Os
dois jovens homens atravessaram, correndo, o grande hall, a procura de uma saída. O som de seus passos ecoava pelas
paredes e pelo teto alto, em forma de abóbada com arcos góticos, que
sustentavam a pesada estrutura, num desenho arquitetónico bastante rebuscado.
Atrás deles, uma moça, um pouco mais nova que eles seguia, descalça e vestida
com uma espécie de túnica azul celeste, amarrada na cintura com um cordão da
espessura aproximada de um dedo, feito de fibra dourada e trançada à mão.
Os
rapazes viram um pórtico, também em arco, que dava para fora do edifício e
seguiram por lá. A moça ainda tentou avisá-los, mas já era tarde. A tal passagem
levava a um pátio murado, mas sem portões de saída, como se fosse uma varanda
fechada. As paredes de pedra lisa não permitiam que subissem e não havia nada à
volta que pudesse sugerir uma saída ou passagem que pudesse ser usada para
chegar a qualquer lado, ou para atravessar para o outro lado do muro. A única
alternativa era voltar para dentro. Eles subiram os três degraus de um pequeno
lance de escadas e correram na direção de onde vieram, novamente, chegando até onde
a moça os observava, sem mover-se, mas demonstrando uma certa impaciência, por
eles não lhe haverem dado ouvidos. Os dois passaram e carregaram-na junto com
eles, puxando-a pela mão. A moça foi junto, sem resistir. Os três seguiram pelo
corredor vazio até uma grande sala, muito maior que o hall por onde vieram e muito mais impressionante.
O
piso era de um mármore puro e muito alvo, praticamente sem manchas. As paredes pareciam
não haver sido pintadas alguma vez, não tinham nenhuma decoração adicional, nem
eram perfuradas por janelas ou quaisquer tipos de aberturas. Não haviam
cadeiras ou assentos no aposento, tampouco. Dois círculos concêntricos, um
vermelho e um dourado, estavam pintados no chão, à volta de onde uma árvore havia
sido plantada, provavelmente há muitas dezenas de anos, no centro daquela sala.
Suas muitas e longas raízes aéreas denunciavam sua idade. Seus ramos, longos e
pesados, eram sustentados por muitas forquetas de metal, tão antigas, que
muitas delas já faziam parte do madeiro, que as envolvia, como se quisesse que
nunca deixassem de sustentá-lo. Em volta do enorme tronco, uma encorpada liana,
quase sem folhas, subia em espiral, para além do limite do teto e perdia-se da
visão. Eles ficaram a olhar, boquiabertos, a imensidão daquela árvore
centenária, tão sóbria e respeitosamente senhora daquele lugar.
Passos
pesados e ligeiros aproximavam-se pelo corredor, fazendo os três entrarem em
estado de alerta, mudando o foco de sua atenção. Homens armados entraram na
grande sala, aparentemente dispostos a tudo. Os rapazes apressaram-se a subir
pela espiral, mas a moça, que havia ficado por último, foi logo apanhada por um
dos homens. O rapaz de óculos quis voltar atrás, mas ela gritou:
- Fujam! Depressa!
Ela
foi carregada para fora da sala e do campo de visão dos dois, enquanto um dos homens
começava a subir atrás deles. Não foi preciso muito para decidirem para qual
lado ir. Só tinham que ser mais rápidos que o seu perseguidor.
Por
cima do telhado, os ramos estendiam-se para além do limiar das muralhas da
grande edificação. Eles tomaram a direção do que pareceu ser a saída mais
próxima, por cima do pátio murado, onde estiveram minutos antes. Este estava
construído por cima de uma grande ravina rochosa. Uma névoa impedia de ver o
fundo do precipício, mas dali eles podiam ouvir o som de água a correr muito
abaixo de onde estavam. Vendo que aquela direção os conduziria à uma morte mais
rápida, os dois resolveram voltar.
O
rapaz de óculos virou-se e viu que o homem que os perseguia estava sobre o
mesmo galho da árvore em que estavam e vinha aproximando-se deles. Sem saber o
que fazer, ele paralisou, completamente, a meio caminho. Seu companheiro, ao
ver que ele não sabia como reagir, diante daquela situação, puxou-o para trás,
certificou-se que ele não caía e correu na direção do homem, que já apontava a
arma contra eles. A investida contra seu corpo pegou o homem de surpresa e
fê-lo perder o equilíbrio e cair por cima do telhado e rolar dali abaixo. Ainda
ouviu-se um tiro, que deve ter sido a reação do homem ao tentar apegar-se a
algo enquanto desabava do galho da imensa árvore.
