

Ele levantou-se e foi ao duche. Poucos minutos depois ela ouviu-o cantar, como já havia ouvido um certo personagem fazê-lo, com extrema competência, no palco de um bar. Ela riu, pois algumas coisas haviam-se mantido intactas.

Ele entrou no quarto, olhou-a com uma expressão diferente, mas que ela já conhecia, de outros tempos. Vestia-se impecavelmente, com uma das camisas brancas favoritas, com as mangas dobradas até um pouco abaixo dos cotovelos e suas elegantes calças jeans, de marca famosa.

- Que bom que mantiveste a voz e a harmonia. Há tempos que não ouvia essa beleza. Algumas coisas, pelo jeito, não se perderam…


- E como poderiam? É meu ganha-pão. Sou, ou não sou, um músico profissional, afinal?

***

*Alterego: (alter= outro; ego=eu) seria igual a outro eu, ou seja, uma outra personalidade que você tem mas que não mostra, ou está oculta em seu inconsciente…

sábado, 21 de março de 2015

Os Oito Guerreiros (Parte 4)

Gahiin

- Doutora, melhor vir até a recepção… com urgência…

A mulher levantou os olhos do computador, onde trabalhava, a fazer anotações sobre o paciente mais complexo que já havia passado por aquele consultório e fixou-os na jovem que entrara, com uma expressão preocupada.

Naquele dia, a psicóloga vestia um blazer azul-marinho, com saia reta até a altura dos joelhos, no mesmo tom. Uma blusa branca de algodão, simples, com gola arredondada, fazia conjunto sóbrio com o terninho e com os sapatos pretos de saltos altos. Tinhas pernas esbeltas e bem proporcionadas. O cabelo estava preso atrás com grampos, num coque, deixando o rosto já maduro, bastante encantador, à mostra, evidenciando-lhe as belas maçãs do rosto. Dir-se-ia que estava quase a chegar à casa dos quarenta, mas a idade caia-lhe muito bem. Era uma mulher bastante atraente. 

Ela já havia-se habituado com as mensagens subliminares no discurso da estagiária. Quando falava daquele jeito, estava com alguma situação difícil de lidar. Ela sabia que estava no horário reservado a Gabriel e que ele já deveria estar sentado à sala de espera. Pousou os óculos de leitura em cima da escrivaninha, levantou-se, aprumou a roupa e seguiu a moça.

Gabriel estava sentado na poltrona, de costas para a janela virada para o centro da cidade. Tinha os olhos um tanto perdidos e assustados e um grande corte, a sangrar, na face esquerda. A mulher aproximou-se, rápida. Não era a primeira vez que aquele homem chegava ao consultório em tal estado de confusão e a sangrar. O ferimento parecia um tanto profundo e requeria cuidado imediato. Ela pediu a caixa de primeiros socorros à secretária e voltou sua atenção ao homem, aflita por saber o que havia acontecido daquela vez.

- Gabriel? O que houve? Foste atacado na rua?

Ele pareceu mais confuso. Olhou-a com aquela expressão estranha, a qual ela já deparara em outras ocasiões. Aquele não era o Gabriel que ela conhecia. Pela expressão vazia no olhar e na face, poderia ser qualquer outro, ainda a tentar manifestar-se. Ela tinha que ir com calma. Limpou o corte, passou um antisséptico e decidiu deixar assim, para que a ferida respirasse um pouco, antes de ser coberta com um curativo. O sangue já havia estancado. Era uma ferida muito precisa, como o corte de uma lâmina. Pela profundidade, havia apenas atingido sua face de raspão, senão era caso para a Emergência de hospital.

- Vamos entrar. Conversamos lá dentro.

