- Sempre fui bastante inseguro. Quando era criança, tinha graves
problemas em tomar decisões. Tinha muito medo de errar. Questionava vezes e
vezes sem conta, se estaria a fazer a coisa certa… sempre.
- Mas se não tomavas nenhuma decisão, corrias o risco de nunca acertar,
tampouco… ou não?
- Pois…
Seu olhar foi-se perdendo na
distância, como se as recordações tomassem, paulatinamente, conta de seus
pensamentos. Falar de si não parecia ser uma coisa que estivesse habituado a
fazer, com naturalidade ou qualquer abertura. Uma espécie de nostalgia pareceu pairar
à frente de seu olhar. O passado, com certeza, não havia sido particularmente generoso
com aquele homem de meia-idade.
Brandon era, na sua própria
maneira, incomum e atraente, ao mesmo tempo. Era um homem atencioso e
bem-humorado. Tinha uma noção deveras distorcida a respeito de si mesmo e era
isso que o outro tentava perceber. Talvez não tivesse consciência que a
aparência física deixa de ter importância, a partir do momento que as pessoas se
conhecem melhor e que os próprios gostos diferem muito de uma pessoa para
outra.
Sentados na esplanada de um bar, à
beira-mar, os dois amigos bebericavam e conversavam, sem se olharem
directamente. Um ponto, além do horizonte… era para lá que os olhos de ambos estavam
voltados, distraidamente. O mais jovem, de cabelos claros e porte mais magro,
riu-se, um tanto nervosamente, tentando deixar Brandon mais à vontade. Também
falava pouco de si, mas não havia nenhum acanhamento naquela prosa informal. A
maturidade, certamente, fazia bem a ambos.
Ele continuou:
- Eu sempre fui gorducho e, no tempo de escola, era constantemente
vítima de ‘bullying’. Fingia que aquilo não me afectava. Para compensar, fazia
de tudo para ser o palhaço da turma, contando anedotas e cantando nas festas.
Com o tempo aproveitei-me destas ocasiões, meio que manipulando as pessoas, para
tirar algum benefício. Às vezes cantava por guloseimas, outras por dinheiro…
Era o queridinho das tias, que divertiam-se com minhas habilidades…
- E cantavas bem?
- Pelo menos tinha boa memória. Sabia todas as letras de cor…
Ele riu-se. Rir era nada mais que
uma defesa, que aprendera a usar, para disfarçar um certo constrangimento,
diante de certas situações. O outro fingiu que deixava aquela impressão passar
incólume.
- E o que diziam as miúdas?
- As miúdas?
Respondia com uma pergunta,
quando precisava de tempo para pensar numa resposta que lhe calhasse bem. Aquele
assunto tornava-o retraído e um tanto vago. E não era para menos. Alvo da maldade
dos colegas e dos irmãos, sua insegurança era mais que uma simples companheira.
Era parte quase gritante de si.
O amigo, então, falou a ele, como
se a uma criança:
- Sim. As meninas… as mulheres…
- Para falar a verdade, namorei muito pouco. Não era popular entre as
mulheres… Acho que por razões mais que óbvias.
- Porque? Não existem razões óbvias para isso. Sabes muito bem que as
pessoas têm gostos bastante diversos, umas das outras…
- Eu sei. Mas eu era gordo, feio, inexperiente e acanhado. Nenhuma
miúda ia levar-me a sério.
- Bobagem. Sabes bem que isto não é verdade. E como, então, chegaste a
casar? Afinal, encontraste alguém…
- Ela foi a única mulher que interessou-se por mim. Ria das minhas brincadeiras,
convidava-me a sair. Trabalhávamos no mesmo local e almoçávamos juntos…. Não
foi difícil, depois de algum tempo a andarmos sempre juntos…
- Mas não foi apenas uma forma de gratidão? Tenho a impressão que as
emoções ficaram muito pouco profundas neste campo…
Hesitou um pouco, como se ficasse
incerto de ser bem compreendido no que acabara de dizer, mas continuou:
- Claro que posso estar enganado…
- Achas que a maioria das pessoas casa por amor? Eu não tive muitas
opções.
Ele calou-se.
O outro olhou-o com seriedade. Uma
única mulher… numa vida inteira… parecia um estranho conto romântico da pudica
era vitoriana. Era difícil perceber como Brandon havia vivido assim, até aquele
ponto.
O breve silêncio foi, então,
quebrado com uma súbita mudança de assunto.
- Acabo de saber que vou ficar, por aqui, mais dois anos.
A informação veio assim: solta,
mas intencional. O homem mais magro ficou à espera de uma reacção. A pausa na
conversa não chegou a incomodar-lhe.
O outro sorriu. E era um sorriso
aberto… quase infantil.
- Então, não dizes nada?
- Não viste o tamanho do meu sorriso?
Os dois homens entreolharam-se. Seus
olhares cruzaram e foi como se um nó fechasse a garganta do outro, que ainda conseguiu
articular a pergunta, quase inofensivamente.
- Amigos para sempre?
- Mas sempre é tanto tempo…
Esperou que a troça, naquele
comentário, fizesse algum efeito.
(A defesa… ah, a defesa…)
O outro levantou uma sobrancelha,
como costumava fazer, quando desconfiava de algo ou desaprovava algum
comentário. Ele soltou uma gargalhada. Havia atingido o amigo, que riu em
resposta e voltou a perguntar:
- Então?
- Sim. Amigos para sempre!
Este texto também fez parte, em sua versão reduzida, do concurso que participei. O objectivo era começar e terminar com a palavra "SEMPRE"...
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