Faz, hoje, um mês que o conheci. Ele havia sofrido maus-tratos, sido expulso de casa, aos pontapés, por haver deixado cair, ao chão, umas pinguinhas de urina com sangue - resultado de uma infecção urinária, provavelmente devido ao stress a que esteve exposto - e fora recolhido por uma associação de protecção aos animais.
Cerca de três meses depois, estava a ler umas notas numa página da internet e vi a história do gatinho. Havia umas fotos, mostrando a carinha dele, no artigo, com um olhar distante e meio tristonho. Por algum motivo, aquela história deixou-me comovido e aflito. Ainda estava chorando a perda do Tiger e não conseguia entender como alguém podia fazer aquele tipo de coisas a qualquer bichinho que fosse. Eu havia tentado até o fim e feito tudo ao meu alcance, para que meu Tiger tivesse assistência até os últimos momentos de sua vida. Era-me estranho pensar que outros não fizessem algo parecido.
Entrei em contacto com as responsáveis da associação e perguntei a idade do bichano. Devia ter cerca de três anos, mas ninguém sabia dizer ao certo. Perguntaram se eu queria servir de família de acolhimento temporário (FAT) e ajudar a cuidar do animalzinho, por uns tempos, até que aparecesse alguém, para adoptá-lo oficialmente. Fiquei incerto e não disse sim, imediatamente. Depois de algumas conversas, combinamos que ele deveria vir para os meus cuidados, num fim-de-semana, de modo a dar-nos tempo de avaliarmos um ao outro por, pelo menos, dois dias completos.
Ele chegou numa transportadora flexível. Pelo que constava, não se sentia bem em viajar de carro, ficando bastante agitado no percurso. Já fora da caixa dentro da qual veio, ele começou a exploração do território, não sem antes avaliar-me, sem deixar tocá-lo, mas deixou-me uma boa impressão. Parecia um gatinho forte, apesar de um tanto assustadiço, mas com um jeitinho carinhoso de envolver-se e deixar-se apreciar. Já havia sido tratado e tinha um aspecto bem saudável e cuidado. Poucos minutos depois, aproximou-se e mostrou que estava pronto para um primeiro contacto. Ele deixou-se tocar e, para nossa surpresa, logo caminhou de rabo levantado, como se já sentisse incluso em território amistoso. Nunca demonstrou sinal de qualquer animosidade.
Quando fomos deixados a sós, decidi deixá-lo à vontade, para explorar todos os cantos e os recônditos do apartamento. Resolvi chamá-lo por Thomas. Uma capa de cor cinzenta cobre-lhe a parte de cima do pelo. A parte de baixo e as patas são de uma pelagem muito branca e macia. Seus olhos são verdes e sempre atentos a tudo, como em qualquer felino que se preze. Parece-se com Tom, o desastrado gato que persegue o camundongo Jerry – daí o nome cair-lhe bem.
Thomas tem seu próprio tempo. Ele é esperto e brincalhão. Sabe avaliar bem os limites, antes de tentar ultrapassá-los. Para um gatinho que havia passado pelo que ele passou, ser tratado com respeito e carinho é uma verdadeira dádiva. Ele é dócil e carinhoso. Não gosta de ficar ao colo, mas deixa-se ser afagado, quando aproxima-se, muitas vezes de propósito, a roçar-se nas minhas pernas. No início, talvez para sentir-se seguro, alimentava-se apenas quando me tinha por perto. Com o tempo, felizmente, tornou-se mais independente.
Ele aprecia música, especialmente quando a quietude da noite o convida a recolher-se e descansar. Que feliz surpresa!
Menos de vinte dias depois de tê-lo em casa, resolvi adoptá-lo oficialmente. Não conseguia imaginar outra pessoa a levá-lo para longe de mim, para sempre. Estava apaixonado, acho eu.
Levei-o ao veterinário, para avaliar suas condições físicas e confirmar se a infecção estava realmente curada. Tive a resposta positiva e voltei para casa, aliviado e satisfeito.
Ele já fazia parte da minha vida, que acabou tomando um rumo que eu não esperava, pelo menos assim tão cedo. Ganhei um grande companheiro em Thomas. Tenho certeza que este é o início de uma grande amizade.
Às vezes, como hoje de manhã, enquanto olho para o gatinho a fazer gracinhas no tapete da sala, comovo-me a pensar no que ele passou, no que sofreu, nos medos que teve… até chegar aqui, neste tempo e neste lugar, junto de mim… e não contenho as lágrimas. Não tenho de as conter, para falar a verdade.
Só penso que o pesadelo deste ser quase indefeso está no fim. Tudo que ele precisava era um pouco de atenção e outro tanto de autêntica afeição. Em mim, tem ambas e, ainda, muito mimo. Ele já é muito estimado, com certeza, e sabe disso. Seus olhos, de um lindo tom luminoso de verde, olham-me assim, de uma maneira enigmática, demonstrando afeição e, talvez, gratidão, quando aproxima-se e faz um cumprimento com a cabeça, pedindo um chamego.
Afago-o, passando a mão pelo corpo forte do bichano e ouço seu ronronar satisfeito. O pelo macio brilha com a luz e eu digo-lhe, baixinho, com a voz emocionada:
- Olá, filhote… está tudo bem, agora… Você é muito amado, sabia?
Ele fecha os olhos, devagar, numa demonstração de confiança, como se dissesse, no seu jeito meio estouvado e adorável de ser:
- Eu sei, amigo… eu sei…
Dedicado à amizade nova...
ResponderEliminarlindo, Elcio. Obrigada :)
ResponderEliminarFátima R
Obrigado, Fátima, pelo incentivo.
EliminarAdorei ler este texto. Obrigada por dar ao Thomas a oportunidade de serem felizes, juntos! :)
ResponderEliminarObrigado por leres o texto. Thomas é um capítulo novo na minha vida... e eu, na vida dele.
EliminarElcio, fico tão feliz por ter abraçado o Thomas como seu filhote, sei que o Tiger estará sempre no seu coração, mas o que estes animais têm de especial é a capacidade de cicatrizar o nosso coração e fazê-lo amar de novo como se fosse a primeira vez! Bem-haja por tudo e que Deus o abençoe! Joana R
ResponderEliminarBem verdade, Joana. Impossível nao deixar-me cativar por esta criatura tão especial. Obrigado pelo apoio.
EliminarLindo e perfeito! Obrigado por ser exactamente o que ele precisava e, merece :)
ResponderEliminarRosália Russo
Obrigado, Rosália, Ele é um presente em meu presente. Bjo.
ResponderEliminarLindo texto, parabens Thomas, tiveste sorte, ainda há pessoas muito boas neste mundo, um bem haja muito grande ao Pai do Tromas. beijinhos, Rosa Cruz
ResponderEliminarObrigado, Rosa. Tenho certeza que ele reconhece e dá-me muito carinho de volta. Estou muito feliz por tê-lo adoptado.
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