Eles
correram para o outro lado, na direção de uma densa floresta, até onde um dos
galhos curvava para baixo, devido ao excesso de peso e saltaram para a mata.
Tinham que sair dali a qualquer custo.
Havia
uma espécie de trilha marcada, pela qual seguiram, por puro instinto. Se havia
aquele caminho tão distinto, devia, certamente, levar a algum lugar para fora
dali. Correram até onde a tal trilha terminava no topo do paredão da ravina.
Apesar de não ver o fundo, sabiam que passava um rio por baixo. Deviam ter
andado em círculos, à volta da fortificação. Uma saída era para trás, a tentar
encontrar outra alternativa. A outra era para baixo… E era muito abaixo de onde
estavam.
As
vozes de vários homens a gritar no meio da densa vegetação e aproximando-se
deles, rapidamente, fê-los entrar em pânico. Um rugido, aterrorizante e
ameaçador, ouvido atrás deles, muito alto e aparentemente muito próximo de onde
estavam, foi sinal suficiente para apressar-lhes a única possível decisão. A
saída, naquele momento, era, definitivamente, para baixo.
Eles
saltaram, antes que a fera – fosse ela qual fosse – e também os homens estivessem
perto demais. O tempo pareceu-lhes bastante longo, enquanto caíam no vazio,
entre o topo do paredão, a névoa do caminho e o fundo, onde esperavam haver
água… muita água…
Quando
a adrenalina está correndo muito rapidamente e em nível alto no corpo, a
perceção de tempo e espaço, bem como as sensações, são distorcidas pelo
cérebro. É como olhar pelo espelho lateral de um veículo, para certificar-se da
direção, mas sem saber ao certo se as distâncias estão bem calculadas. Era
necessário uma experiência maior, para certificar-se, mas não havia tempo para
experimentar.
O
impacto foi menor que eles imaginaram, quando chocaram-se contra a água fria do
largo e profundo curso de água. As corredeiras, porém, eram mais fortes que
eles esperavam e nadar era praticamente impossível. Deixaram-se ser arrastados
pela correnteza, rio abaixo, na esperança de que, em algum ponto mais adiante,
houvesse calmaria, para poderem sair dali, em segurança. Tentavam não afogar-se
nem engolir água demais, no caminho, mantendo a atenção um no outro, para não
ficarem perdidos, nem separados. Pelo menos estavam seguros, indo para longe de
onde caíram e da perseguição dos homens armados.
Alguns
quilômetros abaixo, quando as piores e mais violentas corredeiras já haviam
ficado para trás, mas ainda deixando-se levar pela correnteza, avistaram uma
região aparentemente mais virgem. Uma espécie de alívio tomou conta deles,
quando perceberam que estavam vivos e a salvo, longe da ameaça na fortaleza.
A
impressão foi logo desmistificada, quando viram que um grupo de homens os
observava de cima de uma grande rocha, na curva do rio. Sem saber se estavam a
salvo ou cada mais em perigo, deixaram-se levar, sem saudar os observantes.
Alguns
homens correram pela margem, seguindo os dois, provavelmente até um ponto onde
pudessem resgatá-los… ou atingi-los, de alguma forma e acabar, de vez, com a
vida deles. Uma sensação esquisita de medo, apesar de haverem sido treinados
pelo exército, passou pelos dois, instintivamente e ao mesmo tempo. A amizade
entre eles ia além de uma comum e parcial afinidade. Havia uma sintonia maior,
especialmente depois do que passaram juntos, até serem recolhidos por um
soldado num jeep do exército, há
muito tempo atrás.
Como
daquela vez, estavam incertos se, ao serem resgatados, estariam mais a salvo ou
em maior perigo.
Como
a sorte gostava de brincar com os dois, a correnteza ficou mais calma. Os
homens que corriam pelas margens, seguindo o trajeto deles, enquanto eram
levados pelas corredeiras, no leito do rio, aproximaram-se e entraram na água, apressando-se
a retirá-los de lá…
***
Uma nova aventura. Dois amigos em perigo.
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