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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Brandon


- Sempre fui bastante inseguro. Quando era criança, tinha graves problemas em tomar decisões. Tinha muito medo de errar. Questionava vezes e vezes sem conta, se estaria a fazer a coisa certa… sempre.

- Mas se não tomavas nenhuma decisão, corrias o risco de nunca acertar, tampouco… ou não?

- Pois…

Seu olhar foi-se perdendo na distância, como se as recordações tomassem, paulatinamente, conta de seus pensamentos. Falar de si não parecia ser uma coisa que estivesse habituado a fazer, com naturalidade ou qualquer abertura. Uma espécie de nostalgia pareceu pairar à frente de seu olhar. O passado, com certeza, não havia sido particularmente generoso com aquele homem de meia-idade.

Brandon era, na sua própria maneira, incomum e atraente, ao mesmo tempo. Era um homem atencioso e bem-humorado. Tinha uma noção deveras distorcida a respeito de si mesmo e era isso que o outro tentava perceber. Talvez não tivesse consciência que a aparência física deixa de ter importância, a partir do momento que as pessoas se conhecem melhor e que os próprios gostos diferem muito de uma pessoa para outra.

Sentados na esplanada de um bar, à beira-mar, os dois amigos bebericavam e conversavam, sem se olharem directamente. Um ponto, além do horizonte… era para lá que os olhos de ambos estavam voltados, distraidamente. O mais jovem, de cabelos claros e porte mais magro, riu-se, um tanto nervosamente, tentando deixar Brandon mais à vontade. Também falava pouco de si, mas não havia nenhum acanhamento naquela prosa informal. A maturidade, certamente, fazia bem a ambos.

Ele continuou:

- Eu sempre fui gorducho e, no tempo de escola, era constantemente vítima de ‘bullying’. Fingia que aquilo não me afectava. Para compensar, fazia de tudo para ser o palhaço da turma, contando anedotas e cantando nas festas. Com o tempo aproveitei-me destas ocasiões, meio que manipulando as pessoas, para tirar algum benefício. Às vezes cantava por guloseimas, outras por dinheiro… Era o queridinho das tias, que divertiam-se com minhas habilidades…

- E cantavas bem?

- Pelo menos tinha boa memória. Sabia todas as letras de cor…

Ele riu-se. Rir era nada mais que uma defesa, que aprendera a usar, para disfarçar um certo constrangimento, diante de certas situações. O outro fingiu que deixava aquela impressão passar incólume.

- E o que diziam as miúdas?

- As miúdas?

Respondia com uma pergunta, quando precisava de tempo para pensar numa resposta que lhe calhasse bem. Aquele assunto tornava-o retraído e um tanto vago. E não era para menos. Alvo da maldade dos colegas e dos irmãos, sua insegurança era mais que uma simples companheira. Era parte quase gritante de si.

O amigo, então, falou a ele, como se a uma criança:

- Sim. As meninas… as mulheres…

- Para falar a verdade, namorei muito pouco. Não era popular entre as mulheres… Acho que por razões mais que óbvias.

- Porque? Não existem razões óbvias para isso. Sabes muito bem que as pessoas têm gostos bastante diversos, umas das outras…

- Eu sei. Mas eu era gordo, feio, inexperiente e acanhado. Nenhuma miúda ia levar-me a sério.

- Bobagem. Sabes bem que isto não é verdade. E como, então, chegaste a casar? Afinal, encontraste alguém…

- Ela foi a única mulher que interessou-se por mim. Ria das minhas brincadeiras, convidava-me a sair. Trabalhávamos no mesmo local e almoçávamos juntos…. Não foi difícil, depois de algum tempo a andarmos sempre juntos…

- Mas não foi apenas uma forma de gratidão? Tenho a impressão que as emoções ficaram muito pouco profundas neste campo…

Hesitou um pouco, como se ficasse incerto de ser bem compreendido no que acabara de dizer, mas continuou:

- Claro que posso estar enganado…

- Achas que a maioria das pessoas casa por amor? Eu não tive muitas opções.

Ele calou-se.

O outro olhou-o com seriedade. Uma única mulher… numa vida inteira… parecia um estranho conto romântico da pudica era vitoriana. Era difícil perceber como Brandon havia vivido assim, até aquele ponto.

O breve silêncio foi, então, quebrado com uma súbita mudança de assunto.

- Acabo de saber que vou ficar, por aqui, mais dois anos.

A informação veio assim: solta, mas intencional. O homem mais magro ficou à espera de uma reacção. A pausa na conversa não chegou a incomodar-lhe.

O outro sorriu. E era um sorriso aberto… quase infantil.

- Então, não dizes nada?

- Não viste o tamanho do meu sorriso?

Os dois homens entreolharam-se. Seus olhares cruzaram e foi como se um nó fechasse a garganta do outro, que ainda conseguiu articular a pergunta, quase inofensivamente.

- Amigos para sempre?

- Mas sempre é tanto tempo…

Esperou que a troça, naquele comentário, fizesse algum efeito.

(A defesa… ah, a defesa…)

O outro levantou uma sobrancelha, como costumava fazer, quando desconfiava de algo ou desaprovava algum comentário. Ele soltou uma gargalhada. Havia atingido o amigo, que riu em resposta e voltou a perguntar:

- Então?


- Sim. Amigos para sempre!