Uma vez acomodado confortavelmente na usual poltrona de couro castanho, o homem olhou-a com outros olhos. Ela teve a impressão que mudaram de cor. Aquele pálido azul tinha uns tons cinzentos, naquele momento. Sentiu-se perturbada, mas bem poderia ter sido, apenas, impressão sua, mesmo. Ele pareceu-lhe um completo desconhecido, a tentar compreender como chegara ali. Ela tomou coragem e perguntou.

- Gabriel? Está tudo bem agora? Como foi que te cortaste deste jeito?

Ele não sorriu. Permaneceu muito sério e com voz muito grave, falou.

- Eu não sei ao certo. Lembro muito pouco de como cheguei cá.

- Feche os olhos, então, e relaxe. Tente recordar o que aconteceu.

O homem fechou os olhos. Por uns instantes manteve o cenho franzido, depois, como se uma porta abrisse em sua memória, mudou a expressão do rosto e começou a falar.

- Sei que venho de muito distante, de além-mar, onde os campos são tão vastos quanto a coragem dos guerreiros que derrotei. Eu nasci um lutador e, as coisas que aprendi no meu percurso de vida, sempre levaram-me a batalhar pela sobrevivência. Não sei porque vim parar nesta terra, mas é a terceira vez que lembro-me de aqui estar. O nome, pelo qual me conhecem, nesta dimensão, é Gahiin. Sou filho da Terra e à ela tenho dedicado minha luta. Sou amante do vento e das tempestades e, por isto, viver ao extremo e em estado de constante risco, é uma das muitas particularidades, exclusivamente minhas. Sou muito aficionado de desportos radicais e altas velocidades, que nunca me assustaram. Ao contrário, sou viciado em adrenalina. Muitas vezes costumo partir em aventuras de preparação, por dias a fio, no meio do mato, no rio, no mar ou nas montanhas. Minha força, resistência e coragem serão características extremamente úteis, quando a grande hora chegar.

A mulher quase não conseguiu fechar a boca, de tão surpresa. Fora pega desprevenida.

(Mais um personagem? Como era, de alguma maneira, possível? Já eram sete e pouca luz ainda via, no grande mistério, que era aquele homem.)

Ela olhou aquele que era o dono do corpo, Gabriel, com uma alguma piedade. Gahiin parecia ser um homem vigoroso, dominador e independente. Não tinha aquele charme imediato de Phil, mas era um homem muito forte, com certeza. O rapaz percebeu que ela tentava absorver aquela informação, com certa dificuldade. Ao invés de tentar acalmá-la, como se lesse seus pensamentos, apenas resolveu dizer o que sabia ser de alguma importância, naquele momento.

- Quantos de nós já conheces? Sete? Então falta-te apenas conhecer Joe. Talvez ele te entregue a chave daquilo que procuras. Ele, na verdade, é a própria chave. A chave do mistério é Joe. Não é Gabriel, como tu poderias pensar…

Os olhos da mulher arregalaram-se quando o homem levantou-se, estendeu-lhe a mão, e saiu do consultório, sem dizer mais nada.

Mesmo sendo uma pessoa bastante estável, ela sentiu uma espécie de vertigem. Teve que apoiar-se na secretária, para não perder o equilíbrio e cair ali mesmo.

Como iria encontrar o tal Joe? Se até aquele momento ainda não havia-se manifestado, quando iria, finalmente, fazê-lo?

(Oito personalidades? Oito tipos diferentes? Oito guerreiros, na verdade! E, pelo jeito, oito grandes lutadores… Aquilo era, realmente, muito assustador!)

Joe

 - Doutora, Gabriel já não vem à consulta há mais de duas semanas. Será que aconteceu algo?

- Vamos ver Phil, assim que acabarmos aqui, hoje. Depois daquele encontro com Gahiin, uma coisa ficou muito clara. É bem provável que tenhamos problema... e logo. Ele é a única pessoa que pode nos dizer algo, já que tem um programa de manifestação mais ou menos previsível. Se não fosse ele...

