- Férias?
- Sim. Férias. Nós nunca tiramos férias.
Desde que…
- Mas nem sabemos o que fazer… Não sei se é
uma boa ideia.
- Lembras dos nossos acampamentos? Aquilo era
divertido.
- Lembro. Lembro muito bem do último acampamento
e dos problemas que tivemos… muito embora isso já tenha acontecido há tanto
tempo…
- Pois então. Nós estamos vivos por causa do
incidente. Vamos ficar longe de problemas. Não vai acontecer nada de mal desta
vez. Eu prometo. OK?
- Não prometa. Ficar na base é que significa
ficar longe de problemas.
- Vamos lá. Eu já consegui autorização para
sairmos por três semanas.
- Como assim? Conseguiste autorização? Quer
dizer que eu fui traído, então!
O
rapaz riu e deu um leve soco no braço do amigo. Sabia que ele tinha, ainda,
reticências sobre aquele programa, mas estava praticamente convencido a tirar
as tais férias, depois de estarem tanto tempo reclusos naquela base militar.
***
- Temos que passar num lugar, primeiro.
- Que lugar? Não era esse o plano…
- Vamos ver como está a área, depois desse
tempo todo.
O
rapaz de óculos calou-se. Embora não tivesse previsto aquela aparente mudança
de planos, também tinha curiosidade em saber. Um súbito desconforto no estômago
e peito deu sinal de apreensão, mas ele só fechou os olhos e respirou fundo.
O
local, como era de esperar, ainda estava cercado e tinha muitas placas de
advertência, indicando proibição ao acesso e entrada de todos. O jeep alugado cortou caminho pela lateral,
onde havia uma brecha na cerca de arame farpado e entrou no vasto campo destruído
pela explosão nuclear, muitos anos atrás. O coração do rapaz de óculos
acelerou. O outro, ao volante, conduzia com o cenho franzido e o semblante fechado e com uma seriedade
e silêncio que já lhe eram peculiares. Cerca de cinquenta quilómetros adiante e meia hora depois, chegaram ao que parecia ser o centro da área. O rapaz consultou o GPS, para
confirmar se estava certo. Saltou do carro e olhou à volta. O deserto
estendia-se, a perder de vista, em um círculo de provavelmente bem mais que o dobro dos cinquenta quilómetros que já haviam viajado.
- Eu tinha que ter esta certeza… Eu só precisava
ter mesmo certeza absoluta… Nunca nos deixaram voltar, depois daquele dia.
O
outro estava de pé ao seu lado, com os olhos fixos num ponto à esquerda, onde
um dia houvera uma mata e onde ficaram soterradas muitas lembranças. Uma imensa
fenda estendia-se pelo campo até abrir-se numa grande cratera. Os dois soldados
aproximaram-se da borda e olharam para baixo. Terra seca e não fértil escorreu
para dentro da fenda, por baixo dos pés deles, até desaparecer da vista, na
escuridão.
O
vento assobiou na borda do precipício aberto. Um arrepio correu-lhes pela
espinha acima.
Os
dois viraram-se e voltaram ao jeep,
em meio à uma angústia silenciosa e com o propósito tácito de nunca mais
retornar a aquele árido, vazio e infecundo deserto, onde o passado havia sido
enterrado para todo o sempre. Estavam definitivamente convencidos que já não pertenciam
a aquele lugar. Era o destino a colocar uma pedra no passado e a abrir novos
horizontes, provavelmente cheios de novas oportunidades.
O
tempo encarregar-se-ia de transformá-los, aos poucos… ou não… mas constantemente.
Aqueles
dois rapazes eram, agora, soldados de elite, treinados numa base militar, que
lhes servia de lar, desde que o dia em que foram resgatados pelo exército, há
bastante tempo atrás.
***
Sentados
no hall do aeroporto, à espera da
chamada para o voo, os dois jovens homens não conversavam. Tinham as faces
sérias e os olhares distantes, ambos a olharem para fora, onde aeronaves de
várias companhias e localidades subiam e desciam, umas após as outras, de e
para os mais variados destinos.
Gentes
de todas as raças, nacionalidades e origens misturavam-se, arrastando malas de
todos os tamanhos, cores e formas, pelos corredores afora e em todas as
possíveis direções.
Os
fortes aromas das caras fragrâncias francesas exalavam das perfumarias do ‘Duty Free’, misturando-se com tantos
outros, nem todos tão nobres, pela longa avenida, repleta de viajantes e seus
pequenos grandes mundos. Vozes de diversas tonalidades e em vários idiomas misturavam-se
às chamadas para os voos, provenientes dos altifalantes, em múltiplos e
diferentes pontos do aeroporto internacional, caracterizando uma verdadeira e
moderna torre de Babel.
O
monitor exibiu, finalmente, a mensagem esperada com bastante aflição. O
embarque estava autorizado. Os dois levantaram-se, ajeitaram as mochilas às
costas e entraram na fila, em frente ao balcão de controlo. Alguns metros atrás
deles, dois olhos observaram seus movimentos, com cuidadosa atenção e com discrição
exemplar, certificando-se que não os perdia de vista.
Os
dois soldados passaram pela funcionária uniformizada, cruzaram a porta de
vidro, desceram a rampa e desapareceram na curva do corredor móvel, que levava
até a pequena porta da aeronave.
Poucos
minutos depois, acomodando-se nos assentos próximos às asas e ocupados em
ajeitar as mochilas nos apertados compartimentos acimas das cabeças, não
perceberam quando um dos passageiros passou e tomou o assento no lado oposto, algumas
fileiras atrás, assegurando-se que os dois eram mantidos sob constante e criteriosa
observação.
***
- Onde é que nós estamos?
- Não sei.
- Como é que nós viemos parar neste lugar?
- Não tenho ideia. Não sei o que aconteceu…
O
rapaz de óculos olhou à volta e não viu a mochila com seus pertences. Sua face manifestava
uma visível preocupação. O outro compreendeu sua confusão com genuína empatia. Era
evidente que estavam numa grande enrascada, mesmo sem saber a razão pela qual
estavam naquela sala trancada e muito mal iluminada. As paredes eram altas e
nuas, pintadas de um tom impessoal, provavelmente de bege, pouco distinto na
penumbra. O teto era apenas um borrão na escuridão. A sala era totalmente
desprovida de móveis, mas estava muitíssimo limpa, ainda com cheiro de
detergente no ar. A porta era de madeira lisa e escura, pesada e maciça e não
tinha fechadura, pelo lado de dentro. Como estava muito firmemente trancada,
provavelmente tinha um fecho com cadeado ou algo similar.
O
chão, feito de um bloco único de cerâmica polida, era de um pardo monocromático.
Havia uma impessoalidade muito fria e marcante no aposento e que dava-lhes a
impressão que servia para fins não muito dignos.
- Temos que repassar os últimos
acontecimentos a limpo e com cuidado, para tentar resgatar alguma memória. Qual
é a última coisa que tu lembras? Lembras de termos saído do avião? Lembras de
chegarmos até a saída?
- Sim. Lembro bem. Até acenarmos para o
táxi, já do lado de fora do aeroporto. Disso eu lembro claramente...
- Mas uma 'van' escura parou antes... e alguém
esbarrou em mim.
- Em mim também… Depois tudo ficou confuso…
Não consigo lembrar de nada direito. Acho que fomos drogados e assaltados.
- Ou sequestrados…
Os
dois rapazes chegaram à aquela conclusão com alarme nos olhos e com um aperto
no coração.
Um
estranho silêncio instalou-se no meio dos dois, quando ouviram o som de passos
a reverberar no piso do lado de fora do aposento onde estavam aprisionados. O ruído
de metal roçando contra metal e batendo solto na madeira deixou-os em posição
de alerta. Alguém mexia no ferrolho, abria a porta e entrava, sem ser anunciado,
nem convidado...
***
Tentei deixar a parte menor para não cansar a leitura. A segunda parte coloca nossos personagens, já conhecidos, em situações inusitadas...
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