A frase ficou assim, meio dita, meio pensada. Os pensamentos da psicóloga foram além do profissional. Ela queria desvendar o grande mistério. Queria curar o paciente, por quem tinha grande consideração. Precisava da ajuda de Phil, para chegar a Gabriel, mas havia mais. Muito mais. Ela tentava não pensar muito em outra coisa, mas sentia uma atração muito forte por Phil. Por que sentia aquilo por aquele personagem específico e não por outra pessoa, ou mesmo por Gabriel, a personalidade oficial, ela não conseguiria dizer, mas sabia que sentia. E não era um simples interesse.

A mulher balançou a cabeça, como se recusasse pensar mais naquilo. Precisava manter o profissionalismo, a qualquer preço. Havia um perigo iminente para seu paciente e ela tinha responsabilidade sobre o que poderia acontecer-lhe. Aquela história já era complicada demais e intrincada demais, para que ela perdesse tempo precioso a pensar nela, ou na sua tola atração.

Ela tinha que concentrar-se nas prioridades. Gabriel era a prioridade, mas, segundo Gahiin, Joe era a chave.

(Por onde andaria o tal Joe?)

***

- Já faz algum tempo que Phil não aparece. Ele cancelou algumas apresentações. Disse que precisava viajar por uns dias e quando estivesse de volta, avisava. A voz parecia diferente, mas devia ser porque ele disse também que não estava muito bem.

- Quanto tempo faz isto?

- Um pouco mais de duas semanas... talvez três.

- Se o vires, ou se ele entrar em contacto, por favor, peça-lhe para ligar-me. É muito importante.

O rapaz já havia visto as duas por lá, bem mais que algumas vezes e também sabia que eram conhecidas de Phil. Acenou a cabeça, em sinal positivo e voltou a atender os outros clientes. O bar estava em ritmo acelerado, como usualmente, naquele horário.

Duas, talvez três semanas... deve ter sido desde que o paciente estivera no consultório com um ferimento na face. Talvez por aquele motivo não havia aparecido. Não queria ser visto com um corte daqueles na face, assim à mostra. Poderia levantar suspeitas e uma série de perguntas muito difíceis de responder.

(Quem poderia ter feito aquilo? Quem poderia fazer mal a um homem tão doce, como Gabriel, ou tão atraente como Phil?)

***

Algumas noites depois, na quarta-feira, a psicóloga estava ainda no consultório, tentando juntar todas as peças do puzzle que tinha em mãos. Era tarde, a secretária já havia saído e ela tinha tudo fechado e as luzes apagadas, exceto a de sua escrivaninha, onde procurava, no meio das anotações, descobrir alguma luz, algum detalhe deixado nas conversas entre ela e os personagens, mas não conseguira muita coisa.

O segurança já havia passado e perguntado se ela precisava de alguma coisa. Ela havia dito que ia sair em poucos minutos, por isso não precisava de mais nada. Ele verificou as portas e janelas e despediu-se. Ela ouviu-o sair e o barulho do elevador a movimentar-se. Estava sozinha. Precisava concentrar-se. Talvez houvesse mais algo que ela não estivesse percebendo na história.

(Batalhas. Grandes batalhas.  Que diabos de batalhas? E Joe... Onde estava Joe?)

Ouviu novamente o barulho do elevador. A porta abriu-se. Passos. O segurança, um homem que tinha um apreço muito grande por ela, devia estar preocupado. Sem levantar a cabeça, ela falou.

- Já disse que estou bem. Não se preocupe, pois vou sair em minutos. Podes fechar tudo. Boa noite.

- Ok. Boa noite.

O homem saiu, usando o elevador. Ela respirou aliviada. Precisava mesmo terminar aquilo.

Pouquíssimos minutos depois, ouviu a porta do elevador novamente. Ela sorriu, vencida. O segurança mesmo estava preocupado com ela e, talvez, tivesse razão. Considerou que, provavelmente, fosse mesmo melhor que acabasse o trabalho em casa. Assim teria mais tranquilidade e não precisava preocupar o pobre homem. Além do mais estaria em sua própria casa, segura e confortável, sem os sapatos e a roupa de trabalho... Àquela hora já estaria de pantufas e pijamas...

- Ok. Ok. Já vou sair...

A mulher desligou o computador, marcou as anotações que tinha num pequeno caderno de apontamentos, fechou-o, guardou-o e levantou-se, pronta para sair.

- Vamos. Já vi que não ficas em paz, se eu estiver sozinha aqui, assim tão tarde.

- Não fico mesmo. A sua segurança é muito importante para mim.

- Obrigada. Às vezes penso que sou mimada demais, sem achar que mereço toda essa atenção. Mas, não precisava subir três vezes para verificar se eu estava bem.

- Merece sim. Mas eu só subi duas vezes...

- Devo mesmo estar cansada. Tive a impressão que foram três, mas devo ter-me enganado.

Ele não sorriu. Acompanhou-a até o carro, esperou que ela partisse e, só então, tomou seu caminho, a pé, para casa. Manter a doutora a salvo, era responsabilidade sua. Não podia deixar de sentir-se incomodado em deixá-la trabalhar sozinha, sem que ele tivesse a certeza que estava bem. Mas foi para casa intrigado com a confusão que ela fez...

Não percebeu, porém, que a poucos metros dali, um carro partiu, saindo na mesma direção que o outro.

***
Deitada, com os pés esticados sobre a cama e com o computador no colo, a mulher lia as notas tiradas nas avaliações sobre seus pacientes. Estava mais concentrada em um, especificamente, tentando juntar os detalhes de cada personalidade com a qual já havia cruzado até ali. Já passava das onze da noite, por isso decidiu que ia parar e dormir, finalmente. Seu dia havido sido bem longo e ela desejava uma merecida noite de sono. Arrumou as coisas e deitou-se.

Embora tentasse relaxar e adormecer, seus pensamentos voltavam sempre para o mesmo ponto: Joe. A chave...

Foi então que a campainha tocou.

- Não é possível! À esta hora. Quem poderá ser?

Mesmo sabendo que não era a hora mais adequada, foi até a porta. Às vezes as emergências aparecem nas horas mais impróprias. Ela, sendo a doutora, sabia bem... Levantou-se e foi até a porta. Espiou pelo olho mágico e quase não acreditou no que viu. Abriu a porta, com um puxão forte, tamanha a surpresa que teve.

***

- Soube que andavas à minha procura, mas não pude aparecer logo. Tive que segui-la, depois que saiu do consultório, mas não queria ser visto por ninguém, por isso demorei a subir. Precisamos mesmo conversar. É mais que hora...

- Mas, como...?

- Calma, doutora. Não vou fazer-lhe mal. Todos sabem quem eu sou. Eu sou um pacifista e não lhe represento nenhum perigo. Eu apareço quando os guerreiros estão em conflito ou cansados demais para lutarem. Chamam-me Joe – um nome comum para um homem comum.

- Finalmente, Joe. Tenho ouvido falar muito de ti, ultimamente. Preciso de sua ajuda, ou teremos um grande problema num futuro muito próximo. Todos anunciam-me que está por advir uma grande batalha. É sobre ela que devemos conversar. Como ninguém quis antecipar-me detalhes, tenho estado cada vez mais apreensiva.

- OK. Vou dar-lhe todos os pormenores do que eu sei e da grande batalha. Também de como podemos enfrentar o conflito, mas é melhor sentar-se...

A psicóloga olhou o homem que acabara de entrar com um misto de curiosidade, apreensão e uma grande ansiedade. Ele tinha uma cicatriz na face esquerda, visível a quem olhasse com cuidado, mas nada assustador. Sua expressão passava-lhe uma tranquilidade inexplicável.

Ela suspirou e sentou-se. Era a hora da verdade... finalmente!


***